Pesquisas Sobre A Teoria Quântica Tese de Doutorado do Autor: Louis de Broglie Traduzido e revisado por: Ricardo Soares Vieira Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie SUMÁRIO A história das teorias ópticas mostra que o pensamento científico há muito tempo tem hesitado entre uma concepção dinâmica e uma concepção ondulatória da luz; estas duas representações estão, portanto, sem dúvida menos em oposição do que se supõe e o desenvolvimento da teoria dos quanta parece confirmar esta conclusão. Guiados pela idéia de uma relação geral entre as noções de freqüência e energia, admitimos no presente trabalho a existência de um fenômeno periódico de uma natureza ainda a se especificar, que estaria associado a qualquer porção isolada de energia e que dependeria de sua massa própria pela equação de Planck-Einstein. A teoria da relatividade conduz então a associar ao movimento uniforme de qualquer ponto material a propagação de certa onda cuja fase se desloca mais rapidamente no espaço do que a luz (capítulo I). Para generalizar este resultado ao caso de um movimento não uniforme, temos de admitir uma proporcionalidade entre o vetor Impulsão de Universo de um ponto material e um vetor característico da propagação da onda associada, cuja componente de tempo é a freqüência. O princípio de Fermat aplicado à onda torna-se então idêntico ao princípio da mínima ação aplicado ao móvel. Os raios de onda são idênticos às trajetórias possíveis do móvel (capítulo II). O enunciado precedente, aplicado ao movimento periódico de um elétron no átomo de Bohr, permite reencontrar as condições de estabilidade quântica como expressões da ressonância da onda sobre o comprimento da trajetória (capítulo III). Este resultado pode ser estendido ao caso dos movimentos circulares do núcleo e do elétron ao redor de seu centro de gravidade comum no átomo de hidrogênio (capítulo IV). A aplicação destas idéias gerais ao quantum de luz, realizado por Einstein, conduz a numerosas concordâncias muito interessantes. Ela permite esperar, apesar das dificuldades que permanecem, a constituição de uma óptica ao mesmo tempo atomística e ondulatória que estabeleça uma espécie de correspondência estatística entre a onda associada ao grão de energia luminosa e a onda eletromagnética de Maxwell (capítulo V). Em particular, o estudo da difusão dos raios X e γ pelos corpos amorfos serve-nos para mostrar quanto uma conciliação desse tipo é hoje tão desejável (capítulo VI). Finalmente, a introdução da noção de onda de fase na mecânica estatística conduz a justificar a intervenção dos quanta na teoria dinâmica dos gases e reencontrar as leis da radiação de um corpo negro como que expressando a distribuição de energia entre os átomos em um gás quântico de luz. 2 Tradução de Ricardo Soares Vieira INTRODUÇÃO HISTÓRICA I. Do século XVI ao século XX. A ciência moderna nasceu no fim do século XVI em conseqüência da renovação intelectual devida ao Renascimento. Tanto que a Astronomia de posição tornava-se dia-a-dia mais precisa, as ciências do equilíbrio e do movimento, a estatística e a dinâmica formaram-se lentamente. Dizem que foi Newton quem primeiro fez da Dinâmica um corpo de doutrina homogênea e pela sua memorável lei da gravitação universal iniciou à nova ciência um campo de enormes aplicações e verificações. Durante os séculos XVIII e XIX, um sem número de geômetras, de astrônomos e de físicos desenvolveram os princípios de Newton e a Mecânica chegou a tal grau de beleza e de harmonia racional que o seu caráter de ciência física quase foi esquecido. Chegou-se, em especial, a fazer decolar toda esta ciência de só um princípio, o princípio da mínima ação, enunciado primeiramente por Maupertuis, depois de uma outra maneira por Hamilton e cuja forma matemática é notavelmente elegante e condensada. Pela sua intervenção em Acústica, Hidrodinâmica, Óptica, Capilaridade, a Mecânica pareceu por um instante reinar sobre todos os domínios. Teve, com um pouco de dificuldade, a absorver um novo ramo da ciência nascida no século XIX: a Termodinâmica. Se um dos dois grandes princípios desta ciência, o da conservação da energia, se deixou facilmente interpretar os conceitos da Mecânica, não é do mesmo modo o segundo, o do aumento da entropia. Os trabalhos de Clausius e de Boltzmann sobre a analogia das grandezas termodinâmicas com certas grandezas que intervêm nos movimentos periódicos, trabalhos que atualmente retornam completamente à ordem do dia, não chegaram a restabelecer completamente o acordo dos dois pontos de vista. Mas a admirável teoria cinética dos gases Maxwell e de Boltzmann e a doutrina mais geral chamada Mecânica estatística de Boltzmann e Gibbs mostraram que a Dinâmica, se ela se completa por considerações de probabilidade, permite a interpretação das noções fundamentais da termodinâmica. A partir do século XVII, a ciência da luz, a óptica, tinha atraído à atenção dos pesquisadores. Os fenômenos mais usuais (propagação retilínea, reflexão, refração), que formam atualmente a nossa óptica geométrica, foram naturalmente os primeiros conhecidos. Vários cientistas, notadamente Descartes e Huyghens trabalharam em discernir as leis e Fermat as resumiu por um princípio sintético que leva o seu nome e que, enunciado na nossa 3 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie linguagem matemática atual, recorda pela sua forma o princípio da mínima ação. Huyghens tinha se inclinado para uma teoria ondulatória da luz, mas Newton, apoiando-se nas grandes leis da óptica geométrica, uma analogia profunda com a dinâmica do ponto material cujo criador era ele próprio, desenvolveu uma teoria corpuscular da luz denominada “teoria da emissão” e chegou mesmo a dar conta, com auxilio de hipóteses um pouco artificiais, dos fenômenos atuais classificados na óptica ondulatória (annus mirabilis de Newton). O início do século XIX viveu uma reação contra as idéias de Newton em favor das de Huyghens. As experiências de interferência, cujas primeiras são devidas à Young, eram difíceis, se não impossíveis, de se interpretar pelo ponto de vista corpuscular. Fresnel desenvolveu então a sua admirável teoria elástica da propagação de ondas luminosas e a partir de então o crédito da concepção de Newton foi incessantemente diminuindo. Um dos grandes sucessos de Fresnel foi explicar a propagação retilínea da luz, cuja interpretação era intuitiva na teoria da emissão. Quando duas teorias fundamentadas sobre idéias que nos parecem totalmente diferentes dão conta de uma mesma variedade experimental com igual elegância, pode-se sempre perguntar se as oposições dos dois pontos de vista são realmente reais e se não são somente uma insuficiência dos nossos esforços de síntese. Esta questão não se colocou na época de Fresnel e a noção de corpúsculo de luz foi considerada como ingênua e abandonada. O século XIX viu nascer um ramo muito novo da física que trouxe à nossa concepção do mundo e à nossa indústria imensas desordens: a ciência da Eletricidade. Não é necessário lembrar aqui como ela se constituiu, graças aos trabalhos de Volta, Ampère, Laplace, Faraday, etc. O que importa apenas é dizer que Maxwell soube resumir em fórmulas de uma soberba concisão matemática os resultados dos seus precursores e mostrar como a óptica inteira podia ser considerada como um ramo do eletromagnetismo. Os trabalhos de Hertz e mais ainda aqueles do Sr. H. A. Lorentz aperfeiçoaram a teoria Maxwell; demais, Lorentz introduziu aí a noção da descontinuidade da eletricidade elaborada pelo Sr. J. J. Thomson, que se confirmou brilhantemente pela experiência. Certamente, o desenvolvimento da teoria eletromagnética retirava do éter elástico de Fresnel a sua realidade e assim parecia separar a óptica do domínio da Mecânica, mas muitos físicos na seqüência de Maxwell esperavam, eles próprios, antes do fim do último século, encontrar uma explicação mecânica para o éter eletromagnético e, conseqüentemente, não somente levar a óptica de volta às explicações dinâmicas, mas ao mesmo tempo encontrar lá todos os fenômenos elétricos e magnéticos. O século já se ia, por conseguinte, iluminado pela esperança de uma síntese próxima e completa de toda a física. 4 Tradução de Ricardo Soares Vieira II. O século XX: A Relatividade e os Quanta Contudo, permaneciam algumas manchas no quadro-negro. Lord Kelvin anunciava em 1900 que duas nuvens negras surgiam ameaçando o horizonte da Física. Um dos cenários representava as dificuldades levantadas pela famosa experiência de Michelson e Morley, que parecia incompatível com as idéias até então concebidas. A segunda nuvem representava a incapacidade dos métodos da Mecânica estatística em dominar a radiação de um corpo negro; o teorema da eqüipartição da energia, conseqüência rigorosa da Mecânica estatística, conduzia efetivamente a uma distribuição bem definida da energia entre as diversas freqüências na radiação de equilíbrio termodinâmico; ora, esta lei, de Rayleigh-Jeans, é uma contradição grosseira com a experiência e é mesmo quase absurda porque prevê um valor infinito para a densidade total de energia, o que evidentemente não tem nenhum sentido físico. Nos primeiros anos do século XX, as duas nuvens de Lorde Kelvin foram, se posso dizer, condensadas, uma na teoria da Relatividade e a outra, na teoria dos Quanta. Como as dificuldades levantadas pela experiência de Michelson foram primeiro estudadas por Lorentz e Fitz-Gerald e como foram resolvidas seguidamente pelo Sr. A. Einstein, graças a um esforço intelectual talvez sem exemplo, não as desenvolveremos aqui, pois que esta questão tem sido muitas vezes exposta nestes últimos anos por vozes mais autorizadas que a nossa. Vamos supor então conhecidas nesta exposição as conclusões essenciais da teoria da Relatividade, pelo menos sob a sua forma restrita e lhe faremos referência sempre que for necessário. Pelo contrário, nós vamos indicar rapidamente o desenvolvimento da teoria quântica. A noção dos quanta foi introduzida na ciência em 1900, pelo Sr. Max Planck. Sabe-se que este estudava então teoricamente a questão da radiação de um corpo negro e, como o equilíbrio termodinâmico não deveria depender da natureza dos emissores, tinha de imaginar um emissor muito simples denominado “o ressonador de Planck”, constituído por um elétron sujeito a uma ligação quase-elástica e que possuía assim uma freqüência de vibração independente de sua energia. Se aplicarmos as leis clássicas do eletromagnetismo e da Mecânica estatística às trocas de energia entre tais ressonadores e à radiação, retornamos à lei de Rayleigh, a qual assinalamos mais acima a inegável inexatidão. Para evitar esta conclusão e deduzir resultados mais conformes com os fatos experimentais, o Sr. Planck admitiu um estranho postulado: “As mudanças de energia entre os ressonadores (ou a matéria) e a radiação têm lugar apenas em quantidades finitas iguais à h vezes a freqüência, sendo h uma nova constante universal da física”. A cada freqüência corresponde, portanto, um tipo de 5 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie átomo de energia, um quantum de energia. Os dados da observação forneceram ao Sr. Planck as bases necessárias para o cálculo da constante h e o valor encontrado foi (h = 6, 545 × 10−27 ) pode-se dizer de passagem que ela não foi modificada pelas inumeráveis determinações posteriores feitas pelos mais diversos métodos. Este é um dos mais belos exemplos da potência da física teórica. Rapidamente, os quanta se espalharam como coqueluche e não tardaram à impregnar todas as partes da Física. Tanto que a sua introdução afastava certas dificuldades relativas aos calores específicos dos gases e permitiu – ao Sr. Einstein primeiramente, seguido dos Srs. Nernst e Lindemann, enfim sob a forma mais perfeita pelo Srs. Debye, Born e von Karman – desenvolver uma teoria satisfatória dos calores específicos dos sólidos e explicar por que a lei de Dulong e Petit, sancionada pela estatística clássica, comporta importantes exceções e não é como a lei Rayleigh que, numa forma limitada, é válida num certo domínio. Os quanta também penetraram em uma ciência que não lhes diziam respeito: a teoria dos gases. O método de Boltzmann conduziu a deixar indeterminado o valor da constante aditiva que figura na expressão da entropia. O Sr. Planck, para dar conta do teorema de Nernst e obter a previsão exata das constantes químicas, admitiu que era necessário intervir os quanta e o fez sob uma forma bastante paradoxal, atribuindo ao elemento de extensão em fase de uma molécula uma grandeza finita igual à h3. O estudo do efeito fotoelétrico levantou um novo enigma. Nomeia-se efeito fotoelétrico a expulsão de elétrons em movimento pela matéria sob influência de uma radiação. A experiência mostra, fato paradoxal, que a energia dos elétrons expulsos depende da freqüência da radiação excitada e não da sua intensidade. O Sr. Einstein, em 1905, deu conta deste estranho fenômeno ao admitir que a radiação pudesse ser absorvida unicamente por quanta hν; portanto, se o elétron absorve a energia hν e se ele necessita, para sair da matéria, gastar um trabalho w, sua energia cinética final será h ν − w . Esta lei obviamente se verificou. Com a sua profunda intuição, o Sr. Einstein sentiu que era conveniente retornar de alguma maneira a concepção corpuscular da luz e emitiu a hipótese de que toda radiação de freqüência ν está dividida em átomos de energia de valor hν. Esta hipótese dos quanta de luz (lichtquanten), em oposição a todos os fatos da Óptica ondulatória, foi julgada demasiada simplista e repelida pela maior parte dos físicos. Enquanto os Srs. Lorentz, Jeans, dentre outros, faziam temíveis objeções. O Sr. Einstein a repôs demonstrando como o estudo das flutuações da radiação de um corpo negro conduzia também à concepção de uma descontinuidade da energia radiante. O congresso internacional de física celebrado em Bruxelas no ano de 1911, com o patrocínio do Sr. Solvay, consagrou-se inteiramente à questão quântica e é seguidamente a este congresso que Henri Poincaré publicaria, pouco tempo antes 6 Tradução de Ricardo Soares Vieira de sua morte, uma série de artigos sobre os quanta, mostrando a necessidade de se aceitar a idéia de Planck. Em 1913, apareceu a teoria atômica do Sr. Niels Bohr. Ele admitiu com os Srs. Rutherford e Van Den Broek que o átomo é formado por um núcleo positivo cercado de uma nuvem de −10 4, 77 × 10 elétrons, o núcleo, portanto, levaria N cargas elementares positivas, u. e. s. , e sendo também N o número de elétrons, de sorte que o total fosse neutro. N é o número atômico igual ao número de ordem do elemento na série periódica Mendeleïeff. Para estar em condições de prever as freqüências ópticas, em especial a do hidrogênio onde o átomo de um só elétron é especialmente simples, Bohr fez duas hipóteses: 1° Entre a infinidade de trajetórias orbitais que um elétron pode descrever ao redor do núcleo, apenas algumas são estáveis e a condição de estabilidade faz intervir a constante de Planck. Precisaremos no capítulo III a natureza destas condições; 2° Quando um elétron intra-atômico passa de uma trajetória estável à outra, há emissão ou absorção de um quantum de energia de freqüência ν. Portanto, a freqüência ν , emitida ou absorvida, está ligada à variação δ ε da energia total do átomo pela relação δ ε = h ν . Sabe-se qual é a magnífica fortuna da teoria de Bohr depois de dez anos. Ela imediatamente tem permitido a previsão das séries espectrais do hidrogênio e do hélio ionizado: o estudo dos espectros dos raios X e a famosa lei de Moseley que liga o número atômico às riscas espectrais do domínio Röntgen tem estendido consideravelmente o campo de sua aplicação. Os Srs. Sommerfeld, Epstein, Schwarzschild, o próprio Bohr e outros aperfeiçoaram a teoria, enunciada pelas condições de quantificação mais gerais, explicando os efeitos Stark e Zeemann, interpretando os espectros ópticos nos seus detalhes, etc. Mas o significado profundo dos quanta continuou a ser desconhecido. O estudo do efeito fotoelétrico dos raios X pelo Sr. Maurice de Broglie, a do efeito fotoelétrico dos raios γ devido aos Srs. Rutherford e Ellis, onde cada vez mais se acentuou o caráter corpuscular das radiações, o quantum de energia hν que parecia dia após dia constituir um verdadeiro átomo de luz. Mas as antigas objeções contra este ponto de vista subsistem e, mesmo no domínio dos raios X, a teoria das ondulações retoma belos sucessos: previsão dos fenômenos de interferência de Laue e os fenômenos de difusão (trabalhos de Debye, de W. L. Bragg, etc.). Contudo, recentemente, a difusão retornou por sua vez ao ponto de vista corpuscular através do Sr. H. A. Compton: seus trabalhos teóricos e experimentais demonstraram que um elétron difundido por uma radiação deve sofrer certa impulsão como que em um choque; naturalmente a energia do quantum de radiação encontra-se diminuída e, conseqüentemente, a radiação difundida apresenta uma freqüência variável de acordo com a direção de difusão e mais fraca que a freqüência da radiação incidente. 7 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Resumidamente, o momento parece ser oportuno para se tentar um esforço com o objetivo de unificar os pontos de vista corpuscular e ondulatório e de aprofundar um pouco o sentido verdadeiro dos quanta. Isto é o que temos feito recentemente e a presente tese tem por principal objetivo apresentar uma exposição mais completa das idéias novas que temos proposto, do sucesso a que ela nos conduz e também das numerosíssimas lacunas que ela contém 1. 1 Citam-se aqui algumas obras onde são tratadas questões relativas aos quanta: J. Perrin, Les atomes [Os átomos], Alcan, 1913. H. Poincaré, Derniéies pensées [Recentes pensamentos], Flammarion, 1913. E. Bauer, Recherches sur le rayonnement [Pesquisas sobre a radiação], Tese de doutorado, 1912. P. Langevin e M. de Broglie (publicado por) La théorie du rayonnement et les quanta [A teoria da radiação e os quanta] (1º Congresso Solvay, 1911). M. Planck, Theorie der Wärmestrahlung [Teoria da Irradiação Térmica], J. A. Barth, Leipzig, 1921 (4ª edição). L. Brillouin, La théorie des quanta et l’atome de Bohr [A teoria quântica e o átomo de Bohr], (Conf. Relações), 1921. F. Reiche, Die quantentheorie [A Teoria Quântica], J. Springer, Berlim, 1921. A. Sommerfeld, La constitution de l’atome et les rates spectrales [A constituição do átomo e as linhas espectrais]. Trad. Bellenot, A. Blanchard, 1923. A. Landé, Vorschritte der quantentheorie, [Possíveis avanços da Teoria Quântica] F. Steinhopff, Dresde, 1922. Atomes et électrons [Átomos e elétrons] (3º Congresso Solvay,), Gauthier-Villars, 1923. 8 Tradução de Ricardo Soares Vieira CAPÍTULO PRIMEIRO A onda de fase I. A relação entre o quantum e a relatividade Uma das mais importantes concepções recentemente introduzidas pela Relatividade é aquela da inércia da energia. Após Einstein, a energia teve de ser considerada como que portando massa e a qualquer massa como que representando energia. Massa e energia sempre se ligam uma à outra pela relação geral: energia = massa c2 onde c é a constante denominada “velocidade da luz”, mas que preferimos chamar por “velocidade limite da energia” por razões que serão expostas futuramente. Dado que há sempre proporcionalidade entre a massa e a energia, devemos considerar matéria e energia como dois termos sinônimos designando a mesma realidade física. A teoria atômica primeiro, a teoria eletrônica em seguida, nos ensinaram a considerar a matéria como essencialmente descontínua e isto nos leva a admitir que todas as formas de energia são, contrariamente às antigas idéias sobre a luz, senão inteiramente concentradas por pequenas porções de espaço, pelo menos concentram-se em torno de certos pontos singulares. O princípio da inércia da energia atribui a um corpo, cuja massa própria (ou seja, aquela medida por um observador que lhe é ligado) é m0 , uma energia própria m 0c 2 . Se o corpo está em movimento uniforme com uma velocidade v = βc , em relação a um observador que chamaremos, para simplificar, de o observador fixo, a sua massa terá para ele o valor m0 , em conformidade com um resultado bem conhecido da Dinâmica Relativística e, 1 − β2 conseqüentemente, a sua energia será m 0c 2 1 − β2 . Como a energia cinética pode ser definida para o observador fixo pelo acréscimo de energia sofrido por um corpo, quando este passa do repouso à velocidade v = βc , encontra-se para este valor a seguinte expressão: 9 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie E cin = ⎛ 1 ⎞⎟ 2 2⎜ ⎟⎟ ⎜ − m c = m c − 1 0 0 ⎜⎜ 2 1 − β2 ⎝ 1− β ⎠⎟⎟ m 0c 2 que naturalmente, para baixos valores de β , leva à forma clássica: E cin = 1 m 0v 2 . 