UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -UERJ

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -UERJ
INSTITUTO DE BIOLOGIA ROBERTO ALCÂNTARA GOMES
Departamento de Ensino de Ciências e Biologia
AIDS nos livros didáticos:
análise dos livros de Ciências aprovados pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005
Fabio Nei Teles
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Especialista
em Ensino de Ciências.
Rio de Janeiro
2006
FICHA CATALOGRÁFICA
Teles, Fabio Nei
AIDS nos livros didáticos: análise dos livros de Ciências aprovados pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005/ Fabio Nei Teles – 2006
ix, 118p.; il, tab,
Orientador: Vera Maria de Sá Antunes Filgueiras
Co-orientador: Laísa Maria Freire dos Santos
Monografia (Especialização) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes.
1. AIDS 2. Livros Didáticos. 3.PNLD-2005. 4.Teses. I. Filgueiras, Vera Maria de
Sá Antunes
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Biologia Roberto Alcântara Gomes. Departamento de Ensino de Ciências e
Biologia. III. AIDS nos livros didáticos: análise dos livros de Ciências aprovados
pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005.
ii
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -UERJ
INSTITUTO DE BIOLOGIA ROBERTO ALCÂNTARA GOMES
Departamento de Ensino de Ciências e Biologia
AIDS nos livros didáticos:
análise dos livros de Ciências aprovados pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005
Fabio Nei Teles
Orientadora: MSc. Vera Maria de Sá Antunes Filgueiras
Co-orientadora: MSc. Laísa Maria Freire dos Santos
Aprovada em _______ de ____________ de 2006 pela banca examinadora:
Prof. ____________________________________________
Prof. ____________________________________________
Rio de Janeiro
2006
iii
“A luta contra a AIDS surge necessariamente
dentro da luta mais ampla contra a injustiça.”
Richard G. Parker
iv
Dedico essa monografia a todos aquele que me
ajudaram de alguma forma, especialmente à minha
esposa e aos meus filhos.
v
Agradecimentos
Agradeço a Deus, que está presente em tudo o que pode e o que não pode
ser criado pelo homem.
Sou extremamente grato a Severino Duarte da Costa Filho (Xiquinho),
Secretário da Direção do Fórum de Nilópolis, por ter oferecido condições para
que eu pudesse realizar e concluir esse curso de pós-graduação lato-sensu.
Meu carinhoso agradecimento a minha Orientadora Vera Maria de Sá
Antunes Filgueiras pela vibração com que contagia seus orientados e pelo
carinho com que conduziu as análises dos rascunhos da monografia.
Sou profundamente grato a minha Co-orientadora Laísa Maria Freire dos
Santos, pelas seguras observações e pelas ajudas que recebi nos momentos
cruciais, inclusive aos domingos. O meu muito obrigado.
Agradeço à Professora Marly Veiga, pelo exemplo de profissional dedicada
ao que faz e que nos fez sentir especialistas em ensino de ciências, ao final de
cada aula.
Sou ternamente grato aos meus três filhos que, às vezes, colaboravam
comigo, quando digitava esta monografia.
Sou amorosamente grato à minha esposa que soube se eclipsar para que
esse trabalho pudesse ser concluído, trabalhando nos bastidores e me dando
condições de concretizar esse sonho, aguardado por dez anos para ser
realizado.
Meus sinceros agradecimentos a todos que direta ou indiretamente
contribuíram para a realização dessa pesquisa.
vi
Lista de Tabelas
Tabela 1: Classificação filogenética do HIV, em tipos, grupos e subtipos ........... 11
Tabela 2: Sistema modificado de estágios da Organização Mundial da Saúde
para adultos e adolescentes infectados pelo HIV ................................................ 28
Tabela 3: Presença ou ausência de conteúdos nos livros didáticos de ciências
aprovados pelo PNLD-2005 analisados pelos critérios propostos pelos PCNOrientação Sexual-DST/AIDS................................................................................94
Lista de Ilustrações
Figura 1: Estrutura do vírus HIV .......................................................................... 12
Figura 2: Esquema do genoma do HIV-1. ........................................................... 13
Figura 3: Ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana. ............................ 15
Lista de Siglas e Abreviaturas
AIDS (SIDA) – Síndrome da Imunodeficiência Humana
CDC – Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos
CTA – Centros de Testagem e Aconselhamento
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana
MEC – Ministério da Educação
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONG – Organização Não-Governamental
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
SUS – Sistema Único de Saúde
vii
Sumário
Lista de Tabelas ................................................................................................... vii
Lista de Ilustrações .............................................................................................. vii
Resumo ................................................................................................................ ix
1. Introdução ....................................................................................................... .01
2. Caminhos do HIV/AIDS .................................................................................. .04
2.1 História da AIDS .................................................................................... .04
2.2 Origem do HIV e da epidemia...................................................................09
2.3 Ciclo de vida do vírus HIV.........................................................................11
2.4 Transmissão do HIV..................................................................................17
2.5 Epidemiologia............................................................................................35
2.6 Tendências da epidemia HIV no Brasil.....................................................37
3. Caminhos da Prevenção...................................................................................43
3.1 Vulnerabilidade .........................................................................................44
3.2 Obstáculos à prevenção ......................................................................... .47
4. AIDS e Políticas Públicas Educacionais.........................................................61
4.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientação Sexual.........................63
4.2 Programa Nacional do Livro Didático ..................................................... .66
5. Metodologia .................................................................................................... .71
6. Análise dos Livros Didáticos ........................................................................ .74
7. Discussão e Consideração Finais ................................................................ .95
8. Referências Bibliográficas..............................................................................102
9. Anexos..............................................................................................................106
viii
Resumo
O tema AIDS permeia todos os cenários da sociedade, inclusive o da
escola. Na escola, o tema AIDS aparece no discurso falado e escrito, assim
como no discurso não-verbal. No discurso escrito está, entre outros, o livro
didático, que pode fornecer informações corretas ou incorretas; promover a
discriminação ou a solidariedade. O objetivo deste trabalho de monografia é
analisar os livros didáticos de ciências aprovados pelo Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), de 2005, enfocando o tema AIDS. Foram analisados
cinco livros didáticos de ciências de 7ª série, dos oito aprovados pelo PNLD2005. Os critérios utilizados para a análise foram retirados dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), de 1998, do tema transversal Orientação
Sexual-DST/AIDS, quais sejam: histórico da doença, vias de transmissão,
métodos de prevenção, formas de tratamento, distinção entre portador do vírus
HIV e doente de AIDS e se as informações tinham foco na promoção da saúde
e em atitudes não-discriminatórias. A análise foi feita transcrevendo de todos
os livros, trechos que se relacionavam com cada critério, sendo feito
comentários e apontando a presença ou ausência desses conteúdos. Ao final,
mostramos uma tabela-síntese da análise. Os resultados demonstraram que o
único conteúdo abordado por todos os livros didáticos foi o de métodos de
prevenção, evidenciando obras heterogêneas, que não se orientam por todos
os conteúdos propostas pelos PCN.
ix
1. INTRODUÇÃO
O tema AIDS (sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é assunto
de grande importância, devido ainda ao caráter incurável da doença. Grandes esforços têm
sido despendidos para a busca de uma vacina, mas a capacidade do vírus HIV (Vírus da
Imunodeficiência Humana) de sofrer mutações dificulta o sucesso desse trabalho. Os
portadores do vírus, através da terapia combinada com anti-retrovirais e antibióticos (também
chamado coquetel antiaids), tentam manter a quantidade de linfócitos CD4 em padrões seguros
e a carga viral abaixo dos níveis detectáveis pelos exames sorológicos. Assim, é possível
manter a saúde e seguir no cumprimento das atividades habituais, e ainda manter uma
atividade sexual normal, desde que protegida por algum método de barreira. Não há cura, mas
há tratamento. E é por isso que, cada vez mais, a AIDS têm sido considerada como uma
doença crônica, como a diabetes, e não mais como uma doença fatal.
