A GEOGRAFIA ESCOLAR E AS DIFICULDADES EM ROMPER

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A GEOGRAFIA ESCOLAR E AS DIFICULDADES EM ROMPER COM O
TRADICIONALISMO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Maria das Dôres Florencio de Araujo Silva
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Geografia /PPGG – UFPB.
Professora da rede estadual de ensino de
Pernambuco e do município de Garanhuns/PE.
[email protected]
Maria Adailza Martins de Albuquerque
Professora do Centro de Educação da UFPB
PPG em Geografia e PPG em Educação – UFPB
[email protected]
Resumo: Neste artigo, propomos uma reflexão crítica sobre características que norteiam a
prática pedagógica do ensino de Geografia, de modo particular, na Educação Básica.
Enfatizaremos permanências de determinados procedimentos metodológicos, como a prática
mneumônica excessiva, visto que dificultam a efetivação da contextualização dos conteúdos,
bem como, da interdisciplinaridade. Objetivando compreender essa complexidade, ainda tão
presente no fenômeno educativo contemporâneo, teremos como cerne o professor
sua
formação e prática docente. Pretendemos, sobretudo, evidenciar fatores que dificultam a ruptura
do tradicionalismo e consequentemente sua manutenção, analisando interferências internas e
externas ao processo ensino-aprendizagem que comprometem a construção do conhecimento
geográfico crítico-reflexivo e desenvolvimento de uma cidadania ativa.
Palavras-chave: Geografia Escolar, Formação Docente, Tradicionalismo, Prática Pedagógica,
Educação Básica.
1. Introdução
Este texto apresenta uma síntese da pesquisa ainda em desenvolvimento, da
Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPB, sob orientação da
professora Drª Maria Adailza Martins de Albuquerque.
Ao longo da minha docência na rede estadual de ensino de Pernambuco,
Educação Básica e, também do município de Garanhuns/PE, situações adversas
aguçaram ainda mais em mim, interesse em investigar e analisar as razões de
permanências/resistências de práticas pedagógicas tradicionais. De modo particular, as
dificuldades de ruptura com o tradicionalismo no ensino de Geografia.
Nos dois últimos séculos e, na primeira década do século XXI, ocorreram e
ainda estão acontecendo transformações consideráveis, sendo importante observar o
surgimento de novas tradições, ou seja, inovações que se revestem, também de um
caráter de antiguidade, mas que não as tornam menos novas.
Portanto, Hobsbawm(1997) , alerta que:
[...] é preciso que se evite pensar que formas mais antigas de
estrutura de comunidade e autoridade e, consequentemente, as
tradições a elas associadas, eram rígidas e se tornaram rapidamente
obsoletas; e também que as “novas” tradições surgiram
simplesmente, por causa da incapacidade de utilizar ou adaptar as
tradições velhas. [...] o objetivo e as características das
“tradições”, inclusive das inventadas, é a invariabilidade. O
passado real ou forjado a que elas se referem impõe práticas
fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetição.
Sendo assim, é importante fazer uma série de considerações do ponto de vista
das abordagens geográficas e pedagógicas, sejam elas modernas/críticas ou
clássicas/tradicionais. Entretanto, é fundamental que se faça outras considerações, por
exemplo: se, e como o professor de Geografia promove a mediação e,
consequentemente, contextualização dos conteúdos; qual tipo de tratamento didático
pedagógico o professor irá lançar mão para que esse “conteúdo” possa transformar-se
em aquisição de conhecimento sobre o mundo (KIMURA, 2008), de modo que o aluno
possa compreender as conexões entre o espaço vivido ou concebido em diferentes
escalas
regional, nacional e global.
Relacionados a estes aspectos e tão fundamental quanto, são a formação
continuada em serviço; a pesquisa e estudos sobre Currículos, História das Disciplinas
Escolares e, particularmente, da Geografia Escolar no Brasil; a formação docente
inicial; a cultura escolar
fatores internos e externos.
