A GEOGRAFIA ESCOLAR E AS DIFICULDADES EM ROMPER COM O TRADICIONALISMO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA Maria das Dôres Florencio de Araujo Silva Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia /PPGG – UFPB. Professora da rede estadual de ensino de Pernambuco e do município de Garanhuns/PE. [email protected] Maria Adailza Martins de Albuquerque Professora do Centro de Educação da UFPB PPG em Geografia e PPG em Educação – UFPB [email protected] Resumo: Neste artigo, propomos uma reflexão crítica sobre características que norteiam a prática pedagógica do ensino de Geografia, de modo particular, na Educação Básica. Enfatizaremos permanências de determinados procedimentos metodológicos, como a prática mneumônica excessiva, visto que dificultam a efetivação da contextualização dos conteúdos, bem como, da interdisciplinaridade. Objetivando compreender essa complexidade, ainda tão presente no fenômeno educativo contemporâneo, teremos como cerne o professor sua formação e prática docente. Pretendemos, sobretudo, evidenciar fatores que dificultam a ruptura do tradicionalismo e consequentemente sua manutenção, analisando interferências internas e externas ao processo ensino-aprendizagem que comprometem a construção do conhecimento geográfico crítico-reflexivo e desenvolvimento de uma cidadania ativa. Palavras-chave: Geografia Escolar, Formação Docente, Tradicionalismo, Prática Pedagógica, Educação Básica. 1. Introdução Este texto apresenta uma síntese da pesquisa ainda em desenvolvimento, da Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPB, sob orientação da professora Drª Maria Adailza Martins de Albuquerque. Ao longo da minha docência na rede estadual de ensino de Pernambuco, Educação Básica e, também do município de Garanhuns/PE, situações adversas aguçaram ainda mais em mim, interesse em investigar e analisar as razões de permanências/resistências de práticas pedagógicas tradicionais. De modo particular, as dificuldades de ruptura com o tradicionalismo no ensino de Geografia. Nos dois últimos séculos e, na primeira década do século XXI, ocorreram e ainda estão acontecendo transformações consideráveis, sendo importante observar o surgimento de novas tradições, ou seja, inovações que se revestem, também de um caráter de antiguidade, mas que não as tornam menos novas. Portanto, Hobsbawm(1997) , alerta que: [...] é preciso que se evite pensar que formas mais antigas de estrutura de comunidade e autoridade e, consequentemente, as tradições a elas associadas, eram rígidas e se tornaram rapidamente obsoletas; e também que as “novas” tradições surgiram simplesmente, por causa da incapacidade de utilizar ou adaptar as tradições velhas. [...] o objetivo e as características das “tradições”, inclusive das inventadas, é a invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se referem impõe práticas fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetição. Sendo assim, é importante fazer uma série de considerações do ponto de vista das abordagens geográficas e pedagógicas, sejam elas modernas/críticas ou clássicas/tradicionais. Entretanto, é fundamental que se faça outras considerações, por exemplo: se, e como o professor de Geografia promove a mediação e, consequentemente, contextualização dos conteúdos; qual tipo de tratamento didático pedagógico o professor irá lançar mão para que esse “conteúdo” possa transformar-se em aquisição de conhecimento sobre o mundo (KIMURA, 2008), de modo que o aluno possa compreender as conexões entre o espaço vivido ou concebido em diferentes escalas regional, nacional e global. Relacionados a estes aspectos e tão fundamental quanto, são a formação continuada em serviço; a pesquisa e estudos sobre Currículos, História das Disciplinas Escolares e, particularmente, da Geografia Escolar no Brasil; a formação docente inicial; a cultura escolar fatores internos e externos. Neste momento da contemporaneidade, a prática educativa, quando bem estruturada e fundamentada numa opção de valores e ideias, consegue esclarecer situações e contribui para a realização de projetos que promovem a interação do educando na sociedade. Portanto, todos os envolvidos nesse processo prática educativa, precisam desenvolver a criatividade, ser renovadores e críticos, buscando a autonomia e promovendo transformações. Uma vez que