O conhecimento do ciclo de vida do vírus HIV e de suas vias de transmissão ao
homem, tornou possível questionar e combater atitudes discriminatórias aos portadores do
vírus e aos doentes de AIDS. Não se podia aceitar a recusa de matrícula de crianças na
escola, por estarem infectadas pelo vírus HIV, como no caso Sheila que, em 1992, foi impedida
de freqüentar a Escola Ursa Maior, em São Paulo (SCHWAZSTEIN et al., 1993). O respeito
aos soropositivos, e à sua cidadania, se tornou o primeiro referencial de trabalho das
campanhas de prevenção, iniciado pelas ONGs (Organizações Não-Governamentais) e
continuado pelo Ministério da Saúde e, depois, pelo Ministério da Educação (MEC). Dentro
desse compromisso com a cidadania é que o MEC publicou, em 1997, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e, em 1998, o tema transversal Orientação Sexual.
O tema transversal Orientação Sexual, propõe que as informações sobre AIDS tenham
como foco a promoção da saúde e de condutas preventivas, e traçam como conteúdos
indispensáveis, as informações atualizadas sobre o histórico da doença, as vias de transmissão
do vírus HIV, métodos de prevenção, formas de tratamento e a distinção entre portador do
vírus e doente de AIDS (BRASIL,1998).
Paralelo a isso, o MEC, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), possui o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que avalia livros inscritos pelas
editoras, utilizando–se de critérios pré-definidos, que, depois de aprovados, são adquiridos e
x
distribuídos para as escolas públicas de todo o Brasil. Entre esses livros estão os livros de
ciências aprovados pelo PNLD-2005.
Este trabalho tem como objetivo analisar se os livros de Ciências aprovados pelo
PNLD-2005, possuem os conteúdos propostos pelos PCN, no tema transversal Orientação
Sexual- DST/AIDS.
Antes da análise dos livros didáticos, percorremos, no capítulo 1, os caminhos do
HIV/AIDS: sua história; a possível origem do vírus HIV e da epidemia; o ciclo de vida do vírus,
com sua morfologia e organização genômica; as vias de transmissão; o diagnóstico sorológico;
como a AIDS se manifesta e como a infecção é tratada, além das tendências da epidemia do
HIV no Brasil.
No capítulo 2, percorreremos os caminhos da prevenção, analisando o conceito de
vulnerabilidade e
os obstáculos à prevenção. No capítulo 3, abordaremos, mais
especificamente, AIDS e as políticas públicas, como a publicação dos PCN e o Programa
Nacional dos Livros Didáticos (PNLD). E no capítulo 4, explicaremos a metodologia de análise
dos livros didáticos de ciências aprovados pelo PNLD-2005.
No capítulo 5, faremos a análise das obras didáticas, separadas por critério,
transcrevendo trechos pertinentes e comentando aspectos relevantes. No capítulo 6, faremos
a discussão e as considerações finais deste trabalho de monografia.
xi
2. CAMINHOS DO HIV/AIDS
2.1. História da AIDS
No final da década de 70 e no início dos anos 80, a comunidade científica assistia
perplexa o surgimento de doenças muito raras em homens jovens, previamente sadios e com
prática homossexual. O que chamava a atenção era que normalmente apareciam em pessoas
idosas e gravemente imunodeprimidas. Entre estas doenças destacam-se duas: um câncer de
vasos sanguíneos raríssimo, o sarcoma de Kaposi que até esse momento era de baixa
malignidade e uma pneumonia causada por microorganismo chamado Pneumocystis carinii
(nomenclatura recentemente alterada para Pneumocystis jirovesi) (RACHID et al.,2005). Não
havia dúvida: surgia uma nova doença que, em pouco tempo, se tornaria um dos maiores
desafios científicos, individuais e sociais enfrentados pela humanidade.
Por ter sido identificado inicialmente entre homossexuais, essa nova doença passou a
ser conhecida como “câncer gay” ou “peste gay” (ROSISTOLATO,2003). Os profissionais de
saúde norte-americanos chamavam-na de GRID (sigla em inglês para “imunodeficiência
relacionada aos gays”). Com o tempo passaram a se referir a ela como “doença dos cinco Hs”,
por aparecerem também entre haitianos, hemofílicos, homossexuais, heroinômanos (usuários
de heroína endovenosa) e hookers (profissionais do sexo em inglês). Na Europa, este padrão
se mantinha, mas em seguida se descobriria que, na África, a situação era diferente. Lá,
homens e mulheres se infectavam por contato heterossexual (PINEL et al.,1996).
Nos anos seguintes, a doença se espalhou para heterossexuais e mulheres – até então
considerados a salvo da epidemia – que havia passado por cirurgias ou recebido transfusões
de sangue. Foi então que, em 1981, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados
Unidos chamou-a de AIDS (Aquired Immune Deficiency Syndrome) ou Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Síndrome porque se trata de um conjunto de sinais e
sintomas e não de uma doença só; Imunodeficiência porque o sistema imunológico deixa de
funcionar de maneira eficiente; e Adquirida porque é causada por um agente externo. No
Brasil, onde a doença seguiu os padrões americanos, passou a ser conhecida pela sigla em
inglês, AIDS, ao contrário de Portugal, de países africanos de língua oficial portuguesa e de
países de língua latina, que usam SIDA (RUBIO,1997).
xii
As notícias de novas contaminações, somadas à falta de informações concretas sobre
os mecanismos de transmissão, levaram a um generalizado estado de pânico. Muita gente se
recusava a apertar a mão de alguém contaminado ou ficar na mesma sala, com medo de que a
nova doença se transmitisse pelo ar, como a gripe. Havia dúvidas se a AIDS poderia ser
transmitida por mosquitos ou em piscinas, banheiros públicos, uso compartilhado de talheres,
ou até pelo beijo (PINEL et al.,1996). Até esse momento, suspeitava-se de que haveria algum
microorganismo, talvez um vírus envolvido na transmissão da AIDS. Cientistas do mundo todo
se debatiam na tentativa de identificar esse agente causador. Em 1983, a equipe do Instituto
Pauster, na França, chefiada pelo doutor Luc Montaigner, identificou o vírus, batizando-o de
LAV (Lymphadenopathy – associated vírus). Porém, foi o pesquisador norte-americano, Robert
Gallo, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, quem primeiro publicou a
descoberta, nomeando o novo vírus de HTVL-III (Human T cell leukemia/ Lymphotropic vírus
type III). Numa tentativa de resolver o impasse foi admtida a co-autoria e sugerida um nova
nomenclatura. O vírus passou, então, a ser conhecido como HIV (Human immunodeficiency
Vírus), e é atualmente chamado de Vírus da Imunodeficiência Humana (DUARTE,1995). O
vírus foi identificado como um retrovírus (vírus de RNA com atividade da enzima transcriptase
reversa), pertencente ao grupo dos lentivírus (vírus lentos) (MIMS et al.,1999;VERONESI et
al.,2000).