Neste momento da contemporaneidade, a prática educativa, quando bem
estruturada e fundamentada numa opção de valores e ideias, consegue esclarecer
situações e contribui para a realização de projetos que promovem a interação do
educando na sociedade. Portanto, todos os envolvidos nesse processo
prática
educativa, precisam desenvolver a criatividade, ser renovadores e críticos, buscando a
autonomia e promovendo transformações. Uma vez que o fenômeno educativo interfere
diretamente na estrutura econômica, sociopolítica e cultural.
Como os fenômenos, globalização e educativo não têm se propagado em
qualidades e ritmos simultâneos nos Estados e Regiões brasileiras, assim como no
mundo, bem como em decorrência do atual contexto geopolítico do Brasil, há
preocupações quanto ao desenvolvimento de políticas de implementações na estrutura e
funcionamento dos diferentes níveis de instituições de ensino. No entanto, é importante
analisar os controles técnicos internos e externos que, geralmente, mascaram aspectos
ideológicos, os quais interferem no desenvolvimento do senso crítico de professores e
de alunos e, por conseguinte, na orientação de suas atividades e relações com o meio.
Como período e como crise, a época atual mostra-se, aliás como coisa
nova. Como período, as suas variáveis características instalam-se em
toda parte e a tudo influenciam, direta ou indiretamente. Daí a
denominação de globalização. Como crise, as mesmas variáveis
construtoras do sistema estão continuamente chocando-se e exigindo
novas definições e novos arranjos. Trata-se porém, de uma crise
persistente dentro de um período com características duradouras,
mesmo se novos contornos aparecem. (SANTOS, 2000, p. 34)
Sem dúvidas, especialmente, esta primeira década do século XXI, trouxe à tona
problemas e transformações provenientes do desenvolvimento do capitalismo em plena
expansão, exigindo reestruturação na escala produtiva e, consequentemente qualificação
e especialização de mão-de-obra. Estando o Brasil, inserido nesse processo, a qualidade
da nossa educação é motivo de muitas e importantes discussões, emergindo e fazendose apelo às questões filosóficas, históricas, ambientais e sociais.
2. Breve análise sobre a resistência do tradicionalismo
Em diferentes períodos da história da educação básica e do ensino de Geografia
no Brasil, o tradicionalismo – problemática metodológica foi e continua sendo o cerne
de relevantes discussões, uma vez que participaram renomados professores como
Aroldo de Azevedo, Paulo Freire e tantos outros importantíssimos personagens da
história da educação do nosso país. Sabemos o quanto os mesmos contribuíram para o
desenvolvimento do processo de estruturação e renovação das instituições educacionais
e, particularmente, do ensino básico e superior/acadêmico.
Atualmente, muitos professores pesquisadores estão engajados em projetos que
objetivam não simplesmente a renovação do ensino, mas primam, essencialmente, pela
qualidade da educação. Contudo, é bastante comum nos depararmos com situações e
indivíduos resistentes e/ou com dificuldades em promover uma recuperação cultural de
práticas pedagógicas que comprometem a prática docente. Dessa forma, o
tradicionalismo na prática docente, tão questionado em distintos períodos históricos da
educação brasileira, ainda é objeto de estudo, pois mesmo face ao novo/moderno/atual,
o tradicionalismo resiste. Como justificar tal resistência?
Compreendemos
que
parte
dessas
resistências
estaria
associada
ao
posicionamento da sociedade, em especial dirigentes, pais e alunos que resistem em
aceitar novas metodologias e romper com a segurança das tradicionalmente
estabelecidas ( ALBUQUERQUE, 2008).
É possível ampliar ainda mais a compreensão sobre este fato, especialmente por
meio da pesquisa, investigação e análise científica. Inicialmente, pode-se observar que o
aprimoramento – característica do novo/atual, não implica necessariamente em romper
com o antigo e/ou tradicional. Estabelecendo um parâmetro entre esta constatação e as
práticas pedagógicas atuais, podemos identificar uma das muitas razões da pertinência
de aspectos tradicionais na docência de um número significativo de professores de
Geografia e, também, de outras disciplinas.
Dessa forma, é importante salientar que a origem e manutenção dessas práticas
tradicionais estão imbricadas em um sistema de redes.
