Pesquisas Sobre a Teoria Quântica

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Pesquisas Sobre
A Teoria Quântica
Tese de Doutorado do Autor:
‚ Louis de Broglie
‚
Traduzido e revisado por:
‚ Ricardo Soares Vieira
‚
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
SUMÁRIO
A história das teorias ópticas mostra que o pensamento científico há muito tempo tem
hesitado entre uma concepção dinâmica e uma concepção ondulatória da luz; estas duas
representações estão, portanto, sem dúvida menos em oposição do que se supõe e o
desenvolvimento da teoria dos quanta parece confirmar esta conclusão.
Guiados pela idéia de uma relação geral entre as noções de freqüência e energia,
admitimos no presente trabalho a existência de um fenômeno periódico de uma natureza
ainda a se especificar, que estaria associado a qualquer porção isolada de energia e que
dependeria de sua massa própria pela equação de Planck-Einstein. A teoria da relatividade
conduz então a associar ao movimento uniforme de qualquer ponto material a propagação de
certa onda cuja fase se desloca mais rapidamente no espaço do que a luz (capítulo I).
Para generalizar este resultado ao caso de um movimento não uniforme, temos de
admitir uma proporcionalidade entre o vetor Impulsão de Universo de um ponto material e
um vetor característico da propagação da onda associada, cuja componente de tempo é a
freqüência. O princípio de Fermat aplicado à onda torna-se então idêntico ao princípio da
mínima ação aplicado ao móvel. Os raios de onda são idênticos às trajetórias possíveis do
móvel (capítulo II).
O enunciado precedente, aplicado ao movimento periódico de um elétron no átomo de
Bohr, permite reencontrar as condições de estabilidade quântica como expressões da
ressonância da onda sobre o comprimento da trajetória (capítulo III). Este resultado pode ser
estendido ao caso dos movimentos circulares do núcleo e do elétron ao redor de seu centro de
gravidade comum no átomo de hidrogênio (capítulo IV).
A aplicação destas idéias gerais ao quantum de luz, realizado por Einstein, conduz a
numerosas concordâncias muito interessantes. Ela permite esperar, apesar das dificuldades
que permanecem, a constituição de uma óptica ao mesmo tempo atomística e ondulatória que
estabeleça uma espécie de correspondência estatística entre a onda associada ao grão de
energia luminosa e a onda eletromagnética de Maxwell (capítulo V).
Em particular, o estudo da difusão dos raios X e γ pelos corpos amorfos serve-nos para
mostrar quanto uma conciliação desse tipo é hoje tão desejável (capítulo VI).
Finalmente, a introdução da noção de onda de fase na mecânica estatística conduz a
justificar a intervenção dos quanta na teoria dinâmica dos gases e reencontrar as leis da
radiação de um corpo negro como que expressando a distribuição de energia entre os átomos
em um gás quântico de luz.
2
Tradução de Ricardo Soares Vieira
INTRODUÇÃO HISTÓRICA
I. Do século XVI ao século XX.
A ciência moderna nasceu no fim do século XVI em conseqüência da renovação
intelectual devida ao Renascimento. Tanto que a Astronomia de posição tornava-se dia-a-dia
mais precisa, as ciências do equilíbrio e do movimento, a estatística e a dinâmica formaram-se
lentamente. Dizem que foi Newton quem primeiro fez da Dinâmica um corpo de doutrina
homogênea e pela sua memorável lei da gravitação universal iniciou à nova ciência um campo
de enormes aplicações e verificações. Durante os séculos XVIII e XIX, um sem número de
geômetras, de astrônomos e de físicos desenvolveram os princípios de Newton e a Mecânica
chegou a tal grau de beleza e de harmonia racional que o seu caráter de ciência física quase
foi esquecido. Chegou-se, em especial, a fazer decolar toda esta ciência de só um princípio, o
princípio da mínima ação, enunciado primeiramente por Maupertuis, depois de uma outra
maneira por Hamilton e cuja forma matemática é notavelmente elegante e condensada.
Pela sua intervenção em Acústica, Hidrodinâmica, Óptica, Capilaridade, a Mecânica
pareceu por um instante reinar sobre todos os domínios. Teve, com um pouco de dificuldade,
a absorver um novo ramo da ciência nascida no século XIX: a Termodinâmica. Se um dos
dois grandes princípios desta ciência, o da conservação da energia, se deixou facilmente
interpretar os conceitos da Mecânica, não é do mesmo modo o segundo, o do aumento da
entropia. Os trabalhos de Clausius e de Boltzmann sobre a analogia das grandezas
termodinâmicas com certas grandezas que intervêm nos movimentos periódicos, trabalhos que
atualmente retornam completamente à ordem do dia, não chegaram a restabelecer
completamente o acordo dos dois pontos de vista. Mas a admirável teoria cinética dos gases
Maxwell e de Boltzmann e a doutrina mais geral chamada Mecânica estatística de Boltzmann
e Gibbs mostraram que a Dinâmica, se ela se completa por considerações de probabilidade,
permite a interpretação das noções fundamentais da termodinâmica.
A partir do século XVII, a ciência da luz, a óptica, tinha atraído à atenção dos
pesquisadores. Os fenômenos mais usuais (propagação retilínea, reflexão, refração), que
formam atualmente a nossa óptica geométrica, foram naturalmente os primeiros conhecidos.
Vários cientistas, notadamente Descartes e Huyghens trabalharam em discernir as leis e
Fermat as resumiu por um princípio sintético que leva o seu nome e que, enunciado na nossa
3
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
linguagem matemática atual, recorda pela sua forma o princípio da mínima ação. Huyghens
tinha se inclinado para uma teoria ondulatória da luz, mas Newton, apoiando-se nas grandes
leis da óptica geométrica, uma analogia profunda com a dinâmica do ponto material cujo
criador era ele próprio, desenvolveu uma teoria corpuscular da luz denominada “teoria da
emissão” e chegou mesmo a dar conta, com auxilio de hipóteses um pouco artificiais, dos
fenômenos atuais classificados na óptica ondulatória (annus mirabilis de Newton).
O início do século XIX viveu uma reação contra as idéias de Newton em favor das de
Huyghens. As experiências de interferência, cujas primeiras são devidas à Young, eram
difíceis, se não impossíveis, de se interpretar pelo ponto de vista corpuscular. Fresnel
desenvolveu então a sua admirável teoria elástica da propagação de ondas luminosas e a
partir de então o crédito da concepção de Newton foi incessantemente diminuindo.
Um dos grandes sucessos de Fresnel foi explicar a propagação retilínea da luz, cuja
interpretação era intuitiva na teoria da emissão. Quando duas teorias fundamentadas sobre
idéias que nos parecem totalmente diferentes dão conta de uma mesma variedade
experimental com igual elegância, pode-se sempre perguntar se as oposições dos dois pontos
de vista são realmente reais e se não são somente uma insuficiência dos nossos esforços de
síntese. Esta questão não se colocou na época de Fresnel e a noção de corpúsculo de luz foi
considerada como ingênua e abandonada.
O século XIX viu nascer um ramo muito novo da física que trouxe à nossa concepção
do mundo e à nossa indústria imensas desordens: a ciência da Eletricidade. Não é necessário
lembrar aqui como ela se constituiu, graças aos trabalhos de Volta, Ampère, Laplace,
Faraday, etc. O que importa apenas é dizer que Maxwell soube resumir em fórmulas de uma
soberba concisão matemática os resultados dos seus precursores e mostrar como a óptica
inteira podia ser considerada como um ramo do eletromagnetismo. Os trabalhos de Hertz e
mais ainda aqueles do Sr. H. A. Lorentz aperfeiçoaram a teoria Maxwell; demais, Lorentz
introduziu aí a noção da descontinuidade da eletricidade elaborada pelo Sr. J. J. Thomson,
que se confirmou brilhantemente pela experiência. Certamente, o desenvolvimento da teoria
eletromagnética retirava do éter elástico de Fresnel a sua realidade e assim parecia separar a
óptica do domínio da Mecânica, mas muitos físicos na seqüência de Maxwell esperavam, eles
próprios, antes do fim do último século, encontrar uma explicação mecânica para o éter
eletromagnético e, conseqüentemente, não somente levar a óptica de volta às explicações
dinâmicas, mas ao mesmo tempo encontrar lá todos os fenômenos elétricos e magnéticos. O
século já se ia, por conseguinte, iluminado pela esperança de uma síntese próxima e completa
de toda a física.
4
Tradução de Ricardo Soares Vieira
II. O século XX: A Relatividade e os Quanta
Contudo, permaneciam algumas manchas no quadro-negro. Lord Kelvin anunciava em
1900 que duas nuvens negras surgiam ameaçando o horizonte da Física. Um dos cenários
representava as dificuldades levantadas pela famosa experiência de Michelson e Morley, que
parecia incompatível com as idéias até então concebidas. A segunda nuvem representava a
incapacidade dos métodos da Mecânica estatística em dominar a radiação de um corpo negro;
o teorema da eqüipartição da energia, conseqüência rigorosa da Mecânica estatística, conduzia
efetivamente a uma distribuição bem definida da energia entre as diversas freqüências na
radiação de equilíbrio termodinâmico; ora, esta lei, de Rayleigh-Jeans, é uma contradição
grosseira com a experiência e é mesmo quase absurda porque prevê um valor infinito para a
densidade total de energia, o que evidentemente não tem nenhum sentido físico.
Nos primeiros anos do século XX, as duas nuvens de Lorde Kelvin foram, se posso
dizer, condensadas, uma na teoria da Relatividade e a outra, na teoria dos Quanta.
Como as dificuldades levantadas pela experiência de Michelson foram primeiro
estudadas por Lorentz e Fitz-Gerald e como foram resolvidas seguidamente pelo Sr. A.
Einstein, graças a um esforço intelectual talvez sem exemplo, não as desenvolveremos aqui,
pois que esta questão tem sido muitas vezes exposta nestes últimos anos por vozes mais
autorizadas que a nossa. Vamos supor então conhecidas nesta exposição as conclusões
essenciais da teoria da Relatividade, pelo menos sob a sua forma restrita e lhe faremos
referência sempre que for necessário.
Pelo contrário, nós vamos indicar rapidamente o desenvolvimento da teoria quântica.
A noção dos quanta foi introduzida na ciência em 1900, pelo Sr. Max Planck. Sabe-se que este
estudava então teoricamente a questão da radiação de um corpo negro e, como o equilíbrio
termodinâmico não deveria depender da natureza dos emissores, tinha de imaginar um
emissor muito simples denominado “o ressonador de Planck”, constituído por um elétron
sujeito a uma ligação quase-elástica e que possuía assim uma freqüência de vibração
independente de sua energia. Se aplicarmos as leis clássicas do eletromagnetismo e da
Mecânica estatística às trocas de energia entre tais ressonadores e à radiação, retornamos à lei
de Rayleigh, a qual assinalamos mais acima a inegável inexatidão. Para evitar esta conclusão
e deduzir resultados mais conformes com os fatos experimentais, o Sr. Planck admitiu um
estranho postulado: “As mudanças de energia entre os ressonadores (ou a matéria) e a
radiação têm lugar apenas em quantidades finitas iguais à h vezes a freqüência, sendo h uma
nova constante universal da física”. A cada freqüência corresponde, portanto, um tipo de
5
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
átomo de energia, um quantum de energia. Os dados da observação forneceram ao Sr. Planck
as bases necessárias para o cálculo da constante h e o valor encontrado foi (h = 6, 545 × 10−27 )
pode-se dizer de passagem que ela não foi modificada pelas inumeráveis determinações
posteriores feitas pelos mais diversos métodos. Este é um dos mais belos exemplos da potência
da física teórica.
Rapidamente, os quanta se espalharam como coqueluche e não tardaram à impregnar
todas as partes da Física. Tanto que a sua introdução afastava certas dificuldades relativas
aos calores específicos dos gases e permitiu – ao Sr. Einstein primeiramente, seguido dos Srs.
Nernst e Lindemann, enfim sob a forma mais perfeita pelo Srs. Debye, Born e von Karman –
desenvolver uma teoria satisfatória dos calores específicos dos sólidos e explicar por que a lei
de Dulong e Petit, sancionada pela estatística clássica, comporta importantes exceções e não é
como a lei Rayleigh que, numa forma limitada, é válida num certo domínio.
Os quanta também penetraram em uma ciência que não lhes diziam respeito: a teoria
dos gases. O método de Boltzmann conduziu a deixar indeterminado o valor da constante
aditiva que figura na expressão da entropia. O Sr. Planck, para dar conta do teorema de
Nernst e obter a previsão exata das constantes químicas, admitiu que era necessário intervir
os quanta e o fez sob uma forma bastante paradoxal, atribuindo ao elemento de extensão em
fase de uma molécula uma grandeza finita igual à h3.
O estudo do efeito fotoelétrico levantou um novo enigma. Nomeia-se efeito fotoelétrico
a expulsão de elétrons em movimento pela matéria sob influência de uma radiação. A
experiência mostra, fato paradoxal, que a energia dos elétrons expulsos depende da freqüência
da radiação excitada e não da sua intensidade. O Sr. Einstein, em 1905, deu conta deste
estranho fenômeno ao admitir que a radiação pudesse ser absorvida unicamente por quanta
hν; portanto, se o elétron absorve a energia hν e se ele necessita, para sair da matéria, gastar
um trabalho w, sua energia cinética final será h ν − w . Esta lei obviamente se verificou. Com
a sua profunda intuição, o Sr. Einstein sentiu que era conveniente retornar de alguma
maneira a concepção corpuscular da luz e emitiu a hipótese de que toda radiação de
freqüência ν está dividida em átomos de energia de valor hν. Esta hipótese dos quanta de luz
(lichtquanten), em oposição a todos os fatos da Óptica ondulatória, foi julgada demasiada
simplista e repelida pela maior parte dos físicos. Enquanto os Srs. Lorentz, Jeans, dentre
outros, faziam temíveis objeções. O Sr. Einstein a repôs demonstrando como o estudo das
flutuações da radiação de um corpo negro conduzia também à concepção de uma
descontinuidade da energia radiante. O congresso internacional de física celebrado em
Bruxelas no ano de 1911, com o patrocínio do Sr. Solvay, consagrou-se inteiramente à questão
quântica e é seguidamente a este congresso que Henri Poincaré publicaria, pouco tempo antes
6
Tradução de Ricardo Soares Vieira
de sua morte, uma série de artigos sobre os quanta, mostrando a necessidade de se aceitar a
idéia de Planck.
Em 1913, apareceu a teoria atômica do Sr. Niels Bohr. Ele admitiu com os Srs.
Rutherford e Van Den Broek que o átomo é formado por um núcleo positivo cercado de uma
nuvem
de
−10
4, 77 × 10
elétrons,
o
núcleo,
portanto,
levaria
N
cargas
elementares
positivas,
u. e. s. , e sendo também N o número de elétrons, de sorte que o total fosse
neutro. N é o número atômico igual ao número de ordem do elemento na série periódica
Mendeleïeff. Para estar em condições de prever as freqüências ópticas, em especial a do
hidrogênio onde o átomo de um só elétron é especialmente simples, Bohr fez duas hipóteses:
1° Entre a infinidade de trajetórias orbitais que um elétron pode descrever ao redor do
núcleo, apenas algumas são estáveis e a condição de estabilidade faz intervir a constante de
Planck. Precisaremos no capítulo III a natureza destas condições; 2° Quando um elétron
intra-atômico passa de uma trajetória estável à outra, há emissão ou absorção de um
quantum de energia de freqüência ν. Portanto, a freqüência ν , emitida ou absorvida, está
ligada à variação δ ε da energia total do átomo pela relação δ ε = h ν .
Sabe-se qual é a magnífica fortuna da teoria de Bohr depois de dez anos. Ela
imediatamente tem permitido a previsão das séries espectrais do hidrogênio e do hélio
ionizado: o estudo dos espectros dos raios X e a famosa lei de Moseley que liga o número
atômico às riscas espectrais do domínio Röntgen tem estendido consideravelmente o campo de
sua aplicação. Os Srs. Sommerfeld, Epstein, Schwarzschild, o próprio Bohr e outros
aperfeiçoaram a teoria, enunciada pelas condições de quantificação mais gerais, explicando os
efeitos Stark e Zeemann, interpretando os espectros ópticos nos seus detalhes, etc. Mas o
significado profundo dos quanta continuou a ser desconhecido. O estudo do efeito fotoelétrico
dos raios X pelo Sr. Maurice de Broglie, a do efeito fotoelétrico dos raios γ devido aos Srs.
Rutherford e Ellis, onde cada vez mais se acentuou o caráter corpuscular das radiações, o
quantum de energia hν que parecia dia após dia constituir um verdadeiro átomo de luz.
Mas as antigas objeções contra este ponto de vista subsistem e, mesmo no domínio dos
raios X, a teoria das ondulações retoma belos sucessos: previsão dos fenômenos de
interferência de Laue e os fenômenos de difusão (trabalhos de Debye, de W. L. Bragg, etc.).
Contudo, recentemente, a difusão retornou por sua vez ao ponto de vista corpuscular através
do Sr. H. A. Compton: seus trabalhos teóricos e experimentais demonstraram que um elétron
difundido por uma radiação deve sofrer certa impulsão como que em um choque;
naturalmente a energia do quantum de radiação encontra-se diminuída e, conseqüentemente,
a radiação difundida apresenta uma freqüência variável de acordo com a direção de difusão e
mais fraca que a freqüência da radiação incidente.
7
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Resumidamente, o momento parece ser oportuno para se tentar um esforço com o
objetivo de unificar os pontos de vista corpuscular e ondulatório e de aprofundar um pouco o
sentido verdadeiro dos quanta. Isto é o que temos feito recentemente e a presente tese tem
por principal objetivo apresentar uma exposição mais completa das idéias novas que temos
proposto, do sucesso a que ela nos conduz e também das numerosíssimas lacunas que ela
contém 1.
1
Citam-se aqui algumas obras onde são tratadas questões relativas aos quanta:
J. Perrin, Les atomes [Os átomos], Alcan, 1913.
H. Poincaré, Derniéies pensées [Recentes pensamentos], Flammarion, 1913.
E. Bauer, Recherches sur le rayonnement [Pesquisas sobre a radiação], Tese de doutorado,
1912.
P. Langevin e M. de Broglie (publicado por) La théorie du rayonnement et les quanta [A
teoria da radiação e os quanta] (1º Congresso Solvay, 1911).
M. Planck, Theorie der Wärmestrahlung [Teoria da Irradiação Térmica], J. A. Barth,
Leipzig, 1921 (4ª edição).
L. Brillouin, La théorie des quanta et l’atome de Bohr [A teoria quântica e o átomo de Bohr],
(Conf. Relações), 1921.
F. Reiche, Die quantentheorie [A Teoria Quântica], J. Springer, Berlim, 1921.
A. Sommerfeld, La constitution de l’atome et les rates spectrales [A constituição do átomo e
as linhas espectrais]. Trad. Bellenot, A. Blanchard, 1923.
A. Landé, Vorschritte der quantentheorie, [Possíveis avanços da Teoria Quântica] F.
Steinhopff, Dresde, 1922.
Atomes et électrons [Átomos e elétrons] (3º Congresso Solvay,), Gauthier-Villars, 1923.
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Tradução de Ricardo Soares Vieira
CAPÍTULO PRIMEIRO
A onda de fase
I. A relação entre o quantum e a relatividade
Uma das mais importantes concepções recentemente introduzidas pela Relatividade é
aquela da inércia da energia. Após Einstein, a energia teve de ser considerada como que
portando massa e a qualquer massa como que representando energia. Massa e energia sempre
se ligam uma à outra pela relação geral:
energia = massa c2
onde c é a constante denominada “velocidade da luz”, mas que preferimos chamar por
“velocidade limite da energia” por razões que serão expostas futuramente. Dado que há
sempre proporcionalidade entre a massa e a energia, devemos considerar matéria e energia
como dois termos sinônimos designando a mesma realidade física.
A teoria atômica primeiro, a teoria eletrônica em seguida, nos ensinaram a considerar a
matéria como essencialmente descontínua e isto nos leva a admitir que todas as formas de
energia são, contrariamente às antigas idéias sobre a luz, senão inteiramente concentradas por
pequenas porções de espaço, pelo menos concentram-se em torno de certos pontos singulares.
O princípio da inércia da energia atribui a um corpo, cuja massa própria (ou seja,
aquela medida por um observador que lhe é ligado) é m0 , uma energia própria m 0c 2 . Se o
corpo está em movimento uniforme com uma velocidade v = βc , em relação a um observador
que chamaremos, para simplificar, de o observador fixo, a sua massa terá para ele o valor
m0
, em conformidade com um resultado bem conhecido da Dinâmica Relativística e,
1 − β2
conseqüentemente, a sua energia será
m 0c 2
1 − β2
. Como a energia cinética pode ser definida
para o observador fixo pelo acréscimo de energia sofrido por um corpo, quando este passa do
repouso à velocidade v = βc , encontra-se para este valor a seguinte expressão:
9
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
E cin =
⎛ 1
⎞⎟
2
2⎜
⎟⎟
⎜
−
m
c
=
m
c
−
1
0
0
⎜⎜
2
1 − β2
⎝ 1− β
⎠⎟⎟
m 0c 2
que naturalmente, para baixos valores de β , leva à forma clássica:
E cin =
1
m 0v 2 .
2
Recordado isto, procuramos sob qual forma podemos fazer intervir os quanta na
dinâmica da Relatividade. Parece-nos que a idéia fundamental da teoria quântica está na
impossibilidade de se investigar uma quantidade isolada de energia sem ter de associar uma
certa freqüência. Esta ligação exprime-se pelo que chamarei de relação quântica:
energia = h × freqüência
onde h é a constante de Planck.
O desenvolvimento progressivo da teoria quântica coloca cada vez mais em destaque a
ação mecânica e procura-se muitas vezes, a partir da relação quântica, um enunciado que faça
intervir a ação no lugar da energia. Seguramente, a constante h possui dimensões de uma
ação, a saber: ML2 T−1 , e isto não se deve ao acaso, dado que a teoria da Relatividade ensinanos a classificar a ação entre os princípios “invariantes” da Física. Mas a ação é uma
grandeza de um caráter muito abstrato e, na seqüência de numerosas meditações sobre os
quanta de luz e o efeito fotoelétrico, nós temos tomado por base o enunciado energético; quite
para em seguida procurar o porquê de a ação visar um tão grande papel em inúmeras
questões.