Em 1986, um outro retrovírus, também identificado como causador da AIDS, foi
detectado em alguns países da África Ocidental, e passou a ser conhecido como HIV-2 ou
Vírus da Imunodeficiência Humana do tipo-2, para diferenciar do primeiro, agora denominado
HIV-1. Além desses dois tipos, foram já identificados vários subtipos do HIV. No Brasil temos o
HIV-1 e o HIV-2, ambos parecidos, que entram em nosso organismo pelo sangue e pelas
secreções sexuais (VERONESI et al.,2000).
2.1.1 Surgimento dos Testes
Ainda no início dos anos 80, o vírus já havia contaminado 85% dos hemofílicos dos
EUA (RUBIO,1997). Como não havia um teste para detectá-lo, quem precisasse de uma
transfusão apresentava grande probabilidade de ser infectado. No final de 1984, foi criado o
primeiro teste de sangue para detectar a presença do HIV, sendo denominado ELISA (Enzima
xiii
Imuno Ensaio). Ele funcionava identificando os anticorpos para o vírus – substâncias que o
organismo produz ao entrar em contato com o agente infeccioso, na tentativa de reagir a ele. A
descoberta do teste foi celebrada no mundo todo. Até esse momento, os médicos só
conseguiam fazer o diagnóstico da AIDS se um conjunto de circunstâncias estivesse reunido:
quando surgiam sintomas das doenças; depois de descartar outros diagnósticos clínicos; se os
exames de laboratório houvessem acusado alterações no sistema imunológico da pessoa; se
ela tivesse vivido uma história de contato de risco. Nas pessoas infectadas que não
apresentavam sintomas, o diagnóstico era impossível sem um teste específico (PINEL et
al.,1996).
Pensava-se, então, que esse teste detectaria todos os casos de infecção. Mas ele não
era tão exato, podendo reagir numa pessoa não infectada (FALSOS POSITIVOS) ou não reagir
numa pessoa infectada (FALSOS NEGATIVOS). Além disso, os anticorpos que o organismo
produz para se defender do HIV do tipo 2, só podem ser reconhecidos por testes mais
específicos, hoje já existentes entre nós. Mesmo aperfeiçoado e mais sensível, o ELISA ainda
precisa ser confirmado por outros testes ( como o IMUNOFLUORESCÊNCIA, o WESTERN
BLOT ou o PCR), pois a presença de outras doenças pode provocar o que se chama de reação
cruzada e o ELISA acusar positivo sem que a pessoa tenha o HIV. Da mesma forma, existe um
período chamado de JANELA IMUNOLÓGICA, durante a qual o corpo ainda não fabricou
anticorpos e, mesmo a pessoa portando o HIV, o ELISA apresenta resultado negativo. O ELISA
só começará a acusar a presença dos anticorpos e constar positivo aproximadamente de seis
semanas a três meses após o HIV ter entrado no organismo (RACHID et al.,2005; MIMS et
al.,1999).
Mas, se no começo da epidemia as pessoas contaminadas morriam pouco após os
primeiros sintomas, hoje uma pessoa com HIV tem vários meios para evitar que a doença se
manifeste. Tornou-se importante diferenciar uma pessoa soropositiva ou portadora – que tem o
HIV no sangue – de alguém com AIDS, ou seja, que apresenta alguma deficiência no sistema
imunológico. Hoje em dia prefere-se chamar as pessoas infectadas de “pessoas vivendo com
HIV”, se estão na fase de infecção, ou “pessoas vivendo com AIDS”, quando a doença já se
deflagrou. Não se tem usado o termo aidético, que é profundamente discriminatório. Seria o
mesmo que dizer leproso, canceroso, tuberculoso,... uma forma de marginalizar a pessoa
infectada (PAIVA,1999).
xiv
Com o passar do tempo, percebeu-se que as pessoas não desenvolviam a doença logo
que se infectavam. Existem no mundo milhares de indivíduos que há anos convivem com o HIV
sem ter manifestado a doença e não se sabe ao certo quais são as razões nem quantas
pessoas são. Os médicos os chamam de “sobreviventes de longo prazo” e estima-se que eles
representem cerca de 5% do total de infectados (BERGAMO,2005). Segundo Abbas et
1
al.(2003), determinada mutação no gene que codifica a molécula CCR5 seja responsável pela
menor suscetibilidade à infecção ou à progressão mais lenta da imunodeficiência. Desde o
início da epidemia, constata-se que aproximadamente 1/3 das pessoas infectadas desenvolve
a doença entre dois e cinco anos após a infecção e cerca de 2/3 poderão desenvolver após
cinco, sete, dez, catorze ou mais anos após a infecção (ABBAS et al.,2003).
2.1.2 AIDS se Tornando Doença Crônica
O conhecimento que se desenvolveu sobre a AIDS ao longo destes anos mudou
radicalmente o seu caráter, de doença fatal ela tem se tornado, cada vez mais, uma doença
crônica, como a doença de Chagas ou o diabetes. Se para ela ainda não existe cura – como
para uma série de outras moléstias com as quais convivemos – pelo menos há tratamento. Isso
mudou radicalmente o modo de pensar dos profissionais de saúde e, paulatinamente, vai
mudando também o da sociedade. A isso se deve à possibilidade de fazer o diagnóstico mais
precocemente, aos novos tratamentos que surgem a cada dia e ao fato de que pessoas
infectadas passaram a se cuidar melhor (PINEL et al.,1996).
2.2 Origem do HIV e da Epidemia
Atualmente, a maioria dos cientistas admite que o HIV é originário de primatas, tendo
de alguma maneira, se transmitido para a espécie humana. Vírus da imunodeficiência dos
símios, como o SIV mac, isolado do macaco Rhesus (Macaca mulatta) e o SIV sm do macaco
mangabey (Cercocebus atys) são intimamente relacionados ao HIV-2. Chimpanzés (Pan
troglodytes troglodytes) em estado selvagem, na África Central, podem ser portadores do
lentivírus SIV cpz e seus anticorpos reagirem com as proteínas do HIV-1. O genoma do SIV
1
Co-receptor químico na membrana plasmática, quexvserve para a entrada do vírus HIV nas células
cpz é intimamente relacionado ao HIV-1, mais do que a qualquer retrovírus de origem símia
conhecido,
podendo
ser
considerados
subtipos
do
mesmo
vírus
(MONTAGNIER,1995;VERONESI et al.,2000).