As redes são criadas para facilitar operações práticas imediatamente
definíveis e podem ser prontamente modificadas ou abandonadas de
acordo com as transformações das necessidades práticas, permitindo
sempre que existam a inércia, que qualquer costume adquire com o
tempo, e a resistência às inovações por parte das pessoas que adotam
esse costume. O mesmo acontece com as “regras” reconhecidas dos
jogos ou de outros padrões de interação social, ou com qualquer outra
norma de origem pragmática. (HOBSBAWM, 1997, p. 11)
Portanto, ao refletirmos sobre a afirmação do autor supracitado, ratificam-se
aspectos do nosso objeto de estudo e nos instiga à pesquisa das causas específicas de
tais resistências e/ou inércia de profissionais da educação, especialmente de professores
em sala de aula. Para tanto, precisamos analisar as permanências e mudanças de
procedimentos metodológicos utilizados no ensino de Geografia no bojo do
desenvolvimento da história das disciplinas escolares e, particularmente, de Geografia.
Sendo indispensável, também o estudo sobre currículo e formação docente.
3. Abordagens teóricas sobre a Geografia Escolar e a formação docente
Muitas pessoas de diferentes posições sociopolíticas e pesquisadores de
diferentes áreas do conhecimento têm interesse em desenvolver estudos sobre a escola,
o sistema educacional e o ensino de Geografia, porém é interessante salientar que para
trabalhar com suas complexidades é necessário conhecer os problemas socioculturais e
socioeconômicos da população/comunidade a qual a escola está inserida. Todavia, não
cabe apenas aos especialistas nesses temas trabalhar com seriedade e responsabilidade.
Todos os envolvidos, direta ou indiretamente, com o fenômeno educacional precisam se
comprometer com as especificidades e com todo o processo ensino-aprendizagem.
Sendo assim, é fundamental considerar os estudos sobre a história das disciplinas
escolares, os quais revelam que as mudanças em uma disciplina e no conteúdo escolar,
estão condicionadas aos fatores internos e externos e, em sua análise é imprescindível
considerar a perspectiva sócio-histórica, segundo as pesquisas desenvolvidas pelo inglês
Ivor Goodson.
Considerando as finalidades culturais diversas do ensino escolar, em cada época,
André Chervel (1990) aborda a oposição entre educação e instrução, consignando à
escola sua função educativa.
Contudo, o francês Yves Chevallard, afirma que a disciplina escolar/escola
promove a transposição didática, ou seja, o conhecimento erudito é vulgarizado pela
escola. Portanto, este autor recebe críticas de Chervel (1990) que o adverte sobre a
relação de hierarquia entre o conhecimento difundido pela academia e pela escola
quando se compreende a relação entre elas a partir da transposição didática, pois, nessa
perspectiva o saber escolar seria classificado como de segunda classe e, portanto,
inferior ao conhecimento acadêmico.
Chervel (1990) e Goodson (1990) se opõem à concepção de disciplina escolar
como transposição didática, primeiro porque não restringem suas diferenças apenas ao
estatuto epistemológico, mas, sobretudo, quanto ao papel que ambas desempenham e,
portanto, consideram conotações sociais mais amplas.
E depois, pelo fato de
considerarem a escola um lugar de produção de saberes próprios, todavia não negam a
relação/interdependência entre os mesmos (BITTENCOURT, 2004).
Dessa forma, o conhecimento escolar pode diferir do conhecimento científico ao
serem consideradas suas finalidades, mas não inferiorizado, uma vez que as disciplinas
escolares, segundo Chervel, são parte integrante da cultura escolar, sendo esta
influenciada por fatores intra e extraescolares.
Circe Bittencourt (2004, p. 45) afirma que Goodson se posiciona contra a
concepção de transposição didática explicando que:
Muitas matérias escolares não apresentam as mesmas estruturas das
disciplinas acadêmicas e não se utilizam de conceitos e métodos
semelhantes. Ademais, argumenta que muito do que se trabalha na
escola nem tem uma disciplina base ou ciência de referência,
constituindo uma comunidade autônoma que recebe múltiplas
interferências, como a dos próprios professores e de toda uma série de
pessoas ligadas ao poder da administração escolar, além das demandas
da sociedade.
