UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA LUANA WASSELESKI MENDES ESTUDANDO A DIMENSÃO LOCAL: O MUNICÍPIO DE IÇARA E A FERROVIA TEREZA CRISTINA, UM SÍMBOLO DA MODERNIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA. CRICIÚMA, MAIO DE 2008. LUANA WASSELESKI MENDES ESTUDANDO A DIMENSÃO LOCAL: O MUNICÍPIO DE IÇARA E A FERROVIA TEREZA CRISTINA, UM SÍMBOLO DA MODERNIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA. Monografia apresentada à Diretoria de Pósgraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense- UNESC, para a obtenção do título de especialista em História. Orientador:Prof.MSc.: João Henrique Zanelatto. CRICIÚMA, MAIO DE 2008. A todos que de qualquer forma estiveram ao meu lado nessa caminhada, minha amada família, queridos amigos e os mestres inesquecíveis. AGRADECIMENTOS A Deus, que dispensa qualificações. Ao Prof. João Henrique Zanelatto, pela ajuda tão presente e paciência tão freqüente. A minha adorada família, pela compreensão, pelo carinho, ou simplesmente presença. Aos colegas pelos eternos sorrisos. Sinceramente, obrigado. por sua “Pois eu transformo água em vinho, Chão em céu, Pau em pedra, E cuspe em mel, Pra mim não existe impossível.” Raul Seixas / Marcelo Nova. RESUMO Buscando compreender o impacto trazido pelos trilhos da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina ao sul de Santa Catarina e perceber como a ferrovia se impõe como ícone da modernidade da sua época, este trabalho procura visualizar influências da ferrovia na cidade de Içara e apresentar recursos para o desenvolvimento do ensino de história local nas escolas do município. O principal objetivo foi além de trabalhar a instalação da ferrovia no estado de Santa Catarina e as questões que remetem ao desenvolvimento econômico que se fez espetacular em sua chegada, buscando disponibilizar possibilidades para aplicação deste conhecimento em sala de aula, trazendo para os alunos a compreensão da estrada de ferro como um elemento da modernidade que transforma o espaço e o ritmo de vida da comunidade em que eles estão inseridos. Palavras-chave: Ferrovia; Modernidade; Transformações; História local. LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1 - Estação de embarque de Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina em Criciúma. Acervo Casa da Cultura Pe. Bernardo Junkes – Içara...............................................16 2 - Centro da Cidade de Içara – Ano de 1962. Acervo Casa da Cultura Pe. Bernardo Junkes – Içara............................................................................................................20 3 - Centro da Cidade de Içara - Década de 80. Acervo particular da autora.............22 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS E.F.D.T.C – Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 A CIDADE ÀS MARGENS DO TRILHO: A FERROVIA TEREZA CRISTINA EM IÇARA........................................................................................................................13 1 A descoberta do carvão: o nascimento da estrada...................................................................... 13 2 O Segundo ciclo – A construção do Ramal Tubarão x Araranguá ............................................... 14 3. A Ferrovia definindo a cidade de Içara....................................................................................... 18 HISTÓRIA LOCAL: UM DESAFIO AO PROFESSOR DE HISTÓRIA......................23 1 Perspectivas da História: novas possibilidades...............................................................................23 2 “A vida se repete na estação”: Estrada de ferro e sala de aula......................................................25 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 30 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 31 10 INTRODUÇÃO O propósito deste trabalho de pesquisa é discutir a importância da Estrada de Ferro Tereza Cristina no Sul de Santa Catarina, mais especificamente no município de Içara, bem como ela se impõe no cenário catarinense como ícone da modernidade e da técnica, focalizando o ensino de história local, refletindo sobre as possibilidades de abordar o espaço cotidiano dos alunos e o ensino de história no ambiente escolar. Pesquisar a Estrada de Ferro e sua simbologia enquanto representação do moderno no município de Içara, tratou de suprir inquietações particulares, de quem acorda e da sua janela vê os trilhos sem entender como tudo se perdeu, tudo se desfez. Inquietações estas, que acredito, permeiam também as impressões de tantos alunos que moram no município e não se colocam como sujeitos dessa história em que já são parte indissolúvel. Este trabalho divide-se em dois capítulos, sendo o primeiro, a questão da implantação da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina no sul de Santa Catarina e a construção do Ramal Tubarão x Araranguá, o grande responsável pela chegada do progresso a essa região até então acostumada aos trabalhos na lavoura, que se encantava pelas maravilhas do mundo moderno encarnadas na estrada de ferro. É retratada também a constituição da cidade de Içara a partir da presença da ferrovia e como ela se fez responsável por inúmeras alterações no espaço urbano onde se colocou. O segundo capítulo trabalha algumas