2 Recordado isto, procuramos sob qual forma podemos fazer intervir os quanta na dinâmica da Relatividade. Parece-nos que a idéia fundamental da teoria quântica está na impossibilidade de se investigar uma quantidade isolada de energia sem ter de associar uma certa freqüência. Esta ligação exprime-se pelo que chamarei de relação quântica: energia = h × freqüência onde h é a constante de Planck. O desenvolvimento progressivo da teoria quântica coloca cada vez mais em destaque a ação mecânica e procura-se muitas vezes, a partir da relação quântica, um enunciado que faça intervir a ação no lugar da energia. Seguramente, a constante h possui dimensões de uma ação, a saber: ML2 T−1 , e isto não se deve ao acaso, dado que a teoria da Relatividade ensinanos a classificar a ação entre os princípios “invariantes” da Física. Mas a ação é uma grandeza de um caráter muito abstrato e, na seqüência de numerosas meditações sobre os quanta de luz e o efeito fotoelétrico, nós temos tomado por base o enunciado energético; quite para em seguida procurar o porquê de a ação visar um tão grande papel em inúmeras questões. A relação quântica provavelmente não teria muito sentido caso a energia pudesse ser distribuída de uma maneira contínua no espaço, mas há pouco vimos que isto não é bem assim. Pode-se, portanto, conceber que seguidamente a uma grande lei da Natureza, cada porção de energia de massa própria m0 está associada a um fenômeno periódico de freqüência ν 0 , tal que se tem: h ν 0 = m 0c 2 10 Tradução de Ricardo Soares Vieira sendo ν 0 medida, naturalmente, no sistema ligado à porção de energia. Esta hipótese é a base de nosso sistema: ela vale, como todas as hipóteses, tal qual as conseqüências que podem ser deduzidas. Devemos supor o fenômeno periódico localizado no interior da porção de energia? Isto não é de forma alguma necessário e resulta do parágrafo III que ela é, sem dúvida, espalhada numa vasta porção do espaço. Além do mais, o que se deveria entender por interior de uma porção de energia? O elétron é para nós o tipo de porção isolada de energia, a que acreditamos, talvez erroneamente, melhor conhecer; ora, de acordo com as concepções obtidas, a energia do elétron está espalhada em todo o espaço com uma condensação muito forte numa região de dimensão muito pequena cujas propriedades nos são de outra forma extremamente mal conhecidas. O que caracteriza o elétron como átomo de energia, não é o pequeno lugar que ele ocupa no espaço, repito, ele ocupa o todo, é o fato de ser insecável, não subdivisível, que forma uma unidade 2. Tendo admitido a existência de uma freqüência associada à porção de energia, vamos procurar como esta freqüência se manifesta para o observador fixo, cuja questão foi dada mais acima. A transformação de tempo de Lorentz-Einstein ensina-nos que um fenômeno periódico ligado ao corpo em movimento apresenta-se para o observador fixo na relação de 1 para 1 − β 2 , este é o famoso retardamento dos relógios. Conseqüentemente, a freqüência observada pelo observador fixo será, ν1 = ν 0 1 − β 2 = m 0c 2 1 − β2 h Por outro lado, como a energia do móvel para o mesmo observador é igual a a freqüência correspondente, de acordo com a relação quântica, é ν = freqüências ν1 e ν são essencialmente diferentes, dado que o fator m 0c 2 1 − β2 , 1 m 0c 2 . As duas h 1 − β2 1 − β 2 não figura da mesma forma nos dois casos. Há aqui uma dificuldade que por muito tempo tem-me intrigado; eu consegui resolvê-la ao ter demonstrado o seguinte teorema que doravante chamarei de teorema da harmonia de fases: 2 A respeito das dificuldades que se apresentam quando pelas interações de vários centros eletrizados, vide as notas do capítulo IV. 11 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie “O fenômeno periódico ligado ao móvel e cuja freqüência é para o observador fixo igual 1 à ν1 = m 0c 2 1 − β 2 , parece-lhe estar constantemente em fase com uma onda de freqüência h 1 1 c ν = m 0c 2 , que se propaga na mesma direção do móvel com a velocidade V = .” h β 1 − β2 A demonstração é muito simples. Suponha que no instante t = 0, haja acordo de fase entre o fenômeno periódico ligado móvel e a onda acima definida. No tempo t, o móvel percorreu, desde o instante original, uma distância igual a x = βct e a fase do fenômeno periódico variou de ν1t = m 0c 2 x 1 − β2 ⋅ . A fase da porção de onda que abrange o móvel h βc variou de: ⎛ β x ⎞⎟ m 0c 2 1 = ⋅ ν ⎜⎜t − ⎟ ⎟ ⎝ c ⎠ h 1 − β2 2 ⎛x ⎞ ⎜⎜ − βx ⎟⎟ = m 0c 1 − β 2 ⋅ x ⎜⎝ βc βc c ⎠⎟ h Como tínhamos enunciado, o acordo das fases persiste. É possível tirar deste teorema uma outra demonstração idêntica à anterior, porém talvez mais impressionante. Se t0 representa o tempo para um observador ligado ao móvel (tempo próprio do móvel), a transformação Lorentz fornece: t0 = ⎛ βx ⎞⎟ ⎜t − ⎟. ⎜ c ⎠⎟ 1 − β2 ⎝ 1 O fenômeno periódico que imaginamos é representado para o mesmo observador por uma função senoidal de v0t0 . Para o observador fixo, ele é representado pela mesma função ⎛ 1 βx ⎞⎟ ν0 ⎜t − senoidal de ν 0 = se , função que representa uma onda de freqüência ⎟ ⎟ 2 ⎜ c ⎠ 1− β ⎝ 1 − β2 c propagando com a velocidade na mesma direção que o móvel. β É agora indispensável refletir sobre a natureza da onda cuja existência acabamos de c ser necessariamente superior a c ( β é sempre conceber. O fato de sua velocidade V = β inferior a 1, sem a qual a massa seria infinita ou imaginaria), nos mostra que não sabemos se ela consta de uma onda que transporta energia. Demais, nosso teorema ensina-nos que ela representa a distribuição no espaço de fases de um fenômeno de um fenômeno; isto é, uma “onda de fase”. Para bem precisar este último ponto, vamos expor uma comparação mecânica um pouco grosseira, mas que fala à imaginação. Suponha uma plataforma horizontal circular de 12 Tradução de Ricardo Soares Vieira raio muito grande; a esta plataforma são suspensos sistemas idênticos formados de umas molas em espiral a qual se pendura um peso. O número de sistemas assim suspensos por unidade de superfície da plataforma, ou seja, a sua densidade, vai diminuindo muito rapidamente a medida que se afasta do centro da plataforma, de modo que haverá uma condensação dos sistemas em torno desse centro. Todos os sistemas de molas e pesos são idênticos e têm mesmo período; fazem oscilar com mesma amplitude e mesma fase. A superfície que passa pelos centros de gravidade de todos os pesos será um plano que subirá e descerá por um movimento alternado. O conjunto assim obtido representa, grosso modo, uma analogia com as porções isoladas de energia tal qual concebemos. A descrição que temos feito convém a um observador ligado à plataforma. Se outro observador observa a plataforma se deslocar por um movimento de translação uniforme com a velocidade v = βc , cada peso lhe parecerá um pequeno relógio que sofre a retardação de Einstein; Demais, a plataforma e a distribuição dos sistemas oscilantes não serão mais isotrópicas ao redor do centro devido à contração de Lorentz. Mas o fato fundamental para nós (o 3º parágrafo nos fará compreender melhor), é esta defasagem dos movimentos dos diferentes pesos. Se, em um dado momento de seu tempo, o nosso observador fixo considera o local geométrico dos centros de gravidade dos diversos pesos, ele obtém uma superfície cilíndrica no seu sentido horizontal cujas seções verticais paralelas à velocidade da plataforma são senoidais. Ela corresponde, ao caso particular considerado, a nossa onda de fase; de c acordo com teorema geral, esta superfície está animada por uma velocidade , paralela à da β plataforma, e a freqüência de vibração de um ponto fixo da abscissa, que repousa constantemente sobre ela, é igual à freqüência própria da oscilação das molas multiplicada 1 . Onde se vê claramente por este exemplo (e é a nossa desculpa de assim ter por 1 − β2 longamente insistido) como a onda de fase corresponde ao transporte da fase e de forma alguma ao da energia. Os resultados precedentes parecem-nos ser de extrema importância porque, através de uma hipótese fortemente sugerida pela própria noção quântica, estabelecem uma ligação entre o movimento de um móvel e a propagação de uma onda e permite, assim, prever a possibilidade de uma síntese das teorias antagônicas sobre a natureza das radiações. Desde já, podemos notar que a propagação retilínea da onda de fase está associada ao movimento retilíneo do móvel; o princípio de Fermat aplicado à onda de fase determina a forma destes raios, que são retas, enquanto que o princípio de Maupertuis aplicado ao móvel determina sua trajetória retilínea, que é um dos raios da onda. No capítulo II, tentaremos generalizar esta coincidência. 13 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie II. Velocidade de fase e velocidade de grupo Faz-se necessário demonstrar uma importante relação que existe entre a velocidade do móvel e àquela da onda de fase. Se ondas de freqüências muito próximas se propagam numa mesma direção Ox com velocidades V, que chamaremos por velocidades de propagação da fase, essas ondas produzem, pela sua superposição, fenômenos de batimento se a velocidade V variar com a freqüência ν. Estes fenômenos foram estudados notadamente por Lorde Rayleigh no caso de meios dispersivos. Considere duas ondas de freqüências próximas ν e ν ' = ν + δν e de velocidades V e dV V ' =V + δν , sua superposição se traduz analiticamente na equação seguinte, obtida ao se dν negligenciar o segundo número δν , posterior à ν : ⎛ ⎞ νx ν 'x ⎛ ⎞ sin 2π ⎜⎜νt − + ϕ⎟⎟ + sin 2π ⎜⎜ν ' t − + ϕ '⎟⎟⎟ ⎝ ⎠ ⎝ ⎠ V V' ( ) ⎡ ⎤ ν d ⎢ ⎥ νx δν δν ⎛ ⎞ = 2 sin 2π ⎜⎜νt − + ψ⎟⎟ cos 2π ⎢⎢ t − x V + ψ '⎥⎥ ⎝ ⎠ V dν 2 ⎢2 ⎥ ⎢⎣ ⎥⎦ Temos, portanto, uma onda resultante senoidal cuja amplitude modulamos pela freqüência δν pois que o sinal do co-seno importa pouco. Este é um resultado bem conhecido. Se designarmos por U a velocidade de propagação do batimento, ou a velocidade de grupo das ondas, encontramos: d (Vν ) 1 = U dν Retornemos às ondas de fase. Se atribuirmos ao móvel uma velocidade v = βc não dando para β um valor muito bem determinado, mas impondo-lhe apenas que esteja compreendido entre β e β + δβ ; as freqüências das ondas correspondentes preenchem um pequeno intervalo ν, ν + δν . Vamos estabelecer o seguinte teorema que nos será útil ulteriormente. “A velocidade de grupo das ondas de fase é igual à velocidade do móvel”. De fato, esta velocidade de grupo 14 Tradução de Ricardo Soares Vieira é determinada pela fórmula dada acima na qual V e ν podem ser considerados como função de β dado que se tem: V = c β ν= 1 m 0c 2 . h 1 − β2 Onde podemos escrever: dν dβ U = ν d V dβ ( ) Ou dν m 0c 2 β = ⋅ 3 dβ h (1 − β 2 )2 ⎛ β ⎞⎟ ⎜⎜ ν ⎟ d ⎜⎜ d 2 ⎟ ⎟ mc ⎟ β 1 − m c 1 ⎝ ⎠ V = 0 ⋅ = 0 ⋅ 3 dβ h dβ h (1 − β 2 )2 ( ) Onde: U = βc = v A velocidade de grupo das ondas de fase é, realmente, igual à velocidade do móvel. Este resultado apela a uma observação: na teoria ondulatória da dispersão, exceto as zonas de absorção, a velocidade da energia é igual à velocidade de grupo 3. Aqui, embora colocados por um ponto de vista bem diferente, reencontramos um resultado análogo, porque a velocidade do móvel não é outra coisa além da velocidade de deslocamento da energia. 3 Ver, por exemplo, Léon Brillouin: La théorie des quanta et l’atome de Bohr. [A teoria quântica e o átomo de Bohr], capítulo I. 15 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie III. A Onda de fase no Espaço-Tempo Minkowski mostrou-se ser o primeiro que obteve uma representação geométrica simples das relações de espaço e de tempo introduzidas por Einstein ao considerar uma multiplicidade euclidiana a 4 dimensões chamada Universo ou Espaço-Tempo. Para isso, tomava ele 3 eixos de coordenadas retangulares do espaço e um quarto eixo normal aos 3 primeiros, o qual portava o tempo multiplicado por c −1 . Pode-se hoje, de bom grado, associar ao quarto eixo a quantidade real ct , mas então, neste caso, os planos que passam por estes eixos normais ao espaço devem possuir uma geometria pseudo-euclidiana hiperbólica, cujo invariante fundamental é −c 2dt 2 + dx 2 + dy 2 + dz 2 . Considere então o espaço-tempo relacionado a 4 eixos retangulares de um observador dito “fixo”. Vamos escolher para o eixo dos x a trajetória retilínea do móvel e representemos sobre o nosso papel o plano otx que contém o eixo do tempo e a dita trajetória. Nestas condições, a linha do Universo do móvel é desenhada por uma reta inclinada de menos de 45º sobre o eixo do tempo; esta linha é em outro lugar o eixo do tempo para o observador ligado ao móvel. Representamos sobre a nossa figura os 2 eixos do tempo que se cortam na origem, o que não se restringe à generalidade. Se a velocidade do móvel para o observador fixo é βc , a inclinação de Ot' tem por 1 valor . A reta ox', traçada sobre o plano tox do espaço do observador animado no tempo O β é simétrico à Ot' em relação bissetriz OD; isto é fácil de demonstrar analiticamente por meio 16 Tradução de Ricardo Soares Vieira da transformação Lorentz, mas este resulta imediatamente do fato de que a velocidade-limite da energia, c, tem o mesmo valor para todos os sistemas de referência. A inclinação de Ox' é, portanto, β . Se o espaço ao redor do móvel é a sede de um fenômeno periódico, o estado do espaço retorna ao mesmo para o observador animado sempre que se tiver transcorrido um 1 1 1 h tempo OA = AB , igual ao período próprio, T0 = = do fenômeno. c c ν0 m 0c 2 As retas paralelas à ox' são, por conseguinte, traços destes “espaços eqüifásicos” do observador em movimento sobre o plano xot’. Os pontos ...a', o, a... representam a projeção de suas interseções com o espaço do observador fixo no instante 0; estas intersecções de 2 espaços à 3 dimensões são de superfícies à 2 dimensões e do mesmo plano porque todos os espaços aqui considerados são euclidianos. Enquanto o tempo escoa para o observador fixo, a seção do espaço-tempo que, para ele, é o espaço, é representada por uma reta paralela à ox que se desloca por um movimento uniforme na direção de t crescente. Percebe-se facilmente que os planos eqüifásicos ...a', o, a... deslocam-se no espaço do observador fixo com uma c velocidade . Com efeito, se a linha ox 1 da figura representa o espaço do observador fixo no β tempo t = 1, se tem aa 0 = c . A fase que para t = 0 encontrava-se em a se encontra agora em a1 ; para o observador fixo, ela está, portanto, deslocada no seu espaço pelo comprimento a 0a1 durante a unidade de tempo. Pode-se, por conseguinte, dizer que a velocidade é c V = a 0a1 = aa 0 cotg xox ' = . O conjunto dos planos eqüifásicos constitui o que nós damos β ( ) nome de onda de fase. Resta-nos examinar a questão das freqüências. Refaçamos uma pequena figura simplificada: 17 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie As retas 1 e 2 representam dois espaços eqüifásicos sucessivos do observador em h repouso. AB é assim igual à c vezes o período próprio T0 = . m 0c 2 1 . Esta resulta de AC, que é projeção de AB sob o eixo Ot, é igual à cT1 = cT0 1 − β2 uma simples aplicação das relações trigonométricas; no entanto, ressaltamos que para aplicar a trigonometria às figuras do plano xot, é necessário ter em mente a anisotropia particular deste plano. O triângulo ABC nos dá 2 2 2 ( ) 2 AB = AC − CB = AC 1 − tg2 CAB = AC (1 − β 2 ) 2 AC = A freqüência AB 1 − β2 q. e. d. 1 é a que o fenômeno periódico parece ter para o observador fixo, que o T1 segue com os olhos durante seu deslocamento. Isto é, ν1 = ν 0 1 − β 2 = m 0c 2 1 − β 2 . O período das ondas num ponto do espaço para o observador fixo é dado não por 1 1 AC , mas por AD . Calculemo-na. c c CB 1 = , de onde: No pequeno triângulo BCD, encontra-se a relação DC β DC = βCB = β 2 AC . Mas AD = AC − DC = AC (1 − β 2 ) . O novo período T é, portanto, 1 igual a: T = AC (1 − β 2 ) = T0 1 − β 2 e a freqüência ν das ondas exprime-se por: c 1 ν0 m0c 2 ν= = = . T 1 − β2 h 1 − β2 Reencontramos assim efetivamente todos os resultados obtidos analiticamente no 1º parágrafo, mas agora vamos comentar melhor como ela se liga à concepção geral do espaçotempo e o porquê de a defasagem dos movimentos periódicos, que se localizam em pontos diferentes do espaço, depende da forma como a simultaneidade é definida pela teoria da Relatividade. 18 Tradução de Ricardo Soares Vieira CAPÍTULO II O Princípio de Maupertuis e o Princípio de Fermat I. Objetivo desse capítulo Desejamos neste capítulo tentar generalizar os resultados do capítulo primeiro para o caso de um móvel cujo movimento não seja retilíneo e uniforme. O movimento variável supõe a existência de um campo de força ao qual o móvel se sujeita. No estado atual dos nossos conhecimentos parece que temos apenas duas espécies de campos: os campos de gravidade e os campos eletromagnéticos. A teoria da Relatividade geral interpreta o campo gravitacionais como que devido a uma curvatura do espaço-tempo. Na presente tese, deixaremos sistematicamente de lado tudo o que concerne à gravitação, quite para a retomarmos num outro trabalho. Portanto neste momento um campo de força será um campo eletromagnético e a dinâmica do movimento variado, o estudo do movimento de um corpo portando uma carga elétrica num campo eletromagnético. É de se esperar que nos deparemos neste capítulo com muitas dificuldades assaz grandiosas porque a teoria Relatividade, que nos guia muito corretamente quando se trata de movimentos uniformes, é ainda bastante hesitante nas suas conclusões sobre o movimento não uniforme. Durante a recente permanência do Sr. Einstein à Paris, o Sr. Painlevé elevou contra a Relatividade divertidas objeções; o Sr. Langevin pôde afastá-las sem dificuldade pois faziam tudo para intervir as acelerações embora a transformação de Lorentz-Einstein só se aplique aos movimentos uniformes. Os argumentos do ilustre matemático, contudo, provou uma vez mais que a aplicação das idéias Einsteinianas altera muito delicadamente o instante onde se tem acelerações e, nisso, elas são muito instrutivas. O método que permitiu-nos estudar a onda de fase no capítulo primeiro não vai mais, aqui, nos servir de nenhum socorro. A onda de fase que acompanha o movimento de um móvel, entretanto, se admitirmos as nossas concepções, tem propriedades que dependem da natureza deste móvel, dado que a freqüência, por exemplo, é determinada pela energia total. Parece, por conseguinte, natural supor que, se um campo de força atuar sobre o movimento de um móvel, atuará também sobre a propagação de sua onda de fase. Guiado pela idéia de uma identidade profunda entre 19 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie o princípio da mínima ação e o de Fermat, fui conduzido desde o começo de minhas pesquisas sobre este assunto a admitir que para um dado valor da energia total do móvel e para a freqüência de sua onda de fase, as trajetórias dinamicamente possíveis de um coincidem com os raios possíveis do outro. Isto me conduziu a um resultado extremamente satisfatório que será exposto no capítulo III, a saber, a interpretação das condições de estabilidade interatômica estabelecidas por Bohr. Infelizmente, ele fazia hipóteses bastante arbitrárias sobre o valor das velocidades de propagação V da onda de fase em cada ponto do campo. Vamos aqui, pelo contrário, servir-nos de um método que nos parece muito mais geral e mais satisfatório. Estudaremos por um lado o principio mecânico da mínima ação sob as suas formas Hamiltoniana e Maupertuisiana na dinâmica clássica na Relatividade e por outro lado a um ponto de vista geral, a propagação das ondas e o princípio de Fermat. Então seremos conduzidos a conceber uma síntese entre estes dois estudos, síntese sobre a qual se pode discutir, mas cuja elegância teórica é incontestável. Vamos obter ao mesmo tempo a solução do problema colocado. II. Os dois princípios da mínima ação na dinâmica clássica Na dinâmica clássica, o princípio de mínima ação sob a sua forma Hamiltoniana anuncia-se da seguinte maneira: “As equações da dinâmica podem ser deduzidas pelo fato de que a integral ∫ t2 t1 Ldt , tomada entre os limites fixos dos tempos por valores iniciais e finais obtidos pelos parâmetros qi , que determinam o estado do sistema, conduz a um valor estacionário”. Por definição, L dq é denominada função de Lagrange e é supostamente dependente das variáveis qi e qi = i . dt Tem-se por conseguinte: t2 δ ∫ Ldt = 0 t1 De onde se deduz, por um método conhecido do cálculo das variações, as equações ditas de Lagrange: d dt ⎛ ⎞ ⎜⎜ ∂L ⎟⎟ = ∂L ⎜⎝ ∂qi ⎠⎟⎟ ∂qi 20 Tradução de Ricardo