Sendo assim, compreende-se que a escola organiza o conhecimento segundo sua
lógica interna e esta, por sua vez, exerce e sofre influências externas. Embora o saber a
ser ensinado possa ser transformado em saber apreendido, por intermédio do professor.
A Geografia Escolar possibilita criar e utilizar metodologias e/ou instrumentos
que busquem a interação entre a construção e a reconstrução do conhecimento, numa
perspectiva de totalidade, de tal modo que o educando possa refletir sobre o
passado/presente e discutir o futuro numa ação recíproca entre sociedade/natureza e a
comunidade na qual está inserido. Sendo a mediação, fundamental para a efetivação
desse processo.
Atualmente, o ensino de Geografia se referencia na ruptura de um paradigma
antigo e sua substituição por um novo paradigma, embora esse processo já tivesse sido
descrito na década de 1990:
Isso deixa claro que, ao afastar-se do paradigma tradicional, e ao
aproximar-se do político tal qual o definimos anteriormente, a
geografia contribui para explicar as complexas transformações que
estamos vivendo, e que estão modificando a cartografia do espaço
geográfico mundial numa velocidade que desconhecíamos, de forma
que o seu papel na instituição escola deixa de ser o de mera
reprodução de uma ordem que a história já mostrou ultrapassada. Sem
dúvida alguma, se persistirmos nesse paradigma, que embasou (e
escamoteou) com perfeição a ideologia do nacionalismo patriótico, a
Geografia será substituída por outras ciências mais sintonizadas com a
reprodução do status quo. (VLACH, 1991, p. 65).
A prática de ensino tradicional da Geografia presente na postura de alguns
professores demonstra uma crise paradigmática que culmina ou se entrecruza com a
crise epistemológica, tanto da ciência quanto da disciplina à medida que ambas se
afastam de seus objetivos principais ao fragmentar o processo de construção do
conhecimento geográfico.
Segundo Bittencourt (2004, p. 47), André Chervel adverte que:
Na atualidade, a crítica sobre os cursos superiores na França
semelhante à feita no caso do Brasil
refere-se exatamente ao
distanciamento entre pesquisa e ensino, e por essa razão a
“decadência” ou “crise” universitária é denominada de
“secundarização do ensino superior”. E “secundarização” significa
exatamente a diferenciação entre os dois níveis de ensino: os cursos
superiores afastam-se de seus objetivos fundamentais e as disciplinas
organizam-se de forma separada do processo de conhecimento
científico.
Por
isso,
é
necessário
compreender
a
necessidade
de
diálogo
permanente/frequente entre as disciplinas escolares e acadêmicas. Na atualidade, não é
suficiente entender apenas as especificidades inerentes à Geografia, mas também
desconstruir o caráter de fragmentação, de forma a intervir no processo de ensinoaprendizagem, como forma de valorizar o entendimento do espaço geográfico como
uma extensão física e humana. Uma vez que a disciplina escolar objetiva formar
educandos que precisam se situar em sociedade.
Não se trata de aplicar modelos pré-estabelecidos, mas criar formas para que os
profissionais envolvidos na educação básica busquem a construção de conhecimentos
experimentando novas metodologias de ensino, que venham ao encontro das
necessidades concretas dos alunos, produzindo assim, saberes reais.
Nessa concepção, a escola, e não só os professores em sala de aula,
deve ser responsável pelo envolvimento de seus alunos em seu próprio
processo de aprendizagem, de formação intelectual, social e afetiva. A
escola tem um papel importante como espaço do debate dos
problemas educacionais vivenciados no país e na própria comunidade
onde se situa, e deve também ser responsável pelo exercício da
cidadania crítica, criativa e participativa. (CAVALCANTI, 2011, p.
82).