possibilidades de abordagem da estrada de ferro como tema para o ensino de história local nas escolas do município de Içara. Neste segundo momento busco desfragmentar a história da ferrovia do carvão e ir além desse conhecimento que quer apenas introduzir as primeiras noções de cidade e desenvolvimento, contando uma história que coloca o aluno com um ser que participa de um todo maior, um ser que muda e muda o mundo a sua volta. As reflexões apresentadas nos capítulos citados acima constituem esse trabalho de pesquisa e respondem a questões de caráter local, como a história das cidades atravessadas pela ferrovia do carvão. Bem como considerações mais abrangentes acerca do movimento moderno, aparente no sistema de fábrica e nas 11 exposições universais, do qual as estradas de ferro constituem parte considerável, além de buscar um novo caráter para falar de história local, colocando os alunos como atores principais dessa peça que se escreve todo dia, nos portões de suas casas. 12 CAPÍTULO I – A CIDADE ÀS MARGENS DO TRILHO: A FERROVIA TEREZA CRISTINA EM IÇARA 1 – A descoberta do carvão: o nascimento da estrada. ... as impressões que teve, de resto comuns a sensibilidade da época, surgem a força do impacto cultural desencadeado por aqueles novos artefatos de ferro. O século XIX reagia, entre indignação, espanto e encantamento, às criaturas saídas do moderno sistema de fábrica. 1 Com a descoberta da existência de carvão no sul de Santa Catarina, o Império mandou para o local, Tubarão, vários exploradores para atestarem a qualidade do carvão que, a partir daí, era ora confirmada, ora contestada. Somente em 1861 Felisberto Caldeira Brant, o Visconde de Barbacena, após receber o aval positivo de inúmeros geólogos como o Barão Guilherme de Eschewege e Julio Parigot, requereu do governo o direito de exploração e em 1874 conseguiu do Império a autorização para construir uma ferrovia que tomasse a seu cargo o transporte do mineral desde a região carbonífera até os portos de embarque de Imbituba e Laguna. Após conseguir a autorização por parte do governo Imperial, o Visconde de Barbacena viajou para a Inglaterra a fim de captar recursos entre os investidores ingleses. Foi assim, que sobre o entusiasmo que contagiou capitalistas na Inglaterra, sugiram a "The Tubarão Coal Mining Company" e a "The Donna Thereza Christina Railway Company Limited", ambas umbilicalmente atadas à mesma empreitada. Cavar o carvão, transportá-lo a um porto de embarque e vendê-lo na Europa.2 À companhia inglesa James Perry & Co. coube a tarefa de edificar a estrada de ferro. Em 1880 começou a construção que, partindo de Imbituba onde os ingleses construíram um píer metálico de 50 metros, estender-se-ia, em seu traçado 1 HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Cia das Letras, 1991. pg.24. 2 ZUMBLICK, Walter. Teresa Cristina: a ferrovia do carvão. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1987. pg. 23. 13 inicial de 111 km até Minas, hoje Lauro Muller, tendo um pequeno ramal de 7 km até Laguna, então a principal cidade da região. Como os maiores obstáculos naturais, os ingleses encontraram as dunas móveis em Laguna e as travessias do rio Tubarão e da Lagoa de Santo Antônio que exigiam a construção de uma ponte metálica de 1.430 metros, na época a mais extensa da América do Sul. Setecentos homens foram empregados na construção da via permanente, entre eles muitos imigrantes italianos. Em 1º de setembro de 1884 foi inaugurada a linha. As oito primeiras locomotivas foram duas Hunslet usadas também na construção, e seis Naismith Wilson, todas inglesas. Os investidores ingleses confiavam em investimentos em ferrovias no Brasil, já que em outras províncias elas se tinham revelado rentáveis. Já quanto às empresas mineradoras, os resultados eram uma incógnita. Iniciada a extração do carvão, o veio existente dividiu-se, afinou-se e misturou-se a impurezas como pedra e terra, tornando-se imprestável para a exploração comercial. A impossibilidade, por falta de recursos, de instalar um lavador de carvão na boca da mina, causou a paralisação da atividade extrativa após um único embarque do minério para os países do Prata. Assim, como decorrência de um erro grosseiro de planejamento, ficaram ociosos os 150 vagões especiais para o transporte do carvão, trazidos pelos ingleses, ficando a ferrovia privada do transporte da principal carga para a qual fora concebida. Com a falência do transporte do carvão, restou o de passageiros, de encomendas e de mercadorias, que não foram suficientes para uma lucratividade da empresa. Este fato fez com que os ingleses se retirassem em 1902, entregando o acervo para o governo brasileiro. 