II - DAS RAZÕES DA PROPOSTA DO VOTO Haja vista o relatório e o Parecer do Ministério Público de Contas, cumpre-me fazer um exame detalhado acerca das irregularidades permanecentes nas contas em apreço. Irregularidades sob a Responsabilidade do Sr. Sérgio Bezerra de Araújo: 1- GC 14. Licitação. Moderada. Investidura irregular dos Membros da Comissão de Licitação (art. 51, § 4º, Lei nº 8.666/1993): 1.1. Ocorreu a investidura irregular da Comissão e Licitação em 2012, pois houve a recondução total dos seus membros de 2011 para 2012, conforme portarias de licitação nº 001/2011 e 001/2012. A defesa admitiu a recondução total dos membros da Comissão Permanente justificando o fato devido à escassez e exiguidade de funcionários do órgão. E, argumentou, que para cumprir o disposto na Lei n° 8.666/1993 bastaria a Câmara designar um funcionário para responder pelas contratações e aquisições dentro da modalidade Convite, porém teria uma atuação restrita a esta modalidade, optando então por compor uma Comissão com os elementos humanos disponíveis na instituição, para abranger maiores atividades nesta área de ação. A SECEX entendeu que embora seja exíguo o pessoal da Câmara para a composição da Comissão de Licitação, o mesmo poderia ter sido recomposto sem recondução total dos membros, isto é, poderia ocorrer a recondução parcial deles, não Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 1 desobedecendo a Lei n° 8.666/1993. Como a recondução ocorreu de forma total, não se pode considerar sanado este apontamento com base apenas na situação de carência de pessoal, pois o membro da Comissão de Licitação poderia ter sido um próprio vereador da Câmara. Sendo assim, persiste este apontamento. A função da Comissão de licitações está definida no artigo 6°, inciso XVI, da Lei n° 8.666/1993, sendo: “comissão, permanente ou especial, criada pela Administração com a função de receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramento de licitantes.” Já a formação dessa Comissão pode ser considerada regrada pelo artigo 51, caput, da Lei de Licitações, que diz que os membros da Comissão Permanente ou Especial deverão ser de no mínimo três membros, sendo pelo menos dois deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes da Administração responsáveis pela licitação, mas devendo ser levada em consideração o disposto no § 4º do artigo 51: “A investidura dos membros das Comissões permanentes não excederá a 1 (um) ano, vedada a recondução da totalidade dos seus membros para a mesma comissão no período subsequente”. Segundo o ilustre jurista Marçal Justen Filho: “A Lei busca evitar o continuísmo no exercício da atividade de membro da comissão de licitação. O § 4° reflete a preocupação em eliminar o risco de desmandos. A Lei presume que a rotatividade na composição das comissões permanentes reduz a possibilidade de abusos ou atitudes reprováveis.” (Filho, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª edição, Ed. Dialética, p.692). Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 2 Portanto, vislumbra-se que a lei veda a recondução total dos membros da licitação com a intenção de evitar abusos de poder e atitudes impróprias a realização da atividade pública, garantindo-se obediência aos princípios da isonomia, da moralidade e da impessoalidade que devem nortear toda atuação estatal. Destaca-se ainda o entendimento consubstanciado pelo Tribunal de Contas da União – TCU, sobre a matéria: “(...) investidura de membros da Comissão Permanente de Licitação por período superior a um ano, e recondução da totalidade de seus membros para o período subsequente”, em afronta ao art. 51, § 4º, da Lei n.º 8.666/93. Para o relator, ao prever a rotatividade da composição da comissão permanente de licitação, a lei intenta preservar a Administração da “perpetuação de falhas cometidas por determinados integrantes, sejam decorrentes de má-fé ou de deficiência técnica”. Além disso, essa alternância “busca reduzir a margem para fraudes, decorrentes da ingerência de licitantes junto aos trabalhos da Comissão”. Em consequência, o relator propôs a expedição de determinação corretiva ao ente municipal, no que foi acompanhado pelos demais ministros. Acórdão n.º 1281/2010Plenário, TC-006.092/2008-5, rel. Min-Subst. Augusto Sherman Cavalcanti, 02.06.2010. (grifou-se) Abstrai-se deste julgamento que a observância do § 4°, do artigo 51, da Lei n° 8.666/1993 é essencial para que a Administração Pública aja dentro dos preceitos da moralidade, legalidade e eficiência. Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 3 Portanto, diante dos argumentos apresentados, mantenho a irregularidade apontada, sendo necessário ser aplicado ao responsável as sanções legais cabíveis e determinando à entidade que observe os preceitos legais do art. 51, § 4º, da Lei n° 8.666/1993. 