Primatas, em geral, devem ser considerados potenciais transmissores de retrovírus. A
transmissão inicial de retrovírus SIV sm e SIV cpz para o homem explicaria a origem da AIDS
(por HIV-2 e HIV-1, respectivamente), podendo ter ocorrido de várias maneiras. O risco
potencial de contaminação com primatas está presente por ocasião das capturas (mordidas,
escoriações, etc), ou quaisquer contatos com sangue. Entretanto, coincidentemente, a
pandemia de AIDS, acompanhou a utilização, em larga escala, de primatas em experimentação
biológica, inclusive xenotransplantes (AXT,2006; VERONESI et al.,2000).
Na década de 60 e início dos anos 70, vários xenotransplantes (rim, fígado, coração)
de primatas, principalmente chimpanzés, para o homem, foram realizados e alguns pacientes
em coma hepático foram tratados com perfusão de seu sangue em fígado de chimpanzés ou
mesmo circulação cruzada com primatas. Os experimentos laboratoriais e clínicos envolvendo
primatas levaram à formulação de uma das hipóteses de transmissão do SIV cpz para o
homem, originando a epidemia por HIV-1 (VERONESI et al.,2000).
Tais vírus podem estar presentes em chimpanzés há milhares de anos e,
aparentemente, não causam doença nesses animais, provavelmente por pressão seletiva, em
que animais suscetíveis foram sendo eliminados, restando os resistentes. É possível que pelo
menos três transmissões independentes, de chimpanzé para o homem tenha ocorrido, para
explicar os três grupos principais de HIV: grupo M, N e O (tabela 1). Uma vez concretizada tal
transmissão, qualquer que tenha sido o meio, vários fatores da sociedade humana – tais como,
promiscuidade sexual, emprego de transfusões de sangue e de hemoderivados, hemodiálise,
uso de drogas injetáveis com seringas compartilhadas, etc. – provocaram a eclosão da
epidemia, agravada pela transmissão vertical, materno-fetal (AXT,2006; VERONESI et
al.,2000).
Tabela 1: Classificação filogenética do HIV, em tipos, grupos e subtipos.
Tipo
Grupo
Subtipo
xvi
1
2
M (major)
A-J
N (new)
Não classificado
O (outlier)
Não classificado
Não classificado
A-E
(VERONESI et al.,2000)
2.3 Ciclo de vida do vírus HIV
2.3.1 Morfologia e Organização Genômica
O HIV é um vírus de aproximadamente 100nm de diâmetro, envelopado, apresentando
em sua superfície uma membrana lipídica oriunda da célula do hospedeiro e duas
glicoproteínas (gp 41 e gp 120). Internamente a essa membrana, está a matriz protéica,
formada pela proteína p17 e o capsídeo viral de forma cônica composto pela proteína p24 (Fig.
1). O material genético, assim como o tRNA e as enzimas necessárias para os primeiros
eventos da replicação viral, encontram-se dentro do capsídeo viral (QUEIROZ FILHO, 2001;
ABBAS et al.,2003).
xvii
Figura 1: Estrutura do vírus HIV-1 (ABBAS et al.,2003)
O genoma do HIV, de aproximadamente 10Kb, contém nove genes e duas regiões
denominadas LTR (Long Terminal Repeats), onde estão presentes os elementos de controle
para integração, transcrição e poliadenilação dos RNA mensageiros (Fig. 2). Os genes podem
ser divididos em dois grupos: os que codificam as proteínas estruturais (gag, pol e env) e os
que codificam proteínas não-estruturais (tat, rev, nef, vif, vpu,vpr) (VERONESI et al.,2000;
ABBAS et al.,2003) .
O gene gag (antígeno de grupo) codifica as proteínas matriz p17 (MA), capsídeo p24
(CA) e as proteínas nucleares (p6 e p7) (NC). O gene pol (polimerase) codifica as seguintes
2
enzimas virais: transcriptase reversa (RT), protease (PR) , integrase (IN) e ribonuclease H
(RNase). O gene env (envelope) codifica uma proteína inicial que é clivada dando origem à
proteína de transmenbrana gp 41 (TM) e à proteína de superfície gp 120 (SU) (VERONESI et
al.,2000; ABBAS et al.,2003).
2
também chamada de enzima DNA-polimerase RNA-dependente
xviii
Os genes não-estruturais podem ser subdivididos em regulatórios (tat e rev), que são
necessários para replicação viral in vitro e em genes acessórios (vif, vpu, vpr e nef)
(VERONESI et al.,2000; ABBAS et al.,2003).
Figura 2: Esquema do genoma do HIV-1 (VERONESI et al. ,2000)
2.3.2 Ciclo Viral
A infecção pelo HIV inicia-se com a entrada do vírus na célula, através da ligação da
proteína de superfície (gp 120) com o receptor da célula (molécula CD4). A entrada ocorre
através da fusão do vírus com a membrana da célula, sendo essa reação mediada pela
proteína transmembrana gp 41. Desde a sua descoberta , ficou claro que a molécula de CD4
não poderia ser o único receptor do HIV. Isto porque existiam células suscetíveis à infecção
viral que não apresentavam a molécula de CD4 em sua superfície. Posteriormente foi
descoberto que as moléculas CXCR4 e CCR5 (chamadas receptoras de quimiocinas), eram o
co-receptor do HIV (ABBAS et al.,2003; RACHID et al.,2005). Segundo Veronesi et al. (2000),
indivíduos com deleção no gene CCR5 são resistentes à infecção do HIV. Alguns estudos
sugerem que os indivíduos heterozigotos evoluem de forma mais lenta para a AIDS.
xix
Após entrar na célula (Fig. 3), o RNA viral é convertido a DNA pelas enzimas
transcriptase reversa e ribonuclease H. Essa reação ocorre no citoplasma da célula nas
primeiras seis horas de infecção. A dupla fita de DNA, assim formada, é integrada ao genoma
do hospedeiro através da enzima integrase. O DNA do HIV integrado é chamado provírus. Uma
vez integrado, o provírus permanece na célula enquanto ela estiver viva (GRIFFITHS et
al.,2001).
xx
Figura 3: Ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana (HIV) (MIMS et al.,1999).
Proteínas celulares e virais controlam a expressão gênica do HIV. Inicialmente, apenas
as proteínas tat, rev e nef são sintetizadas, sendo a seguir sintetizadas as proteínas estruturais
xxi
e o RNA genômico. A liberação do vírus é por brotamento (Fig. 4); durante esta fase, a enzima
protease processa as proteínas precursoras do pol e gag, tornando a partícula viral madura e
capaz de infectar uma nova célula (VERONESI et al.,2000). Segundo Abbas et al. (2003), a
produção do vírus maduro está associado à lise (morte) da célula, sendo um mecanismo
importante do efeito citopático do HIV.