3 2 - O Segundo ciclo – A construção do Ramal Tubarão x Araranguá No ano de 1916, brota nova semente de ânimo nas terras sul catarinenses, inicia-se um novo e esperado ciclo de mineração no sul de Santa Catarina. Certamente com rumos mais definidos e livre dos primeiros e grosseiros 3 As informações apresentadas neste item foram retiradas da obra de Walter Zumblick. ZUMBLICK, Walter. Op. Cit. 14 erros, o despontar de novas jazidas na região de Criciúma revelaria um novo momento na história da região. A descoberta e a exploração em Criciúma, de um carvão de qualidade infinitamente superior ao encontrado no ciclo anterior, além de retornar ao cargo da E.F.D.T.C. o transporte do assim chamado ouro negro, representou maior possibilidade de lucros e, logicamente, a entrada definitiva do progresso tão esperado na região. Nas palavras de Zumblick, o prolongamento da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, foi um recurso óbvio adotado em uma região de desenvolvimento latente: A ‘Tereza Cristina’, sobravam motivos em desejar canalizar para os seus vagões aquela possibilidade de safras promissoras que surgiriam de tão férteis zonas agrícolas. Além do mais, vigoroso e certo, estaria o transporte do carvão, cujas jazidas afloravam por Criciúma, 4 Urussanga e redondezas. Aproveitando a conjuntura favorável inaugurada pela 1ª Guerra Mundial, que dificultou a importação do mineral para terras brasileiras, no ano de 1917, se dá inicio à exploração de carvão em Barro Branco Velho, atualmente cidade de Orleans. O prolongamento da linha estava intimamente ligado à presença da firma Lage e Irmãos na região. Em 1918, Henrique Lage tornou-se o principal acionista de C.B.C.A – Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá, fundada em julho de 1917. Deslocava-se, assim, a região produtora para Criciúma, implicando em resolver o problema do transporte do minério, já que os demais empecilhos já haviam sido revistos pela experiência anterior, agora só restava que a E.F.D.T.C. alcançasse as localidades do extremo sul catarinense. As obras do trecho de 65,5 quilômetros entre Tubarão e Criciúma iniciaram-se em 1918, sendo o tráfego provisório inaugurado em 1º de janeiro do ano seguinte, e somente em 1923 inicia-se o transporte de passageiros pelos trilhos do sul catarinense. O ramal Tubarão – Araranguá tinha seu ponto de partida no porto de 4 ZUMBLICK, Walter. Op. Cit. pg. 114. 15 Imbituba, chegando à localidade de “Minas”, atualmente Lauro Muller. 5 4 – Estação de embarque de Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina em Criciúma, inaugurada em 1919 para o transporte de carvão e de produtos agrícolas. Fazendo também o transporte de passageiros a partir de 1923. Entre as localidades de Criciúma e Araranguá, foi construído um trecho de 35 quilômetros, que teve suas obras iniciadas no ano de 1921, só sendo completadas em 1927, em festiva inauguração do transporte de cargas. Foi festiva a cerimônia daquela tarde. Em meio à contagiante euforia de regular massa humana, a primeira estaca da linha para Araranguá era plantada a uns, se tantos, trezentos metros da nossa velha 6 Estação no rumo de Oficinas. Deve-se atentar, conforme salienta Dorval do Nascimento, para a íntima ligação entre a continuidade da Estrada de Ferro e a exploração do carvão, já que a E.F.D.T.C. é construída para atender a necessidade de um transporte seguro e 5 6 Ibidem. pg. 25. ZUMBLICK, Walter. Op. Cit. pg. 115 16 viável do ouro negro, e seu desenvolvimento aflora quando surgem novas possibilidades embutidas nas jazidas do sul do estado de Santa Catarina. 7 O desenvolvimento ascendente da produção de carvão, especialmente na década de 40, com o suporte muito bem vindo, oferecido pelo governo de Vargas, proporcionou um novo momento de crescimento da estrada de ferro, onde criciúma vem a se impor como o centro da produção da região sul. Foi o carvão Catarinense que mais sofreu com a crise de 1929, em contrapartida, foi o que mais recebeu vantagens do governo. Naquela época foram criadas medidas de incentivo como a isenção de taxas e impostos sobre máquinas e materiais importados e a redução do preço do frete e transportes, com o intuito de garantir uma exploração em larga escala. Segundo Cunha: O grande impulso e a diversificação do consumo ocorreu com a conflagração da II Guerra Mundial, pela quebra do suprimento externo e pela necessidade do país se auto-abastecer desse insumo estratégico para o setor de transporte ferroviário. 8 Com a substituição das importações, a economia catarinense entra no contexto nacional, inicia-se, agora, o aproveitamento de toda capacidade produtiva já instalada. Em 1943, inicia-se a construção do Ramal de Treviso, que, terminado em 1947 reflete a implantação máxima da sua estrutura ferroviária no extremo sul catarinense. É possível justificar, pela implantação do Ramal Tubarão – Araranguá, o desenvolvimento acelerado da região, que teve na ferrovia o mais sólido pilar para sua estruturação urbana. A cidade de Laguna, que até 1930 se mantinha como o maior centro comercial do sul de Santa Catarina, pouco a pouco vai perdendo seu posicionamento privilegiado para o porto de Imbituba. Tubarão, que além de contar com sua localização beneficiada pela presença de E.F.D.T.C., consolidou sua posição como principal entroncamento rodo ferroviário da região sul com a 7 NASCIMENTO, Dorval do. As curvas do trem, a presença da estrada de ferro em Criciúma. (1919/1975). Cidade, modernidade e vida urbana. pg. 34. 8 CUNHA, Idaulo J. Evolução econômico-industrial de Santa Catarina. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. pg. 12. 17 implantação da BR-101 às suas margens. Em 1950 Tubarão era a maior e mais importante cidade do Sul de Santa Catarina. 9 Já legitimada como maior centro de mineração do sul do estado, Criciúma acaba por tomar o lugar de Tubarão no cenário do desenvolvimento catarinense, sendo que na cidade encontrava-se a possibilidade de articulação fácil e viável da região de Tubarão, Araranguá e Treviso. 