Soares Vieira em número igual ao das variáveis qi . Resta definir a função qi . A dinâmica clássica assume: que L = E cin − E pot é a diferença das energias cinética e potencial. Veremos mais adiante que a dinâmica relativista emprega um valor diferente à L . Passamos agora à forma Maupertuisiana do princípio da mínima ação. Para tal, observe primeiro que as equações de Lagrange sob a forma geral dada mais acima, admite uma integral primeira denominada “energia do sistema” e igual à: W = −L + ∑ i ∂L qi ∂q i com a condição de que a função L não dependa explicitamente do tempo, o que vamos supor sempre na seqüência. Tem-se, com efeito, então: dW ∂L ∂L ∂L d qi − ∑ qi + ∑ qi + ∑ = −∑ dt ∂qi ∂q i ∂q i i i i i dt ⎛ ∂L ⎞⎟ ⎜⎜ ⎟q = qi ⎜⎝ ∂q ⎠⎟⎟ i ∑ i i ⎡d ⎢ ⎢ dt ⎣ ⎛ ∂L ⎞⎟ ∂L ⎤ ⎜⎜ ⎥ ⎟⎟ − ⎝⎜ ∂qi ⎠⎟ ∂qi ⎥⎦ quantidade nula de acordo com as equações de Lagrange. Portanto: W = Cte Aplicando agora o princípio Hamiltoniano a todas as trajetórias “variadas” que conduzem do dado estado inicial A até o dado estado final B e que correspondem a um valor determinado da energia W. Onde se pode escrever, pois que W, t1 e t2 são constantes: t2 t2 δ ∫ Ldt = δ ∫ (L + W )dt = 0 t1 t1 ou ainda: δ∫ t2 t1 ∂L ∑ ∂q i i qi dt = δ ∫ B A ∂L ∑ ∂q i dqi = 0 i a última integral estendida a todos os valores dos qi compreendidos entre as que definem os estados A e B, de sorte que o tempo se encontre eliminado; por conseguinte, não há mais 21 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie lugar para impor, na nova forma obtida, qualquer restrição relativa aos limites do tempo. Ao contrário, as trajetórias variadas devem todas corresponder a um mesmo valor W da energia. ∂L Colocando de acordo com a notação clássica das equações canônicas pi = . Os pi ∂qi são os momenta conjugados das variáveis qi . O princípio Maupertuisiano se escreve: δ∫ B A ∑ p dq i i =0 i na dinâmica clássica onde L = E cin − E pot , sendo E pot independente e E cin uma função quadrática homogênea. Em virtude do teorema de Euler: ∑ p dq i i Para o ponto material, E cin = i = ∑ piqidt = 2E cin dt i 1 mv 2 e o princípio da mínima ação toma sua forma outrora 2 mais conhecida: B δ ∫ mvdl = 0 A onde dl , é um elemento da trajetória. III. Os dois princípios da mínima ação na dinâmica do elétron Vamos agora retomar a pergunta sobre a dinâmica do elétron pelo ponto de vista relativista. É preciso tomar aqui a palavra “elétron” no sentido geral de ponto material que leva uma carga elétrica. Nós vamos supor que elétron situado fora de qualquer campo possui uma massa própria m 0 ; a sua carga elétrica é designada por e. Vamos outra vez considerar o espaço-tempo; as coordenadas do espaço serão chamadas 1 2 x , x e x 3 , a coordenada ct será x 4 . O invariante fundamental “elemento de linha” é definido por: ds = 2 (x 4 ) 2 2 2 − (x 1 ) − (x 2 ) − (x 3 ) 22 Tradução de Ricardo Soares Vieira Neste parágrafo e no seguinte, nós empregaremos constantemente certas notações de cálculo tensorial. Uma linha de Universo tem em cada ponto uma tangente definida na direção do vetor “velocidade de Universo”, de comprimento unitário e cujas componentes contravariantes são dadas pela relação: ui = dx i ds (i = 1, 2, 3, 4). Verifica-se prontamente que se tem: u iui = 1 . Ou seja, um móvel descrevendo a linha de Universo; quando ele passa pelo ponto considerado, possui uma velocidade v = βc de componentes vx , vy , vz . As componentes da velocidade de Universo são: u1 = −u 1 = vx c 1− β u 3 = −u 3 = u2 = −u 2 = 2 vz c 1− β 2 u4 = u 4 = vy c 1 − β2 1 1 − β2 Para definir um campo eletromagnético, devemos introduzir um segundo vetor de Universo cujas componentes exprimam em função do potencial-vetor a e do potencial escalar Ψ pelas relações: ϕ1 = −ϕ1 = −ax ; ϕ2 = −ϕ 2 = −ay ; ϕ3 = −ϕ 3 = −az ; ϕ4 = ϕ 4 = 1 Ψ. c Consideremos agora dois pontos P e Q do espaço-tempo que corresponda à valores dados pelas coordenadas do espaço-tempo. Podemos empregar uma integral curvilínea tomada ao longo de uma linha de Universo que vai de P à Q, naturalmente a função a se integrar deve ser invariante. Seja: Q ∫ (−m c − eϕ u )ds = ∫ P i 0 i Q P (−m0cui − eϕi ) u ids esta integral. O princípio Hamilton afirma que se a linha de Universo de um móvel passa por P e Q, ela tem uma forma tal que a integral acima definida tenha um valor estacionário. 23 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Definimos um terceiro vetor de Universo pela relação: (i = 1, 2, 3, 4). Ji = m 0cui + eϕi e o enunciado da mínima ação passa a ser: δ∫ Q P Q ( J1dx 1 + J2dx 2 + J3dx 3 + J4dx 4 )ds = δ ∫P Jidx i = 0 Daremos um pouco mais adiante um sentido físico ao vetor de universo J . Por hora, retornemos à forma usual das equações dinâmicas substituindo ds por cdt 1 − β 2 , na primeira forma da integral da ação. Obtemos assim: t2 δ ∫ ⎡⎢−m 0c 1 − β 2 − ecϕ4 − e (ϕ1vx + ϕ2vy + ϕ3vz )⎤⎥ dt = 0 t1 ⎣ ⎦ t1 e t2 correspondem aos pontos P e Q do espaço tempo. Se existe um campo meramente eletrostático, as quantidades ϕ1, ϕ2 , ϕ3 são nulas e a função de Lagrange toma a forma freqüentemente utilizada: L = −m 0c 1 − β 2 − e Ψ Em todos os casos, o princípio Hamilton tem sempre a forma ∫ t2 t1 Ldt = 0 , por onde sempre somos conduzidos às equações de Lagrange: d dt ⎛ ∂L ⎞⎟ ∂L ⎜⎜ ⎟= ⎜⎝ ∂qi ⎠⎟⎟ ∂qi (i = 1, 2, 3) Em todos os casos onde os potenciais não dependem do tempo reencontramos a conservação da energia: W = L + ∑ piqi = Cte . i pi = ∂L ∂q i (i = 1, 2, 3) Exatamente de acordo com a mesma marcha dada mais acima, obtém-se do princípio de Maupertuis: 24 Tradução de Ricardo Soares Vieira δ∫ B A ∑ p dq i i =0 i onde A e B são dois pontos do espaço que correspondem ao sistema de referência empregado nos pontos P e Q do espaço-tempo. As quantidades p1 p2 p3 , iguais às derivadas parciais da função L em relação às velocidades correspondentes, podem servir para definir um vetor p o qual chamaremos de “vetor-momentum”. Se não houver um campo magnético (havendo ou não um campo elétrico), as componentes retangulares deste vetor são: px = m 0vx 1− β 2 py = m 0vy 1− β 2 pz = m 0vz 1 − β2 . Ele é, portanto, idêntico à quantidade de movimento e a integral de ação Maupertuisiana tem a forma simples proposta pelo próprio Maupertuis com uma única diferença de que a massa varia agora com a velocidade de acordo com a lei de Lorentz. Se houver um campo magnético, encontra-se para as componentes do vetor-momentum as expressões: px = m 0vx 1 − β2 + eax py = m 0vy 1 − β2 + eay pz = m 0vz 1 − β2 + eaz E não se tem mais a identidade entre o vetor p e a quantidade de movimento; conseqüentemente, a expressão da integral de ação torna-se mais complicada. Consideremos um móvel colocado num campo e cuja energia total é dada; em qualquer ponto do campo que o móvel pode atingir, a sua velocidade é dada pela equação da energia, mas a priori a direção pode ser qualquer. A expressão de px py e pz mostra que o vetormomentum tem a mesma grandeza em um ponto de um campo eletrostático qualquer que seja a direção tomada. Mas não será assim desta mesma forma se houver um campo magnético: a grandeza do vetor p depende então do ângulo entre a direção escolhida e o potencial-vetor como se estivesse formando a expressão px 2 + py 2 + pz 2 . Esta observação nos será útil mais adiante. Para terminar este parágrafo, vamos retornar à questão do sentido físico do vetor de Universo J do qual depende a integral Hamiltoniana. Nós o Definimos pela expressão: 25 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Ji = m 0cui + eϕi (i = 1, 2, 3, 4). Com o auxilio dos valores ui e ϕi encontra-se: J1 = −px J2 = −py J3 = −pz J4 = W c J3 = pz J4 = W c As componentes contravariantes serão: J1 = px J2 = py Temos, por conseguinte, associado-lhe o celebre vetor “Impulsão de Universo” que sintetiza a energia e a quantidade de movimento. Q ( ) De: δ ∫ Jidx i = 0 , i = 1, 2, 3, 4 , pode-se tirar imediatamente se J4 é constante: P B δ ∫ Jidx i = 0 A (i = 1, 2, 3). Esta é a maneira mais condensada de se passar de uma ação estacionária anunciada à outra. IV. Propagação das ondas; princípio de Fermat Vamos estudar a propagação da fase do fenômeno senoidal por um método paralelo ao dos dois últimos parágrafos. Para isso, empregaremos um ponto de vista muito geral e novamente, vamos ter de considerar o espaço-tempo. Consideremos a função sen ϕ na qual a diferencial supostamente depende das variáveis x i do espaço e do tempo. Existe no espaço-tempo uma infinidade de linhas de Universo ao longo do qual a função ϕ é constante. A teoria das ondulações, tal qual resulta notadamente dos trabalhos de Huyghens e de Fresnel, ensina-nos a distinguir dentre estas linhas, algumas daquelas cujas projeções sobre o espaço de um observador lhe são “raios” no sentido usual da óptica. Sejam, como previamente o foi, P e Q dois pontos do espaço-tempo. Se passar um raio de Universo por estes dois pontos, que lei determinará a sua forma? 26 Tradução de Ricardo Soares Vieira Vamos considerar a integral curvilínea ∫ Q P dϕ e empregar ao raio de Universo, como Q princípio determinante, o enunciado na forma Hamiltoniana: δ ∫ d ϕ = 0 . P A integral deve, com efeito, ser estacionária, sem o que, as perturbações que têm deixado em concordância de fase um certo ponto do espaço e que cruzam-se em um outro ponto, após de ter seguido caminhos ligeiramente diferentes, apresentariam fases diferentes. A fase ϕ é um invariante; assim, se colocarmos: d ϕ = 2π (O1dx 1 + O2dx 2 + O3dx 3 + O4dx 4 ) = 2π Oidx i as quantidades Oi , geralmente funções dos x i , serão as componentes covariantes de um vetor de Universo, o vetor Onda de Universo. Se l é a direção do raio no sentido ordinário, somos conduzidos habitualmente a considerar para dϕ a forma: ν ⎞ ⎛ d ϕ = 2π ⎜⎜νdt − dl ⎟⎟ ⎝ V ⎠ ν é a chamada freqüência e V, velocidade de propagação. Pode-se pôr então: O1 = − ν cos (x , l ) , V O2 = − O3 = − ν cos (z, l ) , V O4 = ν cos (y, l ) , V ν . c O vetor Onda de Universo se decompõe, portanto, em uma componente de tempo proporcional à freqüência e em um vetor de espaço n , tomado sobre a direção de propagação ν . Vamos chamá-lo de vetor “número de ondas” porque é igual e que tem por comprimento V ao inverso do comprimento de onda. Se a freqüência ν é constante, somos levados a passar da forma Hamiltoniana: Q δ ∫ Oidx i = 0 P à forma Maupertuisiana: B δ ∫ O1dx 1 + O2dx 2 + O3dx 3 = 0 A 27 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie onde A e B são os pontos do espaço que correspondem à P e Q. Substituindo O1, O2 e O3 pelos seus valores, vem: δ∫ B A νdl =0 V Este enunciado Maupertuisiano constitui o princípio de Fermat. Assim como no parágrafo precedente era suficiente, para encontrar a trajetória de um móvel de dada energia total, que passa por dois pontos dados, conhecer a distribuição no campo de vetores p , do mesmo modo aqui, para encontrar os raios de uma onda de freqüência conhecida, que passa por dois pontos dados, é suficiente conhecer a distribuição no espaço dos vetores número de onda, que determinam em cada ponto e para cada direção a velocidade de propagação. V. Extensão da relação quântica Temos chegado ao ponto culminante deste capítulo. Tínhamos feito a partir de seu início a seguinte pergunta: “Quando um móvel desloca-se num campo de força com um movimento variado, como se propaga a sua onda de fase?” Em vez de se procurar por tentativas, como já tínhamos abordado, determinar a velocidade de propagação em cada ponto e para cada direção, vou fazer uma extensão da relação quântica um pouco hipotética talvez, mas cujo acordo profundo com o espírito da teoria da Relatividade é indiscutível. Constantemente, nós fomos conduzidos a por h ν = w , onde w é a energia total do móvel e ν a freqüência de sua onda de fase. Por outro lado, os parágrafos precedentes nos ensinaram a definir dois vetores de Universos J e O que possuem papéis perfeitamente simétricos no estudo do movimento de um móvel e a da propagação de uma onda. Fazendo intervir estes vetores, a relação h ν = w se escreve: O4 = 1 J4 h O fato de dois vetores terem uma componente igual não prova que eles sejam do mesmo modo para os outros. Todavia, por uma generalização completamente indicada, vamos colocar: 28 Tradução de Ricardo Soares Vieira Oi = 1 Ji h (i = 1, 2, 3, 4). A variação d ϕ relativo a uma porção infinitamente pequena da onda de fase tem por valor: d ϕ = 2π Oidx i = 2π Jidx i h O princípio de Fermat torna-se, por conseguinte: δ∫ B A 3 ∑ J idx i = δ ∫ 1 B A 3 ∑ p dx i i = 0. 1 Chegamos assim ao seguinte enunciado: “O princípio de Fermat aplicado à onda de fase é idêntico ao princípio de Maupertuis aplicado ao móvel; as trajetórias dinamicamente possíveis do móvel são idênticas aos raios possíveis da onda”. Pensamos que esta idéia de uma relação profunda entre os dois grandes princípios da Óptica Geométrica e da Dinâmica poderia ser um guia precioso para realizar a síntese entre as ondas e os quanta. A hipótese de proporcionalidade dos vetores J e O é uma espécie de extensão da relação quântica cujo enunciado atual é manifestamente insuficiente, dado que ele faz intervir a energia sem falar do seu inseparável companheiro a quantidade de movimento. O novo enunciado é muito mais satisfatório porque se exprime pela igualdade de dois vetores de Universos. VI. Casos particulares; discussões As concepções gerais do parágrafo precedente devem agora ser aplicados à casos específicos para precisar o seu sentido. a) Consideremos acerca do primeiro movimento retilíneo e uniforme de um móvel livre. As hipóteses feitas no início do capítulo primeiro permitiram-nos, graças ao princípio da 29 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Relatividade restrita, o estudo completo deste caso. Vejamos se podemos reencontrar o valor c previsto para a velocidade de propagação da onda de fase: V = . Aqui devemos pôr: β W m 0c 2 = , ν= h h 1 − β2 de onde V = 1 h 1 m 0β 2c 2 pidqi = dt = ∑ h 1 − β2 1 3 m 0 βc 1− β 2 dl = νdl , V c . Daremos uma interpretação desse resultado pelo ponto de vista do espaçoβ tempo. b) Vamos considerar um elétron num campo eletrostático (átomo de Bohr). Devemos supor para a onda de fase uma freqüência ν igual ao quociente da energia total do móvel por h, ou seja: W = m 0c 2 + eψ = hν 1 − β2 Sendo nulo o campo magnético, ter-se-á simplesmente: px = m 0vx 1 − β2 , etc., 1 h 3 ∑ p dq i i = 1 1 h m 0 βc 1 − β2 dl = ν dl , V de onde m 0c 2 V = + eψ ⎛ eψ 1 − β 2 1 − β2 c ⎜⎜ = ⎜1 + m 0 βc m 0c 2 β ⎜⎜⎝ 1 − β2 ⎞⎟ ⎟⎟ = c ⎛⎜1 + e ψ ⎞⎟⎟ = c ⋅ W ⎟⎟ β ⎜⎜ W − e ψ ⎠⎟ β W − e ψ ⎝ ⎠⎟ Este resultado apela a várias observações. Pelo ponto de vista físico, significa que a onda de W se propaga no campo eletrostático com uma velocidade variável de fase de freqüência ν = h um ponto a outro conforme o valor do potencial. A velocidade V depende, com efeito, de ψ eψ diretamente pelo termo (geralmente pequeno diante da unidade) e indiretamente W − eψ por β que se calcula em cada ponto em função de W e ψ . 30 Tradução de Ricardo Soares Vieira No mais, observar-se-á que V é uma função da massa e da carga do móvel. Este ponto pode parecer estranho, mais ele é na realidade bem menos do que parece. Consideremos um elétron cujo centro C desloca-se com a velocidade v; na concepção clássica, em um ponto P cujas coordenadas num sistema ligado ao elétron é conhecido, encontra-se uma certa energia eletromagnética que faz, de qualquer forma, parte do elétron. Vamos supor que após ter atravessado uma região R onde reina um campo eletromagnético mais ou menos complexo, o elétron se encontre animado da mesma velocidade v, mas de outro modo dirigido. O ponto P do sistema ligado ao elétron vem de P’ e l’ onde se pode dizer que a energia primitivamente em P é transportada até P'. O deslocamento desta energia, mesmo caso se conhecesse os campos que reinam em R, não pode ser calculado se a massa e a carga do elétron forem dadas. Esta conclusão indiscutível poderia por um instante parecer bizarra porque temos o hábito inveterado de considerar a massa e a carga (bem como a quantidade de movimento e a energia) como grandezas ligadas ao centro do elétron. Do mesmo modo para a onda de fase que, em conformidade conosco, deve ser considerado como uma parte constituinte do elétron, a propagação em um campo deve depender da carga e da massa. Recordemo-nos agora dos resultados obtidos no capítulo precedente, no caso do movimento uniforme. Lá fomos conduzidos a considerar a onda de fase como que devida às intersecções do espaço presente do observador estacionário com os espaços passado, presente e futuro do observador animado. Poderíamos tentar ainda reencontrar aqui o valor de V, dado acima, estudando as “fases” sucessivas do móvel e precisando o deslocamento para o observador estacionário pelas intersecções de seu espaço de estados eqüifásicos. Por azar, defrontamos aqui com enormes dificuldades. A relatividade não nos ensina atualmente como um observador animado por um movimento não uniforme recorta a cada instante o seu espaço no espaço-tempo; não parece que ela tenha muita razão, de modo que esta intersecção seja plana como no movimento uniforme. Mas mesmo se esta dificuldade for resolvida, ainda estaremos no embaraço. Com efeito, um móvel em movimento uniforme deve ser descrito do mesmo modo a um observador que lhe é ligado, qualquer que seja a velocidade do movimento 31 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie uniforme, em relação aos eixos de referência; isto resulta do princípio onde os eixos galileanos, que possuem um em relação aos outros movimentos de translação uniforme, são equivalentes. Se, por ventura, o nosso móvel em movimento uniforme for cercado por um fenômeno periódico que possui em toda parte a mesma fase, então, para um observador ligado ele deve ser da mesma forma para todas as velocidades do movimento uniforme e é isto o que justifica o nosso método do primeiro capítulo. Mas se o movimento não é uniforme, a descrição do móvel não pode mais ser feita pelo observador ligado ao mesmo e não sabemos mais como definir o fenômeno periódico e atribuir-lhe a mesma fase em todos os pontos do espaço. Talvez poder-se-ia reverter o problema, admitindo os resultados obtidos neste capítulo por considerações totalmente diferentes e procurar deduzir como a teoria da Relatividade deve encarar estas questões de movimento para chegar às mesmas conclusões. Nós não podemos abordar este difícil problema. c) Tomemos o caso geral do elétron num campo eletromagnético. Tem-se ainda: hν = W = m 0c 2 1 − β2 + eψ . No mais, temos demonstrado mais acima que é necessário colocar: m 0vx px = 1 − β2 + eax , etc., onde ax , ay e az são as componente do potencial-vetor. Por conseguinte: 1 h 3 ∑ p dq i i = 1 1 h m 0 βc 1− β 2 dl + e νdl . al dl = h V Encontra-se assim: m 0c 2 V = 1 − β2 m 0 βc 1 − β2 + eψ = + eal 1 c W ⋅ β W − e ψ 1 + e al G G é a quantidade de movimento e al a projeção do potencial vetor sobre a direção l, 32 Tradução de Ricardo Soares Vieira O meio em cada ponto não deixa de ser isotrópico. A velocidade V varia com a direção considerada e a velocidade do móvel v não tem a mesma direção que a normal da onda de fase definida pelo vetor p = hn . O raio não coincide mais com a normal da onda, conclusão clássica da óptica dos meios anisotrópicos. Pode-se perguntar sobre o que torna o teorema sobre a igualdade da velocidade v = βc do móvel e a velocidade de grupo das ondas de fase. Observemos primeiro que a velocidade V da fase que segue o raio é definida pela relação: 1 h 3 ∑ pidq i = 1 1 h 3 ∑ pi 1 dq i ν ν 1 dl = dl, onde não é igual a p porque aqui dl e p V h dl V não possuem a mesma direção. Sem estar prejudicando a generalidade, nós podemos tomar por eixo dos x a direção do movimento do móvel no ponto considerado e chamar px a projeção do vetor p sobre esta ν 1 direção. Tem-se então a equação de definição: = px . V h A primeira das equações canônicas fornece a igualdade: ∂ (h ν ) dq ∂W = v = βc = = = U, ⎛ ν ⎞⎟ dt ∂px ∂ ⎜⎜h ⎟ ⎝ V⎠ onde U é a velocidade de grupo que segue o raio. O resultado do capítulo primeiro, § 2, é, por conseguinte, totalmente geral e decorre em suma diretamente das equações do primeiro grupo de Hamilton. 