Figura 4: Brotamento do vírus HIV em célula infectada
O conhecimento do ciclo viral permitiu que fossem
desenvolvidas drogas anti-
retrovirais, que atualmente podem ser divididas em:
a)
inibidores da transcriptase reversa, que atual na fase inicial do ciclo, impedindo a
formação do DNA a partir do RNA;
b)
inibidores de proteases, que atuam impedindo a maturação da partícula viral.
Outros sítios promissores para o desenvolvimento de anti-retrovirais são os inibidores da
integrase e da proteína tat (VERONESI et al.,2000; ABBAS et al.,2003).
2.4 Transmissão do HIV
xxii
O HIV pode ser transmitido através de relações sexuais desprotegidas, por meio de
inoculação de sangue e derivados e da mãe infectada para o concepto.
O HIV é transmitido em qualquer ato sexual com uma pessoa infectada em que haja
penetração e contato com secreções sexuais (secreções que antecedem a ejaculação, sêmen,
secreções vaginais, sangue menstrual). O sexo anal (pênis-ânus) é considerado prática sexual
de maior risco, por provocar rupturas e lesões, algumas imperceptíveis, na mucosa retal o que
facilita a entrada do vírus diretamente na corrente sangüínea. O sexo vaginal (pênis-vagina) é
arriscado tanto para o homem como para a mulher. Se a mulher estiver menstruada, o risco se
torna maior tanto para ela, se tiver contato sexual com um homem infectado, quanto para o
homem, se a mulher estiver infectada. O sexo oral (boca-pênis/ boca-vagina) também é de
risco, especialmente se houver feridas (aftas, gengivite, cáries etc.) ou ejaculação na boca. Por
isso, recomenda-se o uso da camisinha em todos os contatos sexuais vaginais, orais e anais.
Os homens que praticam sexo oral nas mulheres devem colocar barreira de látex entre a boca
e os genitais da mulher, que bem pode ser uma camisinha cortada na ponta e ao meio.
Segundo Rachid et al. (2005), casais heterossexuais com status sorológico discordante
demonstraram taxas de transmissão semelhantes do homem para a mulher e da mulher par o
homem. A probabilidade de transmissão é de aproximadamente uma em mil da mulher para o
homem e de duas em mil do homem para a mulher por ato sexual vaginal. Em indivíduos
virgens de tratamento, há relação entre a carga viral plasmática do indivíduo infectado e a
probabilidade de aquisição da infecção pelo(a) parceiro(a). Há, ainda, marcada redução na
probabilidade de transmitir ou de adquirir a infecção pelo HIV em homens circuncidados, talvez
devido à retirada junto com o prepúcio de um grande número de células dendríticas, que são
alvo de infecção pelo HIV.
Um outro tipo de transmissão do HIV é pelo sangue e hemoderivados, que no início da
epidemia eram responsáveis por parcela significativa das contaminações. A população que
mais sofria era a dos hemofílicos. Como não havia testes para detectar o vírus, quem
precisasse de transfusão de sangue corria grande risco de infecção. A partir de 1985, com o
desenvolvimento de testes para triagem em bancos de sangue, vem havendo diminuição
progressiva desta categoria de contágio, inclusive no Brasil (RUBIO,1997; CASTILHO;
CHEQUER,1997).
xxiii
Pela mesma razão, recomenda-se que todo material perfurocortante, de uso médico,
odontológico ou de esteticistas, seja descartável ou esterilizado após entrar em contato com as
secreções do corpo. Há, ainda, pessoas que fazem tatuagens e/ou que se tratam pela
acupuntura, além do uso de navalhas em alguns rituais afro-brasileiros. Para todos, as
recomendações são as mesmas: usar seringas, agulhas e objetos cortantes descartáveis ou
esterilizá-los adequadamente e nunca compartilhá-los.
Uma via de transmissão de difícil controle dá-se pelo uso de drogas injetáveis. É o
hábito de compartilhar agulhas e seringas e não a droga que transmite o vírus HIV. Quem usa
drogas, tem muitas vezes o costume de fazê-lo em grupo. É uma maneira de “curtir” junto,
diminuir custos e garantir proteção, porque, como a droga vem em diferentes graus de pureza,
caso os primeiros usuários tenham uma reação adversa, os outros podem socorrê-los. A
prática de compartilhar começa com a preparação de uma diluição única da droga, que será
injetada em todos com uma mesma seringa. Cada vez que alguém injeta, precisa retirar um
pouco de seu sangue para ter certeza de que a agulha está na veia. Por ficar misturado com a
droga, em cada aplicação, o sangue será reinjetado no próximo indivíduo, e assim
sucessivamente. Se uma pessoa estiver infectada, todas as outras que se injetarem depois
dela se infectarão. E como um dos fatores que determina a probabilidade de infecção é o
acesso do HIV ao sangue, a transmissão direta significa, obviamente, 100% de infecção.
O vírus também pode ser transmitido da mãe para o bebê pelo sangue, durante a
gravidez ou na hora do parto. Ou por intermédio do leite materno ou da amamentação. A
maioria das crianças nascidas de mãe soropositiva também terá ELISA positivo ao nascer, por
portar anticorpos maternos. Mas só de 30 a 50% das crianças nascidas de mães infectadas
estarão, de fato, infectadas (PINEL et al.,1996). Por isso, é impossível afirmar através do teste,
na hora do nascimento, se a criança desenvolverá a doença ou não. Segundo Rachid et al.
(2005), o risco de transmissão aumenta à medida que progride a imunodeficiência da mãe.
Parece haver relação entre a carga viral plasmática da mãe no momento do parto e a
probabilidade de ocorrer transmissão para o concepto, esteja ela em uso ou não de medicação
anti-retroviral.
Não se sabe qual a probabilidade de transmissão do HIV pela amamentação, ou pelo
consumo de leite infectado não testado dos bancos de sangue. Em função de o risco ser muito
pequeno, a Organização Mundial de Saúde recomenda que, nos países com alta taxa tanto de
xxiv
AIDS como de mortalidade infantil, as mães amamentem seus filhos mesmo se houver a
suspeita de estarem infectadas. Em comunidades muito pobres, a probabilidade de uma
criança vir a morrer por causa de doenças comuns na infância é até catorze vezes maior nas
que não foram amamentadas. Para muitas mulheres que portam o HIV e vivem nessas
condições, há um risco maior de um filho(a) vir a morrer de qualquer doença infecciosa do que
infectá-lo com seu leite. No Brasil, onde as condições de vida e saneamento são melhores,
recomenda-se à mãe soropositiva não amamentar (PINEL et al.,1996; RUBIO,1997).
Um último aspecto que é importante ressaltar é o da reinfecção, ou seja, o contato
repetido com o HIV. Quanto mais contatos com o HIV a pessoa tiver, maiores as chances de
desenvolverem a AIDS. Isso se deve a vários fatores, principalmente ao fato de que, quando
uma nova carga viral entra no corpo de uma pessoa infectada, aumenta a probabilidade do
vírus penetrar em células que ainda não contém o HIV. Com o aumento do número de células
infectadas, o organismo do indivíduo ficará ainda mais debilitado. Portanto, não vale o
raciocínio feito por algumas pessoas de que a solução perfeita para quem vive com o vírus
seria ter relações sexuais com outra pessoa infectada. Os que portam o vírus têm de evitar, de
todas as formas, a reinfecção. Isto implica o uso de preservativos em todas as relações sexuais
(para uma proteção mútua) e, na medida do possível, o abandono do uso de drogas injetáveis,
visto que mesmo não compartilhando seringas, o usuário de drogas infectado estará
reinfectando a si próprio, com seu próprio sangue, em cada nova aplicação.