10 Com a presença dos trilhos e a possibilidade da exportação dos produtos do seu interior e o facilitado recebimento de produtos industrializados nos vagões, Araranguá se vê como maior centro do vale do Araranguá, porém tal qualificação vai perdendo sentido na medida em que os pequenos municípios vizinhos vão se emancipando e reduzindo o território da localidade. Araranguá só mantém sua posição como importante cidade da região com a passagem da BR-101 em seu perímetro urbano. A construção do Ramal Tubarão - Araranguá se coloca no sul do estado de Santa Catarina como grande responsável pela estruturação das cidades atingidas ou contempladas por seus trilhos, bem como pelo desenvolvimento experimentado por elas. É pelos trilhos do trem que o progresso alcança a região, e somente através deles a população da época prova o doce sabor do sonho, da possibilidade de uma vida melhor, apoiada na crença do progresso e do maquinismo. 3 - A Ferrovia definindo a cidade de Içara A construção do Ramal Tubarão - Araranguá vem definir o destino risonho de muitas cidades do sul de Santa Catarina. Só através da sua construção, chegam as terras sul catarinenses a possibilidade do progresso, a crença moderna de uma vida feliz alicerçada no desenvolvimento econômico. A medida que os trilhos avançavam, vencendo rios, lagoas, banhados e dunas, aplainando os montes e elevando os vales, a crença na 9 LAGO, Paulo Fernando. Estudos geográficos da zona de Tubarão ou do carvão Catarinense. Santa Catarina, 1965. 10 NASCIMENTO, Dorval do. Op. Cit. pg. 42 18 capacidade da técnica e da ciência em garantir o futuro do homem aumentava ainda mais11 Toda a extensão dos trilhos que ligavam Tubarão à Araranguá, passando por Criciúma, influenciaram, muito além da estrutura urbana e da situação e desenvolvimento econômico. Com sua presença fez-se possível motivar, sonhar e esperar na possibilidade de melhora. Numa terra onde se plantava e colhia, o maquinismo espalhou em Santa Catarina a semente do progresso, da qual colhe-se frutos ainda nos dias de hoje. Nos vagões que percorriam os trilhos da Donna Thereza Christina, transportavam-se além do carvão, os sonhos emergentes de um povo acostumado ao trabalho nas lavouras e a carros de boi, seduzidos pelos comboios de novidades. No km 47, atual município de Içara, o espírito do século, a crença do progresso, não decepcionou. Inúmeros braços abandonaram as enxadas e deslocaram-se em direção as minas; a mais forte expressão de desenvolvimento da época. O abandono das lavouras deu-se porque o trabalho com o carvão era muito mais rentável. Dona Síria, antiga moradora do município, coloca: “Mesmo sabendo dos problemas de saúde que poderiam ter, um mineiro se aposentava com 15 anos de trabalho e a agricultura não dava bons lucros nem para os donos dos engenhos”12. Assim, inúmeras famílias alicerçaram-se diante da ferrovia, tendo ela como fonte de renda, trabalhando nas máquinas e na manutenção da estrada. Apesar da ferrovia não ter legitimado sua participação econômica prenunciada, é pelos trilhos da E.F.D.T.C. que o progresso atinge Içara, e pela sua presença intrigante, mágica e assustadora, que se evidencia a vida urbana da localidade, até então segmento de Criciúma. Içara, pouco a pouco, vai perdendo suas características rurais e dando espaço ao desenvolvimento que vai chegando cada vez mais doce, cada vez mais irresistível. Percebe-se, assim, a influência da ferrovia na modelagem da cidade, de seus extremos e seu centro, na preferência das famílias em construírem suas casas, alicerçadas especialmente nas margens do trilho, onde hoje se situa o centro da cidade. 11 NASCIMENTO, Dorval do. Op. Cit. pg. 24 19 5 - Centro da Cidade de Içara – Ano de 1962. Acervo Público – Casa da Cultura Pe. Bernardo Junkes – Içara. Até levantar-se a possibilidade de que uma estrada de ferro passaria pelas imediações do que hoje conhecemos por Içara, a grande maioria das famílias residia e trabalhava no bairro de Urussanga Velha. Porém, com a notícia da chegada da E.F.D.T.C. e a possibilidade de uma vida mais tranqüila e financeiramente melhor, muitas famílias acreditaram no sonho de que a estrada de ferro produziria muito dinheiro e, conseqüentemente, sua felicidade. “Quando começou a surgir a história de que vinha passar uma estrada de ferro aqui, nessas imediações, as pessoas que chegavam de fora já iam se localizando aqui”13, lembra Dona Síria. Naquela época repartições como o cartório e a delegacia, até então localizados no bairro de Urussanga Velha, foram transferidos para perto dos trilhos, para perto do progresso eminente e do aumento inevitável da população. A intensa movimentação nos arredores da E.F.D.T.C. propiciou a abertura de inúmeros estabelecimentos comerciais e por mais de três décadas a 12 Síria Duarte Cardoso, 75anos. Moradora do município de Içara há 58 anos. Entrevistada em 10 de fevereiro de 2004. 