2- KB-10. Pessoal _Grave_10. Não provimento dos cargos de natureza permanente mediante concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal) 2.1. O cargo de contador não é efetivo, portanto ainda não atende as Resoluções de Consulta 37/2011 e 31/2010. Amparado pelo princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, o gestor, em sua peça de defesa asseverou que de fato houve contratação de Contador, por meio de licitação, e que tal fato se deu em virtude de que no lotacionograma não consta o cargo de contador efetivo. Entretanto está buscando meios a fim de regularizar a situação, através de concurso público. Posteriormente em alegações finais, aduziu que na época não havia recursos financeiros para dar provimento ao cargo de contador. A SECEX entendeu que as providências estão sendo tomadas em relação ao concurso público, mas que as justificativas da defesa não sanam a irregularidade, devendo permanecer até sanar este apontamento. Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 4 Em que pese as alegações supracitadas do gestor, assegurando a inexistência do cargo de contador efetivo no lotacionograma, contratando contador através de licitação, cabe ressaltar que tal justificativa não é plausível, pois é uma afronta a Constituição Federal especificamente no tocante a obrigatoriedade de concurso público. Apesar das alegações supracitadas do gestor, afirmando que estão sendo tomadas providências para o provimento de cargo de contador através de concurso público, tal irregularidade deveria ter sido sanada anteriormente, haja vista ter sido alvo de determinações legais pretéritas (Acórdão 2.370/2011 e 272/2012). Cabe salientar que as funções exercidas pelos Contadores em órgãos públicos são de extrema relevância para a sociedade e deve ser realizada de forma contínua, razão pela qual o cargo deve estar contemplado no Plano de Cargos e Carreira, em obediência ao mandamento constitucional do art. 37, II, da CF/88 e sob pena de constituir ato de improbidade administrativa tipificado, previsto no art. 11, da Lei nº 8429/92. No Brasil, a Constituição Federal estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Tal orientação tem por finalidade minimizar as desigualdades entre cidadãos brasileiros, oferecendo a estes as mesmas oportunidades e condições para exercerem seus direitos e cumprirem seus deveres. O Estado Democrático de Direito não pode ser amoldado a certas condutas estatais que se voltam para a particularidade de uns ou interesse escuso de outros. Um dispositivo constitucional corolário do princípio democrático e que implica o ideal de uma sociedade justa, é o artigo 37, inciso II: “A Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 5 investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvados as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Tal dispositivo objetiva proteger o interesse público em seu sentido mais amplo, na medida que, por meio do certame público, garante-se obediência aos princípios da isonomia, da moralidade e da impessoalidade que devem nortear toda atuação estatal. O respeito ao princípio do concurso público é direito assegurado desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, cujo art. 6º dispõe que: “Todos só cidadãos são igualmente admissíveis a todos os cargos públicos, sem outra distinção que não seja capacidade ou talento”. Ademais, tal situação não é recente e já foi objeto de diversos pronunciamentos desta Egrégia Corte (Acórdão n° 2362/2010 – de 24/08/2010), razão ainda mais que suficiente para não se acatar os argumentos apresentados pelo gestor. Neste passo, ressalto que a atividade de contador, tem natureza técnica e é essencial à regularidade da gestão pública, fazendo parte do cotidiano da atividade administrativa, posto que dela decorre dados e informações que sustentam as decisões administrativas dos administradores públicos. Por pertinência ao alegado e por caminhar em sintonia idêntica ao julgado acima esposado (Acórdão 2.362/2010-TCE/MT), cito breve trecho dos Acórdãos de nº 947/2007, 100/2006 e da Ementa da Ação Civil Pública, senão vejamos: Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 6 Acórdão 947/2007 “A administração pública deve, obrigatoriamente, contratar mediante processo licitatório quando os serviços desempenhados por profissionais especializados forem eventuais e não permanentes ou desenvolvidos por intermédio de pessoa jurídica. No caso de serviços permanentes, o gestor deve criar o cargo e realizar concurso público, salvo nas exceções previstas em lei.” Acórdão 100/2006 A execução de serviços públicos deve ser feita por pessoal efetivo, submetido a concurso público, tal como determina a Constituição Federal, em seu inciso II do artigo 37. Entretanto, ante a exiguidade de prazos para a execução de programas federais e estaduais, admite-se a contratação temporária, sempre observando as regras fixadas para a Administração Pública: elaboração de lei específica para contratação, realização de Processo Seletivo Simplificado, respeito aos princípios da publicidade e impessoalidade na contratação.” Ementa da Ação Civil Pública: “Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Improbidade administrativa. 