o fenômeno educativo interfere diretamente na estrutura econômica, sociopolítica e cultural. Como os fenômenos, globalização e educativo não têm se propagado em qualidades e ritmos simultâneos nos Estados e Regiões brasileiras, assim como no mundo, bem como em decorrência do atual contexto geopolítico do Brasil, há preocupações quanto ao desenvolvimento de políticas de implementações na estrutura e funcionamento dos diferentes níveis de instituições de ensino. No entanto, é importante analisar os controles técnicos internos e externos que, geralmente, mascaram aspectos ideológicos, os quais interferem no desenvolvimento do senso crítico de professores e de alunos e, por conseguinte, na orientação de suas atividades e relações com o meio. Como período e como crise, a época atual mostra-se, aliás como coisa nova. Como período, as suas variáveis características instalam-se em toda parte e a tudo influenciam, direta ou indiretamente. Daí a denominação de globalização. Como crise, as mesmas variáveis construtoras do sistema estão continuamente chocando-se e exigindo novas definições e novos arranjos. Trata-se porém, de uma crise persistente dentro de um período com características duradouras, mesmo se novos contornos aparecem. (SANTOS, 2000, p. 34) Sem dúvidas, especialmente, esta primeira década do século XXI, trouxe à tona problemas e transformações provenientes do desenvolvimento do capitalismo em plena expansão, exigindo reestruturação na escala produtiva e, consequentemente qualificação e especialização de mão-de-obra. Estando o Brasil, inserido nesse processo, a qualidade da nossa educação é motivo de muitas e importantes discussões, emergindo e fazendose apelo às questões filosóficas, históricas, ambientais e sociais. 2. Breve análise sobre a resistência do tradicionalismo Em diferentes períodos da história da educação básica e do ensino de Geografia no Brasil, o tradicionalismo – problemática metodológica foi e continua sendo o cerne de relevantes discussões, uma vez que participaram renomados professores como Aroldo de Azevedo, Paulo Freire e tantos outros importantíssimos personagens da história da educação do nosso país. Sabemos o quanto os mesmos contribuíram para o desenvolvimento do processo de estruturação e renovação das instituições educacionais e, particularmente, do ensino básico e superior/acadêmico. Atualmente, muitos professores pesquisadores estão engajados em projetos que objetivam não simplesmente a renovação do ensino, mas primam, essencialmente, pela qualidade da educação. Contudo, é bastante comum nos depararmos com situações e indivíduos resistentes e/ou com dificuldades em promover uma recuperação cultural de práticas pedagógicas que comprometem a prática docente. Dessa forma, o tradicionalismo na prática docente, tão questionado em distintos períodos históricos da educação brasileira, ainda é objeto de estudo, pois mesmo face ao novo/moderno/atual, o tradicionalismo resiste. Como justificar tal resistência? Compreendemos que parte dessas resistências estaria associada ao posicionamento da sociedade, em especial dirigentes, pais e alunos que resistem em aceitar novas metodologias e romper com a segurança das tradicionalmente estabelecidas ( ALBUQUERQUE, 2008). É possível ampliar ainda mais a compreensão sobre este fato, especialmente por meio da pesquisa, investigação e análise científica. Inicialmente, pode-se observar que o aprimoramento – característica do novo/atual, não implica necessariamente em romper com o antigo e/ou tradicional. Estabelecendo um parâmetro entre esta constatação e as práticas pedagógicas atuais, podemos identificar uma das muitas razões da pertinência de aspectos tradicionais na docência de um número significativo de professores de Geografia e, também, de outras disciplinas. Dessa forma, é importante salientar que a origem e manutenção dessas práticas tradicionais estão imbricadas em um sistema de redes. As redes são criadas para facilitar operações práticas imediatamente definíveis e podem ser prontamente modificadas ou abandonadas de acordo com as transformações das necessidades práticas, permitindo sempre que existam a inércia, que qualquer costume adquire com o tempo, e a resistência às inovações por parte das pessoas que adotam esse costume. O mesmo acontece com as “regras” reconhecidas dos jogos ou de