13 Idem. 20 estrada de ferro se assumiu como responsável por todo o transporte e escoamento da produção do município de Içara.14 Na medida em que a urbanização invadia Içara, o bairro de Urussanga Velha, onde possivelmente se localizaria o centro da cidade não fosse a presença da estrada de ferro, passa a perder sua estrutura. Pelos trilhos passavam todas as mercadorias e este passou a ser o meio de transporte mais eficiente, a estrada do mar foi abandonada. Muitas famílias migram para Içara. A desestruturação de Urussanga Velha é fato consumado, já que a bola da vez, a ferrovia, passa muito longe daí.15 Poderosa e misteriosa, a máquina era a apresentação em verso e prosa do espetáculo da cidade moderna, do crescimento, de um futuro risonho apoiado nos caminhos milagrosos da tecnologia. Segundo Paulo Fernando Lago, em sua análise geográfica da região Sul Catarinense: O significado da mineração não é somente uma questão financeira, um fato econômico. Antes de tudo é condicionador da expressão regional. É o fato que nos possibilita o esclarecimento de um conjunto. 16 A E.F.D.T.C., que velozmente reduzia lonjuras, foi a grande vedette do seu tempo; fascinante e absoluta, a expressão maior do maravilhoso gênio e esforços humanos. A sedução pelo novo conduziu uma torrente que veio a moldar a cidade, alterar sua espacialidade e a relação das pessoas com o seu meio. O advento da ferrovia no km 47 desencadeou um processo migratório que, posteriormente, veio a definir todo o município de Içara. É a partir da instalação da Tereza Cristina que Içara, então segmento de Criciúma, começa a caminhar ao encontro de sua elevação a distrito, em 1944, e sua emancipação política em 1961. 14 FERNANDES, Elza de Mello. Içara, nossa terra nossa gente. Içara: ed da autora. 1998. pg. 109. MANAUS, Ana Maria, STOLK, Fabiana Dagostin. Da margem do rio à beira do trilho: transformações sócio-econômicas no município de Içara / SC (1910 – 1970) 16 LAGO, Paulo Fernando. Op. Cit. pg. 58. 15 21 6 - Centro da cidade de Içara –Década de 80. 22 3 CAPÍTULO II – HISTÓRIA LOCAL: UM DESAFIO AO PROFESSOR DE HISTÓRIA. 1 – Perspectivas da História: novas possibilidades. Alguns modelos que tratam o ensino de história e suas linhas de pensamento, presentes até o começo dos anos 80, começam a quebrar de forma definitiva e não dão mais conta de todo o conjunto que norteia a história e seus conceitos. 17 Já não basta apenas, que as competências da história, sejam o tratamento do passado, do futuro e do presente. As abordagens da disciplina de história há muito deixaram de ser a história pronta ou mera apresentação de fatos e seus conceitos paralelos. Ao professor compete edificar seu ponto de vista de forma clara e explícita, além de sempre realizar uma abordagem comparativa, tanto com o tempo presente como a realidade mais próxima de seus alunos. Certamente essa posição de quem ergue sua opinião, não deve ser tida como a solução para compreender determinado fato histórico, ou ainda o fechamento de determinado conceito e seus porquês. Isso não seria o suficiente. O professor de história, que tem comprometimento com o ensino de história local e suas implicações no cotidiano de cada aluno, ajuda a construir conceitos e aplicá-los diante de vários problemas e situações. Significa comprometimento em selecionar, relacionar e interpretar dados e informações, para que o aluno, aprendente, possa assim explicar a si próprio e aos outros determinada situação histórica que perpassa seu dia a dia. Ser membro da consciência humana é situar-se em relação ao seu passado, passado este que é uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e padrões da sociedade18 17 Karnal, Leandro (org). História na sala de aula. Conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. 216p. 18 HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das letras. 1998. 23 A história, em se tratando de passado e condições ou situações históricas, é referência, portanto deve ser bem ensinada. Qual seria o papel do professor nesse contexto? Ora, é dele a responsabilidade de estabelecer articulações entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do aluno. Cada estudante da disciplina deve se perceber como sujeito histórico, deve analisar o passado a partir de questões que o inquietam ainda no presente. Assim, à aula de história compete a ligação permanente entre o passado e o presente. A trama constante entre o distante e o nosso quintal. Peter Burke, em entrevista à Revista Pós-História, fala sobre a compartimentação da História: “É impossível dizer se uma nação ou região é uma unidade correta para fazer história, porque sempre podemos decompor uma unidade em outras. Vale a pena escrever a história do mundo, a história das nações, dos continentes, das regiões e sub-regiões, cidades, vilas e 19 até de pessoas... A disciplina de história só pode transformar quando gera a oportunidade de incluir os alunos no seu passado histórico e em seu presente como resultado desse passado. Diferentes abordagens da história permitem que o aluno abra grandes leques que podem, desde acolher sua curiosidade, sua análise, até sua identificação com esse passado de “gente como a gente”, que construiu o passado do qual ele mesmo é parte indissolúvel. Este movimento de renovação historiográfica permite o acesso às atitudes, mentalidade e às experiências cotidianas, através da utilização de fontes documentais que se alargam e passam a oferecer um leque infinito de possibilidades à pesquisa. 