BRICS Monitor A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. Outubro de 2011 Núcleo de Desenvolvimento, Comércio, Finanças e InvestimentosBRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisa BRICS BRICS Monitor A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. Outubro de 2011 Núcleo de Desenvolvimento, Comércio, Finanças e Investimentos BRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisa BRICS BRICS POLICY CENTER - BRICS MONITOR A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. Autora: Manuela Trindade Viana e Raphaella Alves Coordenação: Leane Cornet Naidin A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. A Índia é um dos países que se mantêm crescendo economicamente de forma mais elevada nos últimos 25 anos, com taxas de crescimento que variam entre 6 e 10%. O país deixou de ocupar uma das últimas posições no ranking de países em desenvolvimento na década de 1960 para constar, atualmente, como a 9ª maior economia em termos de Produto Interno Bruto (PIB) nominal. O desempenho econômico da Índia tem constituído recorrente objeto de análises, pois gera desafios sobre seu enquadramento em padrões analíticos na área da Economia. É nessas linhas que se pode compreender a afirmação, em artigo recente da The Economist, que, “apesar do desejo de estrangeiros por um progresso mais ordenado (...), o caótico modelo de desenvolvimento da Índia tem reescrito os manuais” 1. Com efeito, a trajetória do país revela um caráter inédito, haja vista o papel desempenhado no crescimento econômico pela exportação off-shore de serviços de tecnologia da informação (TI)2 ; pelos investimentos estrangeiros diretos (IEDs); e pela integração com as cadeias produtivas globais. Trata-se, ainda, de um caso exemplar de crescimento impulsionado pelo setor de serviços 3. A participação do setor de manufatura na economia do país oscilou, desde a década de 1960, entre 20% e 30%. As participações dos setores de serviços e agricultura apresentaram tendências opostas entre si. A trajetória do primeiro mostrou-se ascendente e acelerada, principalmente no período posterior à década de 1980: de meados da década de 1950 a inícios da década de 1980, a participação do setor passou de 30 a 40%; nos trinta anos seguintes, houve um aumento de cerca de 20 pontos, aproximando à marca dos 60%. Já o setor agrícola passou de uma participação no PIB de 50% na década de 1960 a menos de 20% em 20104 (ver Gráfico 1). Tais dados adquirem maior complexidade se levarmos em conta a parcela da população indiana caracterizada como rural – cerca de 60% 5. Ver: Padovani, Fernando. Economia indiana em transformação. Mimeo, 2011. Paper apresentado em palestra no BRIC Policy Center, em 22 set. 2011, p. 1. 3 Ver: The Economist. The half-finished revolution. (21/07/2011). Acesso em: 28 set. 2011. 1 As exportações anuais de serviços totalizam aproximadamente US$ 40 bilhões, isto é, um terço da pauta de exportações do país. Trata-se da maior participação no mundo do setor de serviços em uma balança comercial. 2 Ver: The Economist. The half-finished revolution. (21/07/2011). Acesso em: 28 set. 2011. 4 Ver: Padovani, Fernando. Economia indiana em transformação. Mimeo, 2011. Paper apresentado em palestra no BRIC Policy Center, em 22 set. 2011, p. 21. 5 3 BRICS POLICY CENTER - BRICS MONITOR A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. Gráfico 1 em matéria de comércio – justificadas sob o argumento de que se trata de um setor sensível. Fonte: CEIC. Por fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Índia tem suas políticas comerciais monitoradas e analisadas pelo Secretariado desta instituição, por meio de mecanismos de supervisão. O principal instrumento empregado pelo Secretariado da OMC nessa tarefa é o da publicação de relatórios de Revisão da Política Comercial (Trade Policy Review -TPR, sigla em inglês) (ver Quadro 1). Esse quadro é refletido, em grande medida, na política comercial adotada pelo país. Um exemplo emblemático dessa afirmação pode ser observado no setor agrícola: sua menor participação na taxa de crescimento do país pode ser explicada, entre outros fatores, pelo caráter de subsistência que predomina na agricultura indiana. Mais de 80% dos agricultores trabalham em propriedades com menos de dois hectares, cuja produção é voltada para sua própria subsistência. Esse aspecto serviu de estímulo para que o governo adotasse políticas que priorizassem a chamada “segurança de subsistência” de grande parte desses agricultores6 . No contexto da publicação do mais recente relatório do TPR, em 14 de setembro, esta análise discute brevemente dois pontos destacados no documento acerca da política comercial recente indiana – a aplicável à agricultura e à política de investimentos – à luz do quadro apresentado acima, buscando identificar os principais desafios à liberalização do comércio na Índia, no âmbito da OMC. Qualquer análise das políticas comerciais adotadas no âmbito doméstico deve buscar compreender sua interface com as regras