outros padrões de interação social, ou com qualquer outra norma de origem pragmática. (HOBSBAWM, 1997, p. 11) Portanto, ao refletirmos sobre a afirmação do autor supracitado, ratificam-se aspectos do nosso objeto de estudo e nos instiga à pesquisa das causas específicas de tais resistências e/ou inércia de profissionais da educação, especialmente de professores em sala de aula. Para tanto, precisamos analisar as permanências e mudanças de procedimentos metodológicos utilizados no ensino de Geografia no bojo do desenvolvimento da história das disciplinas escolares e, particularmente, de Geografia. Sendo indispensável, também o estudo sobre currículo e formação docente. 3. Abordagens teóricas sobre a Geografia Escolar e a formação docente Muitas pessoas de diferentes posições sociopolíticas e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento têm interesse em desenvolver estudos sobre a escola, o sistema educacional e o ensino de Geografia, porém é interessante salientar que para trabalhar com suas complexidades é necessário conhecer os problemas socioculturais e socioeconômicos da população/comunidade a qual a escola está inserida. Todavia, não cabe apenas aos especialistas nesses temas trabalhar com seriedade e responsabilidade. Todos os envolvidos, direta ou indiretamente, com o fenômeno educacional precisam se comprometer com as especificidades e com todo o processo ensino-aprendizagem. Sendo assim, é fundamental considerar os estudos sobre a história das disciplinas escolares, os quais revelam que as mudanças em uma disciplina e no conteúdo escolar, estão condicionadas aos fatores internos e externos e, em sua análise é imprescindível considerar a perspectiva sócio-histórica, segundo as pesquisas desenvolvidas pelo inglês Ivor Goodson. Considerando as finalidades culturais diversas do ensino escolar, em cada época, André Chervel (1990) aborda a oposição entre educação e instrução, consignando à escola sua função educativa. Contudo, o francês Yves Chevallard, afirma que a disciplina escolar/escola promove a transposição didática, ou seja, o conhecimento erudito é vulgarizado pela escola. Portanto, este autor recebe críticas de Chervel (1990) que o adverte sobre a relação de hierarquia entre o conhecimento difundido pela academia e pela escola quando se compreende a relação entre elas a partir da transposição didática, pois, nessa perspectiva o saber escolar seria classificado como de segunda classe e, portanto, inferior ao conhecimento acadêmico. Chervel (1990) e Goodson (1990) se opõem à concepção de disciplina escolar como transposição didática, primeiro porque não restringem suas diferenças apenas ao estatuto epistemológico, mas, sobretudo, quanto ao papel que ambas desempenham e, portanto, consideram conotações sociais mais amplas. E depois, pelo fato de considerarem a escola um lugar de produção de saberes próprios, todavia não negam a relação/interdependência entre os mesmos (BITTENCOURT, 2004). Dessa forma, o conhecimento escolar pode diferir do conhecimento científico ao serem consideradas suas finalidades, mas não inferiorizado, uma vez que as disciplinas escolares, segundo Chervel, são parte integrante da cultura escolar, sendo esta influenciada por fatores intra e extraescolares. Circe Bittencourt (2004, p. 45) afirma que Goodson se posiciona contra a concepção de transposição didática explicando que: Muitas matérias escolares não apresentam as mesmas estruturas das disciplinas acadêmicas e não se utilizam de conceitos e métodos semelhantes. Ademais, argumenta que muito do que se trabalha na escola nem tem uma disciplina base ou ciência de referência, constituindo uma comunidade autônoma que recebe múltiplas interferências, como a dos próprios professores e de toda uma série de pessoas ligadas ao poder da administração escolar, além das demandas da sociedade. Sendo assim, compreende-se que a escola organiza o conhecimento segundo sua lógica interna e esta, por sua vez, exerce e sofre influências externas. Embora o saber a ser ensinado possa ser transformado em saber apreendido, por intermédio do professor. A Geografia Escolar possibilita criar e utilizar metodologias e/ou instrumentos que busquem a interação entre a construção e a reconstrução do conhecimento, numa perspectiva de totalidade, de tal modo que o educando possa refletir