Por isso, os procedimentos metodológicos a serem utilizados no processo de
construção do conhecimento geográfico precisam ser analisados e os objetivos bem
definidos no plano de ensino, possibilitando ao aluno pesquisar e compreender o espaço
econômico, político e social em que está inserido. A Geografia Escolar tem um papel
ideológico. Por isso, não cabe a ideia da neutralidade científica; se, de um lado, essa
disciplina contribui para reprodução da dominação, por outro lado, as práticas
educativas demonstraram lutas concretas dos educadores dessa área pela melhoria do
ensino público.
A construção de pressupostos teóricos e metodológicos para o ensino de
Geografia orienta-se pelo olhar no futuro, mas resgata as construções passadas, por
defender que o passado tem história(s), e que é preciso considerá-lo para se apontar
perspectivas na estrutura educativa. Assim, a proposta didático-metodológica do ensino
de Geografia precisa considerar toda complexidade que envolve o fazer geográfico, isto
implica em conhecer e compreender suas conexões.
Vanilton Souza (2011) aborda aspectos relevantes quanto à formação do
professor de Geografia na atualidade, enfatizando a importância das fundamentações
teóricas do francês Gaston Bachelard no que se refere à “retificação do erro”, e do russo
Lev Vigotski em relação à “mediação”. Ele traz à discussão a relação e importância
desses dois fundamentos teóricos como procedimentos de ensino considerados
potencializadores do processo de construção do conhecimento do professor de
Geografia: o trabalho de campo e o ensino pela pesquisa.
Sendo o conhecimento um processo da ação do pensamento do indivíduo
inserido num universo social e cultural, Bachelard (1996, 2004) e Vigotski (2004)
afirmam que:
[...] essa ação promoverá relações qualitativas com a realidade. A
episteme geográfica, por exemplo, trata-se de realidades
social/temporal/espacial, nas quais o sujeito está inserido, tendo em
vista o processo cognitivo sobre elas empreendido. (BACHELARD e
VIGOTSKI. In: SOUZA, 2011, p. 124 – 125).
Podemos constatar a importância destas fundamentações teóricas. No entanto,
confirma-se que ainda não há um despertar, um comprometimento quanto à utilização
desses procedimentos teóricos na educação acadêmica e mais expressivamente na
educação escolar, embora a pesquisa na formação acadêmica, especialmente na
formação do professor de Geografia, atualmente, tenha apresentado um cenário positivo
e propício para o desenvolvimento desta atividade.
4. Concepções sobre currículos e ensino de Geografia
Os currículos podem se constituir em uma problemática, visto que, geralmente
chegam ao âmbito escolar como se estivessem prontos e acabados para a grande maioria
dos professores. A utilização dos livros didáticos, também, tem sido outra problemática
para o ensino de Geografia, à medida que são transformados em currículos. Quais
seriam as razões que os levam a pensá-los e utilizá-los desta forma? Seria a falta de um
conhecimento crítico sobre a função real dos currículos e dos livros didáticos? É a falta
de compromisso político com o ensino, em consequência da inexistência da pesquisaação crítica? Os currículos estão sendo construídos democraticamente na escola?
Na tentativa de responder a esses questionamentos, façamos uma reflexão sobre
a seguinte afirmação:
A pesquisa-ação crítica é o ato democrático consumado, porque
permite aos professores ajudar a determinar as contradições de seu
próprio trabalho. A pesquisa-ação crítica facilita a tentativa dos
professores para organizarem-se em comunidades de pesquisadores
dedicados a experiências emancipatórias para eles mesmos e para seus
alunos. (KINCHELOE, 1997, p.180).
Sendo assim, ao unirem-se para discutir sobre o que é ensinado e o que deveria
constituir os objetivos da escola, não apenas a autorreflexão crítica é promovida, mas
principalmente, desenvolvem-se possibilidades de tomadas de decisões conjuntas e específicas
para cada ambiente escolar.
No entanto, muitos profissionais envolvidos diretamente com a educação básica,
colocam o ensino de Geografia dependente completamente do conhecimento erudito, ou seja,
científico. Trabalhando mais os conteúdos conceituais do que os conteúdos procedimentais.