A relação quântica provavelmente não teria muito sentido caso a energia pudesse ser
distribuída de uma maneira contínua no espaço, mas há pouco vimos que isto não é bem
assim. Pode-se, portanto, conceber que seguidamente a uma grande lei da Natureza, cada
porção de energia de massa própria m0 está associada a um fenômeno periódico de freqüência
ν 0 , tal que se tem:
h ν 0 = m 0c 2
10
Tradução de Ricardo Soares Vieira
sendo ν 0 medida, naturalmente, no sistema ligado à porção de energia. Esta hipótese é a base
de nosso sistema: ela vale, como todas as hipóteses, tal qual as conseqüências que podem ser
deduzidas.
Devemos supor o fenômeno periódico localizado no interior da porção de energia? Isto
não é de forma alguma necessário e resulta do parágrafo III que ela é, sem dúvida, espalhada
numa vasta porção do espaço. Além do mais, o que se deveria entender por interior de uma
porção de energia? O elétron é para nós o tipo de porção isolada de energia, a que
acreditamos, talvez erroneamente, melhor conhecer; ora, de acordo com as concepções
obtidas, a energia do elétron está espalhada em todo o espaço com uma condensação muito
forte numa região de dimensão muito pequena cujas propriedades nos são de outra forma
extremamente mal conhecidas. O que caracteriza o elétron como átomo de energia, não é o
pequeno lugar que ele ocupa no espaço, repito, ele ocupa o todo, é o fato de ser insecável, não
subdivisível, que forma uma unidade 2.
Tendo admitido a existência de uma freqüência associada à porção de energia, vamos
procurar como esta freqüência se manifesta para o observador fixo, cuja questão foi dada mais
acima. A transformação de tempo de Lorentz-Einstein ensina-nos que um fenômeno periódico
ligado ao corpo em movimento apresenta-se para o observador fixo na relação de 1 para
1 − β 2 , este é o famoso retardamento dos relógios. Conseqüentemente, a freqüência
observada pelo observador fixo será,
ν1 = ν 0 1 − β 2 =
m 0c 2
1 − β2
h
Por outro lado, como a energia do móvel para o mesmo observador é igual a
a freqüência correspondente, de acordo com a relação quântica, é ν =
freqüências ν1 e ν são essencialmente diferentes, dado que o fator
m 0c 2
1 − β2
,
1 m 0c 2
. As duas
h 1 − β2
1 − β 2 não figura da
mesma forma nos dois casos. Há aqui uma dificuldade que por muito tempo tem-me
intrigado; eu consegui resolvê-la ao ter demonstrado o seguinte teorema que doravante
chamarei de teorema da harmonia de fases:
2
A respeito das dificuldades que se apresentam quando pelas interações de vários centros
eletrizados, vide as notas do capítulo IV.
11
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
“O fenômeno periódico ligado ao móvel e cuja freqüência é para o observador fixo igual
1
à ν1 = m 0c 2 1 − β 2 , parece-lhe estar constantemente em fase com uma onda de freqüência
h
1
1
c
ν = m 0c 2
,
que
se
propaga
na
mesma
direção
do
móvel
com
a
velocidade
V
=
.”
h
β
1 − β2
A demonstração é muito simples. Suponha que no instante t = 0, haja acordo de fase
entre o fenômeno periódico ligado móvel e a onda acima definida. No tempo t, o móvel
percorreu, desde o instante original, uma distância igual a x = βct e a fase do fenômeno
periódico variou de ν1t =
m 0c 2
x
1 − β2 ⋅
. A fase da porção de onda que abrange o móvel
h
βc
variou de:
⎛
β x ⎞⎟ m 0c 2
1
=
⋅
ν ⎜⎜t −
⎟
⎟
⎝
c ⎠
h
1 − β2
2
⎛x
⎞
⎜⎜ − βx ⎟⎟ = m 0c 1 − β 2 ⋅ x
⎜⎝ βc
βc
c ⎠⎟
h
Como tínhamos enunciado, o acordo das fases persiste.
É possível tirar deste teorema uma outra demonstração idêntica à anterior, porém
talvez mais impressionante. Se t0 representa o tempo para um observador ligado ao móvel
(tempo próprio do móvel), a transformação Lorentz fornece:
t0 =
⎛
βx ⎞⎟
⎜t −
⎟.
⎜
c ⎠⎟
1 − β2 ⎝
1
O fenômeno periódico que imaginamos é representado para o mesmo observador por
uma função senoidal de v0t0 . Para o observador fixo, ele é representado pela mesma função
⎛
1
βx ⎞⎟
ν0
⎜t −
senoidal de ν 0 =
se
, função que representa uma onda de freqüência
⎟
⎟
2 ⎜
c ⎠
1− β ⎝
1 − β2
c
propagando com a velocidade
na mesma direção que o móvel.
β
É agora indispensável refletir sobre a natureza da onda cuja existência acabamos de
c
ser necessariamente superior a c ( β é sempre
conceber. O fato de sua velocidade V =
β
inferior a 1, sem a qual a massa seria infinita ou imaginaria), nos mostra que não sabemos se
ela consta de uma onda que transporta energia. Demais, nosso teorema ensina-nos que ela
representa a distribuição no espaço de fases de um fenômeno de um fenômeno; isto é, uma
“onda de fase”.
Para bem precisar este último ponto, vamos expor uma comparação mecânica um
pouco grosseira, mas que fala à imaginação. Suponha uma plataforma horizontal circular de
12
Tradução de Ricardo Soares Vieira
raio muito grande; a esta plataforma são suspensos sistemas idênticos formados de umas
molas em espiral a qual se pendura um peso. O número de sistemas assim suspensos por
unidade de superfície da plataforma, ou seja, a sua densidade, vai diminuindo muito
rapidamente a medida que se afasta do centro da plataforma, de modo que haverá uma
condensação dos sistemas em torno desse centro. Todos os sistemas de molas e pesos são
idênticos e têm mesmo período; fazem oscilar com mesma amplitude e mesma fase. A
superfície que passa pelos centros de gravidade de todos os pesos será um plano que subirá e
descerá por um movimento alternado. O conjunto assim obtido representa, grosso modo, uma
analogia com as porções isoladas de energia tal qual concebemos.
A descrição que temos feito convém a um observador ligado à plataforma. Se outro
observador observa a plataforma se deslocar por um movimento de translação uniforme com a
velocidade v = βc , cada peso lhe parecerá um pequeno relógio que sofre a retardação de
Einstein; Demais, a plataforma e a distribuição dos sistemas oscilantes não serão mais
isotrópicas ao redor do centro devido à contração de Lorentz. Mas o fato fundamental para
nós (o 3º parágrafo nos fará compreender melhor), é esta defasagem dos movimentos dos
diferentes pesos. Se, em um dado momento de seu tempo, o nosso observador fixo considera o
local geométrico dos centros de gravidade dos diversos pesos, ele obtém uma superfície
cilíndrica no seu sentido horizontal cujas seções verticais paralelas à velocidade da plataforma
são senoidais. Ela corresponde, ao caso particular considerado, a nossa onda de fase; de
c
acordo com teorema geral, esta superfície está animada por uma velocidade , paralela à da
β
plataforma, e a freqüência de vibração de um ponto fixo da abscissa, que repousa
constantemente sobre ela, é igual à freqüência própria da oscilação das molas multiplicada
1
. Onde se vê claramente por este exemplo (e é a nossa desculpa de assim ter
por
1 − β2
longamente insistido) como a onda de fase corresponde ao transporte da fase e de forma
alguma ao da energia.
Os resultados precedentes parecem-nos ser de extrema importância porque, através de
uma hipótese fortemente sugerida pela própria noção quântica, estabelecem uma ligação entre
o movimento de um móvel e a propagação de uma onda e permite, assim, prever a
possibilidade de uma síntese das teorias antagônicas sobre a natureza das radiações. Desde já,
podemos notar que a propagação retilínea da onda de fase está associada ao movimento
retilíneo do móvel; o princípio de Fermat aplicado à onda de fase determina a forma destes
raios, que são retas, enquanto que o princípio de Maupertuis aplicado ao móvel determina sua
trajetória retilínea, que é um dos raios da onda. No capítulo II, tentaremos generalizar esta
coincidência.
13
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
II. Velocidade de fase e velocidade de grupo
Faz-se necessário demonstrar uma importante relação que existe entre a velocidade do
móvel e àquela da onda de fase. Se ondas de freqüências muito próximas se propagam numa
mesma direção Ox com velocidades V, que chamaremos por velocidades de propagação da
fase, essas ondas produzem, pela sua superposição, fenômenos de batimento se a velocidade V
variar com a freqüência ν. Estes fenômenos foram estudados notadamente por Lorde Rayleigh
no caso de meios dispersivos.
Considere duas ondas de freqüências próximas ν e ν ' = ν + δν e de velocidades V e
dV
V ' =V +
δν , sua superposição se traduz analiticamente na equação seguinte, obtida ao se
dν
negligenciar o segundo número δν , posterior à ν :
⎛
⎞
νx
ν 'x
⎛
⎞
sin 2π ⎜⎜νt −
+ ϕ⎟⎟ + sin 2π ⎜⎜ν ' t −
+ ϕ '⎟⎟⎟
⎝
⎠
⎝
⎠
V
V'
( )
⎡
⎤
ν
d
⎢
⎥
νx
δν
δν
⎛
⎞
= 2 sin 2π ⎜⎜νt −
+ ψ⎟⎟ cos 2π ⎢⎢ t − x V
+ ψ '⎥⎥
⎝
⎠
V
dν 2
⎢2
⎥
⎢⎣
⎥⎦
Temos, portanto, uma onda resultante senoidal cuja amplitude modulamos pela
freqüência δν pois que o sinal do co-seno importa pouco. Este é um resultado bem conhecido.
Se designarmos por U a velocidade de propagação do batimento, ou a velocidade de grupo das
ondas, encontramos:
d
(Vν )
1
=
U
dν
Retornemos às ondas de fase. Se atribuirmos ao móvel uma velocidade v = βc não
dando para β um valor muito bem determinado, mas impondo-lhe apenas que esteja
compreendido entre β e β + δβ ; as freqüências das ondas correspondentes preenchem um
pequeno intervalo ν, ν + δν .
Vamos estabelecer o seguinte teorema que nos será útil ulteriormente. “A velocidade
de grupo das ondas de fase é igual à velocidade do móvel”. De fato, esta velocidade de grupo
14
Tradução de Ricardo Soares Vieira
é determinada pela fórmula dada acima na qual V e ν podem ser considerados como função
de β dado que se tem:
V =
c
β
ν=
1 m 0c 2
.
h 1 − β2
Onde podemos escrever:
dν
dβ
U =
ν
d
V
dβ
( )
Ou
dν
m 0c 2
β
=
⋅
3
dβ
h
(1 − β 2 )2
⎛ β ⎞⎟
⎜⎜
ν
⎟
d
⎜⎜
d
2 ⎟
⎟ mc
⎟
β
1
−
m
c
1
⎝
⎠
V = 0 ⋅
= 0 ⋅
3
dβ
h
dβ
h (1 − β 2 )2
( )
Onde:
U = βc = v
A velocidade de grupo das ondas de fase é, realmente, igual à velocidade do móvel.
Este resultado apela a uma observação: na teoria ondulatória da dispersão, exceto as zonas de
absorção, a velocidade da energia é igual à velocidade de grupo 3. Aqui, embora colocados por
um ponto de vista bem diferente, reencontramos um resultado análogo, porque a velocidade
do móvel não é outra coisa além da velocidade de deslocamento da energia.
3
Ver, por exemplo, Léon Brillouin: La théorie des quanta et l’atome de Bohr. [A teoria
quântica e o átomo de Bohr], capítulo I.
15
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
III. A Onda de fase no Espaço-Tempo
Minkowski mostrou-se ser o primeiro que obteve uma representação geométrica simples
das relações de espaço e de tempo introduzidas por Einstein ao considerar uma multiplicidade
euclidiana a 4 dimensões chamada Universo ou Espaço-Tempo. Para isso, tomava ele 3 eixos
de coordenadas retangulares do espaço e um quarto eixo normal aos 3 primeiros, o qual
portava o tempo multiplicado por c −1 . Pode-se hoje, de bom grado, associar ao quarto eixo
a quantidade real ct , mas então, neste caso, os planos que passam por estes eixos normais ao
espaço devem possuir uma geometria pseudo-euclidiana hiperbólica, cujo invariante
fundamental é −c 2dt 2 + dx 2 + dy 2 + dz 2 .
Considere então o espaço-tempo relacionado a 4 eixos retangulares de um observador
dito “fixo”. Vamos escolher para o eixo dos x a trajetória retilínea do móvel e representemos
sobre o nosso papel o plano otx que contém o eixo do tempo e a dita trajetória. Nestas
condições, a linha do Universo do móvel é desenhada por uma reta inclinada de menos de 45º
sobre o eixo do tempo; esta linha é em outro lugar o eixo do tempo para o observador ligado
ao móvel. Representamos sobre a nossa figura os 2 eixos do tempo que se cortam na origem, o
que não se restringe à generalidade.
Se a velocidade do móvel para o observador fixo é βc , a inclinação de Ot' tem por
1
valor
. A reta ox', traçada sobre o plano tox do espaço do observador animado no tempo O
β
é simétrico à Ot' em relação bissetriz OD; isto é fácil de demonstrar analiticamente por meio
16
Tradução de Ricardo Soares Vieira
da transformação Lorentz, mas este resulta imediatamente do fato de que a velocidade-limite
da energia, c, tem o mesmo valor para todos os sistemas de referência. A inclinação de Ox' é,
portanto, β . Se o espaço ao redor do móvel é a sede de um fenômeno periódico, o estado do
espaço retorna ao mesmo para o observador animado sempre que se tiver transcorrido um
1
1
1
h
tempo OA = AB , igual ao período próprio, T0 =
=
do fenômeno.
c
c
ν0
m 0c 2
As retas paralelas à ox' são, por conseguinte, traços destes “espaços eqüifásicos” do
observador em movimento sobre o plano xot’. Os pontos ...a', o, a... representam a projeção
de suas interseções com o espaço do observador fixo no instante 0; estas intersecções de 2
espaços à 3 dimensões são de superfícies à 2 dimensões e do mesmo plano porque todos os
espaços aqui considerados são euclidianos. Enquanto o tempo escoa para o observador fixo, a
seção do espaço-tempo que, para ele, é o espaço, é representada por uma reta paralela à ox
que se desloca por um movimento uniforme na direção de t crescente. Percebe-se facilmente
que os planos eqüifásicos ...a', o, a... deslocam-se no espaço do observador fixo com uma
c
velocidade
. Com efeito, se a linha ox 1 da figura representa o espaço do observador fixo no
β
tempo t = 1, se tem aa 0 = c . A fase que para t = 0 encontrava-se em a se encontra agora em
a1 ; para o observador fixo, ela está, portanto, deslocada no seu espaço pelo comprimento a 0a1
durante a unidade de tempo. Pode-se, por conseguinte, dizer que a velocidade é
c
V = a 0a1 = aa 0 cotg xox ' = . O conjunto dos planos eqüifásicos constitui o que nós damos
β
(
)
nome de onda de fase. Resta-nos examinar a questão das freqüências. Refaçamos uma
pequena figura simplificada:
17
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
As retas 1 e 2 representam dois espaços eqüifásicos sucessivos do observador em
h
repouso. AB é assim igual à c vezes o período próprio T0 =
.
m 0c 2
1
. Esta resulta de
AC, que é projeção de AB sob o eixo Ot, é igual à cT1 = cT0
1 − β2
uma simples aplicação das relações trigonométricas; no entanto, ressaltamos que para aplicar
a trigonometria às figuras do plano xot, é necessário ter em mente a anisotropia particular
deste plano. O triângulo ABC nos dá
2
2
2
(
)
2
AB = AC − CB = AC 1 − tg2 CAB = AC (1 − β 2 )
2
AC =
A freqüência
AB
1 − β2
q. e. d.
1
é a que o fenômeno periódico parece ter para o observador fixo, que o
T1
segue com os olhos durante seu deslocamento. Isto é, ν1 = ν 0 1 − β 2 = m 0c 2 1 − β 2 .
O período das ondas num ponto do espaço para o observador fixo é dado não por
1
1
AC , mas por AD . Calculemo-na.
c
c
CB
1
=
, de onde:
No pequeno triângulo BCD, encontra-se a relação
DC
β
DC = βCB = β 2 AC . Mas AD = AC − DC = AC (1 − β 2 ) . O novo período T é, portanto,
1
igual a: T = AC (1 − β 2 ) = T0 1 − β 2 e a freqüência ν das ondas exprime-se por:
c
1
ν0
m0c 2
ν= =
=
.
T
1 − β2
h 1 − β2
Reencontramos assim efetivamente todos os resultados obtidos analiticamente no 1º
parágrafo, mas agora vamos comentar melhor como ela se liga à concepção geral do espaçotempo e o porquê de a defasagem dos movimentos periódicos, que se localizam em pontos
diferentes do espaço, depende da forma como a simultaneidade é definida pela teoria da
Relatividade.
18
Tradução de Ricardo Soares Vieira
CAPÍTULO II
O Princípio de Maupertuis e o Princípio de Fermat
I. Objetivo desse capítulo
Desejamos neste capítulo tentar generalizar os resultados do capítulo primeiro para o
caso de um móvel cujo movimento não seja retilíneo e uniforme. O movimento variável supõe
a existência de um campo de força ao qual o móvel se sujeita. No estado atual dos nossos
conhecimentos parece que temos apenas duas espécies de campos: os campos de gravidade e
os campos eletromagnéticos. A teoria da Relatividade geral interpreta o campo gravitacionais
como que devido a uma curvatura do espaço-tempo. Na presente tese, deixaremos
sistematicamente de lado tudo o que concerne à gravitação, quite para a retomarmos num
outro trabalho. Portanto neste momento um campo de força será um campo eletromagnético
e a dinâmica do movimento variado, o estudo do movimento de um corpo portando uma
carga elétrica num campo eletromagnético.
É de se esperar que nos deparemos neste capítulo com muitas dificuldades assaz
grandiosas porque a teoria Relatividade, que nos guia muito corretamente quando se trata de
movimentos uniformes, é ainda bastante hesitante nas suas conclusões sobre o movimento não
uniforme. Durante a recente permanência do Sr. Einstein à Paris, o Sr. Painlevé elevou
contra a Relatividade divertidas objeções; o Sr. Langevin pôde afastá-las sem dificuldade pois
faziam tudo para intervir as acelerações embora a transformação de Lorentz-Einstein só se
aplique aos movimentos uniformes. Os argumentos do ilustre matemático, contudo, provou
uma vez mais que a aplicação das idéias Einsteinianas altera muito delicadamente o instante
onde se tem acelerações e, nisso, elas são muito instrutivas. O método que permitiu-nos
estudar a onda de fase no capítulo primeiro não vai mais, aqui, nos servir de nenhum socorro.
A onda de fase que acompanha o movimento de um móvel, entretanto, se admitirmos
as nossas concepções, tem propriedades que dependem da natureza deste móvel, dado que a
freqüência, por exemplo, é determinada pela energia total. Parece, por conseguinte, natural
supor que, se um campo de força atuar sobre o movimento de um móvel, atuará também
sobre a propagação de sua onda de fase. Guiado pela idéia de uma identidade profunda entre
19
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
o princípio da mínima ação e o de Fermat, fui conduzido desde o começo de minhas pesquisas
sobre este assunto a admitir que para um dado valor da energia total do móvel e para a
freqüência de sua onda de fase, as trajetórias dinamicamente possíveis de um coincidem com
os raios possíveis do outro. Isto me conduziu a um resultado extremamente satisfatório que
será exposto no capítulo III, a saber, a interpretação das condições de estabilidade
interatômica estabelecidas por Bohr. Infelizmente, ele fazia hipóteses bastante arbitrárias
sobre o valor das velocidades de propagação V da onda de fase em cada ponto do campo.
Vamos aqui, pelo contrário, servir-nos de um método que nos parece muito mais geral e mais
satisfatório. Estudaremos por um lado o principio mecânico da mínima ação sob as suas
formas Hamiltoniana e Maupertuisiana na dinâmica clássica na Relatividade e por outro lado
a um ponto de vista geral, a propagação das ondas e o princípio de Fermat. Então seremos
conduzidos a conceber uma síntese entre estes dois estudos, síntese sobre a qual se pode
discutir, mas cuja elegância teórica é incontestável. Vamos obter ao mesmo tempo a solução
do problema colocado.
II. Os dois princípios da mínima ação na dinâmica clássica
Na dinâmica clássica, o princípio de mínima ação sob a sua forma Hamiltoniana
anuncia-se da seguinte maneira:
“As equações da dinâmica podem ser deduzidas pelo fato de que a integral
∫
t2
t1
Ldt ,
tomada entre os limites fixos dos tempos por valores iniciais e finais obtidos pelos parâmetros
qi , que determinam o estado do sistema, conduz a um valor estacionário”. Por definição, L
dq
é denominada função de Lagrange e é supostamente dependente das variáveis qi e qi = i .
dt
Tem-se por conseguinte:
t2
δ ∫ Ldt = 0
t1
De onde se deduz, por um método conhecido do cálculo das variações, as equações
ditas de Lagrange:
d
dt
⎛
⎞
⎜⎜ ∂L ⎟⎟ = ∂L
⎜⎝ ∂qi ⎠⎟⎟ ∂qi
20
Tradução de Ricardo Soares Vieira
em número igual ao das variáveis qi .
Resta definir a função qi . A dinâmica clássica assume: que L = E cin − E pot é a
diferença das energias cinética e potencial. Veremos mais adiante que a dinâmica relativista
emprega um valor diferente à L .
Passamos agora à forma Maupertuisiana do princípio da mínima ação. Para tal,
observe primeiro que as equações de Lagrange sob a forma geral dada mais acima, admite
uma integral primeira denominada “energia do sistema” e igual à:
W = −L + ∑
i
∂L
qi
∂q i
com a condição de que a função L não dependa explicitamente do tempo, o que vamos supor
sempre na seqüência. Tem-se, com efeito, então:
dW
∂L
∂L
∂L
d
qi − ∑
qi + ∑
qi + ∑
= −∑
dt
∂qi
∂q i
∂q i
i
i
i
i dt
⎛ ∂L ⎞⎟
⎜⎜
⎟q =
qi
⎜⎝ ∂q ⎠⎟⎟ i ∑
i
i
⎡d
⎢
⎢ dt
⎣
⎛ ∂L ⎞⎟ ∂L ⎤
⎜⎜
⎥
⎟⎟ −
⎝⎜ ∂qi ⎠⎟ ∂qi ⎥⎦
quantidade nula de acordo com as equações de Lagrange. Portanto:
W = Cte
Aplicando agora o princípio Hamiltoniano a todas as trajetórias “variadas” que
conduzem do dado estado inicial A até o dado estado final B e que correspondem a um valor
determinado da energia W. Onde se pode escrever, pois que W, t1 e t2 são constantes:
t2
t2
δ ∫ Ldt = δ ∫ (L + W )dt = 0
t1
t1
ou ainda:
δ∫
t2
t1
∂L
∑ ∂q
i
i
qi dt = δ ∫
B
A
∂L
∑ ∂q
i
dqi = 0
i
a última integral estendida a todos os valores dos qi compreendidos entre as que definem os
estados A e B, de sorte que o tempo se encontre eliminado; por conseguinte, não há mais
21
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
lugar para impor, na nova forma obtida, qualquer restrição relativa aos limites do tempo. Ao
contrário, as trajetórias variadas devem todas corresponder a um mesmo valor W da energia.