sobre o passado/presente e discutir o futuro numa ação recíproca entre sociedade/natureza e a comunidade na qual está inserido. Sendo a mediação, fundamental para a efetivação desse processo. Atualmente, o ensino de Geografia se referencia na ruptura de um paradigma antigo e sua substituição por um novo paradigma, embora esse processo já tivesse sido descrito na década de 1990: Isso deixa claro que, ao afastar-se do paradigma tradicional, e ao aproximar-se do político tal qual o definimos anteriormente, a geografia contribui para explicar as complexas transformações que estamos vivendo, e que estão modificando a cartografia do espaço geográfico mundial numa velocidade que desconhecíamos, de forma que o seu papel na instituição escola deixa de ser o de mera reprodução de uma ordem que a história já mostrou ultrapassada. Sem dúvida alguma, se persistirmos nesse paradigma, que embasou (e escamoteou) com perfeição a ideologia do nacionalismo patriótico, a Geografia será substituída por outras ciências mais sintonizadas com a reprodução do status quo. (VLACH, 1991, p. 65). A prática de ensino tradicional da Geografia presente na postura de alguns professores demonstra uma crise paradigmática que culmina ou se entrecruza com a crise epistemológica, tanto da ciência quanto da disciplina à medida que ambas se afastam de seus objetivos principais ao fragmentar o processo de construção do conhecimento geográfico. Segundo Bittencourt (2004, p. 47), André Chervel adverte que: Na atualidade, a crítica sobre os cursos superiores na França semelhante à feita no caso do Brasil refere-se exatamente ao distanciamento entre pesquisa e ensino, e por essa razão a “decadência” ou “crise” universitária é denominada de “secundarização do ensino superior”. E “secundarização” significa exatamente a diferenciação entre os dois níveis de ensino: os cursos superiores afastam-se de seus objetivos fundamentais e as disciplinas organizam-se de forma separada do processo de conhecimento científico. Por isso, é necessário compreender a necessidade de diálogo permanente/frequente entre as disciplinas escolares e acadêmicas. Na atualidade, não é suficiente entender apenas as especificidades inerentes à Geografia, mas também desconstruir o caráter de fragmentação, de forma a intervir no processo de ensinoaprendizagem, como forma de valorizar o entendimento do espaço geográfico como uma extensão física e humana. Uma vez que a disciplina escolar objetiva formar educandos que precisam se situar em sociedade. Não se trata de aplicar modelos pré-estabelecidos, mas criar formas para que os profissionais envolvidos na educação básica busquem a construção de conhecimentos experimentando novas metodologias de ensino, que venham ao encontro das necessidades concretas dos alunos, produzindo assim, saberes reais. Nessa concepção, a escola, e não só os professores em sala de aula, deve ser responsável pelo envolvimento de seus alunos em seu próprio processo de aprendizagem, de formação intelectual, social e afetiva. A escola tem um papel importante como espaço do debate dos problemas educacionais vivenciados no país e na própria comunidade onde se situa, e deve também ser responsável pelo exercício da cidadania crítica, criativa e participativa. (CAVALCANTI, 2011, p. 82). Por isso, os procedimentos metodológicos a serem utilizados no processo de construção do conhecimento geográfico precisam ser analisados e os objetivos bem definidos no plano de ensino, possibilitando ao aluno pesquisar e compreender o espaço econômico, político e social em que está inserido. A Geografia Escolar tem um papel ideológico. Por isso, não cabe a ideia da neutralidade científica; se, de um lado, essa disciplina contribui para reprodução da dominação, por outro lado, as práticas educativas demonstraram lutas concretas dos educadores dessa área pela melhoria do ensino público. A construção de pressupostos teóricos e metodológicos para o ensino de Geografia orienta-se pelo olhar no futuro, mas resgata as construções passadas, por defender que o passado tem história(s), e que é preciso considerá-lo para se apontar perspectivas na estrutura educativa. Assim, a proposta didático-metodológica do ensino de Geografia precisa considerar toda complexidade que envolve o fazer geográfico, isto implica em conhecer e compreender suas conexões. Vanilton