1. A nomeação de servidor para cargo técnico de natureza permanente, sem a prévia realização de concurso público, constitui ato de improbidade administrativa tipificado previsto no art. 11 da Lei nº 8429/92. Processo: APL 994061059930 SP, Relator(a): Coimbra Schmidt, Julgamento: 26/07/2010, Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público, Publicação: 09/08/2010.” Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 7 Com essas considerações, em consonância com a SECEX e com o Ministério Público de Contas, entendo que a justificativa apresentada pelo gestor não pode ser acatada, sendo necessário ser aplicado ao responsável as sanções legais cabíveis, e determinando que a atual gestão realize concurso público para o cargo de contador, conforme artigo 37, II, da Constituição Federal. III – DA PROPOSTA DO VOTO Ante o exposto, nos termos do art. 47, inciso II, art. 212, da Constituição Estadual combinado com o artigo 1º, inciso II, art. 21, art.22, § 1º, da Lei Complementar nº 269/2007 (Lei Orgânica -TCE/MT) e art. 193, § 2º da Res. Nº 14/2007 (Regimento Interno – TCE/MT), acolho o Parecer nº 3.919/2013 do Ministério Público de Contas e apresento a proposta de VOTO no sentido de julgar REGULARES COM DETERMINAÇÕES LEGAIS E APLICAÇÃO DE MULTA as Contas Anuais de Gestão, relativas ao exercício financeiro de 2012, sob responsabilidade do gestor Sr. Sérgio Bezerra de Araújo. Nos termos do art. 71, inciso VII, da Constituição Federal, art. 47, inciso IX, da Constituição Estadual; art. 1º, inciso I e II, da Lei Complementar nº 269/2007, comino as seguintes sanções ao Sr. Sérgio Bezerra de Aaraújo: I – Multa de 5 UPFs/MT, ao gestor, nos termos do art. 75, inciso III, da LC nº 269/07 c/c o art. 289, inciso II do Regimento Interno do TCE/MT, devido a recondução da totalidade dos membros da Comissão de Licitação por tempo superior a 1 (um) ano (art. 175 da Res. Normativa TCE – MT nº 14/2007, c/c art. 6º, III, “a” da Resolução 17/2010). CG 14 – MODERADA – Determino ao gestor que as sanções impostas deverão ser recolhidas com recursos próprios no prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir da Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 8 publicação desta decisão, condicionando a quitação ao envio a este Tribunal de documentos comprobatórios de seu recolhimento dentro desse mesmo prazo, sendo oportuno acrescer que o respectivo boleto bancário está disponível no endereço eletrônico deste Tribunal de Contas http://www.tce.mt.gov.br/fundecontas. II – Multa de 11 UPFs/MT ao gestor, com base no art. 75, III da LC nº 269/2007 c/c o art. 289, II, do RITCE/MT, em razão do não provimento dos cargos de natureza permanente mediante concurso público (art. 175 da Res. Normativa TCE – MT nº 14/2007, c/c art. 6º, II, “a” da Resolução 17/2010). KB 10 – GRAVE – Determino ao gestor que as sanções impostas deverão ser recolhidas com recursos próprios no prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir da publicação desta decisão, condicionando a quitação ao envio a este Tribunal de documentos comprobatórios de seu recolhimento dentro desse mesmo prazo, sendo oportuno acrescer que o respectivo boleto bancário está disponível no endereço eletrônico deste Tribunal de Contas http://www.tce.mt.gov.br/fundecontas. Decorrido o prazo sem a devida comprovação do recolhimento das sanções ou interposições de recurso, fica o responsável automaticamente constituído em débito perante o Tribunal de Contas do Estado, devendo a Subsecretaria Geral de Emissão de Certidões e Controle de Sanções proceder à inscrição no cadastro de inadimplentes deste Tribunal, nos termos do art. 76, § 3º, da Lei Complementar nº 269/2007 e art. 294, caput e parágrafos, da Resolução nº 14/2007. Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 9 Determino ao atual gestor da Câmara de Vereadores que: 1) sejam observados os ditames da Lei de Licitações, no que concerne a vedação da recondução anual da integralidade dos membros da Comissão de Licitação; 2) sejam adotadas as providências legislativas processuais necessárias a fim de suprimir a expressão “verba de representação” da redação do § 1º, do art. 20, da Lei Orgânica Municipal; 3) realize concurso público para o cargo de contador, conforme o art. 37, II, da Constituição Federal. Advirto à origem no sentido de que a desobediência às determinações ora impostas podem ensejar a reprovação das contas subsequentes, nos termos do art. 194, § único, do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. É a proposta de voto. Cuiabá, 19 de Junho de 2013. Moisés Maciel Conselheiro Substituto Processo n. 6995/2013 – Câmara Municipal de Serra Nova Dourada – CAP 10