∂L
Colocando de acordo com a notação clássica das equações canônicas pi =
. Os pi
∂qi
são os momenta conjugados das variáveis qi . O princípio Maupertuisiano se escreve:
δ∫
B
A
∑ p dq
i
i
=0
i
na dinâmica clássica onde L = E cin − E pot , sendo E pot independente e E cin uma função
quadrática homogênea. Em virtude do teorema de Euler:
∑ p dq
i
i
Para o ponto material, E cin =
i
= ∑ piqidt = 2E cin dt
i
1
mv 2 e o princípio da mínima ação toma sua forma outrora
2
mais conhecida:
B
δ ∫ mvdl = 0
A
onde dl , é um elemento da trajetória.
III. Os dois princípios da mínima ação na dinâmica do elétron
Vamos agora retomar a pergunta sobre a dinâmica do elétron pelo ponto de vista
relativista. É preciso tomar aqui a palavra “elétron” no sentido geral de ponto material que
leva uma carga elétrica. Nós vamos supor que elétron situado fora de qualquer campo possui
uma massa própria m 0 ; a sua carga elétrica é designada por e.
Vamos outra vez considerar o espaço-tempo; as coordenadas do espaço serão chamadas
1
2
x , x e x 3 , a coordenada ct será x 4 . O invariante fundamental “elemento de linha” é
definido por:
ds =
2
(x 4 )
2
2
2
− (x 1 ) − (x 2 ) − (x 3 )
22
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Neste parágrafo e no seguinte, nós empregaremos constantemente certas notações de
cálculo tensorial.
Uma linha de Universo tem em cada ponto uma tangente definida na direção do vetor
“velocidade de Universo”, de comprimento unitário e cujas componentes contravariantes são
dadas pela relação:
ui =
dx i
ds
(i = 1, 2, 3, 4).
Verifica-se prontamente que se tem: u iui = 1 .
Ou seja, um móvel descrevendo a linha de Universo; quando ele passa pelo ponto
considerado, possui uma velocidade v = βc de componentes vx , vy , vz . As componentes da
velocidade de Universo são:
u1 = −u 1 =
vx
c 1− β
u 3 = −u 3 =
u2 = −u 2 =
2
vz
c 1− β
2
u4 = u 4 =
vy
c 1 − β2
1
1 − β2
Para definir um campo eletromagnético, devemos introduzir um segundo vetor de
Universo cujas componentes exprimam em função do potencial-vetor a e do potencial escalar
Ψ pelas relações:
ϕ1 = −ϕ1 = −ax ;
ϕ2 = −ϕ 2 = −ay ;
ϕ3 = −ϕ 3 = −az ;
ϕ4 = ϕ 4 =
1
Ψ.
c
Consideremos agora dois pontos P e Q do espaço-tempo que corresponda à valores
dados pelas coordenadas do espaço-tempo. Podemos empregar uma integral curvilínea tomada
ao longo de uma linha de Universo que vai de P à Q, naturalmente a função a se integrar
deve ser invariante.
Seja:
Q
∫ (−m c − eϕ u )ds = ∫
P
i
0
i
Q
P
(−m0cui − eϕi ) u ids esta integral. O princípio Hamilton
afirma que se a linha de Universo de um móvel passa por P e Q, ela tem uma forma tal que a
integral acima definida tenha um valor estacionário.
23
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Definimos um terceiro vetor de Universo pela relação:
(i = 1, 2, 3, 4).
Ji = m 0cui + eϕi
e o enunciado da mínima ação passa a ser:
δ∫
Q
P
Q
( J1dx 1 + J2dx 2 + J3dx 3 + J4dx 4 )ds = δ ∫P
Jidx i = 0
Daremos um pouco mais adiante um sentido físico ao vetor de universo J .
Por hora, retornemos à forma usual das equações dinâmicas substituindo ds por
cdt 1 − β 2 , na primeira forma da integral da ação. Obtemos assim:
t2
δ ∫ ⎡⎢−m 0c 1 − β 2 − ecϕ4 − e (ϕ1vx + ϕ2vy + ϕ3vz )⎤⎥ dt = 0
t1 ⎣
⎦
t1 e t2 correspondem aos pontos P e Q do espaço tempo.
Se existe um campo meramente eletrostático, as quantidades ϕ1, ϕ2 , ϕ3 são nulas e a
função de Lagrange toma a forma freqüentemente utilizada:
L = −m 0c 1 − β 2 − e Ψ
Em todos os casos, o princípio Hamilton tem sempre a forma
∫
t2
t1
Ldt = 0 , por onde
sempre somos conduzidos às equações de Lagrange:
d
dt
⎛ ∂L ⎞⎟
∂L
⎜⎜
⎟=
⎜⎝ ∂qi ⎠⎟⎟ ∂qi
(i = 1, 2, 3)
Em todos os casos onde os potenciais não dependem do tempo reencontramos a
conservação da energia:
W = L + ∑ piqi = Cte .
i
pi =
∂L
∂q i
(i = 1, 2, 3)
Exatamente de acordo com a mesma marcha dada mais acima, obtém-se do princípio
de Maupertuis:
24
Tradução de Ricardo Soares Vieira
δ∫
B
A
∑ p dq
i
i
=0
i
onde A e B são dois pontos do espaço que correspondem ao sistema de referência empregado
nos pontos P e Q do espaço-tempo.
As quantidades p1 p2 p3 , iguais às derivadas parciais da função L em relação às
velocidades correspondentes, podem servir para definir um vetor p o qual chamaremos de
“vetor-momentum”. Se não houver um campo magnético (havendo ou não um campo
elétrico), as componentes retangulares deste vetor são:
px =
m 0vx
1− β
2
py =
m 0vy
1− β
2
pz =
m 0vz
1 − β2
.
Ele é, portanto, idêntico à quantidade de movimento e a integral de ação Maupertuisiana tem
a forma simples proposta pelo próprio Maupertuis com uma única diferença de que a massa
varia agora com a velocidade de acordo com a lei de Lorentz.
Se houver um campo magnético, encontra-se para as componentes do vetor-momentum
as expressões:
px =
m 0vx
1 − β2
+ eax
py =
m 0vy
1 − β2
+ eay
pz =
m 0vz
1 − β2
+ eaz
E não se tem mais a identidade entre o vetor p e a quantidade de movimento;
conseqüentemente, a expressão da integral de ação torna-se mais complicada.
Consideremos um móvel colocado num campo e cuja energia total é dada; em qualquer
ponto do campo que o móvel pode atingir, a sua velocidade é dada pela equação da energia,
mas a priori a direção pode ser qualquer. A expressão de px py e pz mostra que o vetormomentum tem a mesma grandeza em um ponto de um campo eletrostático qualquer que seja
a direção tomada. Mas não será assim desta mesma forma se houver um campo magnético: a
grandeza do vetor p depende então do ângulo entre a direção escolhida e o potencial-vetor
como se estivesse formando a expressão px 2 + py 2 + pz 2 . Esta observação nos será útil mais
adiante.
Para terminar este parágrafo, vamos retornar à questão do sentido físico do vetor de
Universo J do qual depende a integral Hamiltoniana. Nós o Definimos pela expressão:
25
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Ji = m 0cui + eϕi
(i = 1, 2, 3, 4).
Com o auxilio dos valores ui e ϕi encontra-se:
J1 = −px
J2 = −py
J3 = −pz
J4 =
W
c
J3 = pz
J4 =
W
c
As componentes contravariantes serão:
J1 = px
J2 = py
Temos, por conseguinte, associado-lhe o celebre vetor “Impulsão de Universo” que
sintetiza a energia e a quantidade de movimento.
Q
(
)
De: δ ∫ Jidx i = 0 , i = 1, 2, 3, 4 , pode-se tirar imediatamente se J4 é constante:
P
B
δ ∫ Jidx i = 0
A
(i = 1, 2, 3).
Esta é a maneira mais condensada de se passar de uma ação estacionária anunciada à outra.
IV. Propagação das ondas; princípio de Fermat
Vamos estudar a propagação da fase do fenômeno senoidal por um método paralelo ao
dos dois últimos parágrafos. Para isso, empregaremos um ponto de vista muito geral e
novamente, vamos ter de considerar o espaço-tempo.
Consideremos a função sen ϕ na qual a diferencial supostamente depende das variáveis
x i do espaço e do tempo. Existe no espaço-tempo uma infinidade de linhas de Universo ao
longo do qual a função ϕ é constante.
A teoria das ondulações, tal qual resulta notadamente dos trabalhos de Huyghens e de
Fresnel, ensina-nos a distinguir dentre estas linhas, algumas daquelas cujas projeções sobre o
espaço de um observador lhe são “raios” no sentido usual da óptica.
Sejam, como previamente o foi, P e Q dois pontos do espaço-tempo. Se passar um raio
de Universo por estes dois pontos, que lei determinará a sua forma?
26
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Vamos considerar a integral curvilínea
∫
Q
P
dϕ e empregar ao raio de Universo, como
Q
princípio determinante, o enunciado na forma Hamiltoniana: δ ∫ d ϕ = 0 .
P
A integral deve, com efeito, ser estacionária, sem o que, as perturbações que têm
deixado em concordância de fase um certo ponto do espaço e que cruzam-se em um outro
ponto, após de ter seguido caminhos ligeiramente diferentes, apresentariam fases diferentes.
A fase ϕ é um invariante; assim, se colocarmos:
d ϕ = 2π (O1dx 1 + O2dx 2 + O3dx 3 + O4dx 4 ) = 2π Oidx i
as quantidades Oi , geralmente funções dos x i , serão as componentes covariantes de um vetor
de Universo, o vetor Onda de Universo. Se l é a direção do raio no sentido ordinário, somos
conduzidos habitualmente a considerar para dϕ a forma:
ν ⎞
⎛
d ϕ = 2π ⎜⎜νdt − dl ⎟⎟
⎝
V ⎠
ν é a chamada freqüência e V, velocidade de propagação. Pode-se pôr então:
O1 = −
ν
cos (x , l ) ,
V
O2 = −
O3 = −
ν
cos (z, l ) ,
V
O4 =
ν
cos (y, l ) ,
V
ν
.
c
O vetor Onda de Universo se decompõe, portanto, em uma componente de tempo
proporcional à freqüência e em um vetor de espaço n , tomado sobre a direção de propagação
ν
. Vamos chamá-lo de vetor “número de ondas” porque é igual
e que tem por comprimento
V
ao inverso do comprimento de onda. Se a freqüência ν é constante, somos levados a passar
da forma Hamiltoniana:
Q
δ ∫ Oidx i = 0
P
à forma Maupertuisiana:
B
δ ∫ O1dx 1 + O2dx 2 + O3dx 3 = 0
A
27
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
onde A e B são os pontos do espaço que correspondem à P e Q.
Substituindo O1, O2 e O3 pelos seus valores, vem:
δ∫
B
A
νdl
=0
V
Este enunciado Maupertuisiano constitui o princípio de Fermat.
Assim como no parágrafo precedente era suficiente, para encontrar a trajetória de um
móvel de dada energia total, que passa por dois pontos dados, conhecer a distribuição no
campo de vetores p , do mesmo modo aqui, para encontrar os raios de uma onda de
freqüência conhecida, que passa por dois pontos dados, é suficiente conhecer a distribuição no
espaço dos vetores número de onda, que determinam em cada ponto e para cada direção a
velocidade de propagação.
V. Extensão da relação quântica
Temos chegado ao ponto culminante deste capítulo. Tínhamos feito a partir de seu
início a seguinte pergunta: “Quando um móvel desloca-se num campo de força com um
movimento variado, como se propaga a sua onda de fase?” Em vez de se procurar por
tentativas, como já tínhamos abordado, determinar a velocidade de propagação em cada
ponto e para cada direção, vou fazer uma extensão da relação quântica um pouco hipotética
talvez, mas cujo acordo profundo com o espírito da teoria da Relatividade é indiscutível.
Constantemente, nós fomos conduzidos a por h ν = w , onde w é a energia total do
móvel e ν a freqüência de sua onda de fase. Por outro lado, os parágrafos precedentes nos
ensinaram a definir dois vetores de Universos J e O que possuem papéis perfeitamente
simétricos no estudo do movimento de um móvel e a da propagação de uma onda.
Fazendo intervir estes vetores, a relação h ν = w se escreve:
O4 =
1
J4
h
O fato de dois vetores terem uma componente igual não prova que eles sejam do
mesmo modo para os outros. Todavia, por uma generalização completamente indicada, vamos
colocar:
28
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Oi =
1
Ji
h
(i = 1, 2, 3, 4).
A variação d ϕ relativo a uma porção infinitamente pequena da onda de fase tem por
valor:
d ϕ = 2π Oidx i =
2π
Jidx i
h
O princípio de Fermat torna-se, por conseguinte:
δ∫
B
A
3
∑ J idx i = δ ∫
1
B
A
3
∑ p dx
i
i
= 0.
1
Chegamos assim ao seguinte enunciado:
“O princípio de Fermat aplicado à onda de fase é idêntico ao princípio de Maupertuis
aplicado ao móvel; as trajetórias dinamicamente possíveis do móvel são idênticas aos raios
possíveis da onda”.
Pensamos que esta idéia de uma relação profunda entre os dois grandes princípios da
Óptica Geométrica e da Dinâmica poderia ser um guia precioso para realizar a síntese entre
as ondas e os quanta.
A hipótese de proporcionalidade dos vetores J e O é uma espécie de extensão da
relação quântica cujo enunciado atual é manifestamente insuficiente, dado que ele faz intervir
a energia sem falar do seu inseparável companheiro a quantidade de movimento. O novo
enunciado é muito mais satisfatório porque se exprime pela igualdade de dois vetores de
Universos.
VI. Casos particulares; discussões
As concepções gerais do parágrafo precedente devem agora ser aplicados à casos
específicos para precisar o seu sentido.
a) Consideremos acerca do primeiro movimento retilíneo e uniforme de um móvel livre.
As hipóteses feitas no início do capítulo primeiro permitiram-nos, graças ao princípio da
29
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Relatividade restrita, o estudo completo deste caso. Vejamos se podemos reencontrar o valor
c
previsto para a velocidade de propagação da onda de fase: V = . Aqui devemos pôr:
β
W
m 0c 2
=
,
ν=
h
h 1 − β2
de onde V =
1
h
1 m 0β 2c 2
pidqi =
dt =
∑
h 1 − β2
1
3
m 0 βc
1− β
2
dl =
νdl
,
V
c
. Daremos uma interpretação desse resultado pelo ponto de vista do espaçoβ
tempo.
b) Vamos considerar um elétron num campo eletrostático (átomo de Bohr). Devemos
supor para a onda de fase uma freqüência ν igual ao quociente da energia total do móvel por
h, ou seja:
W =
m 0c 2
+ eψ = hν
1 − β2
Sendo nulo o campo magnético, ter-se-á simplesmente:
px =
m 0vx
1 − β2
, etc.,
1
h
3
∑ p dq
i
i
=
1
1
h
m 0 βc
1 − β2
dl =
ν
dl ,
V
de onde
m 0c 2
V =
+ eψ
⎛
eψ 1 − β 2
1 − β2
c ⎜⎜
= ⎜1 +
m 0 βc
m 0c 2
β ⎜⎜⎝
1 − β2
⎞⎟
⎟⎟ = c ⎛⎜1 + e ψ ⎞⎟⎟ = c ⋅ W
⎟⎟ β ⎜⎜
W − e ψ ⎠⎟ β W − e ψ
⎝
⎠⎟
Este resultado apela a várias observações. Pelo ponto de vista físico, significa que a onda de
W
se propaga no campo eletrostático com uma velocidade variável de
fase de freqüência ν =
h
um ponto a outro conforme o valor do potencial. A velocidade V depende, com efeito, de ψ
eψ
diretamente pelo termo (geralmente pequeno diante da unidade)
e indiretamente
W − eψ
por β que se calcula em cada ponto em função de W e ψ .
30
Tradução de Ricardo Soares Vieira
No mais, observar-se-á que V é uma função da massa e da carga do móvel. Este ponto
pode parecer estranho, mais ele é na realidade bem menos do que parece. Consideremos um
elétron cujo centro C desloca-se com a velocidade v; na concepção clássica, em um ponto P
cujas coordenadas num sistema ligado ao elétron é conhecido, encontra-se uma certa energia
eletromagnética que faz, de qualquer forma, parte do elétron. Vamos supor que após ter
atravessado uma região R onde reina um campo eletromagnético mais ou menos complexo, o
elétron se encontre animado da mesma velocidade v, mas de outro modo dirigido.
O ponto P do sistema ligado ao elétron vem de P’ e l’
onde se pode dizer que a
energia primitivamente em P é transportada até P'. O deslocamento desta energia, mesmo
caso se conhecesse os campos que reinam em R, não pode ser calculado se a massa e a carga
do elétron forem dadas. Esta conclusão indiscutível poderia por um instante parecer bizarra
porque temos o hábito inveterado de considerar a massa e a carga (bem como a quantidade
de movimento e a energia) como grandezas ligadas ao centro do elétron. Do mesmo modo
para a onda de fase que, em conformidade conosco, deve ser considerado como uma parte
constituinte do elétron, a propagação em um campo deve depender da carga e da massa.
Recordemo-nos agora dos resultados obtidos no capítulo precedente, no caso do
movimento uniforme. Lá fomos conduzidos a considerar a onda de fase como que devida às
intersecções do espaço presente do observador estacionário com os espaços passado, presente e
futuro do observador animado. Poderíamos tentar ainda reencontrar aqui o valor de V, dado
acima, estudando as “fases” sucessivas do móvel e precisando o deslocamento para o
observador estacionário pelas intersecções de seu espaço de estados eqüifásicos. Por azar,
defrontamos aqui com enormes dificuldades. A relatividade não nos ensina atualmente como
um observador animado por um movimento não uniforme recorta a cada instante o seu
espaço no espaço-tempo; não parece que ela tenha muita razão, de modo que esta intersecção
seja plana como no movimento uniforme. Mas mesmo se esta dificuldade for resolvida, ainda
estaremos no embaraço. Com efeito, um móvel em movimento uniforme deve ser descrito do
mesmo modo a um observador que lhe é ligado, qualquer que seja a velocidade do movimento
31
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
uniforme, em relação aos eixos de referência; isto resulta do princípio onde os eixos galileanos,
que possuem um em relação aos outros movimentos de translação uniforme, são equivalentes.
Se, por ventura, o nosso móvel em movimento uniforme for cercado por um fenômeno
periódico que possui em toda parte a mesma fase, então, para um observador ligado ele deve
ser da mesma forma para todas as velocidades do movimento uniforme e é isto o que justifica
o nosso método do primeiro capítulo. Mas se o movimento não é uniforme, a descrição do
móvel não pode mais ser feita pelo observador ligado ao mesmo e não sabemos mais como
definir o fenômeno periódico e atribuir-lhe a mesma fase em todos os pontos do espaço.
Talvez poder-se-ia reverter o problema, admitindo os resultados obtidos neste capítulo
por considerações totalmente diferentes e procurar deduzir como a teoria da Relatividade
deve encarar estas questões de movimento para chegar às mesmas conclusões. Nós não
podemos abordar este difícil problema.
c) Tomemos o caso geral do elétron num campo eletromagnético. Tem-se ainda:
hν = W =
m 0c 2
1 − β2
+ eψ .
No mais, temos demonstrado mais acima que é necessário colocar:
m 0vx
px =
1 − β2
+ eax , etc.,
onde ax , ay e az são as componente do potencial-vetor.
Por conseguinte:
1
h
3
∑ p dq
i
i
=
1
1
h
m 0 βc
1− β
2
dl +
e
νdl
.
al dl =
h
V
Encontra-se assim:
m 0c 2
V =
1 − β2
m 0 βc
1 − β2
+ eψ
=
+ eal
1
c
W
⋅
β W − e ψ 1 + e al
G
G é a quantidade de movimento e al a projeção do potencial vetor sobre a direção l,
32
Tradução de Ricardo Soares Vieira
O meio em cada ponto não deixa de ser isotrópico. A velocidade V varia com a direção
considerada e a velocidade do móvel v não tem a mesma direção que a normal da onda de
fase definida pelo vetor p = hn . O raio não coincide mais com a normal da onda, conclusão
clássica da óptica dos meios anisotrópicos. Pode-se perguntar sobre o que torna o teorema
sobre a igualdade da velocidade v = βc do móvel e a velocidade de grupo das ondas de fase.
Observemos primeiro que a velocidade V da fase que segue o raio é definida pela
relação:
1
h
3
∑ pidq i =
1
1
h
3
∑ pi
1
dq i
ν
ν
1
dl = dl, onde
não é igual a
p porque aqui dl e p
V
h
dl
V
não possuem a mesma direção.
Sem estar prejudicando a generalidade, nós podemos tomar por eixo dos x a direção do
movimento do móvel no ponto considerado e chamar px a projeção do vetor p sobre esta
ν
1
direção. Tem-se então a equação de definição:
= px .
V
h
A primeira das equações canônicas fornece a igualdade:
∂ (h ν )
dq
∂W
= v = βc =
=
= U,
⎛ ν ⎞⎟
dt
∂px
∂ ⎜⎜h ⎟
⎝ V⎠
onde U é a velocidade de grupo que segue o raio.
O resultado do capítulo primeiro, § 2, é, por conseguinte, totalmente geral e decorre
em suma diretamente das equações do primeiro grupo de Hamilton.
33
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
CAPÍTULO III
As condições quânticas de estabilidade das trajetórias.