20 Na constante busca de novos paradigmas, a História Regional e Local tem derrubado idéias já cristalizadas pela História Geral e da Nação, além de servir para testar teorias e oferecer elementos preciosos em estudos comparativos. Somente a História Regional e Local consegue detectar rupturas e continuidades que por vezes não são percebidas em análises macro. Os conteúdos são parte central no processo de ensino-aprendizagem de história, e sua seleção deve concordar com fatos e problemas que marcam cada 19 ENTREVISTA com Peter Burke. In: Revista Pós-História . Assis, 1995, p.19, vol.3. RODRIGUES. Jane de Fátima Silva. História Regional e Local: Problemas teóricos e práticos. In: História e Perspectivas, Uberlândia, (16/17): 1997. p. 151. 20 24 momento histórico. Tratando-se de história local, faz-se ainda mais presente a necessidade de expor um envolvimento do aluno com seu objeto de estudo. A história do Brasil é bom exemplo tratando-se da necessidade de uma análise mais cuidadosa em termos de conteúdo da disciplina de História. A história do nosso país tem sido escrita do centro para a periferia, ou seja, das grades capitais saem os fatos que se firmam como a História da Nação. Tal concepção salutar força uma imagem histórica onde se escondem as histórias locais e regionais por trás de acontecimentos nacionais, pode-se entender, assim, que os fatos locais são meros reflexos da “grandiosa” História da Nação. Deve-se lembrar, contudo, que enquanto a História Nacional destaca as semelhanças, a História Local evidencia as diferenças, as particularidades. Mas como pode-se calcular a importância ou veracidade de cada uma delas? Wesphalen questiona: “Não será, contudo, a História Nacional apenas a História da capital? E as outras, onde ficam? Na penumbra do construído dia a dia, sem grandes gestos, nem grandes feitos, mas teimosamente persistente.”21 A História de uma Nação sempre será incompleta se deixar de tratar dos interesses e atividades do homem comum. A história nunca será legitimamente verdadeira se não se compromete a refletir a participação de quem não tem seu nome impresso nos livros. Nenhuma outra modalidade cuida dos acontecimentos diários do homem comum, como a História Local, que promove, deste modo, um conhecimento mais seguro e amplo da vida da Nação que o historiador busca reconstruir. 22 Assim como é incomparável a vontade e a intimidade das relações que se estabelecem entre o aluno e a História da sua região, a história que o faz sujeito ativo de seus acontecimento e o insere como agente de transformação. 2 – “A vida se repete na estação”: Estrada de ferro e sala de aula. Preservar a memória sempre foi um desafio, tanto para educadores quanto para historiadores. A história local muitas vezes é marginalizada, acredita-se 21 WESTPHALEN, Cecília M. “História Nacional, História Regional”. In: Revista Estudos Brasileiros. Curitiba: UFPR, 1977, p. 29, nº 3. 25 que ainda falte consciência da sociedade em si de resgatar a herança sócio-cultural de sua comunidade, peça primordial para construção da história da nação. Os livros didáticos, tanto do ensino fundamental quanto do médio, têm seus conteúdos voltados para os fatos significativos da história universal e nacional, contribuindo, assim, para que a noção que os alunos tem de história, se resuma as grandes marcos e acontecimentos passados, tornando-os cada vez mais imutáveis. É preciso ressaltar que a história e a pesquisa local não sacrificam o geral ao particular, elas buscam, dentro de um viés particular e humano, revelações de fenômenos mais gerais. Através da pesquisa da história local, podem-se coletar indícios que reflitam uma história geral dentro da peculiaridade regional. Nele (no local) ocorrem experiências vivenciadas pelos grupos dominados, englobando paisagens, relações pessoais, memória familiar e de grupos de convívio em etapas etárias, condição sexual, profissão, escolaridade, tradições e práticas associativas, dentre outras possibilidades. Associar a identidade também a um local é recuperar, de algum modo, vivências que também participam na definição de identidades individuais e grupais, sem, com isso, homogeneizar a sociabilidade considerada. 23 A dimensão da vizinhança, do detalhe, a história intimista que se desenrola na vida em família têm se mostrado a grande vedete deste tempo. São nesses locais onde os pequenos fatos tornam-se grandes e verdadeiras histórias. A sensação da cidade e o seu tecido físico estão sempre presentes para os habitantes e visitantes. Apreciado, visto, tocado, cheirado, adentrado, consciente ou inconscientemente, este tecido é uma representação tangível daquela coisa intangível, a sociedade que ali vive – e suas aspirações.24 Entretanto, a pesquisa local reserva alguns problemas para quem se aventura em sua análise. Certamente a grande limitação diz respeito às evidências históricas, à localização de fontes deixadas. 22 RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil Introdução Metodológica. 5 ed., São Paulo: Cia ed. Nacional, 1978, p. 151. 23 SILVA, Marcos. “A História e seus Limites”. In: Revista História e Perspectivas. Uberlândia: UFU/COCHI, 1992, nº 6, p. 60/61. 24 RYKWERT, Joseph. A Sedução do Lugar. A História e o Futuro da Cidade. São Paulo: Martins Fontes. 2004. p. 06. 