33 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie CAPÍTULO III As condições quânticas de estabilidade das trajetórias. I. As condições de estabilidade de Bohr-Sommerfeld Na sua teoria do átomo, o Sr. Bohr foi o primeiro a lançar a idéia de que, entre as trajetórias fechadas que um elétron pode descrever ao redor de um centro positivo, somente algumas são estáveis, as outras são impraticáveis na natureza ou todas são tão instáveis de forma que não é conveniente tê-las em conta. Limitando-se às trajetórias circulares, onde entra em jogo um só grau de liberdade, o Sr. Bohr enunciou a condição seguinte: “Somente, são estáveis as trajetórias circulares para o qual o momento da quantidade de movimento for h um múltiplo inteiro de , sendo h a constante Planck”. Isto se escreve: 2π h 2π m 0 ωR 2 = n (n inteiro) ou ainda: ∫ 2π 0 sendo θ pθd θ = nh o azimutal escolhido como coordenada q de Lagrange e pθ o momentum correspondente. Os Srs. Sommerfeld e Wilson, para estender este enunciado aos casos onde intervêm vários graus de liberdade, demonstraram que é geralmente possível escolher entre as coordenadas qi aquelas quais as condições de quantificação das órbitas sejam: ∫ p di = n h i o sinal ∫ i (ni inteiro) indica que uma integral se estende por todo domínio de variação da coordenada. 34 Tradução de Ricardo Soares Vieira Em 1917, o Sr. Einstein deu à condição de quantificação uma forma invariante para relatar as mudanças de coordenadas 4. Vamos enunciá-lo para o caso das trajetórias fechadas; assim ele é, portanto: 3 ∫ ∑ p di = nh i (n inteiro) 1 integral que é estendida a todo o comprimento da trajetória. Reconhece-se a integral de ação de Maupertuis cujo papel se torna, assim, capital na teoria dos quanta. Esta integral não depende, aliás, da escolha das coordenadas do espaço, de acordo com uma propriedade conhecida que exprime, em suma, o caráter covariante das componentes pi do vetor momentum. Ele é definido pelo método clássico de Jacobi como uma integral completa da equação de derivados parciais: ⎛ ∂s ⎞ H ⎜⎜ , qi ⎟⎟⎟ = W ⎜⎝ ∂qi ⎠⎟ i = 1, 2, … f . integral completa que contem f constantes arbitrárias onde uma delas é a energia W. Se ela tiver só um grau de liberdade, a relação de Einstein fixa a energia W; se ela tiver mais de um (e no caso usual mais importante, aquele do movimento do elétron no campo interatômico, que se tem, a priori, 3), obtém-se somente uma relação entre W, e o número inteiro n; isto é o que encontra-se para as elipses Keplerianas se negligenciarmos a variação da massa com a velocidade. Mas se o movimento for quase-periódico, o que de resto tem sempre lugar devido à variação supra mencionada, é possível encontrar coordenadas que oscilam entre os valores limites (oscilações) e existe uma infinidade de pseudo-período, iguais aproximadamente a múltiplos inteiros dos períodos de oscilação. No fim de cada um dos pseudo-períodos, o móvel terá retornado a um estado tão próximo quanto se quiser do estado inicial. A equação de Einstein aplicado a cada um destes pseudo-períodos conduz a uma infinidade de condições que são compatíveis apenas se as condições múltiplas de Sommerfeld forem verificadas; esta é em número igual ao dos graus de liberdade, todas as constantes encontram-se fixas e não resta mais nenhuma indeterminação. 4 Zum quantensatz von Sommerfeld und Epstein [Sobre o teorema de Sommerfeld e Epstein] (Ber. Deutschen. Phys. Ges., 1917, p. 82). 35 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Para o cálculo das integrais de Sommerfeld, usou-se com sucesso a equação de Jacobi e o teorema dos restos bem como a concepção de variáveis angulares. Estas questões foram objeto de numerosos trabalhos depois de alguns anos e estão belamente resumidos no livro do Sr. Sommerfeld Atombau und Spectrallinien [Construção atômica e linhas espectrais], (edição francesa, tradução Bellenot, editado por Blanchard, 1923). Não insistiremos nisto aqui e limitar-nos-emos a remarcar que, no fim das contas, o problema da quantificação será inteiramente restabelecido em princípio pela condição de Einstein para as órbitas fechadas. Se tivermos sucesso em interpretar esta condição, teremos pelo mesmo golpe esclarecido qualquer questão das trajetórias estáveis. II. Interpretação da condição de Einstein A noção de onda de fase vai nos permitir fornecer uma explicação da condição Einstein. Resulta das considerações do capítulo II que a trajetória do móvel é um dos raios da sua onda de fase, e ela deve correr ao longo da trajetória com uma freqüência constante (pois que a energia total é constante) e uma velocidade variável cujo valor aprendemos a calcular. A propagação é então análoga à de uma onda líquida num canal fechado sobre ele mesmo e de profundidade variável. É fisicamente evidente que, para ter um regime estável, o comprimento do canal deve estar em ressonância com a onda; dizendo de outra forma, as porções de onda que se seguem a uma distância igual a um múltiplo inteiro do comprimento l do canal e que se encontram conseqüentemente no mesmo ponto deste, devem estar em fase. A condição de ressonância é l = nλ , se o comprimento de onda é constante e ν ∫ V dl = n (inteiro) , no caso geral. A integral que intervém aqui é a do princípio de Fermat; ora, mostramos que deveríamos considerá-la como igual à integral de ação de Maupertuis, dividida por h. A condição de ressonância é, por conseguinte, idêntica à condição de estabilidade exigida pela teoria dos quanta. Este belo resultado, cuja demonstração é imediata quando se admite as idéias do capítulo precedente, é a melhor justificação que podemos dar a nossa maneira de atacar o problema dos quanta. No caso particular das trajetórias circulares no átomo de Bohr, obtém-se m 0 ∫ v dl = 2πRm 0v = nh ou, dado que se tem v = ωR se ω é a velocidade angular, 36 Tradução de Ricardo Soares Vieira m 0 ωR 2 = n h . 2π Esta é bem lá a forma simples originalmente encarada por Bohr. Vemos, portanto, o porquê de certas órbitas serem estáveis, mas ignoramos ainda como se dá a passagem de uma órbita estável à outra. O regime perturbado que acompanha esta passagem poderá ser estudada apenas com o auxilio de uma teoria eletromagnética convenientemente alterada e nós não a possuímos ainda. III. Condições de Sommerfeld para os movimentos quase-periódicos Eu me proponho a demonstrar que, se a condição de estabilidade para uma órbita 3 fechada é ∫ ∑ p dq i i = nh , as condições de estabilidade para os movimentos quase-periódicos 1 são necessariamente ∫ p dq i i = ni h (n inteiro, i = 1, 2, 3) . As condições múltiplas de Sommerfeld serão assim acompanhadas também pela ressonância da onda de fase. Devemos primeiro observar que o elétron possuinte de dimensões finitas, se, como nós o admitimos, as condições de estabilidade dependem das reações exercidas sobre a sua própria onda de fase, deve existir acordo de fase entre todas as porções da onda que passam a uma distância do centro do elétron inferior a um valor determinado, pequeno mais finito, por exemplo da ordem de seu raio (10−13 cm) . Não admitir esta proposição nos faria retornar a dizer: o elétron é um ponto geométrico sem dimensões e o raio de sua onda de fase é uma linha de espessura nula. E isto não é fisicamente admissível. Recordemos agora uma propriedade conhecida das trajetórias quase-periódicas. Se M é a posição do centro do móvel em um dado instante sobre a trajetória e, se traçarmos M como centro uma esfera de raio R arbitrariamente escolhido, pequeno mas finito, é possível encontrar uma infinidade de intervalos de tempos tais que ao fim de cada um deles o móvel tenha retornado à esfera de raio R. No mais, cada um destes intervalos de tempo, ou “períodos aproximados” τ , poderão satisfazer as relações: τ = n1T1 + ε1 = n2T2 + ε2 = n 3T3 + ε3 37 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie onde T1 , T2 eT3 são os períodos de variação (oscilação) das coordenadas q 1, q 2 e q 3 . As quantidades εi podem sempre ser consideradas menores que certa quantidade fixa de η , pequena mas finita. Quanto menor for a escolha de η , mais longo será o mais curto dos períodos τ . Supomos que o raio R seja escolhido igual à distância máxima da ação da onda de fase sobre o elétron, distância definida mais acima. Então, pode-se aplicar à carga um período aproximado τ a condição do acordo de fase sob a forma: 3 τ ∫ ∑ p dq i i 0 = nh 1 que pode-se escrever também: n1 ∫ T1 0 p1q1dt + n2 ∫ T2 0 p2q 2dt + n 3 ∫ T3 p3q 3dt + ε1 (p1q1 )τ + ε2 ( p2q 2 )τ + ε3 (p3q 3 )τ = nh. 0 Mas uma condição de ressonância jamais é rigorosamente satisfeita. Se o matemático exige para a ressonância que uma diferença de fase seja exatamente igual à n × 2π , o físico deve-se contentar em escrever que ela é igual a n × 2π ± α , sendo α inferior a uma quantidade ε , pequena mas finita, que mede, se assim o posso dizer, a margem de erro na qual a ressonância deve ser considerada como se realizada fisicamente. As quantidades pi e qi continuam a ser finitas durante no curso do movimento e podese encontrar seis quantidades Pi e Qi tais que se tenha sempre pi < Pi qi < Qi 3 Escolhemos o limite η tal que η ∑ PQ i i < 1 (i = 1, 2, 3) εh ; Veremos que escrevendo a condição de 2π ressonância para que não importe o qual dos períodos aproximados, será permitido negligenciar os termos εi e escrever: n1 ∫ T1 0 p1q1dt + n2 ∫ T2 0 p2q2dt + n 3 ∫ T3 0 p3q 3dt = nh. No primeiro membro, os n1 , n2 , n 3 são inteiros conhecidos; no segundo membro, n é um inteiro qualquer. Temos uma infinidade de equações semelhantes com valores diferentes de n1 , n2 e n 3 . Para satisfazê-la, é necessário e suficiente que cada uma das integrais 38 Tradução de Ricardo Soares Vieira ∫ Ti 0 piqi dt = ∫ p dq i i seja igual a um múltiplo inteiro de h. Estas são efetivamente as condições de Sommerfeld. A demonstração precedente parece rigorosa. Entretanto, é conveniente examinar uma objeção. As condições de estabilidade podem, com efeito, entrar em jogo apenas à extremidade de um tempo da ordem do mais curto dos intervalos de tempo τ o qual já é muito grande; seria necessário esperar, por exemplo, milhões de anos a fim de que eles intervenham, ou seja, o mesmo que dizer que não se manifestariam jamais. Esta objeção não é fundamentada porque os períodos τ são muito grandes em relação aos períodos de oscilação Ti, mas, podem ser muito pequenos em relação à nossa escala usual de medida de tempo; no átomo, os períodos Ti são, com efeito, da ordem de 10−15 a 10−20 segundos. Pode-se dar conta da ordem de grandeza dos períodos aproximados no caso da trajetória L2 de Sommerfeld para o hidrogênio. A rotação do periélio durante um período de oscilação do raio vetor é da ordem de 10−5 ⋅ 2π . O mais curto dos períodos aproximados seria, portanto, da ordem de 10−5 vezes o período da variável radial ( 10−15 segundos), ou seja, da ordem de 10−10 segundos. Bem parece, então, que as condições de estabilidade entram em jogo num tempo inacessível à nossa experiência e, conseqüentemente, que as trajetórias “sem ressonância” irão parecer-nos bem inexistentes. O princípio da demonstração desenvolvida acima foi pego emprestado do Sr. Léon Brillouin, que escreveu na sua tese. (p. 351): “A fim de que a integral de Maupertuis tomada sobre todos os períodos aproximados τ seja um múltiplo inteiro de h, é necessário que cada uma das integrais relativas a cada variável e tomada sobre período correspondente sejam iguais a um número inteiro dos quanta; é desta maneira que Sommerfeld escreveu as suas condições dos quanta”. 39 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie CAPÍTULO IV Quantificação dos movimentos simultâneos de dois centros elétricos. I. Dificuldades levantadas por este problema Nos capítulos precedentes, nós constantemente consideramos uma “porção isolada” de energia. Esta expressão é clara quando se trata de um corpúsculo elétrico (próton ou elétron) afastado de qualquer outro corpo eletrizado. Mas se esses centros eletrizados estão interagindo, o conceito de porção isolada de energia torna-se menos clara. Há aí uma dificuldade que não faz de maneira alguma parte da própria teoria contida no presente trabalho e que não é elucidada no estado atual da dinâmica da Relatividade. Para bem compreender esta dificuldade, consideremos um próton (núcleo de hidrogênio) de massa própria M0 e um elétron de massa própria m0. Se estas duas entidades estão muito afastadas uma da outra, de sorte que a sua interação seja negligenciável, o princípio da inércia da energia se aplica a estas dificuldades: o próton possui a energia interna M 0c 2 e o elétron m 0c 2 . A energia total é, portanto, (M 0 + m 0 )c 2 . Mas se os dois centros são assaz vizinhos, de forma que se deve levar em conta as suas energias potenciais mútuas – P (< 0) , como se pode exprimir a idéia de inércia da energia? Sendo a energia total, evidentemente, (M 0 + m 0 )c 2 − P , pode-se admitir que o próton possua sempre uma massa própria M 0 e o elétron une massa própria m0 ? Deve-se, pelo contrário, compartilhar a energia potencial entre os dois constituintes do sistema, atribuir ao elétron uma massa αP P própria m 0 − 2 e ao próton uma massa própria m 0 (1 − α) 2 ? Neste caso, qual é o valor de c c α e como esta quantidade depende de M 0 e de m0 ? Nas teorias do átomo de Bohr e de Sommerfeld, admite-se que o elétron tenha sempre a massa própria m0 qualquer que seja a sua posição no campo eletrostático do núcleo. A energia potencial é muito menor que a energia interna m0c 2 , esta hipótese é mais ou menos exata, mas nada nos diz que ela seja rigorosa. Pode-se facilmente calcular a ordem de 40 Tradução de Ricardo Soares Vieira grandeza da correção máxima (correspondendo à α = 1 ) que seria necessário dar ao valor da constante de Rydberg para os diferentes termos da série de Balmer se adotássemos a hipótese δR = 10−5. Esta correção seria, por conseguinte, muito menor que a oposta. Encontra-se R ⎛ 1 ⎞⎟ , diferença diferença entre as constantes de Rydberg para o hidrogênio e para o hélio ⎜⎜ ⎝ 2000 ⎠⎟ esta que o Sr. Bohr notadamente levou em conta ao considerar o recuo do núcleo. Contudo, dado a extrema precisão das medidas espectroscópicas, é talvez permitido pensar que a variação da constante de Rydberg, que se deve à variação da massa própria do elétron em função de sua energia potencial, pode ser colocada em evidência, se ela existe. II. O recuo do núcleo no átomo de hidrogênio Uma questão estreitamente ligada à precedente é aquela sobre o método a se empregar para aplicar as condições quânticas a um conjunto de centros elétricos em movimento relativo. O caso mais simples é o do movimento do elétron no átomo de hidrogênio quando se leva em consideração os deslocamentos simultâneos do núcleo. O Sr. Bohr pôde tratar este problema apoiando-se no seguinte teorema da Mecânica Racional: “Se relacionarmos o movimento do elétron a eixos de direções fixas ligadas ao núcleo, este movimento seria o mesmo que se estes eixos fossem galileanos e que se o elétron possuísse uma massa m 0M 0 μ0 = ”. m0 + M 0 M0 m M + m0 = 0 = 0 r R R +r No sistema de eixos ligado ao núcleo, o campo eletrostático que atua sobre o elétron pode ser considerado constante em qualquer ponto do espaço e, então, somos levados a um problema sem o movimento do núcleo graças à substituição da massa fictícia μ0 pela massa 41 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie real m 0 . No capítulo II do presente trabalho, estabelecemos um paralelismo geral entre as grandezas fundamentais da Dinâmica e as grandezas da teoria das Ondas; o teorema anunciado mais acima determina, portanto, quais valores são necessários atribuir à freqüência da onda de fase eletrônica e à sua velocidade no sistema ligado ao núcleo, sistema que não é mais galileano. Graças a este artifício, as condições quânticas de estabilidade podem ser, neste caso, consideradas, assim como elas podiam ser interpretadas pela ressonância da onda de fase. Vamos especificar em nosso fascinante caso do núcleo e do elétron que descreve órbitas circulares ao redor de seu centro de gravidade comum. O plano destas órbitas será tomado como o plano das coordenadas de índices 1 e 2 nos dois sistemas. As coordenadas do espaço no sistema galileano ligado ao centro de gravidade serão x 1, x 2 e x 3 , aquelas do sistema ligado ao núcleo serão y 1, y 2 e y 3 . Enfim, ter-se-á x 4 = y 4 = ct . Chamaremos de ω a velocidade de rotação da reta NE ao redor do ponto G. Coloquemos, por definição: η= M0 . m0 + M 0 As fórmulas que nos permite passar de um dos sistemas de eixos ao outro são as seguintes: y 1 = x 1 + R cos ωt y 2 = x 2 + R sen ωt y3 = x 3 y4 = x 4 de onde se deduz: 2 2 2 2 ds = (dx 4 ) − (dx 1 ) − (dx 2 ) − (dx 3 ) = ⎛ 2 2 2 2 ω 2R 2 ⎞ ωR ωR sen ωtdy 1dy 4 + 2 cos ωtdy 2dy 4 = ⎜⎜1 − 2 ⎟⎟⎟ (dy 4 ) − (dy 1 ) − (dy 2 ) − (dy 3 ) − 2 ⎜⎝ c ⎠ c c As componentes do vetor Impulsão de universo são definidas pelas relações: dy i u = ds i pi = m0cui + eϕi = m 0cgij u j + eϕi Onde encontra-se facilmente: 42 Tradução de Ricardo Soares Vieira p1 = m0 1 − η2β 2 ⎡ dy 1 ⎤ ⎢ + ωR sen ωt ⎥ ⎢⎣ dt ⎥⎦ m0 p2 = 1 − η 2β 2 ⎡ dy 2 ⎤ ⎢ − ωR cos ωt ⎥ ⎢⎣ dt ⎥⎦ p3 = 0 . A ressonância da onda de fase exprime-se de acordo com as idéias gerais do capítulo II pela relação: 1 ∫ h (p dy 1 1 + p2dy 2 ) = n (n inteiro) a integral é estendida à trajetória circular de raio R + r descrito pelo elétron ao redor do núcleo. Como se tem: dy 1 = −ω (R + r ) sen ωt dt dy 2 = ω (R + r ) cos ωt dt segue-se: 1 h ∫ (p dy 1 1 + p2dy 2 ) = ∫ m0 1 − η 2β 2 (vdl − ωRvdt ) designando por v a velocidade do elétron em relação aos eixos y e por dl o elemento de dl . comprimento de sua trajetória: v = ω (R + r ) = dt Finalmente a condição de ressonância passa a ser: m0 2 1− η β 2 ⎛ ωR ⎞⎟ ω (R + r )⎜⎜1 − ⎟ ⋅ 2π (R + r ) = nh ⎝ v ⎠⎟ ou supondo que na mecânica clássica β 2 é negligenciável e passa a ser a unidade, 2πm 0 M0 2 ω (R + r ) = nh. m0 + M 0 43 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Esta é efetivamente a fórmula de Bohr que se deduz do teorema enunciado mais acima e que pode, por conseguinte, ser aqui mantida ainda como uma condição de ressonância da onda eletrônica no sistema ligado ao núcleo do átomo. III. As duas ondas de fase: a do núcleo e a do elétron No capítulo precedente, a introdução de eixos ligados ao núcleo permitiu-nos eliminar em qualquer caso o movimento deste e considerar o deslocamento do elétron em um campo eletrostático constante; temos assim retornado ao problema tratado no capítulo II. Mas, se passarmos a outros eixos, por exemplo ligados ao centro de gravidade, o núcleo e o elétron descreverão ambos trajetórias fechadas e as idéias que nos guiaram até aqui devem necessariamente nos conduzir a conceber a existência de duas ondas de fase: esta do elétron e aquela do núcleo; devemos examinar como se devem exprimir as condições de ressonância destas duas ondas e o porquê delas serem compatíveis. Consideremos primeiro a onda de fase do elétron. No sistema ligado ao núcleo, a condição de ressonância para esta onda é: ∫ p dy 1 1 + p2dy 2 = 2π m 0M 0 2 ω (R + r ) = nh, m0 + M 0 sendo a integral tomada em tempo constante ao longo do círculo de centro N e de raio R + r , trajetória relativa do móvel e raio de sua onda. Se passarmos aos eixos ligados ao ponto G, a trajetória relativa torna-se um círculo de centro G e de raio r ; o raio da onda de fase que passa por E é à cada instante o círculo de centro N e de raio R + r , mas este círculo é móvel porque o seu centro gira de um movimento uniforme ao redor da origem das coordenadas. A condição de ressonância da onda eletrônica em um dado momento não se encontra alterado; ela se escreve sempre: 2π m 0M 0 2 ω (R + r ) = nh. m0 + M 0 Passemos à onda do núcleo. Em tudo o que se precede, núcleo e elétron desempenham um papel perfeitamente simétrico e o devemos obter a condição de ressonância invertendo M 0 e m0 , R e r. Onde retorna-se portanto à mesma fórmula. 44 Tradução de Ricardo Soares Vieira Em resumo, percebe-se que a condição de Bohr pode ser interpretada como a expressão da ressonância de cada uma das ondas presentes. As condições de estabilidade para os movimentos do núcleo e do elétron considerados separadamente são compatíveis porque eles são idênticos. É instrutivo traçar no sistema de eixos ligado ao centro de gravidade os raios no instante t das duas ondas de fase (traço cheio) e as trajetórias descritas ao curso do tempo pelos dois móveis (traço ponteado). Poder-se-ia então representear muito bem como cada móvel descreve sua trajetória com uma velocidade que em qualquer momento é tangente ao raio da onda de fase. Vamos insistir neste último ponto. Os raios da onda no instante t são as envolventes da velocidade de propagação, mas estes raios não são as trajetórias da energia, eles são apenas tangentes em cada ponto. Isto nos faz lembrar das conclusões conhecidas da hidrodinâmica, onde as linhas de corrente, envolvente das velocidades, não são as trajetórias das partículas fluidas cuja força é invariável, ou de outro modo, diz-se que o movimento é permanente. 