I. As condições de estabilidade de Bohr-Sommerfeld
Na sua teoria do átomo, o Sr. Bohr foi o primeiro a lançar a idéia de que, entre as
trajetórias fechadas que um elétron pode descrever ao redor de um centro positivo, somente
algumas são estáveis, as outras são impraticáveis na natureza ou todas são tão instáveis de
forma que não é conveniente tê-las em conta. Limitando-se às trajetórias circulares, onde
entra em jogo um só grau de liberdade, o Sr. Bohr enunciou a condição seguinte: “Somente,
são estáveis as trajetórias circulares para o qual o momento da quantidade de movimento for
h
um múltiplo inteiro de
, sendo h a constante Planck”. Isto se escreve:
2π
h
2π
m 0 ωR 2 = n
(n inteiro)
ou ainda:
∫
2π
0
sendo θ
pθd θ = nh
o azimutal escolhido como coordenada q de Lagrange e pθ
o momentum
correspondente.
Os Srs. Sommerfeld e Wilson, para estender este enunciado aos casos onde intervêm
vários graus de liberdade, demonstraram que é geralmente possível escolher entre as
coordenadas qi aquelas quais as condições de quantificação das órbitas sejam:
∫ p di = n h
i
o sinal
∫
i
(ni inteiro)
indica que uma integral se estende por todo domínio de variação da coordenada.
34
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Em 1917, o Sr. Einstein deu à condição de quantificação uma forma invariante para
relatar as mudanças de coordenadas 4. Vamos enunciá-lo para o caso das trajetórias fechadas;
assim ele é, portanto:
3
∫ ∑ p di = nh
i
(n inteiro)
1
integral que é estendida a todo o comprimento da trajetória. Reconhece-se a integral de ação
de Maupertuis cujo papel se torna, assim, capital na teoria dos quanta. Esta integral não
depende, aliás, da escolha das coordenadas do espaço, de acordo com uma propriedade
conhecida que exprime, em suma, o caráter covariante das componentes pi do vetor
momentum. Ele é definido pelo método clássico de Jacobi como uma integral completa da
equação de derivados parciais:
⎛ ∂s
⎞
H ⎜⎜
, qi ⎟⎟⎟ = W
⎜⎝ ∂qi
⎠⎟
i = 1, 2, … f .
integral completa que contem f constantes arbitrárias onde uma delas é a energia W. Se ela
tiver só um grau de liberdade, a relação de Einstein fixa a energia W; se ela tiver mais de um
(e no caso usual mais importante, aquele do movimento do elétron no campo interatômico,
que se tem, a priori, 3), obtém-se somente uma relação entre W, e o número inteiro n; isto é
o que encontra-se para as elipses Keplerianas se negligenciarmos a variação da massa com a
velocidade. Mas se o movimento for quase-periódico, o que de resto tem sempre lugar devido
à variação supra mencionada, é possível encontrar coordenadas que oscilam entre os valores
limites (oscilações) e existe uma infinidade de pseudo-período, iguais aproximadamente a
múltiplos inteiros dos períodos de oscilação. No fim de cada um dos pseudo-períodos, o móvel
terá retornado a um estado tão próximo quanto se quiser do estado inicial. A equação de
Einstein aplicado a cada um destes pseudo-períodos conduz a uma infinidade de condições
que são compatíveis apenas se as condições múltiplas de Sommerfeld forem verificadas; esta é
em número igual ao dos graus de liberdade, todas as constantes encontram-se fixas e não
resta mais nenhuma indeterminação.
4
Zum quantensatz von Sommerfeld und Epstein [Sobre o teorema de Sommerfeld e Epstein]
(Ber. Deutschen. Phys. Ges., 1917, p. 82).
35
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Para o cálculo das integrais de Sommerfeld, usou-se com sucesso a equação de Jacobi e
o teorema dos restos bem como a concepção de variáveis angulares. Estas questões foram
objeto de numerosos trabalhos depois de alguns anos e estão belamente resumidos no livro do
Sr. Sommerfeld Atombau und Spectrallinien [Construção atômica e linhas espectrais], (edição
francesa, tradução Bellenot, editado por Blanchard, 1923). Não insistiremos nisto aqui e
limitar-nos-emos a remarcar que, no fim das contas, o problema da quantificação será
inteiramente restabelecido em princípio pela condição de Einstein para as órbitas fechadas. Se
tivermos sucesso em interpretar esta condição, teremos pelo mesmo golpe esclarecido qualquer
questão das trajetórias estáveis.
II. Interpretação da condição de Einstein
A noção de onda de fase vai nos permitir fornecer uma explicação da condição
Einstein. Resulta das considerações do capítulo II que a trajetória do móvel é um dos raios da
sua onda de fase, e ela deve correr ao longo da trajetória com uma freqüência constante (pois
que a energia total é constante) e uma velocidade variável cujo valor aprendemos a calcular.
A propagação é então análoga à de uma onda líquida num canal fechado sobre ele mesmo e
de profundidade variável. É fisicamente evidente que, para ter um regime estável, o
comprimento do canal deve estar em ressonância com a onda; dizendo de outra forma, as
porções de onda que se seguem a uma distância igual a um múltiplo inteiro do comprimento l
do canal e que se encontram conseqüentemente no mesmo ponto deste, devem estar em fase.
A condição de ressonância é l = nλ , se o comprimento de onda é constante e
ν
∫ V dl = n (inteiro) , no caso geral.
A integral que intervém aqui é a do princípio de Fermat; ora, mostramos que
deveríamos considerá-la como igual à integral de ação de Maupertuis, dividida por h. A
condição de ressonância é, por conseguinte, idêntica à condição de estabilidade exigida pela
teoria dos quanta.
Este belo resultado, cuja demonstração é imediata quando se admite as idéias do
capítulo precedente, é a melhor justificação que podemos dar a nossa maneira de atacar o
problema dos quanta.
No caso particular das trajetórias circulares no átomo de Bohr, obtém-se
m 0 ∫ v dl = 2πRm 0v = nh ou, dado que se tem v = ωR se ω é a velocidade angular,
36
Tradução de Ricardo Soares Vieira
m 0 ωR 2 = n
h
.
2π
Esta é bem lá a forma simples originalmente encarada por Bohr.
Vemos, portanto, o porquê de certas órbitas serem estáveis, mas ignoramos ainda como
se dá a passagem de uma órbita estável à outra. O regime perturbado que acompanha esta
passagem poderá ser estudada apenas com o auxilio de uma teoria eletromagnética
convenientemente alterada e nós não a possuímos ainda.
III. Condições de Sommerfeld para os movimentos quase-periódicos
Eu me proponho a demonstrar que, se a condição de estabilidade para uma órbita
3
fechada é
∫ ∑ p dq
i
i
= nh , as condições de estabilidade para os movimentos quase-periódicos
1
são
necessariamente
∫ p dq
i
i
= ni h (n inteiro, i = 1, 2, 3) .
As
condições
múltiplas
de
Sommerfeld serão assim acompanhadas também pela ressonância da onda de fase.
Devemos primeiro observar que o elétron possuinte de dimensões finitas, se, como nós
o admitimos, as condições de estabilidade dependem das reações exercidas sobre a sua própria
onda de fase, deve existir acordo de fase entre todas as porções da onda que passam a uma
distância do centro do elétron inferior a um valor determinado, pequeno mais finito, por
exemplo da ordem de seu raio (10−13 cm) .
Não admitir esta proposição nos faria retornar a dizer: o elétron é um ponto
geométrico sem dimensões e o raio de sua onda de fase é uma linha de espessura nula. E isto
não é fisicamente admissível.
Recordemos agora uma propriedade conhecida das trajetórias quase-periódicas. Se M é
a posição do centro do móvel em um dado instante sobre a trajetória e, se traçarmos M como
centro uma esfera de raio R arbitrariamente escolhido, pequeno mas finito, é possível
encontrar uma infinidade de intervalos de tempos tais que ao fim de cada um deles o móvel
tenha retornado à esfera de raio R. No mais, cada um destes intervalos de tempo, ou
“períodos aproximados” τ , poderão satisfazer as relações:
τ = n1T1 + ε1 = n2T2 + ε2 = n 3T3 + ε3
37
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
onde T1 , T2 eT3 são os períodos de variação (oscilação) das coordenadas q 1, q 2 e q 3 . As
quantidades εi podem sempre ser consideradas menores que certa quantidade fixa de η ,
pequena mas finita. Quanto menor for a escolha de η , mais longo será o mais curto dos
períodos τ .
Supomos que o raio R seja escolhido igual à distância máxima da ação da onda de fase
sobre o elétron, distância definida mais acima. Então, pode-se aplicar à carga um período
aproximado τ a condição do acordo de fase sob a forma:
3
τ
∫ ∑ p dq
i
i
0
= nh
1
que pode-se escrever também:
n1 ∫
T1
0
p1q1dt + n2 ∫
T2
0
p2q 2dt + n 3 ∫
T3
p3q 3dt + ε1 (p1q1 )τ + ε2 ( p2q 2 )τ + ε3 (p3q 3 )τ = nh.
0
Mas uma condição de ressonância jamais é rigorosamente satisfeita. Se o matemático
exige para a ressonância que uma diferença de fase seja exatamente igual à n × 2π , o físico
deve-se contentar em escrever que ela é igual a n × 2π ± α , sendo α inferior a uma
quantidade ε , pequena mas finita, que mede, se assim o posso dizer, a margem de erro na
qual a ressonância deve ser considerada como se realizada fisicamente.
As quantidades pi e qi continuam a ser finitas durante no curso do movimento e podese encontrar seis quantidades Pi e Qi tais que se tenha sempre
pi < Pi
qi < Qi
3
Escolhemos o limite η tal que η ∑ PQ
i i <
1
(i = 1, 2, 3)
εh
; Veremos que escrevendo a condição de
2π
ressonância para que não importe o qual dos períodos aproximados, será permitido
negligenciar os termos εi e escrever:
n1 ∫
T1
0
p1q1dt + n2 ∫
T2
0
p2q2dt + n 3 ∫
T3
0
p3q 3dt = nh.
No primeiro membro, os n1 , n2 , n 3 são inteiros conhecidos; no segundo membro, n é
um inteiro qualquer. Temos uma infinidade de equações semelhantes com valores diferentes de
n1 , n2 e n 3 . Para satisfazê-la, é necessário e suficiente que cada uma das integrais
38
Tradução de Ricardo Soares Vieira
∫
Ti
0
piqi dt =
∫ p dq
i
i
seja igual a um múltiplo inteiro de h.
Estas são efetivamente as condições de Sommerfeld.
A demonstração precedente parece rigorosa. Entretanto, é conveniente examinar uma
objeção. As condições de estabilidade podem, com efeito, entrar em jogo apenas à
extremidade de um tempo da ordem do mais curto dos intervalos de tempo τ o qual já é
muito grande; seria necessário esperar, por exemplo, milhões de anos a fim de que eles
intervenham, ou seja, o mesmo que dizer que não se manifestariam jamais. Esta objeção não é
fundamentada porque os períodos τ são muito grandes em relação aos períodos de oscilação
Ti, mas, podem ser muito pequenos em relação à nossa escala usual de medida de tempo; no
átomo, os períodos Ti são, com efeito, da ordem de 10−15 a 10−20 segundos.
Pode-se dar conta da ordem de grandeza dos períodos aproximados no caso da
trajetória L2 de Sommerfeld para o hidrogênio. A rotação do periélio durante um período de
oscilação do raio vetor é da ordem de 10−5 ⋅ 2π . O mais curto dos períodos aproximados seria,
portanto, da ordem de 10−5 vezes o período da variável radial ( 10−15 segundos), ou seja, da
ordem de 10−10 segundos. Bem parece, então, que as condições de estabilidade entram em
jogo num tempo inacessível à nossa experiência e, conseqüentemente, que as trajetórias “sem
ressonância” irão parecer-nos bem inexistentes.
O princípio da demonstração desenvolvida acima foi pego emprestado do Sr. Léon
Brillouin, que escreveu na sua tese. (p. 351): “A fim de que a integral de Maupertuis tomada
sobre todos os períodos aproximados τ seja um múltiplo inteiro de h, é necessário que cada
uma das integrais relativas a cada variável e tomada sobre período correspondente sejam
iguais a um número inteiro dos quanta; é desta maneira que Sommerfeld escreveu as suas
condições dos quanta”.
39
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
CAPÍTULO IV
Quantificação dos movimentos simultâneos de dois
centros elétricos.
I. Dificuldades levantadas por este problema
Nos capítulos precedentes, nós constantemente consideramos uma “porção isolada” de
energia. Esta expressão é clara quando se trata de um corpúsculo elétrico (próton ou elétron)
afastado de qualquer outro corpo eletrizado. Mas se esses centros eletrizados estão
interagindo, o conceito de porção isolada de energia torna-se menos clara. Há aí uma
dificuldade que não faz de maneira alguma parte da própria teoria contida no presente
trabalho e que não é elucidada no estado atual da dinâmica da Relatividade.
Para bem compreender esta dificuldade, consideremos um próton (núcleo de
hidrogênio) de massa própria M0 e um elétron de massa própria m0. Se estas duas entidades
estão muito afastadas uma da outra, de sorte que a sua interação seja negligenciável, o
princípio da inércia da energia se aplica a estas dificuldades: o próton possui a energia interna
M 0c 2 e o elétron m 0c 2 . A energia total é, portanto, (M 0 + m 0 )c 2 . Mas se os dois centros são
assaz vizinhos, de forma que se deve levar em conta as suas energias potenciais mútuas –
P (< 0) , como se pode exprimir a idéia de inércia da energia? Sendo a energia total,
evidentemente, (M 0 + m 0 )c 2 − P , pode-se admitir que o próton possua sempre uma massa
própria M 0 e o elétron une massa própria m0 ? Deve-se, pelo contrário, compartilhar a
energia potencial entre os dois constituintes do sistema, atribuir ao elétron uma massa
αP
P
própria m 0 − 2 e ao próton uma massa própria m 0 (1 − α) 2 ? Neste caso, qual é o valor de
c
c
α e como esta quantidade depende de M 0 e de m0 ?
Nas teorias do átomo de Bohr e de Sommerfeld, admite-se que o elétron tenha sempre
a massa própria m0 qualquer que seja a sua posição no campo eletrostático do núcleo. A
energia potencial é muito menor que a energia interna m0c 2 , esta hipótese é mais ou menos
exata, mas nada nos diz que ela seja rigorosa. Pode-se facilmente calcular a ordem de
40
Tradução de Ricardo Soares Vieira
grandeza da correção máxima (correspondendo à α = 1 ) que seria necessário dar ao valor da
constante de Rydberg para os diferentes termos da série de Balmer se adotássemos a hipótese
δR
= 10−5. Esta correção seria, por conseguinte, muito menor que a
oposta. Encontra-se
R
⎛ 1 ⎞⎟
, diferença
diferença entre as constantes de Rydberg para o hidrogênio e para o hélio ⎜⎜
⎝ 2000 ⎠⎟
esta que o Sr. Bohr notadamente levou em conta ao considerar o recuo do núcleo. Contudo,
dado a extrema precisão das medidas espectroscópicas, é talvez permitido pensar que a
variação da constante de Rydberg, que se deve à variação da massa própria do elétron em
função de sua energia potencial, pode ser colocada em evidência, se ela existe.
II. O recuo do núcleo no átomo de hidrogênio
Uma questão estreitamente ligada à precedente é aquela sobre o método a se empregar
para aplicar as condições quânticas a um conjunto de centros elétricos em movimento
relativo. O caso mais simples é o do movimento do elétron no átomo de hidrogênio quando se
leva em consideração os deslocamentos simultâneos do núcleo. O Sr. Bohr pôde tratar este
problema apoiando-se no seguinte teorema da Mecânica Racional: “Se relacionarmos o
movimento do elétron a eixos de direções fixas ligadas ao núcleo, este movimento seria o
mesmo que se estes eixos fossem galileanos e que se o elétron possuísse uma massa
m 0M 0
μ0 =
”.
m0 + M 0
M0
m
M + m0
= 0 = 0
r
R
R +r
No sistema de eixos ligado ao núcleo, o campo eletrostático que atua sobre o elétron
pode ser considerado constante em qualquer ponto do espaço e, então, somos levados a um
problema sem o movimento do núcleo graças à substituição da massa fictícia μ0 pela massa
41
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
real m 0 . No capítulo II do presente trabalho, estabelecemos um paralelismo geral entre as
grandezas fundamentais da Dinâmica e as grandezas da teoria das Ondas; o teorema
anunciado mais acima determina, portanto, quais valores são necessários atribuir à freqüência
da onda de fase eletrônica e à sua velocidade no sistema ligado ao núcleo, sistema que não é
mais galileano. Graças a este artifício, as condições quânticas de estabilidade podem ser, neste
caso, consideradas, assim como elas podiam ser interpretadas pela ressonância da onda de
fase. Vamos especificar em nosso fascinante caso do núcleo e do elétron que descreve órbitas
circulares ao redor de seu centro de gravidade comum. O plano destas órbitas será tomado
como o plano das coordenadas de índices 1 e 2 nos dois sistemas. As coordenadas do espaço
no sistema galileano ligado ao centro de gravidade serão x 1, x 2 e x 3 , aquelas do sistema ligado
ao núcleo serão y 1, y 2 e y 3 . Enfim, ter-se-á x 4 = y 4 = ct .
Chamaremos de ω a velocidade de rotação da reta NE ao redor do ponto G.
Coloquemos, por definição:
η=
M0
.
m0 + M 0
As fórmulas que nos permite passar de um dos sistemas de eixos ao outro são as
seguintes:
y 1 = x 1 + R cos ωt
y 2 = x 2 + R sen ωt
y3 = x 3
y4 = x 4
de onde se deduz:
2
2
2
2
ds = (dx 4 ) − (dx 1 ) − (dx 2 ) − (dx 3 ) =
⎛
2
2
2
2
ω 2R 2 ⎞
ωR
ωR
sen ωtdy 1dy 4 + 2
cos ωtdy 2dy 4
= ⎜⎜1 − 2 ⎟⎟⎟ (dy 4 ) − (dy 1 ) − (dy 2 ) − (dy 3 ) − 2
⎜⎝
c ⎠
c
c
As componentes do vetor Impulsão de universo são definidas pelas relações:
dy i
u =
ds
i
pi = m0cui + eϕi = m 0cgij u j + eϕi
Onde encontra-se facilmente:
42
Tradução de Ricardo Soares Vieira
p1 =
m0
1 − η2β 2
⎡ dy 1
⎤
⎢
+ ωR sen ωt ⎥
⎢⎣ dt
⎥⎦
m0
p2 =
1 − η 2β 2
⎡ dy 2
⎤
⎢
− ωR cos ωt ⎥
⎢⎣ dt
⎥⎦
p3 = 0 .
A ressonância da onda de fase exprime-se de acordo com as idéias gerais do capítulo II
pela relação:
1
∫ h (p dy
1
1
+ p2dy 2 ) = n
(n inteiro)
a integral é estendida à trajetória circular de raio R + r descrito pelo elétron ao redor do
núcleo.
Como se tem:
dy 1
= −ω (R + r ) sen ωt
dt
dy 2
= ω (R + r ) cos ωt
dt
segue-se:
1
h
∫ (p dy
1
1
+ p2dy 2 ) =
∫
m0
1 − η 2β 2
(vdl − ωRvdt )
designando por v a velocidade do elétron em relação aos eixos y e por dl o elemento de
dl
.
comprimento de sua trajetória: v = ω (R + r ) =
dt
Finalmente a condição de ressonância passa a ser:
m0
2
1− η β
2
⎛
ωR ⎞⎟
ω (R + r )⎜⎜1 −
⎟ ⋅ 2π (R + r ) = nh
⎝
v ⎠⎟
ou supondo que na mecânica clássica β 2 é negligenciável e passa a ser a unidade,
2πm 0
M0
2
ω (R + r ) = nh.
m0 + M 0
43
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Esta é efetivamente a fórmula de Bohr que se deduz do teorema enunciado mais acima e que
pode, por conseguinte, ser aqui mantida ainda como uma condição de ressonância da onda
eletrônica no sistema ligado ao núcleo do átomo.
III. As duas ondas de fase: a do núcleo e a do elétron
No capítulo precedente, a introdução de eixos ligados ao núcleo permitiu-nos eliminar
em qualquer caso o movimento deste e considerar o deslocamento do elétron em um campo
eletrostático constante; temos assim retornado ao problema tratado no capítulo II.
Mas, se passarmos a outros eixos, por exemplo ligados ao centro de gravidade, o núcleo
e o elétron descreverão ambos trajetórias fechadas e as idéias que nos guiaram até aqui devem
necessariamente nos conduzir a conceber a existência de duas ondas de fase: esta do elétron e
aquela do núcleo; devemos examinar como se devem exprimir as condições de ressonância
destas duas ondas e o porquê delas serem compatíveis.
Consideremos primeiro a onda de fase do elétron. No sistema ligado ao núcleo, a
condição de ressonância para esta onda é:
∫ p dy
1
1
+ p2dy 2 = 2π
m 0M 0
2
ω (R + r ) = nh,
m0 + M 0
sendo a integral tomada em tempo constante ao longo do círculo de centro N e de raio R + r ,
trajetória relativa do móvel e raio de sua onda. Se passarmos aos eixos ligados ao ponto G, a
trajetória relativa torna-se um círculo de centro G e de raio r ; o raio da onda de fase que
passa por E é à cada instante o círculo de centro N e de raio R + r , mas este círculo é móvel
porque o seu centro gira de um movimento uniforme ao redor da origem das coordenadas. A
condição de ressonância da onda eletrônica em um dado momento não se encontra alterado;
ela se escreve sempre:
2π
m 0M 0
2
ω (R + r ) = nh.
m0 + M 0
Passemos à onda do núcleo. Em tudo o que se precede, núcleo e elétron desempenham
um papel perfeitamente simétrico e o devemos obter a condição de ressonância invertendo
M 0 e m0 , R e r. Onde retorna-se portanto à mesma fórmula.
44
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Em resumo, percebe-se que a condição de Bohr pode ser interpretada como a expressão
da ressonância de cada uma das ondas presentes. As condições de estabilidade para os
movimentos do núcleo e do elétron considerados separadamente são compatíveis porque eles
são idênticos.
É instrutivo traçar no sistema de eixos ligado ao centro de gravidade os raios no
instante t das duas ondas de fase (traço cheio) e as trajetórias descritas ao curso do tempo
pelos dois móveis (traço ponteado). Poder-se-ia então representear muito bem como cada
móvel descreve sua trajetória com uma velocidade que em qualquer momento é tangente ao
raio da onda de fase.
Vamos insistir neste último ponto. Os raios da onda no instante t são as envolventes
da velocidade de propagação, mas estes raios não são as trajetórias da energia, eles são apenas
tangentes em cada ponto. Isto nos faz lembrar das conclusões conhecidas da hidrodinâmica,
onde as linhas de corrente, envolvente das velocidades, não são as trajetórias das partículas
fluidas cuja força é invariável, ou de outro modo, diz-se que o movimento é permanente.