de comércio internacional. No caso em análise, a pequena escala e baixa produtividade observadas no setor agrícola explicam a baixa competitividade associada ao setor, bem como o caráter protecionista das políticas comerciais adotadas Desde a publicação do último relatório do TPR da Índia, em 2007, o país apresentou elevados índices de crescimento. De acordo com o Secretariado da OMC, a Índia logrou passar pela crise de 2008 sem que medidas protecionistas fossem adotadas com vistas a contornar os efeitos da retração na economia global7 . Apesar de Agricultura e investimentos estrangeiros na Índia: dois grandes desafios Durante a referida crise, o governo indiano expandiu as importações e exportações e implementou um pacote de estímulos, que incluía aumento de gastos, diminuição de impostos e direitos aduaneiros, além de medidas de apoio. Ver: WTO. Trade Policy Review – India. WTO, set. 2011, p. ix. 7 Ver: Gupta, Surupa. Mini-ministerial de Genebra: uma perspectiva indiana. In: Pontes - entre o comércio e o desenvolvimento sustentável, vol. 4, no. 5, pp. 7-8, out. 2008. Acesso em: 26 set. 2011, p. 7. 6 4 BRICS POLICY CENTER - BRICS MONITOR A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. um tom predominantemente positivo com relação ao desempenho do país em matéria de políticas comerciais, o relatório do TPR divulgado em setembro deste ano aponta a necessidade de avanços em áreas como tarifas à importação de bens agrícolas e investimentos estrangeiros diretos. Embora o Secretariado tenha registrado uma queda geral nas tarifas aplicadas pela Índia, o setor agrícola ainda apresenta um patamar elevado de proteção: a tarifa de importação aplicada sobre bens agrícolas é de 33,2% – comparativamente ao índice de 8,9% aplicado sobre bens manufaturados8 . O nível de proteção indicado acima gera certa dissonância com a posição defendida na participação da Índia no G-20 agrícola, uma vez que o objetivo geral da referida coalizão consiste em obter maior acesso a mercados agrícolas de países desenvolvidos. No entanto, cabe destacar que a posição indiana nas negociações multilaterais – e dentro da própria coalizão - no que toca ao setor agrícola, é caracterizada como essencialmente defensiva. Em linhas gerais, isso pode ser compreendido a partir de três eixos: i) a composição do setor agrícola do país; ii) a necessidade de que sua economia e sua força de trabalho sejam submetidos a transformações estruturais associadas à transição de uma economia fundamentalmente agrícola para uma economia industrial; e iii) a necessidade de que o governo implemente políticas domésticas de Ver: WTO. Trade Policy Review – India. WTO, set. 2011, p. xiii. 8 Ver: Gupta, Surupa. Mini-ministerial de Genebra: uma perspectiva indiana. In: Pontes - entre o comércio e o desenvolvimento sustentável, vol. 4, no. 5, pp. 7-8, out. 2008. Acesso em: 26 set. 2011, p. 7. reforma do setor agrícola9 . Nesse sentido, o tema de agricultura adquire relevância não somente na reflexão sobre os desafios que impõe sobre a trajetória do crescimento indiano, mas também quanto à conformidade entre as políticas setoriais adotadas no âmbito doméstico e as normas de comércio internacional, com relação às quais a Índia assumiu compromisso ao ingressar na OMC. Mais do que isso, o condicionamento exercido pelo setor agrícola no posicionamento da Índia nas negociações internacionais de comércio implica desafios à coordenação do país com os demais integrantes do G-20, relevante ao se constituir o G20 numa das principais coalizões de países em desenvolvimento no sistema multilateral de comércio. O tratamento dado pelo governo indiano aos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) também implica um desafio ao delineamento de políticas domésticas. A importância dos IEDs para a economia indiana é considerável: o setor que mais contribui para o PIB indiano é o de serviços de informática, o qual conta com aportes substanciais de IEDs. Ademais, juntamente com China e Brasil, a Índia é um dos maiores receptores de IED do mundo, na medida em que recebe US$ 25 bilhões por ano10 . O Estado indiano adota políticas de controle sobre tais investimentos, por meio de medidas como a restrição ao leque de setores abertos à recepção de IEDs; e a imposição de condições setoriais específicas. Atualmente, é proibido o IED no comércio varejista, nas ativi- 9 Ver: Padovani, Fernando. Economia indiana em transformação. Mimeo, 2011. Paper apresentado em palestra no BRIC Policy Center, em 22 set. 2011. 