Estas são as únicas formas de transmissão cientificamente comprovadas. Não existe
risco de contrair AIDS compartilhando talheres, pratos e copos, Não se infecta com o HIV em
vasos sanitários, pias e piscinas, com picadas de insetos, nem nos abraços e beijos. Também
não se pega AIDS nos transportes coletivos, no local de trabalho nem no convívio familiar.
Portanto, não existe nenhuma razão para temer o contato social com uma pessoa infectada.
2.4.1 Diagnóstico Sorológico
O diagnóstico sorológico baseia-se na observação de que quase a totalidade das
pessoas infectadas desenvolverá anticorpos anti-HIV até seis a doze semanas após a
exposição ao vírus. O uso de métodos moleculares, como PCR, para diagnóstico da infecção
pelo HIV deve ser restrito aos indivíduos com forte suspeita de infecção recente e que ainda
xxv
não tenham desenvolvido anticorpos anti-HIV. Antes da realização do teste anti-HIV, é
fundamental fornecer informações sobre os aspectos clínicos relacionados à infecção, formas
de transmissão, práticas de menor e maior risco, significado do resultado do teste (positivo,
negativo, falso-negativo, falso-positivo e indeterminado), “janela imunológica” (período após a
infecção quando os testes para a detecção de anticorpos anti-HIV dão negativo), impacto do
resultado positivo em relação a parceiros, família, trabalho etc. Além do aconselhamento
prévio, é indispensável o consentimento do indivíduo ou de seu responsável legal e o
aconselhamento pós-teste. No caso de resultado negativo, as recomendações sobre
prevenção devem ser ressaltadas. Diante de um resultado positivo, o indivíduo deverá ser
esclarecido que, mesmo assintomático, está infectado e é um transmissor em potencial,
devendo ser orientado sobre as formas de redução de risco de transmissão e sobre a
importância de comunicar aos parceiros sexuais. É importante saber que pessoas da família
podem ser informadas do diagnóstico. De acordo com o Código de Ética Médica, o profissional
deve guardar sigilo absoluto, só revelando o diagnóstico com a autorização do paciente, com
exceção dos parceiros sexuais, que devem ser informados pelo médico caso o paciente não o
faça.
Segundo a Pesquisa de Conhecimento, Atitudes e Práticas na População Brasileira de
15 a 54 anos, em 2004, apenas 28% da população brasileira tem acesso à testagem de HIV na
rede pública de saúde (BRASIL, 2004). Uma das estratégias do Programa Nacional de DST e
3
AIDS (2005) para a ampliação de diagnóstico do HIV é a utilização do teste rápido na rede
básica, para populações de difícil acesso e populações residentes em regiões remotas. Nas
regiões Norte e Nordeste, há elevadas taxas de mortalidade e dificuldade no acesso ao
diagnóstico e ao tratamento da AIDS. A epidemia nestas regiões se assemelha à primeira fase
da doença vivida na década de 80: estigma, preconceito, falta de assistência, abandono e
baixa mobilização social. Além disso, existem em quase todo o Brasil os Centros de Testagem
e Aconselhamento (CTA) onde é possível fazer o teste anti-HIV de forma gratuita e
confidencial. O acesso da população ao teste anti-HIV é uma medida estratégica para o
controle da epidemia.
3
teste imunoenzimático capaz de fornecer resultados em poucos minutos e que podem ser realizados com
sangue total e/ou com soro, saliva ou urina, sem a utilização de qualquer equipamento sofisticado.
xxvi
2.4.2 Como a Doença se Manifesta
2.4.2.1 Critérios para Definição de Casos de AIDS
A AIDS foi incluída na relação de doenças e agravos de notificação compulsória em 22
de dezembro de 1986 por meio da Portaria nº 542 do Ministério da Saúde (RACHID et al.,
2005). No Brasil, a primeira definição da doença foi elaborada em 1987 e, desde então, passou
por sucessivas revisões devido à necessidade de simplificar os critérios. Recentemente, foi
incluída a reativação da Doença de Chagas (miocardite e/ou meningoencefalite) na lista de
doenças indicativas de AIDS. No Código Internacional de Doenças, o diagnóstico de AIDS
recebeu o código “B24”. Cumpre ressaltar que a definição de caso de AIDS é utilizada para
fins de vigilância epidemiológica, não tendo maiores implicações para o manejo clínico dos
indivíduos infectados.
2.4.2.2. Manifestações Clínicas
A AIDS foi inicialmente identificada pelos procedimentos de vigilância epidemiológica,
que detectaram vários casos de infecções incomuns e de sarcoma de Kaposi em homens sem
causas evidentes de imunodeficiência. Desde então, várias definições foram elaboradas e
sistemas de estágios foram propostos, utilizando infecções como critério (Anexo 1). Por esta
razão,
todo
foco
concentrou-se
em
doenças
que
são
incomuns
em
indivíduos
imunocompetentes, as chamadas infecções oportunistas. Isto levou a uma visão restrita da
infecção pelo HIV, isto é, que apenas as infecções oportunistas seriam importantes e que iriam
desenvolver-se próximo (ou no momento) do diagnóstico de AIDS. No entanto, a história
natural da infecção pelo HIV caracteriza-se por uma progressiva imunodeficiência e várias
infecções causadas por agentes agressivos (por exemplo, S. pneumoniae, Salmonella spp. E
xxvii
M. tuberculosis), comuns em indivíduos imunocompetentes, estão claramente associadas à
infecção pelo HIV, podendo causar a morte antes que o paciente possa ser diagnosticado
como tendo AIDS. Deve-se, então, considerar a infecção pelo HIV como um conjunto de
problemas, desde uma fase inicial até uma fase avançada, com manifestações clínicas que se
tornam mais complexas e atípicas à medida que progride a imunodeficiência.
Para fins didáticos, a infecção pelo HIV pode ser dividida em três fases: a fase aguda,
também chamada de síndrome de soroconversão, a fase assintomática e a fase sintomática.
Segundo Rachid et al. (2005), sem qualquer terapia, a progressão da fase aguda para a fase
sintomática é de aproximadamente de dez anos. No entanto, a variabilidade individual é muito
grande. Um pequeno número de pessoas desenvolve AIDS logo após a infecção. No outro
extremo, encontram-se até 15% dos indivíduos infectados pelo HIV que passados 15-20 anos
após a infecção, não terão desenvolvido a doença. A idade à época da infecção parece
influenciar na velocidade de progressão da imunodeficiência. A mediana de progressão para
AIDS foi de 15 anos para os pacientes com idade entre 16 e 24 anos no período da
soroconversão, e de seis anos para aqueles com mais de 35 anos.