45
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
CAPÍTULO V
Os Quanta de luz5.
I. O átomo de luz
Como dissemos na introdução, o desenvolvimento da física das radiações se fez depois
de diversos anos no sentido de um retorno pelo menos parcialmente à teoria corpuscular da
luz. Uma tentativa feita por nós para obter uma teoria atômica da radiação de um corpo
negro, publicada pelo Journal de Physique em novembro de 1922, com o título “Quanta de
lumière et rayonnement noir” [“Quanta de luz e radiação de um corpo negro”] e cujos
principais resultados serão dados no capítulo VII, havíamos confirmado à idéia da existência
real do átomo de luz. As idéias expostas no capítulo primeiro e cuja dedução das condições de
estabilidade no átomo de Bohr no capítulo III parecem trazer-nos uma interessante
confirmação, nos parece dar um pequeno passo para a síntese das concepções de Newton e de
Fresnel.
Sem dissimular-se perante as dificuldades levantadas por semelhante ousadia, vamos
tentar de especificar como se pode atualmente representar o átomo da luz. Vamos concebê-lo
da seguinte maneira: para um observador que lhe é ligado, ele surge como uma pequena
região do espaço ao redor da qual a energia é muito fortemente condensada e forma um
conjunto indivisível. A esta aglomeração de energia que tem por valor total ε0 (medido por
um observador ligado) é necessário, de acordo com o princípio da inércia da energia, atribuirlhe uma massa própria:
m0 =
ε0
.
c2
Esta definição é inteiramente análoga àquela em que se pode atribuir ao elétron. Subsiste,
contudo, uma diferença de estrutura essencial entre o elétron e o átomo de luz. Enquanto o
5
Ver A. Einstein, Ann. d. Phys., 17, 132 (1905); Phys. Zeitsch., 10, 185 (1909).
46
Tradução de Ricardo Soares Vieira
elétron deve ser, no presente, considerado como dotado de uma simetria esférica, o átomo da
luz deve possuir um eixo de simetria correspondente à polarização. Vamos representar, por
conseguinte, os quanta de luz como que possuindo a mesma simetria do dubleto da teoria
eletromagnética. Esta representação é toda provisória e onde não se pode, se necessário,
especificar com alguma chance de exatidão a constituição da unidade luminosa, após ter feito
o eletromagnetismo sofrer profundas modificações e este trabalho não for mais realizado.
Em conformidade com nossas idéias gerais, vamos supor que existe na mesma
constituição dos quanta de luz um fenômeno periódico que inclui a freqüência própria ν 0 que
é dada pela relação:
ν0 =
1
m0c 2 .
h
A onda de fase que corresponde ao movimento deste quantum com a velocidade βc terá para
freqüência:
1
ν=
h
m 0c 2
1 − β2
.
e ela é totalmente indicada pela suposição de que esta onda é idêntica à das teorias
ondulatórias ou mais exatamente, que a distribuição concebida na maneira clássica das ondas
no espaço é uma espécie de média no tempo da distribuição real das ondas de fase que
acompanham os átomos de luz.
É um fato experimental este que a energia luminosa se desloca com uma velocidade
indiscernível do valor limite c. A velocidade c era uma velocidade na qual a energia não pode
jamais atender em razão da mesma da lei de variação da massa com a velocidade, somos
muito naturalmente conduzidos à supor que as radiações são formadas de átomos luz que se
movem com velocidades muito próximas de c, mais ligeiramente inferiores.
Se um corpo tem uma massa própria extraordinariamente pequena, podem lhe
comunicar uma energia cinética apreciável, e será necessário dar-lhe uma velocidade muito
próxima de c, isto resulta da expressão da energia cinética:
⎛
⎞⎟
1
⎟⎟.
E = m 0c 2 ⎜⎜⎜
1
−
⎜⎝ 1 − β 2
⎠⎟⎟
47
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
De forma que as velocidades compreendem-se em um pequeníssimo intervalo c − ε , onde c
corresponde às energias que compreendem todos os valores desde 0 à +∞ . Entendemos,
portanto, que ao supor m0 extraordinariamente pequeno (vamos precisá-lo mais adiante), os
átomos de luz, que possuem uma energia apreciável, terão todos eles uma velocidade muito
próxima de c e, apesar da quase igualdade das suas velocidades, terão energias muito
diferentes.
Pois como fizemos corresponder à onda luminosa clássica a onda de fase, a freqüência
ν da radiação será definida pela relação:
ν=
1
h
m 0c 2
1 − β2
.
Notemos o fato de que devemos se lembrar, cada vez que se fala de átomos de luz, da
extrema pequenez de m0c 2 em frente à
m0c 2
; a energia cinética pode, portanto, ser
1 − β2
escrita aqui por simplesmente
m 0c 2
1 − β2
.
A onda luminosa de freqüência ν corresponderia, assim, ao deslocamento de um átomo
de luz com a velocidade v = βc religado à ν pela relação:
v = βc = c 1 −
m 02c 4
.
h 2ν 2
m 02c 4
Exceto pelas vibrações extremamente lentas,
e a fortiori, o seu quadrado, será muito
h 2ν 2
pequeno e poderemos colocar:
⎛
m 2c 4 ⎞
v = c ⎜⎜1 − 02 2 ⎟⎟⎟ .
⎜⎝
2h ν ⎠
Poderíamos tentar fixar um limite superior para o valor de m0 . Com efeito, das experiências
de T. S. F. demonstrou-se que radiações de quaisquer comprimentos de onda propagam-se
1
= 10−4
ainda sensivelmente com a velocidade c. Admitamos que as ondas para aqueles
ν
48
Tradução de Ricardo Soares Vieira
segundos tenham uma velocidade diferente de c a menos de um centésimo. O limite superior
m0 de será:
(m0 )max =
2 hν
10 c
sendo de aproximadamente 10−44 gramas. É mesmo provável que m0 devesse ser escolhido
ainda menor; talvez se possa esperar algum dia que a medida da velocidade in vacuo das
ondas de freqüências muito baixas, encontrar-se-á números muito sensivelmente inferiores à c.
Não podemos esquecer que a velocidade de propagação, de que vem a ser questão, não
é esta da onda de fase, sempre superior a c, mas a do deslocamento da energia, perceptível
apenas experimentalmente 6.
II. O movimento do átomo de luz
Os átomos de luz para os quais β = 1 , sensivelmente seriam acompanhados de ondas
c
de fase cuja velocidade
seria muito sensivelmente igual a c; isto é, pensemos nesta
β
coincidência que estabeleceria, entre o átomo de luz e sua onda de fase, um lugar
particularmente estreito traduzido pelo duplo aspecto corpuscular e ondulatório
das
radiações. A identidade dos princípios de Fermat e da mínima ação explicaria porque a
propagação retilínea da luz é ao mesmo tempo compatível com os dois pontos de vista.
A trajetória do corpúsculo luminoso seria um dos raios da sua onda de fase, há razão
de crer, vamos ver mais adiante, que vários corpúsculos poderiam ter uma mesma onda de
fase; suas trajetórias seriam então diversos raios desta onda. A idéia antiga de que o raio é a
trajetória da energia encontrar-se-ia, assim, confirmada e precisa. Contudo, a propagação
retilínea não é um fato absolutamente geral; uma onda luminosa que cai sobre a borda de
uma rede se difrata e penetra na sombra geométrica, os raios que passam a distâncias
pequenas da rede em relação ao comprimento de onda são desviados e não seguem mais a lei
de Fermat. Pelo ponto de vista ondulatório, o desvio dos raios se explica pelo desequilíbrio
introduzido entre as ações das diversas zonas muito próximas da onda, conseqüentemente, da
presença da rede. Colocado pelo ponto de vista oposto, Newton supunha uma força exercida
pela borda da rede sobre o corpúsculo. Parece-nos que podemos chegar a uma visão sintética:
6
A respeito das objeções sobre as idéias contidas neste parágrafo, ver o apêndice.
49
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
o raio da onda se encurvaria como previsto pela teoria das ondulações e o móvel, uma vez que
o princípio da inércia não seria mais válido, sofreria o mesmo desvio que o raio cujo
movimento lhe é solidário; talvez poder-se-ia dizer que a parede exerce uma força sobre ele
tornando a curvatura da trajetória como critério da existência de uma força.
No que se precede, vamo-nos guiar pela idéia de que o corpúsculo e a sua onda de fase
não são realidades físicas diferentes. Se refletirmos, veremos que semelhantemente resulta a
seguinte conclusão: “A nossa dinâmica (compreendida na sua forma Einsteiniana) está
atrasada em relação a Óptica: ela está ainda na fase da Óptica Geométrica”. Parece-nos hoje
muito provável que toda onda comporta concentrações de energia, pelo contrário, a dinâmica
do ponto material dissimula sem dúvida uma propagação de ondas e o verdadeiro sentido do
princípio de mínima ação é o de exprimir uma concordância de fase.
Seria muito interessante procurar a interpretação da difração no espaço-tempo, mas
aqui se encontram as dificuldades assinaladas no capítulo II a respeito do movimento variado
e não podemos precisar a questão de uma forma satisfatória.
III. Algumas concordâncias entre as diferentes teorias da radiação
Vamos demonstrar por alguns exemplos com qual facilidade a teoria corpuscular das
radiações dá conta de um certo número de resultados conhecidos das teorias ondulatórias.
a) Efeito Doppler por movimento da fonte:
Consideremos uma fonte de luz em movimento com a velocidade v = βc na direção de
um observador considerado imóvel. Esta fonte é suposta estar emitindo átomos de luz, a
1 m 02c 4
. Para o
2 h 2ν 2
observador fixo, estas grandezas têm por valor ν ' e c (1 − ε ') . O teorema da adição de
freqüência das ondas de fase é ν e a velocidade c (1 − ε) onde ε =
velocidades nos dá:
c (1 − ε ') =
c (1 − ε) + v
c (1 − ε) ⋅ v
1+
c2
ou
50
Tradução de Ricardo Soares Vieira
1− ε' =
1− ε + β
1 + (1 − ε) β
ou ainda, negligenciando εε ' :
1+ β
ε
ν '2
,
= 2 =
ε'
ν
1− β
ν '2
=
ν2
1+ β
1− β
se β é pequeno, reencontra-se as fórmulas da antiga óptica:
ν'
= 1 + β,
ν
T'
v
= 1− β = 1− .
T
c
É igualmente fácil encontrar a relação das intensidades para os dois observadores. Durante a
unidade de tempo, o observador animado vê a fonte emitir n átomos de luz por unidade de
nh ν
superfície. A densidade de energia do feixe, avaliado por este observador, é
portanto, e
c
a intensidade I = nhν . Para o observador imóvel, os n átomos são emitidos em um tempo
igual a
1
1− β
2
e preenchem um volume c (1 − β )
1
1− β
2
=c
1− β
. A densidade de
1+ β
energia do feixe parece-lhe ser:
nh ν '
c
1+ β
1− β
e a intensidade:
nh ν ' =
1+ β
ν'
.
= nh ν ' ⋅
1− β
ν
de onde
2
⎛ν'⎞
I
= ⎜⎜ ⎟⎟⎟ .
I' ⎝ν ⎠
Todas estas fórmulas são demonstradas pelo ponto de vista ondulatório no livro de
Laue, Die Relativitätstheorie, [A teoria da Relatividade] volume 1º, 3ª ed., p. 119.
51
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
b) Reflexão sobre um espelho móvel:
Consideremos a reflexão de corpúsculos de luz incidindo normalmente em um espelho
plano, perfeitamente refletor, que se desloca com a velocidade βc na direção perpendicular à
sua superfície.
Seja ν '1 a freqüência das ondas de fase para o observador estacionário, que acompanha
os corpúsculos incidentes e c (1 − ε '1 ) sua velocidade. As mesmas grandezas para o observador
em movimento serão ν1 e c (1 − ε1 ) .
Se considerarmos os corpúsculos refletidos, os valores correspondentes serão chamados
de ν 2 , c (1 − ε2 ) , ν '2 e c (1 − ε '2 ) .
A composição de velocidades fornece:
c (1 − ε1 ) =
c (1 − ε '1 ) + βc
,
1 + β (1 − ε '1 )
c (1 − ε2 ) =
c (1 − ε '2 ) − βc
1 − β (1 − ε '2 )
Para o observador em movimento, há reflexão sobre um espelho fixo sem mudança de
freqüência, dado que a energia se conserva. De onde:
ν1 = ν 2 ,
ε1 = ε2 ,
1 − ε '1 + β
1 − ε '2 − β
.
=
1 + β (1 − ε '1 )
1 − β (1 − ε '2 )
Negligenciando ε1 ' ε2 ' , vem:
⎛ ν '2 ⎟⎞ ⎛ 1 + β ⎞2
ε '1
⎟
⎜
⎟=⎜
=⎜
⎜⎝ ν ' ⎠⎟⎟ ⎜⎝⎜ 1 − β ⎠⎟⎟
ε '2
1
Se β é pequeno, retornamos à fórmula clássica:
ou
ν '2
1+β
=
ν '1
1− β
T2
v
= 1−2 .
T1
c
Seria fácil tratar o problema supondo uma incidência oblíqua.
Designando por n o número de corpúsculos refletidos pelo espelho durante um tempo
dado. A energia total dos n corpúsculos antes da reflexão é E '1 e a sua energia total após a
nh ν '2
ν'
reflexão, E '2 , na relação
= 2.
nh ν '1
ν '1
A teoria eletromagnética fornece também esta relação, mas aqui ela é completamente
evidente.
52
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Se os n corpúsculos ocupassem antes da reflexão um volume V1 , eles ocuparão após
1− β
reflexão um volume V2 = V1
, como o mostra um raciocínio geométrico muito simples.
1+ β
As intensidades I '2 e I '2 antes e depois da reflexão estão, portanto, na relação:
2
⎛ν' ⎞
I1
nh ν '2 1 + β
=
⋅
= ⎜⎜ 2 ⎟⎟⎟ .
⎜⎝ ν ' ⎠⎟
I2
nh ν '1 1 − β
1
Todos estes resultados são demonstrados do ponto de vista ondulatório por Laue,
página 124.
c) Pressão da radiação de um corpo negro:
Seja um recinto preenchido de radiação de um corpo negro à temperatura T. Qual é a
pressão suportada pelas paredes de incidência? Para a radiação de um corpo negro será um
gás de átomos de luz e nós vamos supor que a distribuição das velocidades seja isotrópica.
Seja u a energia total (ou, o que aqui é o mesmo, a energia cinética total) dos átomos
contidos na unidade de volume. Seja ds um elemento de superfície da parede, dv um elemento
de volume, r a sua distância, θ o ângulo da reta que se junta à normal do elemento de
superfície.
O ângulo sólido sob o qual o elemento ds é visto do ponto O, centro de dv, é:
ds cos θ
dΩ =
.
r2
Consideremos apenas aqueles átomos do volume du cuja energia esteja compreendida
ente w e w + dw , em número nwdwdv ; o número daqueles dentre os quais a velocidade é
dirigida para ds é, em razão da isotropia:
dΩ
ds cos θ
dv.
× nwdwdv = nwdw
4π
4πr 2
Tomando um sistema de coordenadas esféricas com a normal à ds como eixo polar,
encontra-se: dv = r 2 sen θd θd ψdr . No mais, a energia cinética de um átomo de luz é
e a sua quantidade de movimento G =
m 0v
1 − β2
m 0c 2
1 − β2
com v = c , tem-se muito aproximadamente:
W
=G .
c
53
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Logo, a reflexão sob o ângulo θ de um átomo de energia W comunica à ds um impulso
W
igual à: 2G cos θ = 2
cos θ. Os átomos do volume dv, que possuem esta energia comunicamc
se, portanto, através da reflexão um impulso igual a:
2
W
ds cos θ
cos θnwdwr 2 sen θd θd ψdr
c
4πr 2
Integramos em relação à W, de 0 ao ∞ , observando que
∫
0
+∞
wnwdw = u , em relação
π
, enfim, em relação a r de 0 à c.
2
Obtemos assim o impulso total sofrido em um segundo pelo elemento ds e, dividindo por ds, a
aos ângulos ψ e θ , respectivamente de 0 à 2π e de 0 à
pressão da radiação:
p =u⋅∫
π
2
0
cos2 θ sen θd θ =
u
.
3
A pressão da radiação é igual a um terço da energia contida na unidade de volume,
resultado conhecido das teorias clássicas.
A facilidade com que acabamos de reencontrar neste parágrafo certos resultados
igualmente fornecidos pelas concepções ondulatórias da radiação nos revela a existência, entre
os dois pontos de vista convenientemente opostos, de uma harmonia secreta cuja noção de
onda de fase nos faz pressentir a natureza.
IV. A óptica ondulatória e os quanta de luz7
A pedra que obstrui a teoria dos quanta de luz é a explicação dos fenômenos que
constituem a óptica ondulatória. A razão essencial é que esta explicação necessita da
intervenção da fase de fenômenos periódicos; pode nos parecer, portanto, que temos dado um
grandioso passo à questão chegando a conceber uma relação estreita entre o movimento de
um corpúsculo de luz e a propagação de certa onda. Com efeito, é muito provável que, se a
7
Ver a este respeito Bateman (H.). On the theory of light quanta [Sobre a teoria dos quanta
de luz], Phil. Mag., 46 (1923), 977; onde encontra-se um histórico e uma bibliografia.
54
Tradução de Ricardo Soares Vieira
teoria dos quanta de luz vier um dia a explicar os fenômenos da óptica ondulatória, seria por
concepções deste tipo que ela conseguiria. Infelizmente, é ainda impossível chegar a resultados
satisfatórios nesta ordem de idéias e somente o futuro poderá dizer-nos se a audaciosa
concepção de Einstein, judiciosamente abrandada e completada, poderá hospedar em
colocações os numerosos fenômenos cujo estudo, de uma maravilhosa precisão, tinha
conduzido os físicos do século XIX a considerar como definitivamente estabelecida a hipótese
ondulatória.
Limitemo-nos a girar em torno deste difícil problema sem procurar atacá-lo de frente,
para progredir na viagem seguida até agora, seria necessário estabelecer, como havíamos dito,
uma certa ligação de natureza sem dúvida estatística entre a onda concebida à maneira
clássica e a superposição das ondas de fase; isto certamente nos conduziria a atribuir para a
onda de fase, e consequentemente ao fenômeno periódico definido no capítulo primeiro, uma
natureza eletromagnética.
Pode-se considerar como provado com quase-certeza que a emissão e absorção da
radiação se dão de maneira descontínua. O eletromagnetismo ou mais precisamente a teoria
dos elétrons nos dá, portanto, para o mecanismo destes fenômenos um valor inexato. Todavia,
o Sr. Bohr, pelo seu princípio da correspondência, fez-nos saber que ao considerar as previsões
desta teoria para as radiações emitidas por um conjunto de elétrons, eles possuirão sem
dúvida uma espécie de exatidão global. Pode ser que qualquer teoria eletromagnética tenha
apenas um valor estatístico; e as leis de Maxwell apareceriam então como uma aproximação
de caráter contínuo de uma realidade descontínua, semelhantemente (mas grosso modo
apenas) como as leis da hidrodinâmica que dão uma aproximação contínua dos movimentos
muito complexos e muito rapidamente variáveis das moléculas fluidas. Esta idéia de
correspondência, que parece ainda bastante imprecisa e bastante elástica, deveria servir de
guia aos investigadores corajosos que porventura queiram continuar uma nova teoria
eletromagnética, mais de acordo que atual, em relação aos fenômenos quânticos.
Vamos reproduzir no parágrafo seguinte as considerações que emitimos sobre as
interferências; falando francamente, elas devem ser consideradas como vagas sugestões ao
invés de verdadeiras explicações.
V. As interferências e a coerência
Perguntemo-nos primeiro como se constata a presença da luz num ponto do espaço.
Pode-se colocar um corpo sobre o qual a radiação possa exercer um efeito fotoelétrico,
55
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
químico, calorífico, etc.; além do que, é possível, em última análise, que todos os efeitos deste
gênero sejam fotoelétricos. Pode-se também observar a difusão de ondas produzidas pela
matéria no ponto considerado do espaço. Portanto, poderemos dizer que onde a radiação não
pode reagir com a matéria, ela é indetectável experimentalmente. A teoria eletromagnética
admite que as ações fotográficas (experiências de Wiener) e a difusão estão ligadas à
intensidade do campo elétrico resultante; onde o campo elétrico é nulo, se houver energia
magnética, ela é indetectável.
As idéias desenvolvidas aqui nos levam a assimilar a onda de fase às ondas
eletromagnéticas, pelo menos quanto à distribuição de fases no espaço, a questão das
intensidades deve ser reservada. Esta idéia combinada com aquela da correspondência nos
conduz a pensar que a probabilidade das reações entre átomos de matéria e átomos de luz é,
em cada ponto conduz à resultante (ou antes, ao valor médio desta), de um dos vetores que
caracterizam a onda de fase; onde esta resultante for nula, a luz será indetectável; e haverá
interferência. Concebe-se então que um átomo de luz que atravessa uma região onde as ondas
de fase se interferem, poderá ser absorvido pela matéria em certos pontos e, em outros, não
poderá. Há aqui novamente um princípio ainda muito qualitativo de uma explicação das
interferências compatível com a descontinuidade da energia radiante. O Sr. Norman Campbell
no seu livro Modern electrical theory [Teoria elétrica moderna] (1913), parece ter visto uma
solução do mesmo gênero quando escreveu: “A teoria corpuscular apenas pode explicar como
a energia da radiação é transferida de um lugar a outro, enquanto a teoria ondulatória apenas
pode explicar por que a transferência ao longo de uma trajetória depende do que acontece em
outra. Parece até que a energia própria seja transportada por corpúsculos, tanto que o poder
para absorvê-lo e torná-lo perceptível à experiência é transportado por ondas esféricas”.
De modo que interferências possam se produzir regularmente, parece necessário
estabelecer uma espécie de dependência entre as emissões de diversos átomos de uma mesma
fonte. Propomo-nos exprimir esta dependência pelo postulado seguinte: “a onda de fase para o
movimento de um átomo de luz pode eventualmente, sobre átomos materiais excitados,
desencadear a emissão outros átomos de luz cuja fase estará em acordo com o da onda”. Uma
onda poderia assim transportar numerosos centros pequenos de condensação de energia que
entraria, aliás, ligeiramente à sua superfície, permanecendo sempre em fase com ela. Se o
número de átomos transportados fosse extremamente grande, a estrutura da onda aproximarse-ia das concepções clássicas, como um tipo de limite.