45 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie CAPÍTULO V Os Quanta de luz5. I. O átomo de luz Como dissemos na introdução, o desenvolvimento da física das radiações se fez depois de diversos anos no sentido de um retorno pelo menos parcialmente à teoria corpuscular da luz. Uma tentativa feita por nós para obter uma teoria atômica da radiação de um corpo negro, publicada pelo Journal de Physique em novembro de 1922, com o título “Quanta de lumière et rayonnement noir” [“Quanta de luz e radiação de um corpo negro”] e cujos principais resultados serão dados no capítulo VII, havíamos confirmado à idéia da existência real do átomo de luz. As idéias expostas no capítulo primeiro e cuja dedução das condições de estabilidade no átomo de Bohr no capítulo III parecem trazer-nos uma interessante confirmação, nos parece dar um pequeno passo para a síntese das concepções de Newton e de Fresnel. Sem dissimular-se perante as dificuldades levantadas por semelhante ousadia, vamos tentar de especificar como se pode atualmente representar o átomo da luz. Vamos concebê-lo da seguinte maneira: para um observador que lhe é ligado, ele surge como uma pequena região do espaço ao redor da qual a energia é muito fortemente condensada e forma um conjunto indivisível. A esta aglomeração de energia que tem por valor total ε0 (medido por um observador ligado) é necessário, de acordo com o princípio da inércia da energia, atribuirlhe uma massa própria: m0 = ε0 . c2 Esta definição é inteiramente análoga àquela em que se pode atribuir ao elétron. Subsiste, contudo, uma diferença de estrutura essencial entre o elétron e o átomo de luz. Enquanto o 5 Ver A. Einstein, Ann. d. Phys., 17, 132 (1905); Phys. Zeitsch., 10, 185 (1909). 46 Tradução de Ricardo Soares Vieira elétron deve ser, no presente, considerado como dotado de uma simetria esférica, o átomo da luz deve possuir um eixo de simetria correspondente à polarização. Vamos representar, por conseguinte, os quanta de luz como que possuindo a mesma simetria do dubleto da teoria eletromagnética. Esta representação é toda provisória e onde não se pode, se necessário, especificar com alguma chance de exatidão a constituição da unidade luminosa, após ter feito o eletromagnetismo sofrer profundas modificações e este trabalho não for mais realizado. Em conformidade com nossas idéias gerais, vamos supor que existe na mesma constituição dos quanta de luz um fenômeno periódico que inclui a freqüência própria ν 0 que é dada pela relação: ν0 = 1 m0c 2 . h A onda de fase que corresponde ao movimento deste quantum com a velocidade βc terá para freqüência: 1 ν= h m 0c 2 1 − β2 . e ela é totalmente indicada pela suposição de que esta onda é idêntica à das teorias ondulatórias ou mais exatamente, que a distribuição concebida na maneira clássica das ondas no espaço é uma espécie de média no tempo da distribuição real das ondas de fase que acompanham os átomos de luz. É um fato experimental este que a energia luminosa se desloca com uma velocidade indiscernível do valor limite c. A velocidade c era uma velocidade na qual a energia não pode jamais atender em razão da mesma da lei de variação da massa com a velocidade, somos muito naturalmente conduzidos à supor que as radiações são formadas de átomos luz que se movem com velocidades muito próximas de c, mais ligeiramente inferiores. Se um corpo tem uma massa própria extraordinariamente pequena, podem lhe comunicar uma energia cinética apreciável, e será necessário dar-lhe uma velocidade muito próxima de c, isto resulta da expressão da energia cinética: ⎛ ⎞⎟ 1 ⎟⎟. E = m 0c 2 ⎜⎜⎜ 1 − ⎜⎝ 1 − β 2 ⎠⎟⎟ 47 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie De forma que as velocidades compreendem-se em um pequeníssimo intervalo c − ε , onde c corresponde às energias que compreendem todos os valores desde 0 à +∞ . Entendemos, portanto, que ao supor m0 extraordinariamente pequeno (vamos precisá-lo mais adiante), os átomos de luz, que possuem uma energia apreciável, terão todos eles uma velocidade muito próxima de c e, apesar da quase igualdade das suas velocidades, terão energias muito diferentes. Pois como fizemos corresponder à onda luminosa clássica a onda de fase, a freqüência ν da radiação será definida pela relação: ν= 1 h m 0c 2 1 − β2 . Notemos o fato de que devemos se lembrar, cada vez que se fala de átomos de luz, da extrema pequenez de m0c 2 em frente à m0c 2 ; a energia cinética pode, portanto, ser 1 − β2 escrita aqui por simplesmente m 0c 2 1 − β2 . A onda luminosa de freqüência ν corresponderia, assim, ao deslocamento de um átomo de luz com a velocidade v = βc religado à ν pela relação: v = βc = c 1 − m 02c 4 . h 2ν 2 m 02c 4 Exceto pelas vibrações extremamente lentas, e a fortiori, o seu quadrado, será muito h 2ν 2 pequeno e poderemos colocar: ⎛ m 2c 4 ⎞ v = c ⎜⎜1 − 02 2 ⎟⎟⎟ . ⎜⎝ 2h ν ⎠ Poderíamos tentar fixar um limite superior para o valor de m0 . Com efeito, das experiências de T. S. F. demonstrou-se que radiações de quaisquer comprimentos de onda propagam-se 1 = 10−4 ainda sensivelmente com a velocidade c. Admitamos que as ondas para aqueles ν 48 Tradução de Ricardo Soares Vieira segundos tenham uma velocidade diferente de c a menos de um centésimo. O limite superior m0 de será: (m0 )max = 2 hν 10 c sendo de aproximadamente 10−44 gramas. É mesmo provável que m0 devesse ser escolhido ainda menor; talvez se possa esperar algum dia que a medida da velocidade in vacuo das ondas de freqüências muito baixas, encontrar-se-á números muito sensivelmente inferiores à c. Não podemos esquecer que a velocidade de propagação, de que vem a ser questão, não é esta da onda de fase, sempre superior a c, mas a do deslocamento da energia, perceptível apenas experimentalmente 6. II. O movimento do átomo de luz Os átomos de luz para os quais β = 1 , sensivelmente seriam acompanhados de ondas c de fase cuja velocidade seria muito sensivelmente igual a c; isto é, pensemos nesta β coincidência que estabeleceria, entre o átomo de luz e sua onda de fase, um lugar particularmente estreito traduzido pelo duplo aspecto corpuscular e ondulatório das radiações. A identidade dos princípios de Fermat e da mínima ação explicaria porque a propagação retilínea da luz é ao mesmo tempo compatível com os dois pontos de vista. A trajetória do corpúsculo luminoso seria um dos raios da sua onda de fase, há razão de crer, vamos ver mais adiante, que vários corpúsculos poderiam ter uma mesma onda de fase; suas trajetórias seriam então diversos raios desta onda. A idéia antiga de que o raio é a trajetória da energia encontrar-se-ia, assim, confirmada e precisa. Contudo, a propagação retilínea não é um fato absolutamente geral; uma onda luminosa que cai sobre a borda de uma rede se difrata e penetra na sombra geométrica, os raios que passam a distâncias pequenas da rede em relação ao comprimento de onda são desviados e não seguem mais a lei de Fermat. Pelo ponto de vista ondulatório, o desvio dos raios se explica pelo desequilíbrio introduzido entre as ações das diversas zonas muito próximas da onda, conseqüentemente, da presença da rede. Colocado pelo ponto de vista oposto, Newton supunha uma força exercida pela borda da rede sobre o corpúsculo. Parece-nos que podemos chegar a uma visão sintética: 6 A respeito das objeções sobre as idéias contidas neste parágrafo, ver o apêndice. 49 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie o raio da onda se encurvaria como previsto pela teoria das ondulações e o móvel, uma vez que o princípio da inércia não seria mais válido, sofreria o mesmo desvio que o raio cujo movimento lhe é solidário; talvez poder-se-ia dizer que a parede exerce uma força sobre ele tornando a curvatura da trajetória como critério da existência de uma força. No que se precede, vamo-nos guiar pela idéia de que o corpúsculo e a sua onda de fase não são realidades físicas diferentes. Se refletirmos, veremos que semelhantemente resulta a seguinte conclusão: “A nossa dinâmica (compreendida na sua forma Einsteiniana) está atrasada em relação a Óptica: ela está ainda na fase da Óptica Geométrica”. Parece-nos hoje muito provável que toda onda comporta concentrações de energia, pelo contrário, a dinâmica do ponto material dissimula sem dúvida uma propagação de ondas e o verdadeiro sentido do princípio de mínima ação é o de exprimir uma concordância de fase. Seria muito interessante procurar a interpretação da difração no espaço-tempo, mas aqui se encontram as dificuldades assinaladas no capítulo II a respeito do movimento variado e não podemos precisar a questão de uma forma satisfatória. III. Algumas concordâncias entre as diferentes teorias da radiação Vamos demonstrar por alguns exemplos com qual facilidade a teoria corpuscular das radiações dá conta de um certo número de resultados conhecidos das teorias ondulatórias. a) Efeito Doppler por movimento da fonte: Consideremos uma fonte de luz em movimento com a velocidade v = βc na direção de um observador considerado imóvel. Esta fonte é suposta estar emitindo átomos de luz, a 1 m 02c 4 . Para o 2 h 2ν 2 observador fixo, estas grandezas têm por valor ν ' e c (1 − ε ') . O teorema da adição de freqüência das ondas de fase é ν e a velocidade c (1 − ε) onde ε = velocidades nos dá: c (1 − ε ') = c (1 − ε) + v c (1 − ε) ⋅ v 1+ c2 ou 50 Tradução de Ricardo Soares Vieira 1− ε' = 1− ε + β 1 + (1 − ε) β ou ainda, negligenciando εε ' : 1+ β ε ν '2 , = 2 = ε' ν 1− β ν '2 = ν2 1+ β 1− β se β é pequeno, reencontra-se as fórmulas da antiga óptica: ν' = 1 + β, ν T' v = 1− β = 1− . T c É igualmente fácil encontrar a relação das intensidades para os dois observadores. Durante a unidade de tempo, o observador animado vê a fonte emitir n átomos de luz por unidade de nh ν superfície. A densidade de energia do feixe, avaliado por este observador, é portanto, e c a intensidade I = nhν . Para o observador imóvel, os n átomos são emitidos em um tempo igual a 1 1− β 2 e preenchem um volume c (1 − β ) 1 1− β 2 =c 1− β . A densidade de 1+ β energia do feixe parece-lhe ser: nh ν ' c 1+ β 1− β e a intensidade: nh ν ' = 1+ β ν' . = nh ν ' ⋅ 1− β ν de onde 2 ⎛ν'⎞ I = ⎜⎜ ⎟⎟⎟ . I' ⎝ν ⎠ Todas estas fórmulas são demonstradas pelo ponto de vista ondulatório no livro de Laue, Die Relativitätstheorie, [A teoria da Relatividade] volume 1º, 3ª ed., p. 119. 51 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie b) Reflexão sobre um espelho móvel: Consideremos a reflexão de corpúsculos de luz incidindo normalmente em um espelho plano, perfeitamente refletor, que se desloca com a velocidade βc na direção perpendicular à sua superfície. Seja ν '1 a freqüência das ondas de fase para o observador estacionário, que acompanha os corpúsculos incidentes e c (1 − ε '1 ) sua velocidade. As mesmas grandezas para o observador em movimento serão ν1 e c (1 − ε1 ) . Se considerarmos os corpúsculos refletidos, os valores correspondentes serão chamados de ν 2 , c (1 − ε2 ) , ν '2 e c (1 − ε '2 ) . A composição de velocidades fornece: c (1 − ε1 ) = c (1 − ε '1 ) + βc , 1 + β (1 − ε '1 ) c (1 − ε2 ) = c (1 − ε '2 ) − βc 1 − β (1 − ε '2 ) Para o observador em movimento, há reflexão sobre um espelho fixo sem mudança de freqüência, dado que a energia se conserva. De onde: ν1 = ν 2 , ε1 = ε2 , 1 − ε '1 + β 1 − ε '2 − β . = 1 + β (1 − ε '1 ) 1 − β (1 − ε '2 ) Negligenciando ε1 ' ε2 ' , vem: ⎛ ν '2 ⎟⎞ ⎛ 1 + β ⎞2 ε '1 ⎟ ⎜ ⎟=⎜ =⎜ ⎜⎝ ν ' ⎠⎟⎟ ⎜⎝⎜ 1 − β ⎠⎟⎟ ε '2 1 Se β é pequeno, retornamos à fórmula clássica: ou ν '2 1+β = ν '1 1− β T2 v = 1−2 . T1 c Seria fácil tratar o problema supondo uma incidência oblíqua. Designando por n o número de corpúsculos refletidos pelo espelho durante um tempo dado. A energia total dos n corpúsculos antes da reflexão é E '1 e a sua energia total após a nh ν '2 ν' reflexão, E '2 , na relação = 2. nh ν '1 ν '1 A teoria eletromagnética fornece também esta relação, mas aqui ela é completamente evidente. 52 Tradução de Ricardo Soares Vieira Se os n corpúsculos ocupassem antes da reflexão um volume V1 , eles ocuparão após 1− β reflexão um volume V2 = V1 , como o mostra um raciocínio geométrico muito simples. 1+ β As intensidades I '2 e I '2 antes e depois da reflexão estão, portanto, na relação: 2 ⎛ν' ⎞ I1 nh ν '2 1 + β = ⋅ = ⎜⎜ 2 ⎟⎟⎟ . ⎜⎝ ν ' ⎠⎟ I2 nh ν '1 1 − β 1 Todos estes resultados são demonstrados do ponto de vista ondulatório por Laue, página 124. c) Pressão da radiação de um corpo negro: Seja um recinto preenchido de radiação de um corpo negro à temperatura T. Qual é a pressão suportada pelas paredes de incidência? Para a radiação de um corpo negro será um gás de átomos de luz e nós vamos supor que a distribuição das velocidades seja isotrópica. Seja u a energia total (ou, o que aqui é o mesmo, a energia cinética total) dos átomos contidos na unidade de volume. Seja ds um elemento de superfície da parede, dv um elemento de volume, r a sua distância, θ o ângulo da reta que se junta à normal do elemento de superfície. O ângulo sólido sob o qual o elemento ds é visto do ponto O, centro de dv, é: ds cos θ dΩ = . r2 Consideremos apenas aqueles átomos do volume du cuja energia esteja compreendida ente w e w + dw , em número nwdwdv ; o número daqueles dentre os quais a velocidade é dirigida para ds é, em razão da isotropia: dΩ ds cos θ dv. × nwdwdv = nwdw 4π 4πr 2 Tomando um sistema de coordenadas esféricas com a normal à ds como eixo polar, encontra-se: dv = r 2 sen θd θd ψdr . No mais, a energia cinética de um átomo de luz é e a sua quantidade de movimento G = m 0v 1 − β2 m 0c 2 1 − β2 com v = c , tem-se muito aproximadamente: W =G . c 53 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Logo, a reflexão sob o ângulo θ de um átomo de energia W comunica à ds um impulso W igual à: 2G cos θ = 2 cos θ. Os átomos do volume dv, que possuem esta energia comunicamc se, portanto, através da reflexão um impulso igual a: 2 W ds cos θ cos θnwdwr 2 sen θd θd ψdr c 4πr 2 Integramos em relação à W, de 0 ao ∞ , observando que ∫ 0 +∞ wnwdw = u , em relação π , enfim, em relação a r de 0 à c. 2 Obtemos assim o impulso total sofrido em um segundo pelo elemento ds e, dividindo por ds, a aos ângulos ψ e θ , respectivamente de 0 à 2π e de 0 à pressão da radiação: p =u⋅∫ π 2 0 cos2 θ sen θd θ = u . 3 A pressão da radiação é igual a um terço da energia contida na unidade de volume, resultado conhecido das teorias clássicas. A facilidade com que acabamos de reencontrar neste parágrafo certos resultados igualmente fornecidos pelas concepções ondulatórias da radiação nos revela a existência, entre os dois pontos de vista convenientemente opostos, de uma harmonia secreta cuja noção de onda de fase nos faz pressentir a natureza. IV. A óptica ondulatória e os quanta de luz7 A pedra que obstrui a teoria dos quanta de luz é a explicação dos fenômenos que constituem a óptica ondulatória. A razão essencial é que esta explicação necessita da intervenção da fase de fenômenos periódicos; pode nos parecer, portanto, que temos dado um grandioso passo à questão chegando a conceber uma relação estreita entre o movimento de um corpúsculo de luz e a propagação de certa onda. Com efeito, é muito provável que, se a 7 Ver a este respeito Bateman (H.). On the theory of light quanta [Sobre a teoria dos quanta de luz], Phil. Mag., 46 (1923), 977; onde encontra-se um histórico e uma bibliografia. 54 Tradução de Ricardo Soares Vieira teoria dos quanta de luz vier um dia a explicar os fenômenos da óptica ondulatória, seria por concepções deste tipo que ela conseguiria. Infelizmente, é ainda impossível chegar a resultados satisfatórios nesta ordem de idéias e somente o futuro poderá dizer-nos se a audaciosa concepção de Einstein, judiciosamente abrandada e completada, poderá hospedar em colocações os numerosos fenômenos cujo estudo, de uma maravilhosa precisão, tinha conduzido os físicos do século XIX a considerar como definitivamente estabelecida a hipótese ondulatória. Limitemo-nos a girar em torno deste difícil problema sem procurar atacá-lo de frente, para progredir na viagem seguida até agora, seria necessário estabelecer, como havíamos dito, uma certa ligação de natureza sem dúvida estatística entre a onda concebida à maneira clássica e a superposição das ondas de fase; isto certamente nos conduziria a atribuir para a onda de fase, e consequentemente ao fenômeno periódico definido no capítulo primeiro, uma natureza eletromagnética. Pode-se considerar como provado com quase-certeza que a emissão e absorção da radiação se dão de maneira descontínua. O eletromagnetismo ou mais precisamente a teoria dos elétrons nos dá, portanto, para o mecanismo destes fenômenos um valor inexato. Todavia, o Sr. Bohr, pelo seu princípio da correspondência, fez-nos saber que ao considerar as previsões desta teoria para as radiações emitidas por um conjunto de elétrons, eles possuirão sem dúvida uma espécie de exatidão global. Pode ser que qualquer teoria eletromagnética tenha apenas um valor estatístico; e as leis de Maxwell apareceriam então como uma aproximação de caráter contínuo de uma realidade descontínua, semelhantemente (mas grosso modo apenas) como as leis da hidrodinâmica que dão uma aproximação contínua dos movimentos muito complexos e muito rapidamente variáveis das moléculas fluidas. Esta idéia de correspondência, que parece ainda bastante imprecisa e bastante elástica, deveria servir de guia aos investigadores corajosos que porventura queiram continuar uma nova teoria eletromagnética, mais de acordo que atual, em relação aos fenômenos quânticos. Vamos reproduzir no parágrafo seguinte as considerações que emitimos sobre as interferências; falando francamente, elas devem ser consideradas como vagas sugestões ao invés de verdadeiras explicações. V. As interferências e a coerência Perguntemo-nos primeiro como se constata a presença da luz num ponto do espaço. Pode-se colocar um corpo sobre o qual a radiação possa exercer um efeito fotoelétrico, 55 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie químico, calorífico, etc.; além do que, é possível, em última análise, que todos os efeitos deste gênero sejam fotoelétricos. Pode-se também observar a difusão de ondas produzidas pela matéria no ponto considerado do espaço. Portanto, poderemos dizer que onde a radiação não pode reagir com a matéria, ela é indetectável experimentalmente. A teoria eletromagnética admite que as ações fotográficas (experiências de Wiener) e a difusão estão ligadas à intensidade do campo elétrico resultante; onde o campo elétrico é nulo, se houver energia magnética, ela é indetectável. As idéias desenvolvidas aqui nos levam a assimilar a onda de fase às ondas eletromagnéticas, pelo menos quanto à distribuição de fases no espaço, a questão das intensidades deve ser reservada. Esta idéia combinada com aquela da correspondência nos conduz a pensar que a probabilidade das reações entre átomos de matéria e átomos de luz é, em cada ponto conduz à resultante (ou antes, ao valor médio desta), de um dos vetores que caracterizam a onda de fase; onde esta resultante for nula, a luz será indetectável; e haverá interferência. Concebe-se então que um átomo de luz que atravessa uma região onde as ondas de fase se interferem, poderá ser absorvido pela matéria em certos pontos e, em outros, não poderá. Há aqui novamente um princípio ainda muito qualitativo de uma explicação das interferências compatível com a descontinuidade da energia radiante. O Sr. Norman Campbell no seu livro Modern electrical theory [Teoria elétrica moderna] (1913), parece ter visto uma solução do mesmo gênero quando escreveu: “A teoria corpuscular apenas pode explicar como a energia da radiação é transferida de um lugar a outro, enquanto a teoria ondulatória apenas pode explicar por que a transferência ao longo de uma trajetória depende do que acontece em outra. Parece até que a energia própria seja transportada por corpúsculos, tanto que o poder para absorvê-lo e torná-lo perceptível à experiência é transportado por ondas esféricas”. De modo que interferências possam se produzir regularmente, parece necessário estabelecer uma espécie de dependência entre as emissões de diversos átomos de uma mesma fonte. Propomo-nos exprimir esta dependência pelo postulado seguinte: “a onda de fase para o movimento de um átomo de luz pode eventualmente, sobre átomos materiais excitados, desencadear a emissão outros átomos de luz cuja fase estará em acordo com o da onda”. Uma onda poderia assim transportar numerosos centros pequenos de condensação de energia que entraria, aliás, ligeiramente à sua superfície, permanecendo sempre em fase com ela. Se o número de átomos transportados fosse extremamente grande, a estrutura da onda aproximarse-ia das concepções clássicas, como um tipo de limite. 