“Neles agrupamos às habilidades ou capacidades básicas para atuar de alguma maneira as
estratégias que as pessoas aprendem para solucionar problemas ou as técnicas e atividades
sistematizadas relacionadas com aprendizagens concretas.” (VALLS, 1996).
Para entender melhor as dificuldades ou equívoquos sobre currículos, recorremos a Ivor
Goodson (1999) e sua compreensão sobre “currículo pré-ativo” e “currículo interativo”, bem
como a Albuquerque (2011). Ambos chamam à atenção para a necessidade de análise dos
mesmos:
[...] a construção pré-ativa pode estabelecer parâmetros importantes e
significativos para a execução interativa em sala de aula. Por
conseguinte, se não analisarmos a elaboração do currículo, a tentação
será a de aceitá-lo como um pressuposto e buscar variações dentro da
sala de aula, ou pelo menos, no ambiente de cada escola em particular.
Estaríamos aceitando como tradicionais e pressupostas versões de
currículo que, num exame aprofundado, pode ser consideradas o
clímax de um longo e contínuo conflito. (GOODSON, 1999, p. 24).
Recentemente em alguns estados brasileiros, tomando como referência o de
Pernambuco, os professores têm sido direcionados a seguirem as denominadas
Orientações Teóricas e Metodológicas (OTM) na elaboração dos planejamentos de cada
unidade bimestral. Isto tem causado inquietações e angustias, pois muitos não sabiam
como ter acesso às mesmas e por não saberem que se tratava do antigo currículo, mas
com uma nova denominação, neste caso um currículo estadual. E ao terem acesso,
percebeu-se que havia alterações quanto à correlação conteúdos/séries, em especial, no
Ensino Médio.
Pela falta de assistência pedagógica em muitas escolas, poderíamos até justificar
este fato. Mas ocorre que até mesmo em escolas que disponibilizam apoio pedagógico,
professores geralmente, não são orientados ou não há esforços para analisarem em
conjunto esses documentos, tendo como justificativa mais comum as dificuldades para
reunirem-se.
Dessa forma, observamos que um número significativo de professores
compreende que o currículo é simplesmente, um elenco de conteúdos que chegam à
escola para serem seguidos durante o ano letivo:
Geralmente, os professores que têm essa postura a respeito de
currículo não têm formulado perguntas que possam mudar esse olhar
tão simplista sobre tal objeto. A Teoria Crítica dos Currículos indica
alguns questionamentos na perspectiva de compreender os currículos,
desde a sua elaboração até o seu uso na escola. Entre essas perguntas,
as referentes ao elenco de conteúdos, a saber: Quais são os conteúdos?
Quem os legitima? Como, por que e por quem foram selecionados?
Para que servem os currículos? Como eles são utilizados por
Professores? As respostas para essas perguntas possibilitariam
mudanças sobre o currículo. (ALBUQUERQUE, In. Tonini, 2011, p.
160).
No entanto, alguns educadores sabem o quanto é indispensável à realização
efetiva dos encontros para a formação continuada e outros encontros como os que são
realizados para análise e escolha dos livros didáticos. Mas muitos professores, por
motivos diversos, não assumem o papel o qual lhes confere a profissão e a função.
Portanto as dificuldades em realizar estudos de currículos, elaboração de planejamentos,
escolha de livros didáticos, elaboração e execução de projetos, dentre outras coisas,
podem implicar em manter o tradicionalismo e em dificultar o avanço da melhoria da
qualidade da educação.
A escolha e utilização do livro didático requerem enorme atenção e
responsabilidade, dependendo de conhecimentos específicos e pedagógicos para fazer
uma escolha coerente. Pois além de ser para a grande maioria dos educadores o
principal recurso didático, também é transformado em currículo por um número
considerável de professores.
De acordo com Albuquerque (2011), quando os livros são a única referência
para o professor, estes se transformam em currículo, e:
[...] ao invés de serem um recurso didático, os livros tornam-se,
efetivamente, um currículo pré-ativo. E, como recursos didáticos,
podem contribuir para a efetivação de um currículo interativo, visto
que contribuem com o desenvolvimento das práticas escolares de
alunos e de professores. (ALBUQUERQUE, In. Tonini, 2011, p. 166).