56
Tradução de Ricardo Soares Vieira
VI. A lei da freqüência de Bohr. Conclusões
Para qualquer ponto de vista que se coloque, os detalhes das transformações internas
sofridas pelo átomo quando ele absorve ou emite, não pode ainda ser de modo algum
imaginada. Admitamos sempre a hipótese granular: nós não sabemos se o quantum absorvido
pelo átomo se funde, de certa forma, com ele ou se subsiste em seu interior no estado de
unidade isolada, não mais sabemos se a emissão é a expulsão de um quantum pré-existente no
átomo ou a criação de uma unidade nova à custa de sua energia interna. Embora possa
parecer certo que a emissão não porta um só quantum; a partir do que a energia total do
corpúsculo, que iguala à h vezes a freqüência da onda de fase que o acompanha, deveria ser
igual à diminuição do conteúdo energético total do átomo, para salvaguardar a conservação
da energia, e isto tratamos pela lei da freqüência de Bohr: h ν = W1 −W2
Vê-se, por conseguinte, que as nossas concepções, após nos ter conduzido a uma
explicação simples das condições de estabilidade, permitem também obter a lei das
freqüências, admitindo, porém, a condição de que a emissão está sempre contida em um só
corpúsculo.
Observe que a imagem da emissão fornecida pela teoria dos quanta de luz parece estar
confirmada pelas conclusões dos Srs. Einstein e Léon Brillouin 8, que demonstraram a
necessidade de introduzir a idéia de uma emissão estritamente dirigida na análise das reações
entre a radiação de um corpo negro e uma partícula livre.
O que devemos concluir de todo este capítulo? Seguramente, tal fenômeno como a
dispersão, que parecia incompatível com a noção dos quanta de luz sob esta forma simplista,
parece-nos agora de todo impossível conciliar-nos com ela graças à introdução de uma fase. A
teoria recente da difusão dos raios X e γ dada pelo Sr. A. H. Compton, que vamos expor
mais adiante, parece se apoiar sobre as séries de provas experimentais e torna tangível a
existência de corpúsculos luminosos num domínio onde os esquemas ondulatórios reinam
mestres. Não é menos incontestável que a concepção dos grãos de energia luminosa não chega
ainda, de modo algum, a responder os problemas da óptica ondulatória e que se depare com
seriíssimas dificuldades; parece-nos que seria prematuro se pronunciar sobre a questão de
saber se chegaremos ou não a superá-la.
8
A. Einstein, Phys. Zeitschr., 18, 121, 1917; L. Brillouin, Journ. d. Phys., série VI, 2, 142,
1921.
57
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
CAPÍTULO VI
A difusão dos raios X e γ .
I. Teoria do Sr. J. J. Thomson9
Neste capítulo, desejamos estudar a difusão dos raios X e γ e demonstrar com este
exemplo particularmente sugestivo a posição atual da teoria eletromagnética e daquela dos
quanta de luz, respectivamente.
Comecemos por definir o próprio fenômeno da difusão: quando se envia um feixe de
raios sobre uma porção de matéria, uma parte da energia é, em geral, espalhada em todas as
direções. Diz-se que há difusão e enfraquecimento por difusão do feixe durante travessia da
substância.
A teoria eletrônica interpreta de forma muito simples este fenômeno. Ela supõe (o que
de outro modo parece estar em oposição direta com o modelo atômico de Bohr) que os
elétrons contidos num átomo estão sujeitos a forças quase elásticas e que possuem um período
de vibração bem determinado. Logo, a passagem de uma onda eletromagnética sobre estes
elétrons há de lhes imprimir um movimento oscilatório e, por conseguinte, a amplitude
dependerá em geral ao mesmo tempo da freqüência da onda incidente e da freqüência própria
dos ressonadores eletrônicos. Em conformidade com a teoria da onda emitida por aceleração,
o movimento do elétron será incessantemente amortecido pela emissão de uma onda com
simetria cilíndrica. Estabelecer-se-á um regime de equilíbrio no qual o ressonador colocará à
radiação incidente energia necessária para compensar este amortecimento. O resultado final
será, portanto, efetivamente um espalhamento de uma fração da energia incidente em todas
as direções do espaço.
Para calcular a grandeza do fenômeno de difusão, é necessário determinar
primeiramente o movimento do elétron vibrante. Para isto, deve-se exprimir por um lado o
9
Passage de l’électricité à travers les gaz [Passagem da eletricidade através dos gáses]
Tradução francesa de Fric e Fàure. Gauthier-Villars, 1912, p. 321.
58
Tradução de Ricardo Soares Vieira
equilíbrio entre a resultante da força de inércia e da força quase-elástica e, por outro, a força
elétrica exercida pela radiação incidente sobre o elétron. No domínio visível, o exame dos
valores numéricos mostra que se pode negligenciar o termo inércia diante do termo quaseelástico e somos assim levados a atribuir à amplitude do movimento vibratório um valor
proporcional à amplitude da luz excitada, mas independente de sua freqüência. A teoria da
radiação de dipolo ensina neste caso que a radiação global secundaria está na razão inversa da
4ª potência do comprimento de onda; as radiações mais difundidas são, portanto, aquelas de
freqüência mais elevada. É sobre esta conclusão que Lord Rayleigh se apoiou na sua bela
teoria da cor azul do céu 10.
No domínio das freqüências muito elevadas (Raios X e γ ) pelo contrário, é o termo
quase-elástico que é negligenciável diante o da inércia. Tudo se passa como se o elétron fosse
livre e a amplitude de seu movimento vibratório fosse proporcional não somente à amplitude
incidente, mas também à 2ª potência do comprimento de onda. Resulta disso que a
intensidade global difundida é aquela que foi independente do comprimento de onda. Foi o Sr.
J. J. Thomson quem primeiro deu atenção a este fato e constituiu a primeira teoria da
difusão dos Raios X. As duas principais conclusões foram as seguintes:
1º Ao se designar por θ o ângulo entre o prolongamento da direção de incidência com
1 + cos2 θ
.
2
2° A energia total difundida por um elétron em um segundo é a intensidade incidente
a direção de difusão, a energia difundida varia em função de θ como
na relação:
Iα
8π e 4
=
I
3 m 02c 4
onde e e m 0 são as constantes do elétron e c a velocidade da luz.
Um átomo contém certamente vários elétrons; hoje em dia, temos boas razões para
acreditar que o seu número p se iguala ao número atômico do elemento. O Sr. Thomson supôs
“incoerentes” as ondas emitidas pelos p elétrons de um mesmo átomo e, conseqüentemente,
considerou a energia difundida por um átomo como igual à p vezes àquela que difundiria um
só elétron. Do ponto de vista experimental, a difusão se traduz por um enfraquecimento
gradual da intensidade do feixe e este enfraquecimento obedece a uma lei exponencial
10
Lord Rayleigh deduziu esta teoria a partir da concepção elástica da luz, porém esta aqui
está, neste ponto, inteiramente de acordo com a concepção eletromagnética.
59
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
I x = I 0e −sx ,
onde s é o coeficiente de enfraquecimento por difusão ou, mais resumidamente, coeficiente de
s
do número pela densidade de corpos difundidos é o coeficiente
difusão. O quociente
ρ
massivo de difusão. Se chamarmos de σ o coeficiente atômico de difusão, tem-se a relação
entre a energia difundida num só átomo e a intensidade da radiação incidente, vê-se
facilmente que ela está ligada pela equação:
σ=
s
AmH .
ρ
onde A é aqui o peso atômico da difusor e mH a massa do átomo de hidrogênio. Substituindo
os valores numéricos no fator
8π e 4
, encontra-se:
3 m 02c 4
σ = 0, 54 ⋅ 10−24 p.
Ora, a experiência demonstra que a relação
s
é muito próxima de 0,2 de modo que
ρ
deve-se ter:
A
0, 54 ⋅ 10−24
0, 54
=
=
.
−24
p
0,2 ⋅ 1, 46 ⋅ 10
0,29
Esta cifra é próxima de 2, o que está completamente de acordo com a nossa concepção
atual da relação entre o número de elétrons intra-atômicos e o peso atômico. Logo, a teoria
do Sr. Thomson conduziu a interessantes coincidências e os trabalhos de diversos
experimentadores, notadamente aqueles do Sr. Barkla demonstraram, há muito tempo, que
ela se verificaria consideravelmente 11.
11
Encontram-se enumerados os antigos trabalhos sobre difusão de Raios X no livro dos Srs.
R. Ledoux-Lebard e A. Dauvillier, La physique des Rayons X. [A física dos Raios X]
Gauthier-Villars, 1921, pp. 137-138.
60
Tradução de Ricardo Soares Vieira
II. Teoria do Sr. Debye 12
As dificuldades subsistiam. Em particular, o Sr. W. H. Bragg havia encontrado em
certos casos uma difusão bem mais forte que aquela dada na teoria precedente, ele tinha
concluído que havia proporcionalidade da energia difundida não pelo número de elétrons
atômicos, mas devido ao quadrado deste número. O Sr. Debye apresentou uma teoria mais
completa e compatível ao mesmo tempo com os resultados dos Srs. Bragg e Barkla.
O Sr. Debye considerou os elétrons intra-atômicos como distribuídos regularmente num
volume na qual as dimensões são de aproximadamente 10−8 cm; para facilitar os cálculos,
supôs que eles estão mesmo todos distribuídos sobre um mesmo círculo. Se o comprimento de
onda for grande em relação à distância média dos elétrons, os movimentos destes devem estar
quase em fase e, na onda total, as amplitudes radiadas por cada um deles acrescentar-se-ão. A
energia difundida será então proporcional à p 2 e não mais à p de modo que o coeficiente σ
se escreve:
σ=
8π e 2
p2.
2 4
3 m0 c
Quanto à distribuição no espaço, ela será idêntica àquela que tinha sido prevista pelo
Sr. Thomson.
Para ondas de comprimentos de onda progressivamente decrescentes, a distribuição no
espaço tornar-se-á dessimétrica e a energia difundida será bem mais fraca no sentido em que
vem a radiação que no sentido oposto. Eis a razão: não se pode mais olhar as vibrações de
diversos elétrons como em fase quando o comprimento de onda ficar comparável às distâncias
mútuas. As amplitudes radiadas nas diversas direções não se acrescentarão mais porque estão
defasadas e a energia difundida será menor. Contudo, em um cone de pequena abertura em
torno do prolongamento da direção de incidência, haverá ainda acordo de fase e as amplitudes
acrescentar-se-ão; por conseguinte, para as direções contidas neste cone, a difusão será muito
maior do que para os outros. O Sr. Debye tem, dentre outros, previsto um curioso fenômeno:
quando se afasta progressivamente o eixo do cone definido mais acima, a intensidade
12
Ann. d. Phys., 46, 1915, p. 809.
61
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
difundida não decresce imediatamente de forma regular, mas sofre de súbito variações
periódicas; dever-se-ia, portanto, sobre uma tela, colocada perpendicularmente ao feixe
transmitido, observar anéis claros e escuros centrados na direção do feixe. Embora o Sr.
Debye tenha acreditado reencontrar este fenômeno em certos resultados experimentais do Sr.
Friedrich, ele não parece ter sido constatado claramente até agora.
Para curtos os comprimentos de onda, os fenômenos devem simplificar-se. O cone de
forte difusão se retrai de mais em mais, a distribuição torna-se simétrica e há de satisfazer
agora às fórmulas de Thomson, pois as fases dos diversos elétrons ficam completamente
incoerentes e são, portanto, as energias e não mais as amplitudes que se somam.
O grande interesse da teoria Sr. Debye é ter explicado a forte difusão dos raio X
macios e de ter demonstrado como se deve efetuar, quando a freqüência se eleva, a passagem
deste fenômeno para aquele de Thomson. Mas é essencial notar que segundo as idéias de
Debye, quanto mais elevada for a freqüência, mais a simetria da radiação será difundida e o
s
deverá se encontrar mais bem estabelecido. Ora, vamos ver no
valor 0,2 do coeficiente
ρ
parágrafo seguinte que isto não é de forma alguma assim.
III. Teoria recente dos Srs. P. Debye e A. H. Compton 13
As experiências no domínio dos raios X duros e dos raios γ têm sido reveladas a partir
de fatos muito diferentes daquelas que as teorias precedentes podiam prever. Primeiro, quanto
mais a freqüência se eleva, mais a dessimetria da radiação difusa se acusa; por outro lado, a
s
tende a diminuir
energia difundida total diminui, o valor do coeficiente massivo
ρ
rapidamente tão logo quanto o comprimento de onda se torna inferior à 0,3 ou 0,2 Å e fica
muito fraco para os raios γ . Assim, lá onde a teoria de Thomson deveria ser aplicável de
melhor para melhor, ela se aplica cada vez menos.
Dois outros fenômenos foram colocados em destaque pelas recentes pesquisas
experimentais: em primeiro lugar, deve-se colocar aqueles do Sr. A. H. Compton. Estes, com
efeito, tem mostrado que a difusão parece, além de, por um lado, ser acompanhada de uma
redução da freqüência variável com a direção de observação, por outro, parece provocar o
13
P. Debye, Phys. Zeitschr., 24, 1923, 161-166; A. H. Compton, Phys. Rev., 21, 1923, 207; 21,
1923, 483; Phil. Mag., 46, 1923, 897. Ann. de Phys., 10ª série, t. III (Janvier-Février 1925).
62
Tradução de Ricardo Soares Vieira
ajuste no movimento dos elétrons. Quase simultaneamente e independentemente um do outro,
os Srs. P. Debye e A. H. Compton chegaram a fornecer, a partir destes desvios em relação às
leis clássicas, uma interpretação fundada sobre a noção dos quanta de luz.
Eis o princípio: se um quantum de luz é desviado de sua marcha retilínea ao passar
próximo de um elétron, devemos supor que durante o tempo onde os dois centros de energia
são suficientemente vizinhos, eles exerçam um sobre o outro certa ação. Quando esta ação
chega ao fim, o elétron terá tomado emprestado do corpúsculo de luz uma certa energia; de
acordo com a relação quântica, a freqüência difundida será, portanto, menor que a freqüência
incidente. A conservação da quantidade de movimento completa a determinação do problema.
Suponha que o quantum difundido desloca-se numa direção que faça um ângulo θ com o
prolongamento da direção de incidência. Sendo ν 0 e ν θ as freqüências de antes e após a
difusão e m0 a massa própria do elétron, ter-se-á:
⎛
⎞⎟
1
⎟⎟ ;
h ν θ = h ν 0 − m 0c 2 ⎜⎜⎜
1
−
⎜⎝ 1 − β 2
⎠⎟⎟
⎛ m βc
⎜⎜
0
⎜⎜
2
⎝ 1− β
2
⎞⎟
⎟⎟ = ⎛⎜ h ν 0
⎜⎝ c
⎠⎟⎟
2
⎞⎟
⎛ h νθ
⎜
⎟⎠⎟ + ⎝⎜ c
2
⎞⎟
hν0 hνθ
⎟⎠⎟ − 2 c ⋅ c cos θ
Esta segunda relação se lê seguidamente à figura anexa:
A velocidade v = βc é a que o elétron adquire por este processo.
h ν0
, igual ao quociente de ν 0 por este a que nomeamos
Designando por α a relação
m 0c 2
freqüência própria do elétron. Vêm:
63
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
νθ =
ν0
1 + 2α sen2
θ
2
ou
⎛
θ⎞
λθ = λ0 ⎜⎜1 + 2α sen2 ⎟⎟⎟ .
⎝
2⎠
Onde se pode também, através destas fórmulas, estudar a velocidade da projeção e a
direção do elétron “recuante”. Encontra-se que, quando as direções de difusão variam de 0 a
π
π , que corresponde ao elétron cujos ângulos de recuo variam de
a 0, a velocidade varia
2
simultaneamente de 0 a um valor máximo,.
O Sr. Compton, recorrendo a hipóteses inspiradas pelo princípio da correspondência,
acreditou poder calcular o valor da energia difundida no total e explicar assim a rápida
s
. O Sr. Debye tem aplicado a idéia da correspondência sob uma
diminuição do coeficiente
ρ
forma ligeiramente diferente, mas também tem tido sucesso em interpretar este mesmo
fenômeno.
Em um artigo do Physical Review, de Maio de 1923, e em mais um recente artigo do
Philosophical Magasine (novembro de 1923), o Sr. A. H. Compton mostrou que as novas
idéias acima expostas davam conta de muitos fatos experimentais e que em particular para os
raios duros e os corpos ligeiros, a variação do comprimento de onda prevista era verificada
quantitativamente. Para os corpúsculos mais pesados e às radiações mais macias, parece que
há coexistência de uma risca difundida sem mudança de freqüência e de uma outra risca
difundida de acordo com a lei Compton-Debye.
Para as baixas freqüências a primeira torna-se preponderante e parece mesmo com
freqüência ser a única a existir. Das experiências do Sr. Ross sobre a difusão da raia MoKα e
a da luz verde pela parafina confirmam esta maneira de ver. A raia Kα fornece uma forte
risca difundida de acordo com a lei de Compton e uma fraca risca para a freqüência não
modificada, esta última parece somente existir para a luz verde.
A existência de uma raia não deslocada parece explicar porque a reflexão cristalina
(fenômeno de Laue) não é acompanha de uma variação do comprimento de onda. Os Srs.
Jauncey e Wolfers, com efeito, mostraram recentemente que, se as raias difundidas pelos
cristais usualmente empregados como refletores, sofressem de uma maneira apreciável o efeito
Compton-Debye, as medidas de precisão dos comprimentos de onda Röntgen, já teriam posto
o fenômeno em evidência. É necessário, por conseguinte, supor que neste caso a difusão toma
lugar sem degradação do quantum.
Em primeira abordagem, tenta-se explicar a existência das duas espécies de difusão da
seguinte maneira: o efeito Compton se produziria cada vez que o elétron difusor fosse liberado
ou pelo menos que a sua ligação com um átomo correspondesse à uma energia fraca diante
64
Tradução de Ricardo Soares Vieira
daquela do quantum incidente; do contrário, haveria difusão sem mudança do comprimento
de onda porque então todo o átomo levaria parte no processo sem adquirir velocidade
apreciável, em razão de sua grande massa. O Sr. Compton encontra dificuldades ao admitir
esta idéia e prefere explicar a raia não modificada pela intervenção de vários elétrons no
desvio de um mesmo quantum; esta seria então, o valor relevado pela soma das suas massas
que impediriam a passagem de uma energia notável da radiação à matéria.
Seja como for, concebe-se bem o porquê dos elementos pesados e os raios duros
comportam-se diferentemente dos elementos leves e os raios macios. Quanto ao modo de
tornar compatível a concepção da difusão com a do desvio de uma partícula luminosa e a
conservação da fase necessária para a explicação das figuras de Laue, ela levanta dificuldades
consideráveis e de modo algum ainda resolvidas, as quais damos sinais no capítulo precedente
a respeito da Óptica Ondulatória.
Quanto à questão dos raios X duros e dos elementos leves tal qual aquele que é
aplicado na prática em Radioterapia, os fenômenos devem ser completamente modificados
para o efeito Compton e é efetivamente isso o que parece se produzir. Vamos dar um
exemplo. Sabe-se que além do enfraquecimento por difusão, um feixe de raios X que atravessa
a matéria enfrenta um enfraquecimento por absorção, fenômeno que é acompanhado por uma
emissão de fotoelétrons. Uma lei empírica devida aos Srs. Bragg e Pierce ensina-nos que esta
absorção varia como o cubo do comprimento de onda e sofre bruscas descontinuidades para
todas as freqüências características dos níveis intra-atômicos da substância considerada;
demais, para um mesmo comprimento onda e diversos elementos, o coeficiente atômico de
absorção varia com a quarta potência do número atômico.
Esta lei é bem verificada no domínio médio das freqüências Röntgen e parece bem
provável que ela deva se aplicar aos raios duros. Como se segue das idéias recebidas antes da
teoria de Compton-Debye, a difusão era somente um enfraquecimento da radiação, somente a
energia absorvida de acordo com a lei de Bragg poderia produzir uma ionização em um gás,
os elétrons fotoelétricos animados por grandes velocidades ionizam por choques os átomos
reencontrados. A lei de Bragg-Pierce permitiria, por conseguinte, calcular a relação das
ionizações produzidas por uma mesma radiação dura em duas ampolas que contenham um gás
pesado (por exemplo, CH3 I ) e no outro um gás leve (por exemplo, o ar). Mesmo tendo em
conta as numerosas correções secundárias, esta relação era encontrada experimentalmente
bem menor que o previsto. O Sr. Dauvillier tinha constatado este fenômeno para os raios X e
sua interpretação há muito tempo tem-nos intrigado.
A nova teoria da difusão parece efetivamente explicar esta anomalia. Se, com efeito,
pelo menos no caso dos raios duros, uma parte da energia dos quanta de luz é transportada
65
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
ao elétron difusor, haverá não somente enfraquecimento da radiação, mas também “absorção
por difusão”. A ionização do gás será devida ao mesmo tempo pelos elétrons expulsos do
átomo, pelo mecanismo de absorção propriamente dito, e aos elétrons postos em movimento
recuante pela difusão. Em um gás pesado ( CH3 I ), a absorção de Bragg é intensa e a de
Compton é, em comparação, quase que negligenciável. Para um gás leve (ar), não será de
todo a mesma coisa; a primeira absorção devida a sua variação em N4 é muito fraca e a
segunda, que é independente de N , a mais importante. A relação das absorções totais e
conseqüentemente das ionizações nos dois gases, deve ser bem pequena tal qual se previa
anteriormente.
É mesmo possível assim dar conta de uma forma quantitativa a relação das ionizações.
Vê-se, portanto, através deste exemplo muito grosseiro, o interesse prático das idéias novas
dos Srs. Compton e Debye. O recuo dos elétrons difusores parece de resto dar a chave de
muitos outros fenômenos inexplicados.