56 Tradução de Ricardo Soares Vieira VI. A lei da freqüência de Bohr. Conclusões Para qualquer ponto de vista que se coloque, os detalhes das transformações internas sofridas pelo átomo quando ele absorve ou emite, não pode ainda ser de modo algum imaginada. Admitamos sempre a hipótese granular: nós não sabemos se o quantum absorvido pelo átomo se funde, de certa forma, com ele ou se subsiste em seu interior no estado de unidade isolada, não mais sabemos se a emissão é a expulsão de um quantum pré-existente no átomo ou a criação de uma unidade nova à custa de sua energia interna. Embora possa parecer certo que a emissão não porta um só quantum; a partir do que a energia total do corpúsculo, que iguala à h vezes a freqüência da onda de fase que o acompanha, deveria ser igual à diminuição do conteúdo energético total do átomo, para salvaguardar a conservação da energia, e isto tratamos pela lei da freqüência de Bohr: h ν = W1 −W2 Vê-se, por conseguinte, que as nossas concepções, após nos ter conduzido a uma explicação simples das condições de estabilidade, permitem também obter a lei das freqüências, admitindo, porém, a condição de que a emissão está sempre contida em um só corpúsculo. Observe que a imagem da emissão fornecida pela teoria dos quanta de luz parece estar confirmada pelas conclusões dos Srs. Einstein e Léon Brillouin 8, que demonstraram a necessidade de introduzir a idéia de uma emissão estritamente dirigida na análise das reações entre a radiação de um corpo negro e uma partícula livre. O que devemos concluir de todo este capítulo? Seguramente, tal fenômeno como a dispersão, que parecia incompatível com a noção dos quanta de luz sob esta forma simplista, parece-nos agora de todo impossível conciliar-nos com ela graças à introdução de uma fase. A teoria recente da difusão dos raios X e γ dada pelo Sr. A. H. Compton, que vamos expor mais adiante, parece se apoiar sobre as séries de provas experimentais e torna tangível a existência de corpúsculos luminosos num domínio onde os esquemas ondulatórios reinam mestres. Não é menos incontestável que a concepção dos grãos de energia luminosa não chega ainda, de modo algum, a responder os problemas da óptica ondulatória e que se depare com seriíssimas dificuldades; parece-nos que seria prematuro se pronunciar sobre a questão de saber se chegaremos ou não a superá-la. 8 A. Einstein, Phys. Zeitschr., 18, 121, 1917; L. Brillouin, Journ. d. Phys., série VI, 2, 142, 1921. 57 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie CAPÍTULO VI A difusão dos raios X e γ . I. Teoria do Sr. J. J. Thomson9 Neste capítulo, desejamos estudar a difusão dos raios X e γ e demonstrar com este exemplo particularmente sugestivo a posição atual da teoria eletromagnética e daquela dos quanta de luz, respectivamente. Comecemos por definir o próprio fenômeno da difusão: quando se envia um feixe de raios sobre uma porção de matéria, uma parte da energia é, em geral, espalhada em todas as direções. Diz-se que há difusão e enfraquecimento por difusão do feixe durante travessia da substância. A teoria eletrônica interpreta de forma muito simples este fenômeno. Ela supõe (o que de outro modo parece estar em oposição direta com o modelo atômico de Bohr) que os elétrons contidos num átomo estão sujeitos a forças quase elásticas e que possuem um período de vibração bem determinado. Logo, a passagem de uma onda eletromagnética sobre estes elétrons há de lhes imprimir um movimento oscilatório e, por conseguinte, a amplitude dependerá em geral ao mesmo tempo da freqüência da onda incidente e da freqüência própria dos ressonadores eletrônicos. Em conformidade com a teoria da onda emitida por aceleração, o movimento do elétron será incessantemente amortecido pela emissão de uma onda com simetria cilíndrica. Estabelecer-se-á um regime de equilíbrio no qual o ressonador colocará à radiação incidente energia necessária para compensar este amortecimento. O resultado final será, portanto, efetivamente um espalhamento de uma fração da energia incidente em todas as direções do espaço. Para calcular a grandeza do fenômeno de difusão, é necessário determinar primeiramente o movimento do elétron vibrante. Para isto, deve-se exprimir por um lado o 9 Passage de l’électricité à travers les gaz [Passagem da eletricidade através dos gáses] Tradução francesa de Fric e Fàure. Gauthier-Villars, 1912, p. 321. 58 Tradução de Ricardo Soares Vieira equilíbrio entre a resultante da força de inércia e da força quase-elástica e, por outro, a força elétrica exercida pela radiação incidente sobre o elétron. No domínio visível, o exame dos valores numéricos mostra que se pode negligenciar o termo inércia diante do termo quaseelástico e somos assim levados a atribuir à amplitude do movimento vibratório um valor proporcional à amplitude da luz excitada, mas independente de sua freqüência. A teoria da radiação de dipolo ensina neste caso que a radiação global secundaria está na razão inversa da 4ª potência do comprimento de onda; as radiações mais difundidas são, portanto, aquelas de freqüência mais elevada. É sobre esta conclusão que Lord Rayleigh se apoiou na sua bela teoria da cor azul do céu 10. No domínio das freqüências muito elevadas (Raios X e γ ) pelo contrário, é o termo quase-elástico que é negligenciável diante o da inércia. Tudo se passa como se o elétron fosse livre e a amplitude de seu movimento vibratório fosse proporcional não somente à amplitude incidente, mas também à 2ª potência do comprimento de onda. Resulta disso que a intensidade global difundida é aquela que foi independente do comprimento de onda. Foi o Sr. J. J. Thomson quem primeiro deu atenção a este fato e constituiu a primeira teoria da difusão dos Raios X. As duas principais conclusões foram as seguintes: 1º Ao se designar por θ o ângulo entre o prolongamento da direção de incidência com 1 + cos2 θ . 2 2° A energia total difundida por um elétron em um segundo é a intensidade incidente a direção de difusão, a energia difundida varia em função de θ como na relação: Iα 8π e 4 = I 3 m 02c 4 onde e e m 0 são as constantes do elétron e c a velocidade da luz. Um átomo contém certamente vários elétrons; hoje em dia, temos boas razões para acreditar que o seu número p se iguala ao número atômico do elemento. O Sr. Thomson supôs “incoerentes” as ondas emitidas pelos p elétrons de um mesmo átomo e, conseqüentemente, considerou a energia difundida por um átomo como igual à p vezes àquela que difundiria um só elétron. Do ponto de vista experimental, a difusão se traduz por um enfraquecimento gradual da intensidade do feixe e este enfraquecimento obedece a uma lei exponencial 10 Lord Rayleigh deduziu esta teoria a partir da concepção elástica da luz, porém esta aqui está, neste ponto, inteiramente de acordo com a concepção eletromagnética. 59 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie I x = I 0e −sx , onde s é o coeficiente de enfraquecimento por difusão ou, mais resumidamente, coeficiente de s do número pela densidade de corpos difundidos é o coeficiente difusão. O quociente ρ massivo de difusão. Se chamarmos de σ o coeficiente atômico de difusão, tem-se a relação entre a energia difundida num só átomo e a intensidade da radiação incidente, vê-se facilmente que ela está ligada pela equação: σ= s AmH . ρ onde A é aqui o peso atômico da difusor e mH a massa do átomo de hidrogênio. Substituindo os valores numéricos no fator 8π e 4 , encontra-se: 3 m 02c 4 σ = 0, 54 ⋅ 10−24 p. Ora, a experiência demonstra que a relação s é muito próxima de 0,2 de modo que ρ deve-se ter: A 0, 54 ⋅ 10−24 0, 54 = = . −24 p 0,2 ⋅ 1, 46 ⋅ 10 0,29 Esta cifra é próxima de 2, o que está completamente de acordo com a nossa concepção atual da relação entre o número de elétrons intra-atômicos e o peso atômico. Logo, a teoria do Sr. Thomson conduziu a interessantes coincidências e os trabalhos de diversos experimentadores, notadamente aqueles do Sr. Barkla demonstraram, há muito tempo, que ela se verificaria consideravelmente 11. 11 Encontram-se enumerados os antigos trabalhos sobre difusão de Raios X no livro dos Srs. R. Ledoux-Lebard e A. Dauvillier, La physique des Rayons X. [A física dos Raios X] Gauthier-Villars, 1921, pp. 137-138. 60 Tradução de Ricardo Soares Vieira II. Teoria do Sr. Debye 12 As dificuldades subsistiam. Em particular, o Sr. W. H. Bragg havia encontrado em certos casos uma difusão bem mais forte que aquela dada na teoria precedente, ele tinha concluído que havia proporcionalidade da energia difundida não pelo número de elétrons atômicos, mas devido ao quadrado deste número. O Sr. Debye apresentou uma teoria mais completa e compatível ao mesmo tempo com os resultados dos Srs. Bragg e Barkla. O Sr. Debye considerou os elétrons intra-atômicos como distribuídos regularmente num volume na qual as dimensões são de aproximadamente 10−8 cm; para facilitar os cálculos, supôs que eles estão mesmo todos distribuídos sobre um mesmo círculo. Se o comprimento de onda for grande em relação à distância média dos elétrons, os movimentos destes devem estar quase em fase e, na onda total, as amplitudes radiadas por cada um deles acrescentar-se-ão. A energia difundida será então proporcional à p 2 e não mais à p de modo que o coeficiente σ se escreve: σ= 8π e 2 p2. 2 4 3 m0 c Quanto à distribuição no espaço, ela será idêntica àquela que tinha sido prevista pelo Sr. Thomson. Para ondas de comprimentos de onda progressivamente decrescentes, a distribuição no espaço tornar-se-á dessimétrica e a energia difundida será bem mais fraca no sentido em que vem a radiação que no sentido oposto. Eis a razão: não se pode mais olhar as vibrações de diversos elétrons como em fase quando o comprimento de onda ficar comparável às distâncias mútuas. As amplitudes radiadas nas diversas direções não se acrescentarão mais porque estão defasadas e a energia difundida será menor. Contudo, em um cone de pequena abertura em torno do prolongamento da direção de incidência, haverá ainda acordo de fase e as amplitudes acrescentar-se-ão; por conseguinte, para as direções contidas neste cone, a difusão será muito maior do que para os outros. O Sr. Debye tem, dentre outros, previsto um curioso fenômeno: quando se afasta progressivamente o eixo do cone definido mais acima, a intensidade 12 Ann. d. Phys., 46, 1915, p. 809. 61 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie difundida não decresce imediatamente de forma regular, mas sofre de súbito variações periódicas; dever-se-ia, portanto, sobre uma tela, colocada perpendicularmente ao feixe transmitido, observar anéis claros e escuros centrados na direção do feixe. Embora o Sr. Debye tenha acreditado reencontrar este fenômeno em certos resultados experimentais do Sr. Friedrich, ele não parece ter sido constatado claramente até agora. Para curtos os comprimentos de onda, os fenômenos devem simplificar-se. O cone de forte difusão se retrai de mais em mais, a distribuição torna-se simétrica e há de satisfazer agora às fórmulas de Thomson, pois as fases dos diversos elétrons ficam completamente incoerentes e são, portanto, as energias e não mais as amplitudes que se somam. O grande interesse da teoria Sr. Debye é ter explicado a forte difusão dos raio X macios e de ter demonstrado como se deve efetuar, quando a freqüência se eleva, a passagem deste fenômeno para aquele de Thomson. Mas é essencial notar que segundo as idéias de Debye, quanto mais elevada for a freqüência, mais a simetria da radiação será difundida e o s deverá se encontrar mais bem estabelecido. Ora, vamos ver no valor 0,2 do coeficiente ρ parágrafo seguinte que isto não é de forma alguma assim. III. Teoria recente dos Srs. P. Debye e A. H. Compton 13 As experiências no domínio dos raios X duros e dos raios γ têm sido reveladas a partir de fatos muito diferentes daquelas que as teorias precedentes podiam prever. Primeiro, quanto mais a freqüência se eleva, mais a dessimetria da radiação difusa se acusa; por outro lado, a s tende a diminuir energia difundida total diminui, o valor do coeficiente massivo ρ rapidamente tão logo quanto o comprimento de onda se torna inferior à 0,3 ou 0,2 Å e fica muito fraco para os raios γ . Assim, lá onde a teoria de Thomson deveria ser aplicável de melhor para melhor, ela se aplica cada vez menos. Dois outros fenômenos foram colocados em destaque pelas recentes pesquisas experimentais: em primeiro lugar, deve-se colocar aqueles do Sr. A. H. Compton. Estes, com efeito, tem mostrado que a difusão parece, além de, por um lado, ser acompanhada de uma redução da freqüência variável com a direção de observação, por outro, parece provocar o 13 P. Debye, Phys. Zeitschr., 24, 1923, 161-166; A. H. Compton, Phys. Rev., 21, 1923, 207; 21, 1923, 483; Phil. Mag., 46, 1923, 897. Ann. de Phys., 10ª série, t. III (Janvier-Février 1925). 62 Tradução de Ricardo Soares Vieira ajuste no movimento dos elétrons. Quase simultaneamente e independentemente um do outro, os Srs. P. Debye e A. H. Compton chegaram a fornecer, a partir destes desvios em relação às leis clássicas, uma interpretação fundada sobre a noção dos quanta de luz. Eis o princípio: se um quantum de luz é desviado de sua marcha retilínea ao passar próximo de um elétron, devemos supor que durante o tempo onde os dois centros de energia são suficientemente vizinhos, eles exerçam um sobre o outro certa ação. Quando esta ação chega ao fim, o elétron terá tomado emprestado do corpúsculo de luz uma certa energia; de acordo com a relação quântica, a freqüência difundida será, portanto, menor que a freqüência incidente. A conservação da quantidade de movimento completa a determinação do problema. Suponha que o quantum difundido desloca-se numa direção que faça um ângulo θ com o prolongamento da direção de incidência. Sendo ν 0 e ν θ as freqüências de antes e após a difusão e m0 a massa própria do elétron, ter-se-á: ⎛ ⎞⎟ 1 ⎟⎟ ; h ν θ = h ν 0 − m 0c 2 ⎜⎜⎜ 1 − ⎜⎝ 1 − β 2 ⎠⎟⎟ ⎛ m βc ⎜⎜ 0 ⎜⎜ 2 ⎝ 1− β 2 ⎞⎟ ⎟⎟ = ⎛⎜ h ν 0 ⎜⎝ c ⎠⎟⎟ 2 ⎞⎟ ⎛ h νθ ⎜ ⎟⎠⎟ + ⎝⎜ c 2 ⎞⎟ hν0 hνθ ⎟⎠⎟ − 2 c ⋅ c cos θ Esta segunda relação se lê seguidamente à figura anexa: A velocidade v = βc é a que o elétron adquire por este processo. h ν0 , igual ao quociente de ν 0 por este a que nomeamos Designando por α a relação m 0c 2 freqüência própria do elétron. Vêm: 63 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie νθ = ν0 1 + 2α sen2 θ 2 ou ⎛ θ⎞ λθ = λ0 ⎜⎜1 + 2α sen2 ⎟⎟⎟ . ⎝ 2⎠ Onde se pode também, através destas fórmulas, estudar a velocidade da projeção e a direção do elétron “recuante”. Encontra-se que, quando as direções de difusão variam de 0 a π π , que corresponde ao elétron cujos ângulos de recuo variam de a 0, a velocidade varia 2 simultaneamente de 0 a um valor máximo,. O Sr. Compton, recorrendo a hipóteses inspiradas pelo princípio da correspondência, acreditou poder calcular o valor da energia difundida no total e explicar assim a rápida s . O Sr. Debye tem aplicado a idéia da correspondência sob uma diminuição do coeficiente ρ forma ligeiramente diferente, mas também tem tido sucesso em interpretar este mesmo fenômeno. Em um artigo do Physical Review, de Maio de 1923, e em mais um recente artigo do Philosophical Magasine (novembro de 1923), o Sr. A. H. Compton mostrou que as novas idéias acima expostas davam conta de muitos fatos experimentais e que em particular para os raios duros e os corpos ligeiros, a variação do comprimento de onda prevista era verificada quantitativamente. Para os corpúsculos mais pesados e às radiações mais macias, parece que há coexistência de uma risca difundida sem mudança de freqüência e de uma outra risca difundida de acordo com a lei Compton-Debye. Para as baixas freqüências a primeira torna-se preponderante e parece mesmo com freqüência ser a única a existir. Das experiências do Sr. Ross sobre a difusão da raia MoKα e a da luz verde pela parafina confirmam esta maneira de ver. A raia Kα fornece uma forte risca difundida de acordo com a lei de Compton e uma fraca risca para a freqüência não modificada, esta última parece somente existir para a luz verde. A existência de uma raia não deslocada parece explicar porque a reflexão cristalina (fenômeno de Laue) não é acompanha de uma variação do comprimento de onda. Os Srs. Jauncey e Wolfers, com efeito, mostraram recentemente que, se as raias difundidas pelos cristais usualmente empregados como refletores, sofressem de uma maneira apreciável o efeito Compton-Debye, as medidas de precisão dos comprimentos de onda Röntgen, já teriam posto o fenômeno em evidência. É necessário, por conseguinte, supor que neste caso a difusão toma lugar sem degradação do quantum. Em primeira abordagem, tenta-se explicar a existência das duas espécies de difusão da seguinte maneira: o efeito Compton se produziria cada vez que o elétron difusor fosse liberado ou pelo menos que a sua ligação com um átomo correspondesse à uma energia fraca diante 64 Tradução de Ricardo Soares Vieira daquela do quantum incidente; do contrário, haveria difusão sem mudança do comprimento de onda porque então todo o átomo levaria parte no processo sem adquirir velocidade apreciável, em razão de sua grande massa. O Sr. Compton encontra dificuldades ao admitir esta idéia e prefere explicar a raia não modificada pela intervenção de vários elétrons no desvio de um mesmo quantum; esta seria então, o valor relevado pela soma das suas massas que impediriam a passagem de uma energia notável da radiação à matéria. Seja como for, concebe-se bem o porquê dos elementos pesados e os raios duros comportam-se diferentemente dos elementos leves e os raios macios. Quanto ao modo de tornar compatível a concepção da difusão com a do desvio de uma partícula luminosa e a conservação da fase necessária para a explicação das figuras de Laue, ela levanta dificuldades consideráveis e de modo algum ainda resolvidas, as quais damos sinais no capítulo precedente a respeito da Óptica Ondulatória. Quanto à questão dos raios X duros e dos elementos leves tal qual aquele que é aplicado na prática em Radioterapia, os fenômenos devem ser completamente modificados para o efeito Compton e é efetivamente isso o que parece se produzir. Vamos dar um exemplo. Sabe-se que além do enfraquecimento por difusão, um feixe de raios X que atravessa a matéria enfrenta um enfraquecimento por absorção, fenômeno que é acompanhado por uma emissão de fotoelétrons. Uma lei empírica devida aos Srs. Bragg e Pierce ensina-nos que esta absorção varia como o cubo do comprimento de onda e sofre bruscas descontinuidades para todas as freqüências características dos níveis intra-atômicos da substância considerada; demais, para um mesmo comprimento onda e diversos elementos, o coeficiente atômico de absorção varia com a quarta potência do número atômico. Esta lei é bem verificada no domínio médio das freqüências Röntgen e parece bem provável que ela deva se aplicar aos raios duros. Como se segue das idéias recebidas antes da teoria de Compton-Debye, a difusão era somente um enfraquecimento da radiação, somente a energia absorvida de acordo com a lei de Bragg poderia produzir uma ionização em um gás, os elétrons fotoelétricos animados por grandes velocidades ionizam por choques os átomos reencontrados. A lei de Bragg-Pierce permitiria, por conseguinte, calcular a relação das ionizações produzidas por uma mesma radiação dura em duas ampolas que contenham um gás pesado (por exemplo, CH3 I ) e no outro um gás leve (por exemplo, o ar). Mesmo tendo em conta as numerosas correções secundárias, esta relação era encontrada experimentalmente bem menor que o previsto. O Sr. Dauvillier tinha constatado este fenômeno para os raios X e sua interpretação há muito tempo tem-nos intrigado. A nova teoria da difusão parece efetivamente explicar esta anomalia. Se, com efeito, pelo menos no caso dos raios duros, uma parte da energia dos quanta de luz é transportada 65 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie ao elétron difusor, haverá não somente enfraquecimento da radiação, mas também “absorção por difusão”. A ionização do gás será devida ao mesmo tempo pelos elétrons expulsos do átomo, pelo mecanismo de absorção propriamente dito, e aos elétrons postos em movimento recuante pela difusão. Em um gás pesado ( CH3 I ), a absorção de Bragg é intensa e a de Compton é, em comparação, quase que negligenciável. Para um gás leve (ar), não será de todo a mesma coisa; a primeira absorção devida a sua variação em N4 é muito fraca e a segunda, que é independente de N , a mais importante. A relação das absorções totais e conseqüentemente das ionizações nos dois gases, deve ser bem pequena tal qual se previa anteriormente. É mesmo possível assim dar conta de uma forma quantitativa a relação das ionizações. Vê-se, portanto, através deste exemplo muito grosseiro, o interesse prático das idéias novas dos Srs. Compton e Debye. O recuo dos elétrons difusores parece de resto dar a chave de muitos outros fenômenos inexplicados. IV. Difusão pelos elétrons em movimento Pode-se generalizar a teoria Compton-Debye ao considerar a difusão de um quantum de radiação por um elétron em movimento. Vamos considerar por eixo dos x a direção de propagação inicial de um quantum de freqüência inicial ν1 , os eixos dos y e dos z escolhidos arbitrariamente por um ângulo reto um em relação ao outro em um plano normal à ox e passando pelo ponto onde se produz a difusão. A direção da velocidade β1c do elétron antes do choque é definida pelos co-senos diretores a1, b1 e c1 , chamaremos θ1 o ângulo que ele faz com ox, de forma que a1 = cos θ1 ; após o choque, o quantum de radiação difundido de freqüência ν 2 se propaga numa direção tal que o co-seno diretor pqr faz o ângulo ϕ com a direção da velocidade inicial do elétron (cos ϕ = a1p + b1q + c1r ) e o ângulo θ com o eixo ox (p = cos θ ) . Enfim, o elétron possuirá uma velocidade final β2c cujos co-senos diretores serão a2 , b2 e c2 . A conservação da energia e da quantidade de movimento durante o choque permite escrever as equações: h ν1 + m 0c 2 2 1 1− β m 0 β1c 2 1 1− β = h ν2 + b1 = m 0c 2 1 − β2 2 , h ν2 m 0β2c q+ b2 , c 1 − β22 h ν1 m 0 β1c h ν2 m 0β2c + a1 = p+ a2 , 2 c c 1 − β1 1 − β22 m 0 β1c 2 1 1− β c1 = h ν2 m 0β2c r+ c2 . c 1 − β22 66 Tradução de Ricardo Soares Vieira Eliminamos a2 , b2 e c2 graças à relação a22 + b22 + c22 = 1 , pois, entre a relação assim obtida e àquela que exprime a conservação da energia, eliminamos β2 . Coloquemos com h ν1 . E vêm: Compton α = m 0c 2 ν 2 = ν1 1 − β1 cos θ1 1 − β1 cos ϕ + 2α 1 − β12 sen2 θ 2 . Se a velocidade inicial do elétron for nula ou negligenciável, encontramos a fórmula de 1 . Compton: ν2 = ν1 θ 1 + 2α sen2 2 No caso geral, o efeito Compton representado pelo termo em α subsiste, mas diminuiu; no mais, há o acréscimo de um efeito Doppler. Se o efeito Compton for negligenciável, 1 − β1 cos θ1 . encontra-se: ν2 = ν1 1 − β1 cos ϕ Como, neste caso, a difusão do quantum não passa pelo movimento do elétron, pode-se esperar de encontrar um resultado idêntico ao da teoria eletromagnética. Certamente é isto o que ocorre. Calculemos a freqüência difundida de acordo com a teoria eletromagnética (levando em conta a Relatividade). A radiação incidente possui para o elétron a freqüência: 1 − β1 cos θ1 ν ' = ν1 . 