Souza (2011) aborda aspectos relevantes quanto à formação do professor de Geografia na atualidade, enfatizando a importância das fundamentações teóricas do francês Gaston Bachelard no que se refere à “retificação do erro”, e do russo Lev Vigotski em relação à “mediação”. Ele traz à discussão a relação e importância desses dois fundamentos teóricos como procedimentos de ensino considerados potencializadores do processo de construção do conhecimento do professor de Geografia: o trabalho de campo e o ensino pela pesquisa. Sendo o conhecimento um processo da ação do pensamento do indivíduo inserido num universo social e cultural, Bachelard (1996, 2004) e Vigotski (2004) afirmam que: [...] essa ação promoverá relações qualitativas com a realidade. A episteme geográfica, por exemplo, trata-se de realidades social/temporal/espacial, nas quais o sujeito está inserido, tendo em vista o processo cognitivo sobre elas empreendido. (BACHELARD e VIGOTSKI. In: SOUZA, 2011, p. 124 – 125). Podemos constatar a importância destas fundamentações teóricas. No entanto, confirma-se que ainda não há um despertar, um comprometimento quanto à utilização desses procedimentos teóricos na educação acadêmica e mais expressivamente na educação escolar, embora a pesquisa na formação acadêmica, especialmente na formação do professor de Geografia, atualmente, tenha apresentado um cenário positivo e propício para o desenvolvimento desta atividade. 4. Concepções sobre currículos e ensino de Geografia Os currículos podem se constituir em uma problemática, visto que, geralmente chegam ao âmbito escolar como se estivessem prontos e acabados para a grande maioria dos professores. A utilização dos livros didáticos, também, tem sido outra problemática para o ensino de Geografia, à medida que são transformados em currículos. Quais seriam as razões que os levam a pensá-los e utilizá-los desta forma? Seria a falta de um conhecimento crítico sobre a função real dos currículos e dos livros didáticos? É a falta de compromisso político com o ensino, em consequência da inexistência da pesquisaação crítica? Os currículos estão sendo construídos democraticamente na escola? Na tentativa de responder a esses questionamentos, façamos uma reflexão sobre a seguinte afirmação: A pesquisa-ação crítica é o ato democrático consumado, porque permite aos professores ajudar a determinar as contradições de seu próprio trabalho. A pesquisa-ação crítica facilita a tentativa dos professores para organizarem-se em comunidades de pesquisadores dedicados a experiências emancipatórias para eles mesmos e para seus alunos. (KINCHELOE, 1997, p.180). Sendo assim, ao unirem-se para discutir sobre o que é ensinado e o que deveria constituir os objetivos da escola, não apenas a autorreflexão crítica é promovida, mas principalmente, desenvolvem-se possibilidades de tomadas de decisões conjuntas e específicas para cada ambiente escolar. No entanto, muitos profissionais envolvidos diretamente com a educação básica, colocam o ensino de Geografia dependente completamente do conhecimento erudito, ou seja, científico. Trabalhando mais os conteúdos conceituais do que os conteúdos procedimentais. “Neles agrupamos às habilidades ou capacidades básicas para atuar de alguma maneira as estratégias que as pessoas aprendem para solucionar problemas ou as técnicas e atividades sistematizadas relacionadas com aprendizagens concretas.” (VALLS, 1996). Para entender melhor as dificuldades ou equívoquos sobre currículos, recorremos a Ivor Goodson (1999) e sua compreensão sobre “currículo pré-ativo” e “currículo interativo”, bem como a Albuquerque (2011). Ambos chamam à atenção para a necessidade de análise dos mesmos: [...] a construção pré-ativa pode estabelecer parâmetros importantes e significativos para a execução interativa em sala de aula. Por conseguinte, se não analisarmos a elaboração do currículo, a tentação será a de aceitá-lo como um pressuposto e buscar variações dentro da sala de aula, ou pelo menos, no ambiente de cada escola em particular. Estaríamos aceitando como tradicionais e pressupostas versões de currículo que, num exame aprofundado, pode ser consideradas o clímax de um longo e contínuo conflito. (GOODSON, 1999, p. 24). Recentemente em alguns estados brasileiros, tomando como referência o de Pernambuco, os professores têm