IV. Difusão pelos elétrons em movimento
Pode-se generalizar a teoria Compton-Debye ao considerar a difusão de um quantum
de radiação por um elétron em movimento. Vamos considerar por eixo dos x a direção de
propagação inicial de um quantum de freqüência inicial ν1 , os eixos dos y e dos z escolhidos
arbitrariamente por um ângulo reto um em relação ao outro em um plano normal à ox e
passando pelo ponto onde se produz a difusão. A direção da velocidade β1c do elétron antes
do choque é definida pelos co-senos diretores a1, b1 e c1 , chamaremos θ1 o ângulo que ele faz
com ox, de forma que a1 = cos θ1 ; após o choque, o quantum de radiação difundido de
freqüência ν 2 se propaga numa direção tal que o co-seno diretor pqr faz o ângulo ϕ com a
direção da velocidade inicial do elétron (cos ϕ = a1p + b1q + c1r ) e o ângulo θ com o eixo ox
(p = cos θ ) . Enfim, o elétron possuirá uma velocidade final β2c cujos co-senos diretores serão
a2 , b2 e c2 . A conservação da energia e da quantidade de movimento durante o choque permite
escrever as equações:
h ν1 +
m 0c 2
2
1
1− β
m 0 β1c
2
1
1− β
= h ν2 +
b1 =
m 0c 2
1 − β2
2
,
h ν2
m 0β2c
q+
b2 ,
c
1 − β22
h ν1
m 0 β1c
h ν2
m 0β2c
+
a1 =
p+
a2 ,
2
c
c
1 − β1
1 − β22
m 0 β1c
2
1
1− β
c1 =
h ν2
m 0β2c
r+
c2 .
c
1 − β22
66
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Eliminamos a2 , b2 e c2 graças à relação a22 + b22 + c22 = 1 , pois, entre a relação assim
obtida e àquela que exprime a conservação da energia, eliminamos β2 . Coloquemos com
h ν1
. E vêm:
Compton α =
m 0c 2
ν 2 = ν1
1 − β1 cos θ1
1 − β1 cos ϕ + 2α 1 − β12 sen2
θ
2
.
Se a velocidade inicial do elétron for nula ou negligenciável, encontramos a fórmula de
1
.
Compton: ν2 = ν1
θ
1 + 2α sen2
2
No caso geral, o efeito Compton representado pelo termo em α subsiste, mas diminuiu;
no mais, há o acréscimo de um efeito Doppler. Se o efeito Compton for negligenciável,
1 − β1 cos θ1
.
encontra-se: ν2 = ν1
1 − β1 cos ϕ
Como, neste caso, a difusão do quantum não passa pelo movimento do elétron, pode-se
esperar de encontrar um resultado idêntico ao da teoria eletromagnética. Certamente é isto o
que ocorre. Calculemos a freqüência difundida de acordo com a teoria eletromagnética
(levando em conta a Relatividade). A radiação incidente possui para o elétron a freqüência:
1 − β1 cos θ1
ν ' = ν1
.
1 − β12
Se o elétron, mantendo ao mesmo tempo a velocidade de translação β1c , põe-se a
vibrar com a freqüência ν ' , o observador que recebe a radiação difundida numa direção
formando
ν2 = ν '
o
ângulo
ϕ
com
a
velocidade
da
fonte,
atribui-lhe
a
freqüência:
1 − β12
1 − β1 cos θ1
. E bem se tem: ν2 = ν1
.
1 − β1 cos ϕ
1 − β1 cos ϕ
O efeito Compton continua a ser em geral bastante fraco, ao contrário, o efeito
Doppler pode atingir para os elétrons acelerados pelas quedas de potencial, cerca de centenas
de kilovolts, valores muito fortes (aumento de um terço da freqüência para 200 kilovolts).
Temos de tratar aqui a um aumento do quantum para que o corpo difusor, animado de
uma grande velocidade, possa ceder energia ao átomo de radiação. As condições de aplicação
da regra de Stokes não são mais realizadas. Não é de todo impossível que algumas das
conclusões aqui deduzidas possam estar sujeitas a uma verificação experimental pelo menos
no que concerne aos raios X.
67
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
CAPÍTULO VII
A mecânica estatística e os quanta.
I. Recordando alguns resultados da termodinâmica estatística
A interpretação das leis da termodinâmica, aliada a considerações estatísticas, é um
dos mais belos sucessos do pensamento científico, mas ela não está livre de algumas
dificuldades e objeções. Não entra no molde do presente trabalho fazer uma crítica a estes
métodos; vamos nos limitar aqui, após termos recordado sobre sua forma hoje empregada, em
certos resultados fundamentais, examinando como as nossas novas idéias poderiam ser
introduzidas na teoria dos gases e naquela da radiação de um corpo negro.
Boltzmann foi o primeiro a demonstrar que a entropia de um gás num estado
determinado é, a menos de uma constante aditiva, o produto do logaritmo da probabilidade
deste estado pela constante k chamada “constante de Boltzmann”, que depende da escolha da
escala das temperaturas; tinha chegado primeiramente a esta conclusão analisando os choques
entre átomos na hipótese de uma agitação inteiramente desordenada. Hoje, na seqüência dos
trabalhos dos Srs. Planck e Einstein, considera-se antes a relação: S = k log P como a própria
definição da entropia S de um sistema. Nesta definição, P não é a probabilidade matemática
que iguala o quociente do número de configurações microscópicas resultando na mesma
configuração total macroscópica para o número total configurações possíveis, é a
probabilidade “termodinâmica”, igual simplesmente ao numerador desta fração. Esta escolha
de sentido de P acarreta em fixar de certa maneira (em suma arbitrária) a constante de
entropia. Este postulado admite recordar uma demonstração bem conhecida da expressão
analítica das grandezas termodinâmicas, demonstração esta que tem a vantagem de ser válida
igualmente quando a seqüência dos estados possíveis é descontínua como no caso inverso.
Consideremos para isso N objetos que podem se distribuir arbitrariamente entre m
“estados” ou “células” consideradas a priori como igualmente prováveis. Uma certa
configuração do sistema será realizada colocando-se n1 objetos na célula 1, n2 na célula 2,
etc. A probabilidade termodinâmica desta configuração será:
68
Tradução de Ricardo Soares Vieira
N
n1! n2! … nn !
Se N e todos os
ni são de grande número, a fórmula de Stirling dá para a entropia do
sistema:
m
S = k log P = kN log N − k ∑ ni log ni .
1
Supondo que a cada célula, corresponde um dado valor de uma certa função ε que
nomearemos “a energia de um objeto colocado nesta célula”. Examinemos uma modificação
da distribuição dos objetos entre células submissas à condição de deixar invariável a soma da
energia. A entropia S irá variar de:
m
m
⎡m
⎤
δS = −k δ ⎢ ∑ ni log ni ⎥ = −k ∑ δni − k ∑ log ni δni
⎢⎣ 1
⎥⎦
1
1
m
com as condições associadas:
∑ δn
i
=0 e
1
m
∑ ε δn
i
i
= 0.
1
A entropia máxima é determinada pela relação: δS = 0
O método dos coeficientes indeterminados nos ensina que, para realizar esta condição é
necessário que se satisfaça à equação:
m
∑ [log n
i
+ η + βεi ] δni = 0
1
Onde η e β são constantes, e estes são alguns δni .
Conclui-se a que distribuição mais provável, realizada somente na prática, é governada
pela lei:
ni = αe −βεi
(α = e −η )
Esta é a distribuição denominada “canônica”. A entropia termodinâmica do sistema
correspondente à distribuição mais provável é dada por:
69
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
S = kN log N -
m
∑ ⎡⎣k αe
−βεi
1
m
ou, pois que
∑n
i
=N e
1
m
∑εn
i
i
(log α − βεi )⎤⎦
= energia total E ,
1
S = kN log
N
α
m
+ k βE = kN log ∑ e −βεi + k βE
1
Para determinar β empregaremos a relação termodinâmica:
m
dS
1
∂S ∂β
∂S
=
=
⋅
+
= −kN
T
dE
∂β ∂E ∂E
∑ εe
i
1
m
∑e
−βεi
−βεi
∂β
∂β
+ kE
+ kβ
∂E
∂E
1
e já que
m
∑ εe
i
N
1
m
∑e
−βεi
−βεi
=Nε = E
1
= kβ ,
T
β=
1
.
kT
1
a energia livre se calcula pela relação
⎡m
⎤
⎡m
⎤
F = E − TS = E − kN T log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ − βkTE = −kN T log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ .
⎢⎣ 1
⎥⎦
⎢⎣ 1
⎥⎦
O valor médio da energia livre relacionada aos objetos é, por conseguinte:
⎡m
⎤
F = −kT log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ .
⎢⎣ 1
⎥⎦
Vamos aplicar estas considerações gerais a um gás formado por moléculas idênticas de
massa m0 . O teorema de Liouville (igualmente admissível na dinâmica Relatividade) informanos que o elemento de extensão em fase de uma molécula à dxdydzdpdqdr (onde xy e z são as
coordenadas e p, q, r os momenta correspondentes) é um invariante das equações de
movimento cujo valor é independente da escolha das coordenadas. Conseqüentemente somos
conduzidos a admitir que o número de estados de igual probabilidade, representados por um
70
Tradução de Ricardo Soares Vieira
elemento desta extensão em fase, era proporcional a sua grandeza. Isto conduz imediatamente
à lei da distribuição de Maxwell, que fornece o número de átomos cujo ponto representativo
cai no elemento dxdydzdpdqdr :
dn = Cte ⋅ e
−
w
kT
dxdydzdpdqdr
sendo w a energia cinética destes átomos. Supondo as velocidades bastante fracas para
legitimar o emprego da dinâmica clássica, encontraremos então:
w=
1
m 0v 2
2
dpdqdr = 4πG 2dG
onde G = m 0v = 2m 0w é a quantidade de movimento. Finalmente, o número de átomos
contidos no elemento de volume cuja energia está compreendida entre w e w + dw é dado
pela fórmula clássica:
te
dn = C ⋅ e
−
w
kT
4πm 0
3
2
2w dwdxdydz .
Resta calcular a energia livre e a entropia. Para isto, pegaremos como objeto da teoria geral
não uma molécula isolada, mas todo um gás formado de N moléculas idênticas de massa m 0
cujo estado é em seguida definida por 6N parâmetros. A energia livre do gás no sentido
termodinâmico será definida à maneira de Gibbs, como o valor médio da energia livre do gás,
ou seja:
⎡m
⎤
F = −kT log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ .
⎢⎣ 1
⎥⎦
β=
1
.
kT
O Sr. Planck especificou como esta soma devia ser efetuada, ela pode se exprimir por
uma integral estendida a toda extensão em fase às 6N dimensões, integral que é, ela própria,
equivalente ao produto de N integrais sêxtuplas estendidas à extensão em fase de cada
molécula; mas é necessário ter cuidado ao dividir o resultado por N ! em razão da identidade
das moléculas. A energia livre é assim calculada, deduz-se a entropia e a energia pelas
relações termodinâmicas clássicas.
S =−
∂F
∂T
E = F + TS
71
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Para efetuar os cálculos, é necessário precisar qual é a constante cujo produto pelo
elemento de extensão em fase dá o número de estados igualmente prováveis representados por
pontos deste elemento. Este fator tem dimensões de inverso do cubo de uma ação. O Sr.
Planck a determinou pela hipótese seguinte, um tanto desconcertante. “A extensão em fase de
uma molécula é dividida em células de igual probabilidade cujo valor é finito e igual à h 3 .
Pode-se dizer que dentro de cada célula, há um só ponto cuja probabilidade não seja nula, ou
seja, todos os pontos de uma mesma célula correspondem a estados impossíveis de se
distinguir fisicamente.
A hipótese Planck conduz a escrever para a energia livre:
n
−∞
w
⎡ 1 ⎛
−
dxdydzdpdqdr ⎞⎟⎟ ⎤⎥
⎜
⎢
kT
F = −kT log ⎢ ⎜⎜ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ e
⎟⎟ ⎥ =
3
h
⎠
⎢⎣ N ! ⎝⎜
⎥⎦
−∞
−∞
⎡e
⎤
1 −ε
⎢
= −NkT log ⎢ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ 3 e kT dxdydzdpdqdr ⎥⎥
h
⎢⎣ N
⎥⎦
−∞
Onde se encontra, efetuando a integração:
3⎤
⎡ eV
F = Nm 0c 2 − kNT log ⎢ 3 (2πm 0kT )2 ⎥
⎣⎢ Nh
⎦⎥
V = volume total do gás
e, consequentemente,
⎡ 5
⎤
3⎥
⎢ e 2V
S = kN log ⎢ 3 (2πm 0kT )2 ⎥
⎢ Nh
⎥
⎢⎣
⎥⎦
3
E = Nm 0c 2 + kNT .
2
No final de seu livro “Warmestrahlung” [Radiação Térmica] (4ª edição), Planck
mostra como se deduz a “constante química” que intervém no equilíbrio de um gás com a sua
fase condensada. As medidas desta constante química trouxeram um forte apoio ao método
Planck.
Até aqui não temos feito intervir nem a Relatividade, nem as nossas idéias entre a
ligação da dinâmica com a teoria das ondas. Vamos investigar como as fórmulas precedentes
são alteradas pela introdução destas duas noções.
72
Tradução de Ricardo Soares Vieira
II. Nova concepção do equilíbrio estatístico de um gás
Se o movimento de átomos gasosos é acompanhado de uma propagação de ondas o
recipiente contendo o gás vai ser marcado em todos os sentidos por estas ondas. Somos
naturalmente conduzidos a considerar, como na concepção da radiação de um corpo negro
desenvolvida pelo Sr. Jeans, ondas de fase que se formam dos sistemas estacionários (ou seja,
ressonante sobre as dimensões do recinto) como sendo somente os estáveis; eles somente
interviriam no estudo do equilíbrio termodinâmico. Isto é, alguma escolha análoga a que
encontramos em relação ao átomo de Bohr; lá também, as trajetórias estáveis eram definidas
por uma condição de ressonância e as outras deviam ser consideradas como normalmente
irrealizáveis no átomo.
Poder-se-ia interrogar como pode existir em um gás sistemas estacionários de ondas de
fase, pois que o movimento dos átomos constantemente é perturbado por seus choques
mútuos. Pode-se primeiro responder que graças a não-coordenação do movimento molecular, o
número de átomos desviados de sua direção primitiva pelo efeito dos choques, durante o
tempo dt, é exatamente compensado pelo número daqueles cujo movimento é restabelecido
pelo dito efeito na mesma direção; tudo se passa, em suma, como se os átomos descrevessem
uma trajetória retilínea uns em relação aos outros, uma vez que a sua identidade de estrutura
dispensa de se ter em conta a sua individualidade. Além do que, durante a duração do
percurso livre, a onda de fase pode percorrer várias vezes o comprimento de um recipiente,
mesmo de grande dimensão; se, por exemplo, a velocidade média dos átomos de um gás é de
105 cm./seg. e o percurso médio 10−5 cm. , a velocidade média das ondas de fase será
c2
= 9 ⋅ 1015 cm./seg. g e durante o tempo de 10−10 segundos, necessário em média para o
v
percurso livre, ele avançará 9 ⋅ 105 cm. ou 9 kilômetros. Parece possível, portanto, imaginar a
existência de ondas de fase estacionárias numa massa gasosa em equilíbrio.
Para melhor compreender a natureza das modificações que vamos ter de trazer à
mecânica estatística, consideraremos primeiro o caso simples onde as moléculas que se movem
ao longo de uma reta AB de comprimento l que se refletem em A e B. A distribuição inicial
das posições e das velocidades é suposta ser regulada pelo azar. A probabilidade de que uma
dx
molécula se encontre sobre um elemento dx de AB é, por conseguinte,
. Na concepção
l
clássica, deve-se depois tomar a probabilidade de uma velocidade compreendida entre v e
v + dv proporcional a dv , logo, ao se constituir uma extensão em fase tomando como
73
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
variáveis x e v, todos os elementos dxdv serão igualmente prováveis. É em tudo oposto quando
se introduz as condições de estabilidade consideradas mais acima. Se as velocidades são muito
pequenas para se permitir negligenciar os termos da Relatividade, o comprimento de onda
ligada ao movimento de uma molécula cuja velocidade é v, será:
c
h
β
λ=
2 =
m 0c
m 0v
h
e a condição de ressonância escrever-se-á:
l = nλ = n
Posto que
h
m 0v
(n inteiro)
h
= v 0 , vem: v = nv0 .
m 0l
A velocidade poderá, portanto, tomar apenas valores iguais a múltiplos inteiros de v0 .
A variação δn do número inteiro n, correspondente a uma variação δv da velocidade,
dá o número de estados de uma molécula compatíveis com a existência de ondas de fase
estacionarias. De onde segue que
δn =
m 0l
δv.
h
Tudo se passará como se a cada elemento δx δv da extensão em fase, correspondesse a
m0
δx δv estados possíveis, que é a expressão clássica do elemento de extensão em fase,
h
dividida por h. O exame dos valores numéricos mostra que a um valor de δv , mesmo
extremamente pequeno para a escala de nossas medidas experimentais, corresponde um
grande intervalo δn ; qualquer retângulo, mesmo muito pequeno, da extensão em fase
corresponde a um número enorme de valores “possíveis”. Logo, se poderia tratar a quantidade
m0
δx δv , em geral, como um diferencial. Mas, em princípio, a distribuição dos pontos
h
representativos não é maior do que aquela que a Mecânica estatística imagina; ela é
descontínua e supõe-se que, pela ação de um mecanismo ainda impossível de se precisar, os
movimentos de átomos que estariam ligados a sistemas não estacionários de ondas de fase,
são eliminados automaticamente.
74
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Passemos agora para o caso mais real do gás a três dimensões. A distribuição das
ondas de fase no recinto será completamente análoga àquela que dava a antiga teoria da
radiação de um corpo negro para as ondas térmicas. Poder-se-ia, tal qual o fez neste caso o
Sr. Jeans, calcular o número de ondas estacionárias contidas na unidade de volume e cujas
freqüências estejam compreendidas entre ν e ν + d ν . Encontra-se para este número,
distinguindo a velocidade de grupo U da velocidade de fase V, a expressão seguinte:
nν δν = γ ⋅
4π 2
ν δν
UV 2
sendo γ igual à 1 para as ondas longitudinais e à 2 para as ondas transversais. A expressão
precedente não deve, aliás, nos fazer iludir: nem todos os valores de ν estão presentes no
sistema de ondas e, se for permitido considerar-se nos cálculos a expressão acima como uma
diferencial, como o é em geral, num pequeníssimo intervalo de freqüência haverá um número
enorme de valores admissíveis para ν .
O momento é oportuno para fazermos uso do teorema demonstrado no primeiro
capítulo, parágrafo II. A um átomo de velocidade v = βc , corresponde uma onda que tem por
1 m0c 2
c
V
=
β
c
ν
=
e freqüência
. Se
velocidade de fase V = , e por velocidade de grupo
h 1 − β2
β
w designa a energia cinética, encontramos pelas fórmulas da Relatividade:
m 0c 2
hν =
1 − β2
= m 0c 2 + w = m 0c 2 (1 + α)
⎛
⎞
⎜⎜α = w ⎟⎟ .
2⎟
⎜⎝
m 0c ⎠⎟
De onde:
nw δw = γ ⋅
4π 2
4π
ν δν = γ ⋅ 3 m0c (1 + α) α (α + 2)dw.
2
UV
h
Ao se aplicar ao conjunto de átomos a lei de distribuição canônica demonstrada mais acima,
obtém-se para o número daqueles que estão contidos no elemento de volume dxdydz e cuja
energia cinética está compreendida entre w e w + dw :
( I)
w
−
4π
kT
C ⋅ γ ⋅ 3 m 0c (1 + α) α (α + 2) e dwdxdydz .
h
te
75
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Para átomos materiais, as ondas de fase devem, em razão da simetria, ser análogas à das
ondas longitudinais coloquemos, portanto, γ = 1 . No mais, para estes átomos (exceto para
alguns em número negligenciável nas temperaturas usuais), a energia própria m0c 2 é
infinitamente maior que a energia cinética. Podemos então confrontar 1 + α com a unidade e
encontramos para o número acima definido:
Cte ⋅
w
w
w +dw dxdydzdpdqdr
−
−
4π 23
te
kT
kT
m
w
e
dwdxdydz
e
2
C
=
0
3
∫
w
h
h3
É evidente que o nosso método nos conduz à escolher, para medir o número de estados
possíveis da molécula correspondente a um elemento da sua extensão em fase, não a mesma
grandeza desta elemento, mas sim, esta grandeza dividida por h 3 . Justificamos então a
hipótese do Sr. Planck e, consequentemente, os resultados obtidos por este cientista e as
exposições supra. Observar-se-á que são os valores encontrados para as velocidades V e U da
onda de fase que permitiram chegar a este resultado a partir da fórmula de Jeans 14.
III. O gás de átomos de luz
Se a luz é dividida em átomos, a radiação de um corpo negro pode ser considerada
como um gás de tais átomos em equilíbrio com a matéria, um pouco como um vapor saturado
está em equilíbrio com a sua fase condensada. Já tínhamos demonstrado no capítulo III que
esta idéia conduz a uma previsão exata da pressão da radiação.
Procuremos aplicar a tal gás de luz a fórmula geral (I) do parágrafo precedente. Aqui é
necessário pôr γ = 2 em razão da simetria da unidade luminosa sobre a qual tínhamos
insistido no capítulo IV. De mais, α é muito grande em relação a unidade, exceto por alguns
átomos em número negligenciável à temperatura usual, o que permite o confronto entre
α + 1 e α + 2 com α . Obter-se-ia, assim, para o número de átomos por elemento de volume,
de energia compreendida entre h ν e h (ν + d ν ) :
14
Sobre o assunto deste parágrafo, vide: O. Sackur, Ann. d. Phys., 36, 958 (1911) e 40, 67
(19I3); H. Tetrode, Phys. Zeitschr., 14, 212 (1913); Ann. d. Phys. 38, 434 (19I2) ; W. H.
Keesom, Phys. Zeitschr., 15, 695 (1914) O. Stern, Phys. Zeitschr., 14, 629 (1913); E. Brody,
Phys. Zeitschr., 16, 79 (1921).
76
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Cte
hν
8π 2 −kT
e
d νdxdydz
ν
c3
e para a densidade de energia correspondente as mesmas freqüências:
hν
8πh 3 −kT
u νd ν = C
ν e d ν.
c3
te
Seria, aliás, fácil mostrar que a constante é igual a 1 seguindo um raciocínio contido no
artigo do autor “Quanta de lumière et rayonnement noir” [“Quanta de luz e radiação de um
corpo negro”] apresentada no Journal de Physique em novembro de 1922.
Infelizmente, a lei assim obtida é a lei de Wien que consta ser apenas o primeiro termo
da série que constitui a lei experimentalmente exata de Planck. Isto não deve nos surpreender
porque, supondo os movimentos dos átomos de luz completamente independentes, devemos
necessariamente chegar a uma lei cujo fator exponencial seja idêntico ao da lei Maxwell.