1 − β12 Se o elétron, mantendo ao mesmo tempo a velocidade de translação β1c , põe-se a vibrar com a freqüência ν ' , o observador que recebe a radiação difundida numa direção formando ν2 = ν ' o ângulo ϕ com a velocidade da fonte, atribui-lhe a freqüência: 1 − β12 1 − β1 cos θ1 . E bem se tem: ν2 = ν1 . 1 − β1 cos ϕ 1 − β1 cos ϕ O efeito Compton continua a ser em geral bastante fraco, ao contrário, o efeito Doppler pode atingir para os elétrons acelerados pelas quedas de potencial, cerca de centenas de kilovolts, valores muito fortes (aumento de um terço da freqüência para 200 kilovolts). Temos de tratar aqui a um aumento do quantum para que o corpo difusor, animado de uma grande velocidade, possa ceder energia ao átomo de radiação. As condições de aplicação da regra de Stokes não são mais realizadas. Não é de todo impossível que algumas das conclusões aqui deduzidas possam estar sujeitas a uma verificação experimental pelo menos no que concerne aos raios X. 67 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie CAPÍTULO VII A mecânica estatística e os quanta. I. Recordando alguns resultados da termodinâmica estatística A interpretação das leis da termodinâmica, aliada a considerações estatísticas, é um dos mais belos sucessos do pensamento científico, mas ela não está livre de algumas dificuldades e objeções. Não entra no molde do presente trabalho fazer uma crítica a estes métodos; vamos nos limitar aqui, após termos recordado sobre sua forma hoje empregada, em certos resultados fundamentais, examinando como as nossas novas idéias poderiam ser introduzidas na teoria dos gases e naquela da radiação de um corpo negro. Boltzmann foi o primeiro a demonstrar que a entropia de um gás num estado determinado é, a menos de uma constante aditiva, o produto do logaritmo da probabilidade deste estado pela constante k chamada “constante de Boltzmann”, que depende da escolha da escala das temperaturas; tinha chegado primeiramente a esta conclusão analisando os choques entre átomos na hipótese de uma agitação inteiramente desordenada. Hoje, na seqüência dos trabalhos dos Srs. Planck e Einstein, considera-se antes a relação: S = k log P como a própria definição da entropia S de um sistema. Nesta definição, P não é a probabilidade matemática que iguala o quociente do número de configurações microscópicas resultando na mesma configuração total macroscópica para o número total configurações possíveis, é a probabilidade “termodinâmica”, igual simplesmente ao numerador desta fração. Esta escolha de sentido de P acarreta em fixar de certa maneira (em suma arbitrária) a constante de entropia. Este postulado admite recordar uma demonstração bem conhecida da expressão analítica das grandezas termodinâmicas, demonstração esta que tem a vantagem de ser válida igualmente quando a seqüência dos estados possíveis é descontínua como no caso inverso. Consideremos para isso N objetos que podem se distribuir arbitrariamente entre m “estados” ou “células” consideradas a priori como igualmente prováveis. Uma certa configuração do sistema será realizada colocando-se n1 objetos na célula 1, n2 na célula 2, etc. A probabilidade termodinâmica desta configuração será: 68 Tradução de Ricardo Soares Vieira N n1! n2! … nn ! Se N e todos os ni são de grande número, a fórmula de Stirling dá para a entropia do sistema: m S = k log P = kN log N − k ∑ ni log ni . 1 Supondo que a cada célula, corresponde um dado valor de uma certa função ε que nomearemos “a energia de um objeto colocado nesta célula”. Examinemos uma modificação da distribuição dos objetos entre células submissas à condição de deixar invariável a soma da energia. A entropia S irá variar de: m m ⎡m ⎤ δS = −k δ ⎢ ∑ ni log ni ⎥ = −k ∑ δni − k ∑ log ni δni ⎢⎣ 1 ⎥⎦ 1 1 m com as condições associadas: ∑ δn i =0 e 1 m ∑ ε δn i i = 0. 1 A entropia máxima é determinada pela relação: δS = 0 O método dos coeficientes indeterminados nos ensina que, para realizar esta condição é necessário que se satisfaça à equação: m ∑ [log n i + η + βεi ] δni = 0 1 Onde η e β são constantes, e estes são alguns δni . Conclui-se a que distribuição mais provável, realizada somente na prática, é governada pela lei: ni = αe −βεi (α = e −η ) Esta é a distribuição denominada “canônica”. A entropia termodinâmica do sistema correspondente à distribuição mais provável é dada por: 69 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie S = kN log N - m ∑ ⎡⎣k αe −βεi 1 m ou, pois que ∑n i =N e 1 m ∑εn i i (log α − βεi )⎤⎦ = energia total E , 1 S = kN log N α m + k βE = kN log ∑ e −βεi + k βE 1 Para determinar β empregaremos a relação termodinâmica: m dS 1 ∂S ∂β ∂S = = ⋅ + = −kN T dE ∂β ∂E ∂E ∑ εe i 1 m ∑e −βεi −βεi ∂β ∂β + kE + kβ ∂E ∂E 1 e já que m ∑ εe i N 1 m ∑e −βεi −βεi =Nε = E 1 = kβ , T β= 1 . kT 1 a energia livre se calcula pela relação ⎡m ⎤ ⎡m ⎤ F = E − TS = E − kN T log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ − βkTE = −kN T log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ . ⎢⎣ 1 ⎥⎦ ⎢⎣ 1 ⎥⎦ O valor médio da energia livre relacionada aos objetos é, por conseguinte: ⎡m ⎤ F = −kT log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ . ⎢⎣ 1 ⎥⎦ Vamos aplicar estas considerações gerais a um gás formado por moléculas idênticas de massa m0 . O teorema de Liouville (igualmente admissível na dinâmica Relatividade) informanos que o elemento de extensão em fase de uma molécula à dxdydzdpdqdr (onde xy e z são as coordenadas e p, q, r os momenta correspondentes) é um invariante das equações de movimento cujo valor é independente da escolha das coordenadas. Conseqüentemente somos conduzidos a admitir que o número de estados de igual probabilidade, representados por um 70 Tradução de Ricardo Soares Vieira elemento desta extensão em fase, era proporcional a sua grandeza. Isto conduz imediatamente à lei da distribuição de Maxwell, que fornece o número de átomos cujo ponto representativo cai no elemento dxdydzdpdqdr : dn = Cte ⋅ e − w kT dxdydzdpdqdr sendo w a energia cinética destes átomos. Supondo as velocidades bastante fracas para legitimar o emprego da dinâmica clássica, encontraremos então: w= 1 m 0v 2 2 dpdqdr = 4πG 2dG onde G = m 0v = 2m 0w é a quantidade de movimento. Finalmente, o número de átomos contidos no elemento de volume cuja energia está compreendida entre w e w + dw é dado pela fórmula clássica: te dn = C ⋅ e − w kT 4πm 0 3 2 2w dwdxdydz . Resta calcular a energia livre e a entropia. Para isto, pegaremos como objeto da teoria geral não uma molécula isolada, mas todo um gás formado de N moléculas idênticas de massa m 0 cujo estado é em seguida definida por 6N parâmetros. A energia livre do gás no sentido termodinâmico será definida à maneira de Gibbs, como o valor médio da energia livre do gás, ou seja: ⎡m ⎤ F = −kT log ⎢ ∑ e −βεi ⎥ . ⎢⎣ 1 ⎥⎦ β= 1 . kT O Sr. Planck especificou como esta soma devia ser efetuada, ela pode se exprimir por uma integral estendida a toda extensão em fase às 6N dimensões, integral que é, ela própria, equivalente ao produto de N integrais sêxtuplas estendidas à extensão em fase de cada molécula; mas é necessário ter cuidado ao dividir o resultado por N ! em razão da identidade das moléculas. A energia livre é assim calculada, deduz-se a entropia e a energia pelas relações termodinâmicas clássicas. S =− ∂F ∂T E = F + TS 71 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Para efetuar os cálculos, é necessário precisar qual é a constante cujo produto pelo elemento de extensão em fase dá o número de estados igualmente prováveis representados por pontos deste elemento. Este fator tem dimensões de inverso do cubo de uma ação. O Sr. Planck a determinou pela hipótese seguinte, um tanto desconcertante. “A extensão em fase de uma molécula é dividida em células de igual probabilidade cujo valor é finito e igual à h 3 . Pode-se dizer que dentro de cada célula, há um só ponto cuja probabilidade não seja nula, ou seja, todos os pontos de uma mesma célula correspondem a estados impossíveis de se distinguir fisicamente. A hipótese Planck conduz a escrever para a energia livre: n −∞ w ⎡ 1 ⎛ − dxdydzdpdqdr ⎞⎟⎟ ⎤⎥ ⎜ ⎢ kT F = −kT log ⎢ ⎜⎜ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ e ⎟⎟ ⎥ = 3 h ⎠ ⎢⎣ N ! ⎝⎜ ⎥⎦ −∞ −∞ ⎡e ⎤ 1 −ε ⎢ = −NkT log ⎢ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ 3 e kT dxdydzdpdqdr ⎥⎥ h ⎢⎣ N ⎥⎦ −∞ Onde se encontra, efetuando a integração: 3⎤ ⎡ eV F = Nm 0c 2 − kNT log ⎢ 3 (2πm 0kT )2 ⎥ ⎣⎢ Nh ⎦⎥ V = volume total do gás e, consequentemente, ⎡ 5 ⎤ 3⎥ ⎢ e 2V S = kN log ⎢ 3 (2πm 0kT )2 ⎥ ⎢ Nh ⎥ ⎢⎣ ⎥⎦ 3 E = Nm 0c 2 + kNT . 2 No final de seu livro “Warmestrahlung” [Radiação Térmica] (4ª edição), Planck mostra como se deduz a “constante química” que intervém no equilíbrio de um gás com a sua fase condensada. As medidas desta constante química trouxeram um forte apoio ao método Planck. Até aqui não temos feito intervir nem a Relatividade, nem as nossas idéias entre a ligação da dinâmica com a teoria das ondas. Vamos investigar como as fórmulas precedentes são alteradas pela introdução destas duas noções. 72 Tradução de Ricardo Soares Vieira II. Nova concepção do equilíbrio estatístico de um gás Se o movimento de átomos gasosos é acompanhado de uma propagação de ondas o recipiente contendo o gás vai ser marcado em todos os sentidos por estas ondas. Somos naturalmente conduzidos a considerar, como na concepção da radiação de um corpo negro desenvolvida pelo Sr. Jeans, ondas de fase que se formam dos sistemas estacionários (ou seja, ressonante sobre as dimensões do recinto) como sendo somente os estáveis; eles somente interviriam no estudo do equilíbrio termodinâmico. Isto é, alguma escolha análoga a que encontramos em relação ao átomo de Bohr; lá também, as trajetórias estáveis eram definidas por uma condição de ressonância e as outras deviam ser consideradas como normalmente irrealizáveis no átomo. Poder-se-ia interrogar como pode existir em um gás sistemas estacionários de ondas de fase, pois que o movimento dos átomos constantemente é perturbado por seus choques mútuos. Pode-se primeiro responder que graças a não-coordenação do movimento molecular, o número de átomos desviados de sua direção primitiva pelo efeito dos choques, durante o tempo dt, é exatamente compensado pelo número daqueles cujo movimento é restabelecido pelo dito efeito na mesma direção; tudo se passa, em suma, como se os átomos descrevessem uma trajetória retilínea uns em relação aos outros, uma vez que a sua identidade de estrutura dispensa de se ter em conta a sua individualidade. Além do que, durante a duração do percurso livre, a onda de fase pode percorrer várias vezes o comprimento de um recipiente, mesmo de grande dimensão; se, por exemplo, a velocidade média dos átomos de um gás é de 105 cm./seg. e o percurso médio 10−5 cm. , a velocidade média das ondas de fase será c2 = 9 ⋅ 1015 cm./seg. g e durante o tempo de 10−10 segundos, necessário em média para o v percurso livre, ele avançará 9 ⋅ 105 cm. ou 9 kilômetros. Parece possível, portanto, imaginar a existência de ondas de fase estacionárias numa massa gasosa em equilíbrio. Para melhor compreender a natureza das modificações que vamos ter de trazer à mecânica estatística, consideraremos primeiro o caso simples onde as moléculas que se movem ao longo de uma reta AB de comprimento l que se refletem em A e B. A distribuição inicial das posições e das velocidades é suposta ser regulada pelo azar. A probabilidade de que uma dx molécula se encontre sobre um elemento dx de AB é, por conseguinte, . Na concepção l clássica, deve-se depois tomar a probabilidade de uma velocidade compreendida entre v e v + dv proporcional a dv , logo, ao se constituir uma extensão em fase tomando como 73 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie variáveis x e v, todos os elementos dxdv serão igualmente prováveis. É em tudo oposto quando se introduz as condições de estabilidade consideradas mais acima. Se as velocidades são muito pequenas para se permitir negligenciar os termos da Relatividade, o comprimento de onda ligada ao movimento de uma molécula cuja velocidade é v, será: c h β λ= 2 = m 0c m 0v h e a condição de ressonância escrever-se-á: l = nλ = n Posto que h m 0v (n inteiro) h = v 0 , vem: v = nv0 . m 0l A velocidade poderá, portanto, tomar apenas valores iguais a múltiplos inteiros de v0 . A variação δn do número inteiro n, correspondente a uma variação δv da velocidade, dá o número de estados de uma molécula compatíveis com a existência de ondas de fase estacionarias. De onde segue que δn = m 0l δv. h Tudo se passará como se a cada elemento δx δv da extensão em fase, correspondesse a m0 δx δv estados possíveis, que é a expressão clássica do elemento de extensão em fase, h dividida por h. O exame dos valores numéricos mostra que a um valor de δv , mesmo extremamente pequeno para a escala de nossas medidas experimentais, corresponde um grande intervalo δn ; qualquer retângulo, mesmo muito pequeno, da extensão em fase corresponde a um número enorme de valores “possíveis”. Logo, se poderia tratar a quantidade m0 δx δv , em geral, como um diferencial. Mas, em princípio, a distribuição dos pontos h representativos não é maior do que aquela que a Mecânica estatística imagina; ela é descontínua e supõe-se que, pela ação de um mecanismo ainda impossível de se precisar, os movimentos de átomos que estariam ligados a sistemas não estacionários de ondas de fase, são eliminados automaticamente. 74 Tradução de Ricardo Soares Vieira Passemos agora para o caso mais real do gás a três dimensões. A distribuição das ondas de fase no recinto será completamente análoga àquela que dava a antiga teoria da radiação de um corpo negro para as ondas térmicas. Poder-se-ia, tal qual o fez neste caso o Sr. Jeans, calcular o número de ondas estacionárias contidas na unidade de volume e cujas freqüências estejam compreendidas entre ν e ν + d ν . Encontra-se para este número, distinguindo a velocidade de grupo U da velocidade de fase V, a expressão seguinte: nν δν = γ ⋅ 4π 2 ν δν UV 2 sendo γ igual à 1 para as ondas longitudinais e à 2 para as ondas transversais. A expressão precedente não deve, aliás, nos fazer iludir: nem todos os valores de ν estão presentes no sistema de ondas e, se for permitido considerar-se nos cálculos a expressão acima como uma diferencial, como o é em geral, num pequeníssimo intervalo de freqüência haverá um número enorme de valores admissíveis para ν . O momento é oportuno para fazermos uso do teorema demonstrado no primeiro capítulo, parágrafo II. A um átomo de velocidade v = βc , corresponde uma onda que tem por 1 m0c 2 c V = β c ν = e freqüência . Se velocidade de fase V = , e por velocidade de grupo h 1 − β2 β w designa a energia cinética, encontramos pelas fórmulas da Relatividade: m 0c 2 hν = 1 − β2 = m 0c 2 + w = m 0c 2 (1 + α) ⎛ ⎞ ⎜⎜α = w ⎟⎟ . 2⎟ ⎜⎝ m 0c ⎠⎟ De onde: nw δw = γ ⋅ 4π 2 4π ν δν = γ ⋅ 3 m0c (1 + α) α (α + 2)dw. 2 UV h Ao se aplicar ao conjunto de átomos a lei de distribuição canônica demonstrada mais acima, obtém-se para o número daqueles que estão contidos no elemento de volume dxdydz e cuja energia cinética está compreendida entre w e w + dw : ( I) w − 4π kT C ⋅ γ ⋅ 3 m 0c (1 + α) α (α + 2) e dwdxdydz . h te 75 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Para átomos materiais, as ondas de fase devem, em razão da simetria, ser análogas à das ondas longitudinais coloquemos, portanto, γ = 1 . No mais, para estes átomos (exceto para alguns em número negligenciável nas temperaturas usuais), a energia própria m0c 2 é infinitamente maior que a energia cinética. Podemos então confrontar 1 + α com a unidade e encontramos para o número acima definido: Cte ⋅ w w w +dw dxdydzdpdqdr − − 4π 23 te kT kT m w e dwdxdydz e 2 C = 0 3 ∫ w h h3 É evidente que o nosso método nos conduz à escolher, para medir o número de estados possíveis da molécula correspondente a um elemento da sua extensão em fase, não a mesma grandeza desta elemento, mas sim, esta grandeza dividida por h 3 . Justificamos então a hipótese do Sr. Planck e, consequentemente, os resultados obtidos por este cientista e as exposições supra. Observar-se-á que são os valores encontrados para as velocidades V e U da onda de fase que permitiram chegar a este resultado a partir da fórmula de Jeans 14. III. O gás de átomos de luz Se a luz é dividida em átomos, a radiação de um corpo negro pode ser considerada como um gás de tais átomos em equilíbrio com a matéria, um pouco como um vapor saturado está em equilíbrio com a sua fase condensada. Já tínhamos demonstrado no capítulo III que esta idéia conduz a uma previsão exata da pressão da radiação. Procuremos aplicar a tal gás de luz a fórmula geral (I) do parágrafo precedente. Aqui é necessário pôr γ = 2 em razão da simetria da unidade luminosa sobre a qual tínhamos insistido no capítulo IV. De mais, α é muito grande em relação a unidade, exceto por alguns átomos em número negligenciável à temperatura usual, o que permite o confronto entre α + 1 e α + 2 com α . Obter-se-ia, assim, para o número de átomos por elemento de volume, de energia compreendida entre h ν e h (ν + d ν ) : 14 Sobre o assunto deste parágrafo, vide: O. Sackur, Ann. d. Phys., 36, 958 (1911) e 40, 67 (19I3); H. Tetrode, Phys. Zeitschr., 14, 212 (1913); Ann. d. Phys. 38, 434 (19I2) ; W. H. Keesom, Phys. Zeitschr., 15, 695 (1914) O. Stern, Phys. Zeitschr., 14, 629 (1913); E. Brody, Phys. Zeitschr., 16, 79 (1921). 