26 O pequeno município de Içara teve seu desenvolvimento alavancado pela construção da estrada de ferro, onde atualmente está localizado seu centro. A partir do advento da ferrovia, a cidade se firmou e às suas margens estabeleceu seus sonhos e suas casas. Deste passado não tão distante restam poucas lembranças, geralmente guardadas com as pessoas mais idosas, que já são uma fonte cada vez mais rara. Num aspecto mais geral, o Içarense desconhece suas origens e enxerga sua vida e sua cidade como se todo esse processo tivesse acontecido de forma natural, linear. Também falta vontade pública, de empresários e da municipalidade em levar a cargo medidas simples que poderiam promover uma recuperação da história local. Desponta agora um grande desafio para o educador: como se pode ensinar a história de nosso município quando nos faltam dados mais concretos e material de pesquisa? Ainda que muitos dos professores da rede pública tenham vindo de universidades ou faculdades particulares, a maioria deles se distancia do ambiente acadêmico logo após a formatura. O professor que atua na sala de aula acaba ficando desatualizado, enquanto o pesquisador fica alheio às necessidades e às dificuldades dos estudantes em assimilar o conhecimento histórico por eles produzido. É necessário que haja um amplo diálogo entre universidade e escolas. É certo que grande parte dos trabalhos de conclusão de curso apresentados nestas mesmas universidades tratam de questões locais, também é sabido que esse conhecimento obtido através de muita pesquisa e confronto de referências não é repassado aos alunos que serão atendidos por esses profissionais posteriormente. Jane de Fátima Silva Rodrigues cita a importância de estabelecer uma ligação entre a História Nacional e o acontecimento local, destacando a modalidade da “História vista de baixo” como instrumento indispensável na prática da pesquisa local e regional.25 A escola, a quem foi incumbida a tarefa de formar o cidadão, acaba esquecendo que a cidadania começa a partir da valorização do regional para então remeter-se ao nacional. A valorização da memória do município favorece o surgimento de um espírito crítico e comprometido com o bem comum. 25 RODRIGUES. Jane de Fátima Silva. op. cit.. p. 149. 27 O método de ensino através da pesquisa é, atualmente, uma das melhores formas de desenvolver no jovem estudante a capacidade de ordenar e criar conhecimento, tirando do professor o ônus de ser o “dono do saber”, fazendo com que ele se torne um orientador, que aprende e produz conhecimento junto com seus orientados. Deste modo a criança poderá organizar suas idéias e aprender através do debate e da descoberta. O hábito de muitos professores e escolas de estimular a simples reprodução de um conhecimento já existente deve ser sobreposto pela pesquisa. Desenvolver essa habilidade deve começar junto com a aprendizagem escolar, ou seja, já no primeiro ano de escolarização. Segundo Knass: (...) o processo de aprendizagem confunde-se com a iniciação à investigação, deslocando a problemática da integração ensino-pesquisa para todos os níveis de conhecimento, mesmo o mais elementar. A pesquisa é assim entendida como o caminho privilegiado para a construção de autênticos sujeitos do conhecimento que se propõem a 26 construir sua leitura de mundo. O primeiro grande passo seria o entendimento do aluno em relação ao documento como fonte de pesquisa e um importante instrumento de trabalho que pode ser utilizado de diversas formas na sala de aula. Deve-se criar esse tipo de interpretação como um hábito sempre mais presente no cotidiano da sala de aula ou a prática da pesquisa em si. Os jornais são bom exemplo disso. O trabalho com os jornais é extremamente rico, além de poder variar desde a análise critica das notícias veiculadas e sua apresentação textual até a confecção de um jornal, pelos próprios estudantes, sobre o assunto em questão. As construções antigas da cidade são outro documento importante, como as casas de turma, que apesar de raras e pouco preservadas, servem de apoio para uma visualização mais palpável do passado da cidade. Elas podem ser mapeadas junto com os alunos, que podem investigar em seus próprios bairros algumas lembranças aparentes do tempo passado, que possam ter relação com a constituição da cidade. Eles podem recriar a cidade a partir de fotos antigas, através de um mapa ou através de uma maquete. Trabalhar com material concreto antecede 26[13] KNASS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar de pesuisa. In. NIKITIUK, Sônio M. Leite (org). Repensando o ensino de História. – ed. – São Paulo, Cortez, 2001, p. 29-30. 