sido direcionados a seguirem as denominadas Orientações Teóricas e Metodológicas (OTM) na elaboração dos planejamentos de cada unidade bimestral. Isto tem causado inquietações e angustias, pois muitos não sabiam como ter acesso às mesmas e por não saberem que se tratava do antigo currículo, mas com uma nova denominação, neste caso um currículo estadual. E ao terem acesso, percebeu-se que havia alterações quanto à correlação conteúdos/séries, em especial, no Ensino Médio. Pela falta de assistência pedagógica em muitas escolas, poderíamos até justificar este fato. Mas ocorre que até mesmo em escolas que disponibilizam apoio pedagógico, professores geralmente, não são orientados ou não há esforços para analisarem em conjunto esses documentos, tendo como justificativa mais comum as dificuldades para reunirem-se. Dessa forma, observamos que um número significativo de professores compreende que o currículo é simplesmente, um elenco de conteúdos que chegam à escola para serem seguidos durante o ano letivo: Geralmente, os professores que têm essa postura a respeito de currículo não têm formulado perguntas que possam mudar esse olhar tão simplista sobre tal objeto. A Teoria Crítica dos Currículos indica alguns questionamentos na perspectiva de compreender os currículos, desde a sua elaboração até o seu uso na escola. Entre essas perguntas, as referentes ao elenco de conteúdos, a saber: Quais são os conteúdos? Quem os legitima? Como, por que e por quem foram selecionados? Para que servem os currículos? Como eles são utilizados por Professores? As respostas para essas perguntas possibilitariam mudanças sobre o currículo. (ALBUQUERQUE, In. Tonini, 2011, p. 160). No entanto, alguns educadores sabem o quanto é indispensável à realização efetiva dos encontros para a formação continuada e outros encontros como os que são realizados para análise e escolha dos livros didáticos. Mas muitos professores, por motivos diversos, não assumem o papel o qual lhes confere a profissão e a função. Portanto as dificuldades em realizar estudos de currículos, elaboração de planejamentos, escolha de livros didáticos, elaboração e execução de projetos, dentre outras coisas, podem implicar em manter o tradicionalismo e em dificultar o avanço da melhoria da qualidade da educação. A escolha e utilização do livro didático requerem enorme atenção e responsabilidade, dependendo de conhecimentos específicos e pedagógicos para fazer uma escolha coerente. Pois além de ser para a grande maioria dos educadores o principal recurso didático, também é transformado em currículo por um número considerável de professores. De acordo com Albuquerque (2011), quando os livros são a única referência para o professor, estes se transformam em currículo, e: [...] ao invés de serem um recurso didático, os livros tornam-se, efetivamente, um currículo pré-ativo. E, como recursos didáticos, podem contribuir para a efetivação de um currículo interativo, visto que contribuem com o desenvolvimento das práticas escolares de alunos e de professores. (ALBUQUERQUE, In. Tonini, 2011, p. 166). Dessa forma, é evidente a importância da existência do currículo interativo, porque este se caracteriza pelo estabelecimento de parâmetros entre o currículo préativo e a ação e negociação interativa no âmbito da escola, pois a escola é, também, espaço de cultura e lugar de conhecimento. É interessante salientar que o livro didático é um importantíssimo recurso, porém não convém tê-lo como recurso exclusivo, sem que haja a pesquisa-ação, particularmente por parte do professor, visto que as políticas educacionais e, especialmente os educandos poderão ser prejudicados. O contexto sociopolítico, mesmo com suas contradições, exige que o professor seja um mediador, conciliando raciocínio epistemológico crítico com as práticas docentes. 