Sabemos, além disso, que uma distribuição contínua de energia radiante no espaço
conduziria à lei Rayleigh como mostra o raciocínio de Jeans. Ora, a lei de Planck admite as
expressões propostas pelos Srs. Wien e Lord Rayleigh como formas limites válidas
hν
respectivamente para valores muito grandes e muito pequenos do quociente
. Para
kT
reencontrar o resultado de Planck, será necessário, portanto, fazer aqui uma nova hipótese
que, sem nos afastarmos da concepção dos quanta de luz, permita-nos explicar como as
fórmulas clássicas podem ser válidas num certo domínio. Enunciamos esta hipótese da
seguinte maneira:
“Se dois ou mais átomos possuem ondas de fase que se sobrepõem de forma exata,
onde conseqüentemente se pode dizer que eles são transportados pela mesma onda, os seus
movimentos não poderão mais ser tratados integralmente como independentes e estes átomos
não poderão mais ser tratados como unidades distintas nos cálculos de probabilidade”. O
movimento destes átomos “em onda” apresentaria assim uma espécie de coerência em
conseqüência das interações impossíveis de se precisar, mas provavelmente semelhantes ao
mecanismo que torna instável o movimento de átomos cuja onda de fase não seja
estacionária.
Esta hipótese de coerência obriga-nos a reaver inteiramente a demonstração da lei
Maxwell. Como nós não podemos mais tratar cada átomo como “objeto” da teoria geral, são
estas ondas de fase estacionárias elementares que devem desempenhar tal papel. À que
chamamos de onda estacionária elementar? Uma onda estacionária pode ser vista como
resultante da superposição de duas ondas de fórmulas
77
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
sen ⎡ ⎛⎜ − x + ⎞⎟⎤
cos ⎢⎢⎣2π ⎜⎝νt λ ϕ0 ⎠⎟⎥⎥⎦
sen ⎡ ⎛⎜ + x + ⎞⎟⎤
cos ⎢⎢⎣2π ⎜⎝νt λ ϕ0 ⎠⎟⎥⎥⎦
e
onde ϕ0 pode tomar todos os valores entre 0 a 1. Dando a ν um dos valores permitidos e a
ϕ0 um valor arbitrário entre 0 e 1, define-se uma onda estacionária elementar. Consideremos
um valor determinado de ϕ0 e todos os valores permitidos ν compreendidos em um pequeno
intervalo d ν . Cada onda elementar pode transportar 0, 1, 2... átomos e dado que a lei de
distribuição canônica deve ser aplicável às ondas consideradas, encontramos para o número de
átomos correspondente:
∞
N ν d ν = n νd ν
∑ pe
1
∞
∑e
−p
−p
hν
kT
hν
kT
0
Dando-se a ϕ0 outros valores, obtêm-se outros estados estáveis e superposicionando
vários destes estados estáveis de tal sorte que uma mesma onda estacionária corresponda à
várias ondas elementares, obtém-se ainda um estado estável. Concluímos que o número de
átomos cuja energia total corresponde às freqüências compreendidas entre ν e ν + d ν é
2
m c +w
∞
−p 0
4π
kT
N νd ν = Aγ 3 m02c (1 + α) α (α + 2) dw ∑ e
h
1
por unidade de volume. Onde A pode ser função da temperatura.
Para um gás no sentido ordinário da palavra, m0 é tão grande que se pode negligenciar
todos os termos da série posterior ao primeiro. Reencontra-se efetivamente a fórmula (I) do
parágrafo precedente.
Para o gás de luz, se encontrará agora:
N νd ν = A
hν
8π 2 ∞ −p kT
ν
e
dν
∑
c3
1
e, consequentemente, para a densidade de energia:
hν
8πh 3 ∞ −p kT
u νd ν = A ⋅ 3 ν ∑ e
d ν.
c
1
78
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Está é de fato a fórmula de Planck. Mas é necessário demonstrar que neste caso A = 1 .
Em primeiro lugar, A é aqui certamente uma constante e não uma função da temperatura.
Efetivamente, a energia total da radiação por unidade de volume é:
u=
∫
+∞
0
4
u νd ν = A ⋅
48πh ⎛ kT ⎞⎟
⎜ ⎟
c 3 ⎜⎝ h ⎠⎟
∞
1
∑p
4
1
e a entropia total é dada:
dS =
1
du
dV
V du
4 dV
=
dT + u
[d (uV ) + PdV ] = V + (u + P )
3 T
T
T
T
T dT
porque u = f (T ) e P =
(V é o volume total)
1
u − dS são diferenciais exatos; a condição de integrabilidade
3
escreve-se:
1 du
4 1 du
4 u
=
−
3 T dT 3 T 2
T dT
ou
4
u
du
=
T
dT
u = aT 4 .
Esta é a lei clássica de Stéfan que nos obriga a por A = Cte . O raciocínio precedente
nos fornece os valores da entropia e da energia livre:
S = A⋅
64π 4 3 ∞ 1
k T V∑ 4
c 3h 3
1 p
F = U − TS = −A ⋅
16π 4 4 ∞ 1
k T V ∑ 4.
c 3h 3
1 p
Resta-nos determinar a constante A. Se tivermos êxito em demonstrar que ela é a
unidade, teremos reencontrado todas as fórmulas da teoria Planck.
Como tínhamos dito mais acima, caso se negligencie os termos onde p > 1 , a coisa fica
hν
8πh 2 −p kT
e
dν
ν
c3
pode-se efetuar o cálculo da energia livre pelo método de Planck como para um gás comum e,
fácil; com a distribuição dos átomos obedecendo a lei canônica simples A ⋅
identificando o resultado com a expressão acima, encontra-se A = 1 .
No caso geral, é necessário empregar um método mais distinto. Consideremos o termo
e
p da série Planck:
79
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
uν pd ν = A ⋅
hν
8π 3 −p kT
h
e
d ν.
ν
c3
hν
8π 2 −p kT
d ν p ⋅ h ν o que permite dizer:
Pode-se escrever também: A 3 ν e
c p
“A radiação de um corpo negro pode ser considerada como a miscelânea de uma
infinidade de gases, cada um caracterizado por um valor inteiro p e gozando da seguinte
propriedade: o número de estados possíveis de uma unidade gasosa situada em um elemento
de volume dxdydz e que tem uma energia compreendida entre ph ν e ph (ν + d ν ) é igual a
8π 2
ν d νdxdydz ”. De mais, pode-se calcular a energia livre pelo método do primeiro
c 3p
parágrafo. Obtém-se:
n
hν
hν
∞
⎡ 1 ⎛
⎡
⎤
∞ 8π
+∞ 8π
⎞⎟ p ⎤
−p
−p
2
2
kT
kT
⎜
⎢
⎥ = −kT ∑ n log ⎢ e V
⎥
⎟
F = ∑ Fp = −kT ∑ log ⎢
e
d
e
d
ν
ν
ν
ν
⎜⎜V ∫
p
3
⎟⎟ ⎥
⎢ n ∫0 c 3 p
⎥
0
!
n
c
⎝
⎠
1
1
1
⎢⎣ p
⎥⎦
⎢⎣ p
⎥⎦
∞
∞
onde:
np = V ∫
+∞
0
A
hν
8π 2 −p kT
16π k 3T 3 1
ν
e
d
ν
A
=
⋅
⋅
⋅V .
pc 3
c3 h 3 p4
Portanto:
F = −A
16π 4 4
1
⎛e ⎞
k T log ⎜⎜ ⎟⎟ ∑ 4 ⋅V
3 3
⎝
⎠
ch
A 1 p
⎛e ⎞
e, por identificação com a expressão anteriormente encontrada: log ⎜⎜ ⎟⎟ = 1; A = 1 . Isto é o
⎝ A⎠
que nós queríamos demonstrar.
A hipótese de coerência adotada acima tem-nos conduzido então a um porto-seguro,
nos evitando de vir a encalhar sobre a lei de Rayleigh ou sobre a de Wien. O estudo das
flutuações da radiação de um corpo negro nos fornecerá uma nova prova de sua importância.
80
Tradução de Ricardo Soares Vieira
IV. – As flutuações da energia na radiação de um corpo negro15
Se grãos de energia de valor q forem distribuídos em um número muito grande, em
certo espaço, e se suas posições variam incessantemente de acordo com as leis do azar, um
elemento de volume conterá normalmente n grãos, ou seja, uma energia E = nq . Mas o valor
real de n se afastará constantemente de n e ter-se-á (n − n )2 = n de acordo com um teorema
conhecido da teoria das probabilidades e, conseqüentemente, a flutuação quadrática média da
energia será:
ε2 = (n − n )2 q 2 = nq 2 = Eq.
Por outro lado, sabe-se que as flutuações da energia de radiação num volume V de um
corpo negro são governadas pela lei da termodinâmica estatística:
ε2 = kT 2V =
d (uνd ν )
dT
a fim de que eles se relacionem ao intervalo de freqüências ν , ν + d ν . Caso se admita a lei
Rayleigh:
8πk
uν = 3 ν 2T ,
c
2
(Vuνd ν )
c3
ε =
⋅
2
V
8πν d ν
2
e este resultado, como se deveria esperar, coincide com aquele que fornece o cálculo das
interferências conforme às regras da teoria eletromagnética.
Se pelo contrário, se adotar a lei de Wien, que corresponde à hipótese de uma radiação
formada de átomos inteiramente independentes, se encontraria:
d
ε = kT V
dT
2
15
2
⎛ 8πh 3 − hν ⎞⎟
⎜⎜
ν e kT d ν ⎟⎟ = (uνVd ν ) h ν
⎜⎝ c 3
⎠⎟
La théorie du Rayonnement noir et les quanta [A teoria da Radiação de um corpo negro a e
os quanta], Reunião Solvay, em relação ao Sr. Einstein, p. 419; Les théories statistiques en
thermodynarnique [As teorias estatísticas em termodinâmica], Conferências do Sr. H. A.
Lorentz no Collège de France, Teubner, 1916, pp. 70 e 114.
81
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
fórmula que se deduz também de ε2 = Eh ν .
Enfim, no caso real da lei Planck, chega-se, assim como Einstein primeiro observou, à
expressão:
2
(u d νV )
c3
ε = (uνVd ν ) h ν +
⋅ ν
2
V
8πν d ν
2
ε2 aparece portanto como a soma daquele que seria: 1º, se a radiação fosse formada de
quanta hν independentes; 2º, se a radiação fosse meramente ondulatória.
Por outro lado, a concepção de agrupamento de átomos “em ondas” leva-nos a escrever
a lei Planck:
hν
∞
8πh 3 −p kT
u νd ν = ∑ 3 ν e
d ν =∑ n p,ν ph νd ν
c
1
1
∞
e, aplicando a cada tipo de agrupamentos a fórmula ε2 = nq 2 , obtém-se:
∞
ε2 = ∑ n p,ν d ν (ph ν ) .
2
1
Naturalmente esta expressão é em verdade idêntica àquela de Einstein; diferindo
somente na maneira de escrever. Mas o interesse está em nos conduzir ao seguinte enunciado:
“Pode-se igualmente avaliar de forma correta as flutuações da radiação de um corpo negro
sem estar de modo algum apelando à teoria das interferências, mas ao estar introduzindo a
coerência dos átomos ligados a uma mesma onda de fase”.
Logo, parece quase certo que qualquer ensaio de conciliação entre a descontinuidade da
energia radiante e as interferências deveria fazer intervir a hipótese de coerência do último
parágrafo.
82
Tradução de Ricardo Soares Vieira
APÊNDICE AO CAPÍTULO V
Sobre os quanta de luz
Temos proposto considerar os átomos de luz como pequenos centros de energia
caracterizados por uma massa própria muito pequena m0 e animados de velocidade
geralmente próximas de c, de modo que exista, entre a freqüência ν , a massa própria m0 e a
velocidade βc , a relação:
hν =
m 0c 2
1 − β2
da qual se deduz:
2
⎛ m 0c 2 ⎞⎟
β = 1 − ⎜⎜
⎟.
⎜⎝ h ν ⎠⎟
Esta maneira de ver conduziu-nos a concordâncias remarcáveis concernente ao efeito
Doppler e a pressão da radiação:
Infelizmente, ela eleva grande dificuldade: por causa das freqüências ν cada vez
menores, a velocidade βc da energia radiante tornar-se-ia, mais e mais, pequena e anular-seia para h ν = m0c 2 e tornar-se-ia seguidamente imaginaria (?). Isto é mais difícil de admitir do
que no domínio das freqüências muito baixas, dever-se-ia contar em reencontrar as conclusões
das antigas teorias que designa para a energia radiante a velocidade c.
Esta objeção é muito interessante porque ela chama a atenção sobre a passagem da
forma meramente corpuscular da luz, que se manifesta no domínio das altas freqüências, à
forma meramente ondulatória das freqüências muito baixas. Temos mostrado no capítulo VII
que a concepção meramente corpuscular conduz à lei de Wien, enquanto que, como é
conhecido, a concepção puramente ondulatória conduz à lei de Rayleigh. A passagem de uma
para a outra destas leis deve, parece-me, estar ligado de uma forma intima para as respostas,
que poderão ser feitas às objeções enunciadas acima.
83
Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
Eu vou antes, a título de exemplo e na esperança de fornecer uma solução satisfatória,
desenvolver uma idéia sugerida pelas reflexões que precedem.
No capítulo VII, mostrou-se que era possível interpretar a passagem da lei de Wien
para a lei de Rayleigh ao se conceber a existência de conjuntos de átomos de luz ligados à
propagação de uma mesma onda de fase. Tenho insistido sobre a semelhança que leva uma tal
onda portadora de numerosos quanta, com a onda clássica quando o número dos quanta
cresce indefinidamente. Contudo, esta semelhança é limitada na concepção exposta no texto
pelo fato de que cada grão de energia conservaria a massa própria m0 , muito pequena mas
finita, enquanto a teoria eletromagnética atribui à luz uma massa própria nula. A freqüência
da onda nos múltiplos centros de energia é determinada pela relação:
hν =
μ0c 2
1 − β2
onde μ0 é a massa própria de cada um dos centros: isto parece ser necessário para dar conta
da emissão e absorção da energia por quantidades hν finitas. Mas poderíamos talvez supor
que a massa dos centros de energia ligadas a uma mesma onda difere da massa própria m0
de um centro isolado e depende do número de outros centros com os quais eles se encontram
em interação. Ter-se-ia, então:
μ0 = f (p )
f (1) = m 0
com
Em que se designa por p o número de centros portados pela onda.
A necessidade de retomar sobre as fórmulas do eletromagnetismo para as freqüências
muito baixas, conduziria a supor que f (p ) é uma função decrescente de p que tende a 0
quando p tende ao infinito. A velocidade do conjunto dos p centros que formam uma onda
seria então:
2
⎡ f ( p )c 2 ⎤
⎥ .
βc = c 1 − ⎢
⎢⎣ h ν ⎥⎦
Para as freqüências muito elevadas, p seria quase sempre igual a 1, os grãos de energia
estariam isolados, ter-se-ia a lei de Wien para a radiação de um corpo negro e a fórmula do
texto β = 1 −
m02c 4
para a velocidade da energia radiante.
h 2ν 2
84
Tradução de Ricardo Soares Vieira
Para as freqüências muito baixas, p continuaria muito grande, os grãos estariam unidos
em grupos muito numerosos sobre uma mesma onda. A radiação de um corpo negro
obedeceria à lei de Rayleigh e a velocidade tenderia a c quando ν tendesse a 0.
A hipótese precedente destrói um pouco a simplicidade da concepção dos “quanta de
luz”, mas esta simplicidade pode ser com certeza inteiramente conservada se ela permitir
conectar a teoria eletromagnética com a descontinuidade revelada pelos fenômenos
fotoelétricos.
Esta conexão é obtida, parece-me, pela introdução da função f (p ) porque, para ma
dada energia, uma onda deveria compreender um número p de grãos cada vez maiores,
quando ν e h ν diminuírem; quando a freqüência se tornar cada vez menor, o número de
grãos deve aumentar indefinidamente, a sua massa própria tendendo a 0 e sua velocidade, a c,
de modo que a onda que o transporta tornar-se-ia cada vez mais análoga à onda
eletromagnética.
É necessário admitir que a estrutura real da energia luminosa ainda continua sendo
muito misteriosa.
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Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
RESUMO E CONCLUSÕES
Em um rápido histórico do desenvolvimento da Física desde o século XVII e em
especial da Dinâmica e da Óptica, mostramos como o problema dos quanta estava de certa
forma contida no princípio do paralelismo das concepções corpusculares e ondulatórias da
radiação; depois, tivemos recordado com qual intensidade, cada dia crescente, a noção dos
quanta se impunha à atenção dos cientistas do século XX.
No capítulo primeiro, admitimos como postulado fundamental a existência de um
fenômeno periódico associado a cada porção isolada de energia e dependente sua massa
própria pela relação de Planck-Einstein. A teoria de Relatividade mostrou-nos então a
necessidade de associar a um movimento uniforme de qualquer móvel a propagação de certa
“onda de fase”, de velocidade constante, e pudemos assim interpretar esta propagação pela
consideração do espaço-tempo de Minkowski.
Retomando, no capítulo II, a mesma pergunta para o caso mais geral de um corpo
carregado eletricamente, se deslocando por um movimento variado em um campo
eletromagnético, mostramos que, de acordo com as nossas idéias, o princípio da mínima ação
sob a sua forma Maupertuisiana e o princípio da concordância de fase devido a Fermat
poderia bem ser dois aspecto de uma só lei; isto nos conduziu a conceber uma extensão da
relação dos quanta que resulta na velocidade da onda de fase no campo eletromagnético.
Certamente, esta idéia de que o movimento de um ponto material dissimula sempre a
propagação de uma onda, teria necessidade de ser estudada e completada, mas, se chegassem
a dar-lhe uma forma inteiramente satisfatória, representaria uma síntese de uma imensa
beleza racional.
A mais importante conseqüência que se pode tirar está exposta no capítulo III. Após
relacionarmos as leis de estabilidade das trajetórias quantificadas, com as quais resultam de
numerosos trabalhos recentes, mostramos que elas poderiam ser interpretadas como estando
exprimindo a ressonância da onda de fase sobre o comprimento das trajetórias fechadas ou
quase-fechadas. Acreditamos que é esta a primeira explicação fisicamente plausível proposta
para aquela condição de estabilidade de Bohr-Sommerfeld.
As dificuldades levantadas pelas deslocações simultâneas de dois centros elétricos são
estudadas ao capítulo IV, em particular no caso dos movimentos circulares do núcleo e do
elétron ao redor de seu centro de gravidade no átomo de hidrogênio.
No capítulo V, guiado pelos resultados anteriormente obtidos, procuramos representar
a possibilidade de uma concentração de energia radiante ao redor de certos pontos singulares
86
Tradução de Ricardo Soares Vieira
e mostramos qual harmonia profunda parece existir entre os pontos de vista opostos de
Newton e de Fresnel a ser revelada pela identidade de numerosas previsões. A teoria
eletromagnética não pode ser integralmente conservada sob a sua forma atual, mas sua
alteração é um trabalho difícil, sugerimos a este propósito uma teoria qualitativa das
interferências.
No capítulo VI, resumimos as diversas teorias sucessivas da difração de raios X e γ
pelos corpos amorfos insistindo particularmente sobre a muito recente teoria dos Srs. P.
Debye e A. H. Compton que torna, nos parece, quase tangíveis a existência dos quanta de luz.
Enfim, no capítulo VII, introduzimos a onda de fase na Mecânica estatística,
reencontramos também o valor do elemento de extensão em fase que Planck propôs e obtemos
a lei da radiação de um corpo negro como a lei de Maxwell de um gás formado por átomos de
luz com a condição, todavia, de admitir certa coerência entre os movimentos de certos
átomos, coerência cujo estudo das flutuações de energia parece também mostrar interesse.
Resumidamente, desenvolvi idéias novas que possam talvez contribuir para acelerar a
síntese necessária que, outra vez, unificará a física das radiações, hoje tão estranhamente
dividida em dois domínios onde reinam respectivamente duas concepções opostas: a concepção
corpuscular e aquela das ondas. Pressenti que os princípios da Dinâmica do ponto material,
caso se soubesse analisá-los corretamente, se apresentariam sem dúvida como que exprimindo
as propagações e as concordâncias de fases, e eu procurei, de meu melhor, tirar dali a
explicação de certo número de enigmas introduzidos pela teoria quântica. Insistindo neste
esforço consegui chegar a algumas conclusões interessantes que permitam, talvez, esperar
chegarmos a resultados mais completos prosseguindo na mesma via.
Mas
seria
necessário
primeiro
constituir
uma
teoria
eletromagnética,
nova
naturalmente de acordo com o princípio da Relatividade, que dê conta da estrutura
descontínua da energia radiante e da natureza física das ondas de fase, deixando por último à
teoria Maxwell-Lorentz um caráter de aproximação estatística que explicaria a legitimidade
de seu emprego e a exatidão de suas previsões em um muito grande número de casos.
Deixei intencionalmente bastante vaga a definição de onda de fase e do fenômeno
periódico, que de certo modo seria a sua tradução, bem como aquela dos quanta de luz. A
presente teoria deve, portanto, ser preferencialmente considerada como de um conteúdo físico
não inteiramente especificado, ao invés de uma doutrina homogênea e definitivamente
constituída.
Louis de Broglie.
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Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie
NOTAS SOBRE ESTE DOCUMENTO
Título da Tese Original em Francês:
RECHERCHES SUR LA THÉORIE
DES QUANTA
Autor:
‚
Louis de Broglie
‚
Publicado em:
Annales de Physique, 10ª Série – Volume III,
janeiro de 1925, pgs. 22-128.
***
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Tradução de Ricardo Soares Vieira
NOTAS SOBRE ESTA TRADUÇÃO
Traduzido para a Língua Portuguesa por
‚ Ricardo Soares Vieira ‚
Comentários do tradutor:
A tradução e revisão da tese de doutorado do Sr. Louis de Broglie foram
realizadas a partir do texto original em francês, por meio de uma edição digital
publicada pela Fondation Louis de Broglie. O artigo está apresentado na
íntegra, sem cortes ou acréscimos. O conteúdo entre colchetes refere-se a notas e
comentários do tradutor.
Espero com esta tradução possibilitar o acesso gratuito por parte de
estudantes e pesquisadores a estes artigos científicos, os quais considero como
clássicos da ciência. Desta forma, peço bom senso aos leitores para que não
utilizem esta tradução para fins comerciais.
O tradutor agradece sinceramente a todos que o apoiaram nos seus
projetos.
Para aqueles que desejam aprofundar-se no assunto abordado aqui, ou que
desejam fazer uma análise do trabalho do Sr. L. de Broglie, é recomendado a
leitura da dissertação de mestrado do Sr. Pedro Sergio Rosa, “Loius de Broglie e
as ondas de Matéria”, publicada em 2004 pela Unicamp – um excelente
trabalho, vale ressaltar.
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