10 5 BRICS POLICY CENTER - BRICS MONITOR A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. dades ligadas a imóveis e na fabricação de tabaco e seus substitutos, além de em determinadas atividades agrícolas 11. Diante desse quadro, os dois últimos relatórios dos TPRs divulgados – em 2007 e 2011 – alertaram para a necessidade de uma abertura maior aos IEDs, bem como de uma transparência maior em relação às regras vigentes para o investidor estrangeiro. Esse último ponto constituiu objeto de especial atenção por parte da delegação dos EUA nas reuniões dedicadas a debater o relatório do TPR da Índia. Apesar de enaltecer a recente aprovação, pela Índia, de uma consolidação dos regulamentos acerca de IED, o embaixador estadunidense junto à OMC, Michael Punke, ressaltou que ainda são necessários avanços nessa matéria. Para ele, a falta de transparência no tratamento de IEDs12 é um dos motivos pelos quais pequenas e médias empresas estrangeiras não obtêm sucesso em investimentos e negociações na Índia13 . nas cadeias produtivas entre as nações. Na interface das regras de comércio domésticas e internacionais O relatório do TPR da Índia, divulgado recentemente pela OMC, toca em dois pontos centrais do quadro econômico indiano, com implicações para a política comercial do país: agricultura e IEDs. A heterogeneidade com que as reformas liberais da década de 1990 atingiram os diferentes setores da economia indiana acabou por reforçar um setor agrícola fundamentalmente voltado à subsistência, e caracterizado pela baixa competitividade. Conforme discutido, tais traços são evocados pelo governo para justificar as elevadas tarifas sobre as importações de bens agrícolas. Este aspecto representa um desafio à observância de regras internacionais de comércio pela Índia. Note-se que a busca de maior transparência e facilitação nas regras que afetam o fluxo de investimento internacional é um fator relevante nas negociações nos foros internacionais, em um cenário onde o crescimento econômico está associado a crescentes graus de integração Mais do que isso, ao condicionar o posicionamento nas negociações multilaterais de comércio, a política agrícola indiana impõe entraves à articulação da Índia com outros países em desenvolvimento – em especial os emergentes, que constituem o ponto focal das negociações multilaterais de comércio. Ver: WTO. Trade Policy Review – India. WTO, set. 2011, p. xi. Outro ponto destacado pelo relatório do TPR diz respeito à transparência e às restrições colocadas aos IEDs no país. Assim como em qualquer outra economia emergente de rápido crescimento, a confiança para investir está atrelada à certeza quanto a um crescimento sustentado no longo prazo. Ora, se o desempenho da Índia apresenta uma trajetória inédita de crescimento, parece plausível supor que a segurança 11 As preocupações dos EUA com relação a transparência não se restringem, entretanto, ao tema de IEDs: o embaixador Punke também destacou que a Índia não tem submetido adequadamente notificações à OMC, particularmente nas áreas de agricultura e subsídios. 12 Ver: http://indiabusiness.asia/indias-trade-policy-lacks-transparency-us/ 13 6 BRICS POLICY CENTER - BRICS MONITOR A Revisão da Política comercial da Índia na OMC: implicações das políticas domésticas para as regras de comércio internacional. esperada pelos investidores estrangeiros parta de mecanismos legais capazes de oferecer suporte jurídico aos IEDs. E é este o ponto sobre o qual incide grande parte das exigências dos demais membros da OMC à Índia. Nota Informativa: Tais ajustes não são de menor ordem, uma vez que os investimentos desempenham um papel crucial no setor de serviços, responsável por mais de 50% do PIB indiano – o que torna ainda maior a necessidade de resposta às demandas apresentadas no relatório do TPR. O Relatório de Revisão de Políticas Comerciais (em inglês, Trade Policy Review – TPR) é um documento analítico e avaliativo da política comercial – e de políticas relacionadas – dos países membros da Organização, publicado regularmente pelo Secretariado da OMC. Assim, é provável que o duplo condicionamento entre regras de comércio domésticas e internacionais constitua uma persistente equação nos processos de tomada de decisão – tanto na Índia, como em seus parceiros comerciais e na OMC. Segundo disposições estabelecidas no Tratado de Marrakesh, a regularidade da publicação do TPR varia em função do país analisado. Para as quatro maiores economias do mundo, o relatório é elaborado a cada dois anos; os países entre a 5ª e 20ª posições têm sua política comercial avaliada quadrienalmente; e o restante dos países, a cada seis anos. Bibliografia Gupta, Surupa. Mini-ministerial de Genebra: uma perspectiva indiana. In: Pontes - entre o comércio e o desenvolvimento sustentável, vol. 4, no. 5, pp. 7-8, out. 2008. Acesso em: 26 set. 2011, p. 7. Padovani, Fernando. Economia indiana em transformação. Mimeo, 2011. Paper apresentado em palestra no BRIC Policy Center, em 22 set. 2011. - Sobre o TPR Durante a elaboração do relatório, o Secretariado desenvolve um trabalho intenso de coleta de informações e esclarecimentos junto ao governo do país em análise e, antes da divulgação do relatório, o TPR é submetido à análise do Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais, ocasião em que todos os membros da OMC podem fazer observações ao relatório. The Economist. The half-finished revolution. (21/07/2011). Acesso em: 28 set. 2011. WTO. Trade Policy Review – India. WTO, set. 2011. 7