28 à criação do conhecimento abstrato. Ele deve criar o hábito de relatar suas experiências e a valorizá-las como forma de registro histórico. Visitas guiadas são uma outra opção, extrapolando o ambiente formal e tantas vezes improdutivo, da sala de aula. Elas podem ser realizadas no próprio centro da cidade, nas ruas principais, incentivando o aluno a observar e a descrever o que vê. Visitas à espaços culturais, no caso de Içara, são uma boa opção. Os professores podem contar com o museu da Casa da Cultura, no centro da cidade e o museu do agente ferroviário, recentemente inaugurado, ambos buscando um a reconstituição da história municipal através de passagens significativas da mesma, passagens essas que se firmam como reflexo de uma história tradicional e elitista, como as primeiras famílias, o primeiro prefeito. Não existe nenhum arquivo municipal organizado. É exatamente neste âmbito que entra em cena o professor como instrumento de problematização, é seu papel encaminhar os alunos a uma análise mais profunda sobre as continuidades e rupturas da história, sobre os personagens que participaram desse processo e como deve-se perceber o nosso passado como conseqüência de atos de pessoas comuns, não só dos grandes nomes. É preciso que o aluno explore o universo da pesquisa, e descubra que a História é dinâmica e que ele participa da história como sujeito, como alguém que tem participação efetiva no desenrolar dos fatos. O professor por sua vez, terá que seguir todos os passos ao lado do estudante e aprender a criar os seus próprios métodos de pesquisa e de interação dos seus alunos. Algo simples e prático, mas que poucos fazem é o registro das experiências, mesmo daquelas que não alcançaram os objetivos propostos, como referencial para futuros projetos. O planejamento bem feito oferece como retorno o enriquecimento não só do educando, mas, sobretudo do educador. 29 CONCLUSÃO A análise feita sobre a modernidade num contexto geral e as ferrovias como suas fortes representantes, abrange além de questões econômicas, relações sociais que se formam e fortalecem aí. O registro de tais informações garante a legitimidade de um ícone tão marcante para as cidades por onde passa e a possibilidade de que para as gerações futuras esse processo no sul de Santa Catarina não passe em branco. Um dos pontos de maior importância nesse trabalho, certamente é a análise da modernidade como modeladora do espaço onde ela se coloca, e como a E.F.D.T.C. nasce sob o símbolo do moderno e, neste sentido, não decepciona, legitima sua força como ícone de um novo tempo. Com relação à construção do Ramal que liga Tubarão à Araranguá, passando por Criciúma, foi possível perceber como se formaram as cidades através da sua presença e como a partir da sua instalação nas terras sul catarinenses, o progresso tão ansiado, se configura na região. A presença de estrada de ferro representou uma nova fase na história dessas cidades, uma nova era alicerçada sobre os pilares do progresso e do desenvolvimento que a ferrovia nem sempre legitimou, mas que as pessoas fizeram valer, acreditaram e tornaram real. Apesar da dificuldade em termos de referencial teórico, e principalmente na obtenção de fontes, o trabalho rendeu bons frutos. Foi possível compreender a interferência da Estrada de Ferro nos moldes que a cidade de Içara adquire a partir da sua chegada e como ela espelha o mágico e fascinante mundo moderno, o mundo que se destrói ao se construir, “onde tudo que é sólido desmancha no ar”. Outro ponto relevante e, sem dúvida, de grande valia para os profissionais da educação é a análise e a utilização de elementos da história local para o ensino de história nas escolas do município de Içara. É primordial que o aluno compreenda, antes da constituição de seu país ou do mundo, a história de sua própria cidade e se veja como parte indissociável dela. A história, em suas análises macro, deixa algumas lacunas que só uma análise mais regional ou local poderia dar conta. A valorização da história local e do cotidiano do aluno como objeto de pesquisa é um passo importante na construção 30 de uma história mais verdadeira e menos elitista. A simples reprodução de fatos passados do município, bem como a mera representação da cidade como resultado da influência de determinadas famílias alavanca mais uma vez a forma tradicional de ensino, que reflete os grandes feitos de grandes homens. Cabe ao professor o papel de incitar a prática da pesquisa, da reflexão e da discussão por parte de seus alunos, que, por sua vez, desenvolvem grande capacidade de ordenar e criar seu próprio conhecimento. Este trabalho sugere o aprendizado através da pesquisa e da organização desse conhecimento. O professor deve se colocar como elemento indispensável na formação de um indivíduo que vê a sociedade como um espaço de realizações e transformações. É preciso tirar da história o estigma de “matéria da descoberta”, fazendo com que o aluno perceba que não basta decorar datas e fatos marcantes para saber da nossa história. Que a história se cria a cada momento e nós somos seus personagens principais. 31 REFERÊNCIAS FONTES Orais: Entrevistas: Síria Duarte Cardoso, 75 anos. Moradora do município de Içara há 58 anos. Entrevistada em 10 de fevereiro de 2004 Josefa Stano Bosquete, 69 anos. Moradora do município de Içara desde sua infância. Entrevistada em 15 de setembro de 2004. Imagens: Fotografias: Cidades de Criciúma, Laguna e Içara-SC. Acervo Particular. Acervo Público Casa da Cultura Pe. Bernardo Junkes. Pinturas: Obras “A Estação Saint-Lazare” (Monet) e “Chuva, Vapor e Velocidade” (Joseph Turner) Bibliografias: BAUDELAIRE. Charles. Salon de 1846. Au Bourgeois. In: Oeuvres completes. Paris: Gallimard. 1976. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: obras escolhidas I. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. 9ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras; 1992. BITENCOURT, João Batista. Clio Positivada. 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