76 Tradução de Ricardo Soares Vieira Cte hν 8π 2 −kT e d νdxdydz ν c3 e para a densidade de energia correspondente as mesmas freqüências: hν 8πh 3 −kT u νd ν = C ν e d ν. c3 te Seria, aliás, fácil mostrar que a constante é igual a 1 seguindo um raciocínio contido no artigo do autor “Quanta de lumière et rayonnement noir” [“Quanta de luz e radiação de um corpo negro”] apresentada no Journal de Physique em novembro de 1922. Infelizmente, a lei assim obtida é a lei de Wien que consta ser apenas o primeiro termo da série que constitui a lei experimentalmente exata de Planck. Isto não deve nos surpreender porque, supondo os movimentos dos átomos de luz completamente independentes, devemos necessariamente chegar a uma lei cujo fator exponencial seja idêntico ao da lei Maxwell. Sabemos, além disso, que uma distribuição contínua de energia radiante no espaço conduziria à lei Rayleigh como mostra o raciocínio de Jeans. Ora, a lei de Planck admite as expressões propostas pelos Srs. Wien e Lord Rayleigh como formas limites válidas hν respectivamente para valores muito grandes e muito pequenos do quociente . Para kT reencontrar o resultado de Planck, será necessário, portanto, fazer aqui uma nova hipótese que, sem nos afastarmos da concepção dos quanta de luz, permita-nos explicar como as fórmulas clássicas podem ser válidas num certo domínio. Enunciamos esta hipótese da seguinte maneira: “Se dois ou mais átomos possuem ondas de fase que se sobrepõem de forma exata, onde conseqüentemente se pode dizer que eles são transportados pela mesma onda, os seus movimentos não poderão mais ser tratados integralmente como independentes e estes átomos não poderão mais ser tratados como unidades distintas nos cálculos de probabilidade”. O movimento destes átomos “em onda” apresentaria assim uma espécie de coerência em conseqüência das interações impossíveis de se precisar, mas provavelmente semelhantes ao mecanismo que torna instável o movimento de átomos cuja onda de fase não seja estacionária. Esta hipótese de coerência obriga-nos a reaver inteiramente a demonstração da lei Maxwell. Como nós não podemos mais tratar cada átomo como “objeto” da teoria geral, são estas ondas de fase estacionárias elementares que devem desempenhar tal papel. À que chamamos de onda estacionária elementar? Uma onda estacionária pode ser vista como resultante da superposição de duas ondas de fórmulas 77 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie sen ⎡ ⎛⎜ − x + ⎞⎟⎤ cos ⎢⎢⎣2π ⎜⎝νt λ ϕ0 ⎠⎟⎥⎥⎦ sen ⎡ ⎛⎜ + x + ⎞⎟⎤ cos ⎢⎢⎣2π ⎜⎝νt λ ϕ0 ⎠⎟⎥⎥⎦ e onde ϕ0 pode tomar todos os valores entre 0 a 1. Dando a ν um dos valores permitidos e a ϕ0 um valor arbitrário entre 0 e 1, define-se uma onda estacionária elementar. Consideremos um valor determinado de ϕ0 e todos os valores permitidos ν compreendidos em um pequeno intervalo d ν . Cada onda elementar pode transportar 0, 1, 2... átomos e dado que a lei de distribuição canônica deve ser aplicável às ondas consideradas, encontramos para o número de átomos correspondente: ∞ N ν d ν = n νd ν ∑ pe 1 ∞ ∑e −p −p hν kT hν kT 0 Dando-se a ϕ0 outros valores, obtêm-se outros estados estáveis e superposicionando vários destes estados estáveis de tal sorte que uma mesma onda estacionária corresponda à várias ondas elementares, obtém-se ainda um estado estável. Concluímos que o número de átomos cuja energia total corresponde às freqüências compreendidas entre ν e ν + d ν é 2 m c +w ∞ −p 0 4π kT N νd ν = Aγ 3 m02c (1 + α) α (α + 2) dw ∑ e h 1 por unidade de volume. Onde A pode ser função da temperatura. Para um gás no sentido ordinário da palavra, m0 é tão grande que se pode negligenciar todos os termos da série posterior ao primeiro. Reencontra-se efetivamente a fórmula (I) do parágrafo precedente. Para o gás de luz, se encontrará agora: N νd ν = A hν 8π 2 ∞ −p kT ν e dν ∑ c3 1 e, consequentemente, para a densidade de energia: hν 8πh 3 ∞ −p kT u νd ν = A ⋅ 3 ν ∑ e d ν. c 1 78 Tradução de Ricardo Soares Vieira Está é de fato a fórmula de Planck. Mas é necessário demonstrar que neste caso A = 1 . Em primeiro lugar, A é aqui certamente uma constante e não uma função da temperatura. Efetivamente, a energia total da radiação por unidade de volume é: u= ∫ +∞ 0 4 u νd ν = A ⋅ 48πh ⎛ kT ⎞⎟ ⎜ ⎟ c 3 ⎜⎝ h ⎠⎟ ∞ 1 ∑p 4 1 e a entropia total é dada: dS = 1 du dV V du 4 dV = dT + u [d (uV ) + PdV ] = V + (u + P ) 3 T T T T T dT porque u = f (T ) e P = (V é o volume total) 1 u − dS são diferenciais exatos; a condição de integrabilidade 3 escreve-se: 1 du 4 1 du 4 u = − 3 T dT 3 T 2 T dT ou 4 u du = T dT u = aT 4 . Esta é a lei clássica de Stéfan que nos obriga a por A = Cte . O raciocínio precedente nos fornece os valores da entropia e da energia livre: S = A⋅ 64π 4 3 ∞ 1 k T V∑ 4 c 3h 3 1 p F = U − TS = −A ⋅ 16π 4 4 ∞ 1 k T V ∑ 4. c 3h 3 1 p Resta-nos determinar a constante A. Se tivermos êxito em demonstrar que ela é a unidade, teremos reencontrado todas as fórmulas da teoria Planck. Como tínhamos dito mais acima, caso se negligencie os termos onde p > 1 , a coisa fica hν 8πh 2 −p kT e dν ν c3 pode-se efetuar o cálculo da energia livre pelo método de Planck como para um gás comum e, fácil; com a distribuição dos átomos obedecendo a lei canônica simples A ⋅ identificando o resultado com a expressão acima, encontra-se A = 1 . No caso geral, é necessário empregar um método mais distinto. Consideremos o termo e p da série Planck: 79 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie uν pd ν = A ⋅ hν 8π 3 −p kT h e d ν. ν c3 hν 8π 2 −p kT d ν p ⋅ h ν o que permite dizer: Pode-se escrever também: A 3 ν e c p “A radiação de um corpo negro pode ser considerada como a miscelânea de uma infinidade de gases, cada um caracterizado por um valor inteiro p e gozando da seguinte propriedade: o número de estados possíveis de uma unidade gasosa situada em um elemento de volume dxdydz e que tem uma energia compreendida entre ph ν e ph (ν + d ν ) é igual a 8π 2 ν d νdxdydz ”. De mais, pode-se calcular a energia livre pelo método do primeiro c 3p parágrafo. Obtém-se: n hν hν ∞ ⎡ 1 ⎛ ⎡ ⎤ ∞ 8π +∞ 8π ⎞⎟ p ⎤ −p −p 2 2 kT kT ⎜ ⎢ ⎥ = −kT ∑ n log ⎢ e V ⎥ ⎟ F = ∑ Fp = −kT ∑ log ⎢ e d e d ν ν ν ν ⎜⎜V ∫ p 3 ⎟⎟ ⎥ ⎢ n ∫0 c 3 p ⎥ 0 ! n c ⎝ ⎠ 1 1 1 ⎢⎣ p ⎥⎦ ⎢⎣ p ⎥⎦ ∞ ∞ onde: np = V ∫ +∞ 0 A hν 8π 2 −p kT 16π k 3T 3 1 ν e d ν A = ⋅ ⋅ ⋅V . pc 3 c3 h 3 p4 Portanto: F = −A 16π 4 4 1 ⎛e ⎞ k T log ⎜⎜ ⎟⎟ ∑ 4 ⋅V 3 3 ⎝ ⎠ ch A 1 p ⎛e ⎞ e, por identificação com a expressão anteriormente encontrada: log ⎜⎜ ⎟⎟ = 1; A = 1 . Isto é o ⎝ A⎠ que nós queríamos demonstrar. A hipótese de coerência adotada acima tem-nos conduzido então a um porto-seguro, nos evitando de vir a encalhar sobre a lei de Rayleigh ou sobre a de Wien. O estudo das flutuações da radiação de um corpo negro nos fornecerá uma nova prova de sua importância. 80 Tradução de Ricardo Soares Vieira IV. – As flutuações da energia na radiação de um corpo negro15 Se grãos de energia de valor q forem distribuídos em um número muito grande, em certo espaço, e se suas posições variam incessantemente de acordo com as leis do azar, um elemento de volume conterá normalmente n grãos, ou seja, uma energia E = nq . Mas o valor real de n se afastará constantemente de n e ter-se-á (n − n )2 = n de acordo com um teorema conhecido da teoria das probabilidades e, conseqüentemente, a flutuação quadrática média da energia será: ε2 = (n − n )2 q 2 = nq 2 = Eq. Por outro lado, sabe-se que as flutuações da energia de radiação num volume V de um corpo negro são governadas pela lei da termodinâmica estatística: ε2 = kT 2V = d (uνd ν ) dT a fim de que eles se relacionem ao intervalo de freqüências ν , ν + d ν . Caso se admita a lei Rayleigh: 8πk uν = 3 ν 2T , c 2 (Vuνd ν ) c3 ε = ⋅ 2 V 8πν d ν 2 e este resultado, como se deveria esperar, coincide com aquele que fornece o cálculo das interferências conforme às regras da teoria eletromagnética. Se pelo contrário, se adotar a lei de Wien, que corresponde à hipótese de uma radiação formada de átomos inteiramente independentes, se encontraria: d ε = kT V dT 2 15 2 ⎛ 8πh 3 − hν ⎞⎟ ⎜⎜ ν e kT d ν ⎟⎟ = (uνVd ν ) h ν ⎜⎝ c 3 ⎠⎟ La théorie du Rayonnement noir et les quanta [A teoria da Radiação de um corpo negro a e os quanta], Reunião Solvay, em relação ao Sr. Einstein, p. 419; Les théories statistiques en thermodynarnique [As teorias estatísticas em termodinâmica], Conferências do Sr. H. A. Lorentz no Collège de France, Teubner, 1916, pp. 70 e 114. 81 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie fórmula que se deduz também de ε2 = Eh ν . Enfim, no caso real da lei Planck, chega-se, assim como Einstein primeiro observou, à expressão: 2 (u d νV ) c3 ε = (uνVd ν ) h ν + ⋅ ν 2 V 8πν d ν 2 ε2 aparece portanto como a soma daquele que seria: 1º, se a radiação fosse formada de quanta hν independentes; 2º, se a radiação fosse meramente ondulatória. Por outro lado, a concepção de agrupamento de átomos “em ondas” leva-nos a escrever a lei Planck: hν ∞ 8πh 3 −p kT u νd ν = ∑ 3 ν e d ν =∑ n p,ν ph νd ν c 1 1 ∞ e, aplicando a cada tipo de agrupamentos a fórmula ε2 = nq 2 , obtém-se: ∞ ε2 = ∑ n p,ν d ν (ph ν ) . 2 1 Naturalmente esta expressão é em verdade idêntica àquela de Einstein; diferindo somente na maneira de escrever. Mas o interesse está em nos conduzir ao seguinte enunciado: “Pode-se igualmente avaliar de forma correta as flutuações da radiação de um corpo negro sem estar de modo algum apelando à teoria das interferências, mas ao estar introduzindo a coerência dos átomos ligados a uma mesma onda de fase”. Logo, parece quase certo que qualquer ensaio de conciliação entre a descontinuidade da energia radiante e as interferências deveria fazer intervir a hipótese de coerência do último parágrafo. 82 Tradução de Ricardo Soares Vieira APÊNDICE AO CAPÍTULO V Sobre os quanta de luz Temos proposto considerar os átomos de luz como pequenos centros de energia caracterizados por uma massa própria muito pequena m0 e animados de velocidade geralmente próximas de c, de modo que exista, entre a freqüência ν , a massa própria m0 e a velocidade βc , a relação: hν = m 0c 2 1 − β2 da qual se deduz: 2 ⎛ m 0c 2 ⎞⎟ β = 1 − ⎜⎜ ⎟. ⎜⎝ h ν ⎠⎟ Esta maneira de ver conduziu-nos a concordâncias remarcáveis concernente ao efeito Doppler e a pressão da radiação: Infelizmente, ela eleva grande dificuldade: por causa das freqüências ν cada vez menores, a velocidade βc da energia radiante tornar-se-ia, mais e mais, pequena e anular-seia para h ν = m0c 2 e tornar-se-ia seguidamente imaginaria (?). Isto é mais difícil de admitir do que no domínio das freqüências muito baixas, dever-se-ia contar em reencontrar as conclusões das antigas teorias que designa para a energia radiante a velocidade c. Esta objeção é muito interessante porque ela chama a atenção sobre a passagem da forma meramente corpuscular da luz, que se manifesta no domínio das altas freqüências, à forma meramente ondulatória das freqüências muito baixas. Temos mostrado no capítulo VII que a concepção meramente corpuscular conduz à lei de Wien, enquanto que, como é conhecido, a concepção puramente ondulatória conduz à lei de Rayleigh. A passagem de uma para a outra destas leis deve, parece-me, estar ligado de uma forma intima para as respostas, que poderão ser feitas às objeções enunciadas acima. 83 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie Eu vou antes, a título de exemplo e na esperança de fornecer uma solução satisfatória, desenvolver uma idéia sugerida pelas reflexões que precedem. No capítulo VII, mostrou-se que era possível interpretar a passagem da lei de Wien para a lei de Rayleigh ao se conceber a existência de conjuntos de átomos de luz ligados à propagação de uma mesma onda de fase. Tenho insistido sobre a semelhança que leva uma tal onda portadora de numerosos quanta, com a onda clássica quando o número dos quanta cresce indefinidamente. Contudo, esta semelhança é limitada na concepção exposta no texto pelo fato de que cada grão de energia conservaria a massa própria m0 , muito pequena mas finita, enquanto a teoria eletromagnética atribui à luz uma massa própria nula. A freqüência da onda nos múltiplos centros de energia é determinada pela relação: hν = μ0c 2 1 − β2 onde μ0 é a massa própria de cada um dos centros: isto parece ser necessário para dar conta da emissão e absorção da energia por quantidades hν finitas. Mas poderíamos talvez supor que a massa dos centros de energia ligadas a uma mesma onda difere da massa própria m0 de um centro isolado e depende do número de outros centros com os quais eles se encontram em interação. Ter-se-ia, então: μ0 = f (p ) f (1) = m 0 com Em que se designa por p o número de centros portados pela onda. A necessidade de retomar sobre as fórmulas do eletromagnetismo para as freqüências muito baixas, conduziria a supor que f (p ) é uma função decrescente de p que tende a 0 quando p tende ao infinito. A velocidade do conjunto dos p centros que formam uma onda seria então: 2 ⎡ f ( p )c 2 ⎤ ⎥ . βc = c 1 − ⎢ ⎢⎣ h ν ⎥⎦ Para as freqüências muito elevadas, p seria quase sempre igual a 1, os grãos de energia estariam isolados, ter-se-ia a lei de Wien para a radiação de um corpo negro e a fórmula do texto β = 1 − m02c 4 para a velocidade da energia radiante. h 2ν 2 84 Tradução de Ricardo Soares Vieira Para as freqüências muito baixas, p continuaria muito grande, os grãos estariam unidos em grupos muito numerosos sobre uma mesma onda. A radiação de um corpo negro obedeceria à lei de Rayleigh e a velocidade tenderia a c quando ν tendesse a 0. A hipótese precedente destrói um pouco a simplicidade da concepção dos “quanta de luz”, mas esta simplicidade pode ser com certeza inteiramente conservada se ela permitir conectar a teoria eletromagnética com a descontinuidade revelada pelos fenômenos fotoelétricos. Esta conexão é obtida, parece-me, pela introdução da função f (p ) porque, para ma dada energia, uma onda deveria compreender um número p de grãos cada vez maiores, quando ν e h ν diminuírem; quando a freqüência se tornar cada vez menor, o número de grãos deve aumentar indefinidamente, a sua massa própria tendendo a 0 e sua velocidade, a c, de modo que a onda que o transporta tornar-se-ia cada vez mais análoga à onda eletromagnética. É necessário admitir que a estrutura real da energia luminosa ainda continua sendo muito misteriosa. 85 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie RESUMO E CONCLUSÕES Em um rápido histórico do desenvolvimento da Física desde o século XVII e em especial da Dinâmica e da Óptica, mostramos como o problema dos quanta estava de certa forma contida no princípio do paralelismo das concepções corpusculares e ondulatórias da radiação; depois, tivemos recordado com qual intensidade, cada dia crescente, a noção dos quanta se impunha à atenção dos cientistas do século XX. No capítulo primeiro, admitimos como postulado fundamental a existência de um fenômeno periódico associado a cada porção isolada de energia e dependente sua massa própria pela relação de Planck-Einstein. A teoria de Relatividade mostrou-nos então a necessidade de associar a um movimento uniforme de qualquer móvel a propagação de certa “onda de fase”, de velocidade constante, e pudemos assim interpretar esta propagação pela consideração do espaço-tempo de Minkowski. Retomando, no capítulo II, a mesma pergunta para o caso mais geral de um corpo carregado eletricamente, se deslocando por um movimento variado em um campo eletromagnético, mostramos que, de acordo com as nossas idéias, o princípio da mínima ação sob a sua forma Maupertuisiana e o princípio da concordância de fase devido a Fermat poderia bem ser dois aspecto de uma só lei; isto nos conduziu a conceber uma extensão da relação dos quanta que resulta na velocidade da onda de fase no campo eletromagnético. Certamente, esta idéia de que o movimento de um ponto material dissimula sempre a propagação de uma onda, teria necessidade de ser estudada e completada, mas, se chegassem a dar-lhe uma forma inteiramente satisfatória, representaria uma síntese de uma imensa beleza racional. A mais importante conseqüência que se pode tirar está exposta no capítulo III. Após relacionarmos as leis de estabilidade das trajetórias quantificadas, com as quais resultam de numerosos trabalhos recentes, mostramos que elas poderiam ser interpretadas como estando exprimindo a ressonância da onda de fase sobre o comprimento das trajetórias fechadas ou quase-fechadas. Acreditamos que é esta a primeira explicação fisicamente plausível proposta para aquela condição de estabilidade de Bohr-Sommerfeld. As dificuldades levantadas pelas deslocações simultâneas de dois centros elétricos são estudadas ao capítulo IV, em particular no caso dos movimentos circulares do núcleo e do elétron ao redor de seu centro de gravidade no átomo de hidrogênio. No capítulo V, guiado pelos resultados anteriormente obtidos, procuramos representar a possibilidade de uma concentração de energia radiante ao redor de certos pontos singulares 86 Tradução de Ricardo Soares Vieira e mostramos qual harmonia profunda parece existir entre os pontos de vista opostos de Newton e de Fresnel a ser revelada pela identidade de numerosas previsões. A teoria eletromagnética não pode ser integralmente conservada sob a sua forma atual, mas sua alteração é um trabalho difícil, sugerimos a este propósito uma teoria qualitativa das interferências. No capítulo VI, resumimos as diversas teorias sucessivas da difração de raios X e γ pelos corpos amorfos insistindo particularmente sobre a muito recente teoria dos Srs. P. Debye e A. H. Compton que torna, nos parece, quase tangíveis a existência dos quanta de luz. Enfim, no capítulo VII, introduzimos a onda de fase na Mecânica estatística, reencontramos também o valor do elemento de extensão em fase que Planck propôs e obtemos a lei da radiação de um corpo negro como a lei de Maxwell de um gás formado por átomos de luz com a condição, todavia, de admitir certa coerência entre os movimentos de certos átomos, coerência cujo estudo das flutuações de energia parece também mostrar interesse. Resumidamente, desenvolvi idéias novas que possam talvez contribuir para acelerar a síntese necessária que, outra vez, unificará a física das radiações, hoje tão estranhamente dividida em dois domínios onde reinam respectivamente duas concepções opostas: a concepção corpuscular e aquela das ondas. Pressenti que os princípios da Dinâmica do ponto material, caso se soubesse analisá-los corretamente, se apresentariam sem dúvida como que exprimindo as propagações e as concordâncias de fases, e eu procurei, de meu melhor, tirar dali a explicação de certo número de enigmas introduzidos pela teoria quântica. Insistindo neste esforço consegui chegar a algumas conclusões interessantes que permitam, talvez, esperar chegarmos a resultados mais completos prosseguindo na mesma via. Mas seria necessário primeiro constituir uma teoria eletromagnética, nova naturalmente de acordo com o princípio da Relatividade, que dê conta da estrutura descontínua da energia radiante e da natureza física das ondas de fase, deixando por último à teoria Maxwell-Lorentz um caráter de aproximação estatística que explicaria a legitimidade de seu emprego e a exatidão de suas previsões em um muito grande número de casos. Deixei intencionalmente bastante vaga a definição de onda de fase e do fenômeno periódico, que de certo modo seria a sua tradução, bem como aquela dos quanta de luz. A presente teoria deve, portanto, ser preferencialmente considerada como de um conteúdo físico não inteiramente especificado, ao invés de uma doutrina homogênea e definitivamente constituída. Louis de Broglie. 87 Pesquisas sobre a teoria quântica - Louis de Broglie NOTAS SOBRE ESTE DOCUMENTO Título da Tese Original em Francês: RECHERCHES SUR LA THÉORIE DES QUANTA Autor: Louis de Broglie Publicado em: Annales de Physique, 10ª Série – Volume III, janeiro de 1925, pgs. 22-128. *** 88 Tradução de Ricardo Soares Vieira NOTAS SOBRE ESTA TRADUÇÃO Traduzido para a Língua Portuguesa por Ricardo Soares Vieira Comentários do tradutor: A tradução e revisão da tese de doutorado do Sr. Louis de Broglie foram realizadas a partir do texto original em francês, por meio de uma edição digital publicada pela Fondation Louis de Broglie. O artigo está apresentado na íntegra, sem cortes ou acréscimos. O conteúdo entre colchetes refere-se a notas e comentários do tradutor. Espero com esta tradução possibilitar o acesso gratuito por parte de estudantes e pesquisadores a estes artigos científicos, os quais considero como clássicos da ciência. Desta forma, peço bom senso aos leitores para que não utilizem esta tradução para fins comerciais. O tradutor agradece sinceramente a todos que o apoiaram nos seus projetos. Para aqueles que desejam aprofundar-se no assunto abordado aqui, ou que desejam fazer uma análise do trabalho do Sr. L. de Broglie, é recomendado a leitura da dissertação de mestrado do Sr. Pedro Sergio Rosa, “Loius de Broglie e as ondas de Matéria”, publicada em 2004 pela Unicamp – um excelente trabalho, vale ressaltar. 89