Durante muitos anos acreditou-se que a fase assintomática fosse um período de
latência, durante o qual haveria pouca ou nenhuma replicação viral.
A partir de 1995 foi
demonstrado que, ao menos do ponto de vista virológico e imunológico, não existe latência.
Mesmo indivíduos assintomáticos e imunocompetentes produzem enorme quantidade de vírus
(> 10
10
partículas virais por dia) que têm uma meia-vida plasmática extremamente curta (< 6
horas). Por sua vez, os linfócitos CD4 periféricos infectados pelo HIV, responsáveis pela
produção de até 99% dos vírus detectáveis no plasma, têm uma meia-vida de
aproximadamente de dois dias. Logo, é um processo extremamente dinâmico, bilhões de vírus
e de células sendo diariamente produzidos e destruídos (ABBAS et al.,2003).
Devido à inexistência de latência e à demonstração de que o prognóstico pode ser
determinado com relativa precisão utilizando-se critérios clínicos (presença ou ausência de
sinais e/ou sintomas) e laboratoriais (carga viral e linfometria CD4), os sistemas de estágios da
Organização Mundial de Saúde (OMS) para adultos e adolescentes infectados pelo HIV
tornaram-se até certo ponto obsoletos.
Fase Aguda
xxviii
Grande parte das pessoas apresenta sinais/sintomas relacionados à infecção aguda
pelo HIV, sendo o tempo decorrido entre a exposição e o início dos sintomas variável de cinco
dias a três meses (média de duas a quatro semanas). O quadro clínico varia desde síndrome
gripal até mononucleose símile. Adenomegalias podem ser mais evidentes na segunda
semana, envolvendo gânglios axilares, occipitais e cervicais. Quando há comprometimento do
sistema nervoso central podem surgir cefaléia, fotofobia e meningite. Os sintomas podem
persistir durante uma a quatro semanas.
Segundo Rachid et al. (2005), durante a síndrome de soroconversão, a carga viral
plasmática é bastante elevada, em geral superior a 500.000 cópias/ml. Parece haver relação
entre a intensidade da síndrome de soroconversão e a velocidade de progressão da
imunodeficiência, isto é, quanto mais intensa for, mais rápida será a progressão para AIDS. Há,
também, indícios de que a carga viral plasmática é estabelecida durante os primeiros meses
após a infecção (o chamado set point, que é individual e cujos determinantes são
desconhecidos). No entanto, não há nenhum estudo que demonstre que o uso de antiretrovirais durante ou logo após a soroconversão prolongue a fase assintomática ou modifique
o prognóstico em longo prazo.
Fase Assintomática
Encontram-se nesta fase aqueles indivíduos infectados pelo HIV que nunca
apresentaram manifestações clínicas. O teste anti-HIV pode ter sido realizado pelo interesse da
pessoa para saber seu status sorológico ou em ocasional doação de sangue. Da abordagem
clínica deve fazer parte a história social, incluindo aspectos relacionados aos parceiros
sexuais, à família e outros mais gerais, abrangendo plano de saúde, direitos trabalhistas etc.
Pode ser fundamental o suporte psicológico para pacientes e familiares, cabendo ao médico
indicar um profissional experiente.
Dentre os exames laboratoriais iniciais para avaliar o risco de evolução da
imunodeficiência destaca-se o hemograma, pois a presença de anemia associa-se com pior
prognóstico. A contagem de linfócitos CD4 e CD8 e a avaliação da carga viral devem ser
indicadas periodicamente. Sorologias (Toxoplasma gondii, sífilis, hepatites A, B e C,
xxix
citomegalovírus) são indicadas para investigar infecções pregressas ou em andamento. O teste
tuberculínico (PPD) deve ser feito para se avaliar se deve ser instituída a quimioprofilaxia para
tuberculose, já que é uma das complicações mais comuns no curso da infecção pelo HIV. A
periodicidade dos exames dependerá da evolução clínica e do uso ou não de drogas antiretrovirais. Após a instituição de terapia anti-retroviral, não há indicação de repetição periódica
de todos os exames, somente dos necessários para o controle do uso da medicação, além das
avaliações rotineiras para monitorar possíveis efeitos adversos dos medicamentos.
A contagem de linfócitos CD4 é o principal parâmetro para iniciar terapia anti-retroviral
e de profilaxia de infecções. Quando este exame não estiver disponível, pode-se utilizar o
sistema modificado de estágios da Organização Mundial de Saúde, que se baseia em dados
clínicos e na contagem de linfócitos (tabela 2). Este sistema é capaz de prever com grande
3
precisão quais são os pacientes com contagem de linfócitos CD4 < 220/mm ( pacientes nos
estágios III e IV ou no estágio II que tenham nível de hemoglobina < 13g/dl). Pacientes no
estágio I e os que estejam no estágio II e com hemoglobina > 13g/dl, normalmente tem
3
contagem de linfócitos CD4 > 200/ mm . Desta forma, o sistema de estágios da OMS pode
auxiliar na decisão de instituição da terapia anti-retroviral e da profilaxia primária para
Pneumocystis jiroveci.
Tabela 2: Sistema modificado de estágios da Organização Mundial de Saúde para
Adultos e Adolescentes infectados pelo HIV
Estágio clínico
Linfometria
1
2
3
4
A
> 2000
I
I
II
IV
B
1000-2000
II
II
III
IV
C
< 1000
III
III
IV
IV
(RACHID et al.,2005)
Fase Sintomática
A fase sintomática pode ser dividida em precoce e tardia. A fase precoce caracterizase pela ocorrência de doenças que são mais freqüentes em indivíduos com imunodeficiência
xxx
em fase inicial, mas que também pode ocorrer em imunocompetentes. A fase tardia, por sua
vez, caracteriza-se pela ocorrência de infecções e/ou neoplasias que raramente afetam
indivíduos imunocompetentes. Infecções por S. pneumoniae, Salmonella spp. e M.
tuberculosis, são mais comuns em indivíduos infectados pelo HIV. Adenite tuberculosa com
alguma freqüência é a primeira manifestação clínica da infecção pelo HIV.
ARC (AIDS RELATED COMPLEX), termo pouco empregado atualmente, refere-se a
um conjunto de sinais e sintomas associados à infecção pelo HIV, que, porém, não constituem
critério para o diagnóstico de AIDS. São comuns a perda de peso progressiva, a astenia, a
febre intermitente, milagias, sudorese noturna, herpes zoster etc. Em fases um pouco mais
avançadas, podem ocorrer candidíase oral, leucoplasia pilosa, perda de peso acentuada,
diarréia de longa duração sem causa aparente e febre prolongada (> 1 mês de evolução).
Alguns pacientes podem evoluir com síndrome consuntiva progressiva e grave (“Slim
Disease”), com definhamento do organismo, podendo chegar ao óbito sem desenvolver
infecções ou neoplasias definidoras de AIDS. Em fases mais avançadas da imunodeficiência
ocorrem as chamadas infecções oportunistas.