Dessa forma, é evidente a importância da existência do currículo interativo,
porque este se caracteriza pelo estabelecimento de parâmetros entre o currículo préativo e a ação e negociação interativa no âmbito da escola, pois a escola é, também,
espaço de cultura e lugar de conhecimento. É interessante salientar que o livro didático
é um importantíssimo recurso, porém não convém tê-lo como recurso exclusivo, sem
que haja a pesquisa-ação, particularmente por parte do professor, visto que as políticas
educacionais e, especialmente os educandos poderão ser prejudicados. O contexto
sociopolítico, mesmo com suas contradições, exige que o professor seja um mediador,
conciliando raciocínio epistemológico crítico com as práticas docentes.
5. Considerações Finais
De fato, são muitos os desafios da formação e da prática docente. Oferecer
elementos teóricos e metodológicos ao professor para que não venha a priorizar a mera
reprodução do conhecimento tem sido fato pertinente no processo de formação docente.
A episteme geográfica crítica, tem auxiliado significativamente o processo ensinoaprendizagem. Contudo, concepções pedagógicas e procedimentos metodológicos
precisam ser estudados e analisados, de forma que professores e alunos possam ter
objetivos bem definidos para alcançar as metas definidas nos planos de ensino e dos
projetos de trabalho e de vida. Mas isto só será possível se houver a interação entre os
protagonistas desse processo, onde os mesmos se juntem na investigação, aprendendo a
criticar, a ver mais claramente cada situação, reconhecendo as formas pelas quais suas
consciências são construídas socialmente.
Durante séculos o saber ler, escrever e contar foi o apanágio das
classes dirigentes e, desse monopólio, elas obtinham um acréscimo de
poder. Mas as transformações econômicas, sociais, políticas, culturais
na Europa do século XIX, como hoje nos países “subdesenvolvidos”
fazem com que tenha se tornado indispensável que o conjunto da
população saiba ler. E torna-se indispensável que os homens saibam
pensar o espaço. (LACOSTE, 1997, p. 54).
A afirmação de Yves Lacoste reafirma a importância da educação sistemática e,
especialmente da Geografia Escolar, pois sempre teve e, hoje mais do que nunca, tem
um papel ideológico. Portanto não cabe a idéia de neutralidade nem a inércia, se de um
lado essa disciplina pode contribuir para a reprodução da dominação, por outro lado, as
construções de pressupostos teóricos e metodológicos demonstram lutas concretas
daqueles que acreditam e buscam a melhoria da qualidade do ensino, orientando-se pelo
olhar no futuro, mas também no próprio presente, resgatando as construções passadas,
sabendo que é preciso considerá-las para apontar perspectivas na estrutura e eficácia da
educação.
O processo de globalização ou multipolarização econômica retrata um quadro de
conceituações e (re)definições de temas como espaço, território, cidade, campo, redes e
outros, criando novos paradigmas epistemológicos e metodológicos para a ciência
geográfica, os quais influenciam no trabalho em sala de aula. Nessa linha de análise,
reforça-se uma (re)definição da Geografia em seus aspectos teóricos e práticos,
considerando a necessidade de interlocuções do saber científico com o saber prático,
portanto,
do
conhecimento
acadêmico
com
o
conhecimento
escolar
e,
consequentemente, uma (re)formulação curricular.
Nesse sentido, torna-se urgente e necessário um repensar entre o que se ensina e
o que se aprende, para que a atuação prática promova a interação entre o saber
aprendido na instituição escolar não apenas com os conteúdos aplicados em sala de aula,
mas em todos os ambientes sociais. Acredita-se que, a partir daí, os profissionais de
cada área do conhecimento poderão partir da experiência vivenciada dos sujeitos
históricos, proporcionando um redimensionamento do espaço escolar.
6. Referências Bibliográficas
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BITTENCOURT, Circe Maria F. O que é disciplina escolar? In: BITTENCOURT,
Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
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