5. Considerações Finais De fato, são muitos os desafios da formação e da prática docente. Oferecer elementos teóricos e metodológicos ao professor para que não venha a priorizar a mera reprodução do conhecimento tem sido fato pertinente no processo de formação docente. A episteme geográfica crítica, tem auxiliado significativamente o processo ensinoaprendizagem. Contudo, concepções pedagógicas e procedimentos metodológicos precisam ser estudados e analisados, de forma que professores e alunos possam ter objetivos bem definidos para alcançar as metas definidas nos planos de ensino e dos projetos de trabalho e de vida. Mas isto só será possível se houver a interação entre os protagonistas desse processo, onde os mesmos se juntem na investigação, aprendendo a criticar, a ver mais claramente cada situação, reconhecendo as formas pelas quais suas consciências são construídas socialmente. Durante séculos o saber ler, escrever e contar foi o apanágio das classes dirigentes e, desse monopólio, elas obtinham um acréscimo de poder. Mas as transformações econômicas, sociais, políticas, culturais na Europa do século XIX, como hoje nos países “subdesenvolvidos” fazem com que tenha se tornado indispensável que o conjunto da população saiba ler. E torna-se indispensável que os homens saibam pensar o espaço. (LACOSTE, 1997, p. 54). A afirmação de Yves Lacoste reafirma a importância da educação sistemática e, especialmente da Geografia Escolar, pois sempre teve e, hoje mais do que nunca, tem um papel ideológico. Portanto não cabe a idéia de neutralidade nem a inércia, se de um lado essa disciplina pode contribuir para a reprodução da dominação, por outro lado, as construções de pressupostos teóricos e metodológicos demonstram lutas concretas daqueles que acreditam e buscam a melhoria da qualidade do ensino, orientando-se pelo olhar no futuro, mas também no próprio presente, resgatando as construções passadas, sabendo que é preciso considerá-las para apontar perspectivas na estrutura e eficácia da educação. O processo de globalização ou multipolarização econômica retrata um quadro de conceituações e (re)definições de temas como espaço, território, cidade, campo, redes e outros, criando novos paradigmas epistemológicos e metodológicos para a ciência geográfica, os quais influenciam no trabalho em sala de aula. Nessa linha de análise, reforça-se uma (re)definição da Geografia em seus aspectos teóricos e práticos, considerando a necessidade de interlocuções do saber científico com o saber prático, portanto, do conhecimento acadêmico com o conhecimento escolar e, consequentemente, uma (re)formulação curricular. Nesse sentido, torna-se urgente e necessário um repensar entre o que se ensina e o que se aprende, para que a atuação prática promova a interação entre o saber aprendido na instituição escolar não apenas com os conteúdos aplicados em sala de aula, mas em todos os ambientes sociais. Acredita-se que, a partir daí, os profissionais de cada área do conhecimento poderão partir da experiência vivenciada dos sujeitos históricos, proporcionando um redimensionamento do espaço escolar. 6. Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, Maria Adailza M. Livros Didáticos e Currículos de Geografia, Pesquisas e Usos: uma história a ser contada. In TONINI, I.M. (Org.). O Ensino de geografia e suas Composições Curriculares. Porto Alegre: UFRGS, 2011. ________________. Um Século de Práticas de Ensino de Geografia: permanências e mudanças. In. Anais do XV Encontro Nacional de Geógrafos. São Paulo, AGB 2008. BITTENCOURT, Circe Maria F. O que é disciplina escolar? In: BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. CAVALCANTI, Lana de Souza. A Geografia Escolar e a Sociedade Brasileira Contemporânea. In: TONINI, I.M. (Org.) O Ensino de geografia e suas Composições Curriculares. Porto Alegre: UFRGS, 2011. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. In: Revista Teoria e Educação, Nº 2, 1990. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. (Org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. KIMURA, Shoko. Geografia no ensino básico: questões e respostas. São Paulo: Contexto, 2008. KINCHELOE, Joe L.. A formação do professor como compromisso político: mapeando o Pós-Moderno. Trad. Nize Maria Campos Pellanda. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. LACOSTE, Yves. A Geografia: Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 4ª ed. Tradução: Maria Cecília França. Campinas, SP: Papirus, 1997. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000. SOUZA, Vanilton Camillo de. A formação acadêmica do professor de Geografia. In: CALLAI, Helena Copetti. Educação geográfica – Reflexão e prática. Ijuí: Editora da UNIJUI, 2011. VALLS, Enric. Os procedimentos educacionais: aprendizagem, ensino e avaliação. 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