2.4.3. Tratamento da Infecção
A infecção, quando detectada, deve ser acompanhada por médico capacitado que
determinará, a partir da carga viral e/ou da linfometria (contagem de linfócitos) CD4, a
freqüência dos exames laboratoriais ou o início da terapia anti-retroviral, acompanhando
possíveis desenvolvimentos de resistência do HIV aos medicamentos.
2.4.3.1. Quantificação da Carga Viral
Introduzida em 1996, a quantificação de partículas virais no plasma tornou-se uma
ferramenta de enorme importância para o acompanhamento dos pacientes infectados pelo HIV.
Acredita-se que a concentração de RNA do HIV no plasma seja proporcional ao número de
linfócitos CD4 produtivamente infectados presentes na circulação sanguínea, o que, por sua
vez, guarda relação com o número de células infectadas em gânglios e tecidos (< 2% dos
linfócitos CD4 encontram-se na circulação, cerca de 98% nos gânglios e tecidos).
xxxi
A mensuração da concentração do HIV no plasma pode ser feita com grande precisão
através de várias técnicas (ex.: RT-PCR, bDNA e por NASBA). Embora cada um forneça
resultados precisos, a comparação direta entre resultados deve ser vista com cautela, pela
ausência de padrões uniformizados. Logo, exames
seriados devem, de preferência, ser
realizados pelo mesmo método e no mesmo laboratório. Deve-se ressaltar que essas técnicas
estão amplamente validadas apenas para o subtipo B do HIV-1, o qual representa a maioria
das infecções nos EUA e na Europa. No Brasil, outros subtipos (C e F) são também bastante
freqüentes. Isso sugere que os testes disponíveis podem, ocasionalmente, subestimar a carga
viral em infecções por subtipos não-B.
O número de cópias de RNA viral é um indicador da probabilidade de progressão da
imunodeficiência em um determinado período de tempo. Em cada nível de CD4, os pacientes
com carga viral mais elevada apresentam um risco maior de progressão para AIDS ou óbito
nos anos subseqüentes. A velocidade da progressão vai depender do subtipo infectante de
HIV-1 e indivíduos com a mesma carga viral podem ter velocidade de progressão diferente de
acordo com seu patrimônio genético. Há relação entre a carga viral e risco de transmissão em
acidentes perfurocortantes e de mulheres grávidas e infectadas pelo HIV para o concepto –
quanto maior a carga viral maior a probabilidade de transmissão. Em relações heterossexuais
envolvendo indivíduos virgens de tratamento, também há relação direta entre a carga viral
plasmática e a probabilidade de transmissão do vírus (RACHID et al.,2005).
Para indivíduos que não estejam em uso de medicação anti-retroviral, a carga viral
plasmática deve orientar a freqüência de realização de avaliações laboratoriais, tanto mais
freqüentes quanto maior for a carga viral. Para indivíduos já com uso de medicação antiretroviral, o monitoramento da carga viral plasmática pode indicar a efetividade das drogas
utilizadas. A carga viral geralmente diminui em resposta à medicação anti-retroviral e eleva-se
quando resistência à medicação se desenvolve. Orientar a manutenção/modificação do
tratamento talvez seja o principal uso da aferição da carga viral, reduzindo o tempo de uso de
drogas que já perderam a eficácia.
O objetivo imediato da terapia anti-retroviral é reduzir carga viral o máximo possível,
idealmente para níveis abaixo do limiar de detecção dos testes disponíveis. Com o uso de
drogas eficazes, a queda da carga viral plasmática é polifásica. Na primeira fase,
correspondente às primeiras quatro semanas, há uma queda acentuada da carga viral. Nas
xxxii
fases subseqüentes, que podem durar meses, a queda é mais lenta. De qualquer forma,
espera-se que a carga viral esteja indetectável e que tenha ocorrido aumento da linfometria
CD4 e até 24 semanas após o início do tratamento. Para pacientes que atingiram esses
objetivos, a carga viral deve ser aferida a cada três ou quatro meses (ou quando houver
mudanças no quadro clínico).
Como regra geral, o retorno da carga viral para níveis detectáveis é tido como
indicação
para
considerar-se
a
modificação
do
esquema
terapêutico
em
uso.
O
desenvolvimento de resistência às drogas anti-retrovirais, em especial aos inibidores da
transcriptase reversa análogos de nucleosídeos e aos inibidores da protease, é um processo
complexo que depende do acúmulo de mutações. Logo, caso não haja alteração do esquema e
a replicação viral persista, quanto maior o tempo em que a medicação for mantida, maior a
probabilidade de acumularem mutações associadas com resistência e menor a probabilidade
de resposta a esquemas subseqüentes.
2.4.3.2. Terapia Anti-Retroviral
A zidovudina (AZT) foi a primeira droga anti-retroviral a ser liberada para uso clínico,
menos de cinco anos após a identificação do HIV. No período de 1987 a 1994, somente os
análogos de nucleosídeos, inibidores de transcriptase reversa, encontravam-se disponíveis
para uso aos pacientes. Em 1995, dois estudos (ACTG 175 e Delta) revolucionaram a conduta
terapêutica, por demonstrarem a superioridade da terapia combinada em comparação a
monoterapia com AZT. Em 1996, foram introduzidos na prática médica os inibidores da
protease. Em 2001 foi liberado para o uso o tenofovir, um análogo de nucleotídeo inibidor da
transcriptase reversa e em 2003 o enfuvirtide, a primeira droga de uma nova classe, os
inibidores de fusão, que inicialmente seria utilizado nos pacientes onde os vírus HIV ficaram
resistentes aos remédios (RACHID et al.,2005).
O desenvolvimento de resistência aos anti-retrovirais é um dos principais causas da
falha terapêutica. A disponibilidade de testes capazes de detectar resistência aos antiretrovirais poderia, em teoria, ajudar a otimizar a terapia, em especial o tratamento de
pacientes que já fizeram uso de múltiplas drogas e, talvez, tenham em seu organismo vírus
mutantes resistentes. Mutações no genoma do HIV ocorrem, em média, a uma taxa de um
nucleotídeo por ciclo de replicação viral. Assim, ao menos em teoria, todas as possíveis
xxxiii
mutações podem ser geradas diariamente, pois, em média, pacientes que não estejam em uso
de anti-retrovirais produzem 10 bilhões de partículas virais por dia. Por conseguinte, assumindo
que variantes com composição genética diferente têm capacidade replicativa, deve haver um
enorme polimorfismo em todos os pacientes. Quando pressão seletiva é exercida por drogas,
variantes com mutações que confiram vantagens replicativas (isto é, resistentes às drogas em
uso) passam a predominar. Para alguns anti-retrovirais, como os inibidores da transcriptase
reversa não-análogos de nucleosídeos, uma única mutação é capaz de conferir resistência. Já
outros, como inibidores da protease, são necessários o acúmulo de várias mutações para que
haja resistência.
A carga viral é um preditor da probabilidade de queda do número de linfócitos CD4 em
um determinado período de tempo e o número de CD4 é o melhor preditor de infecções
3
oportunistas (incomuns em pacientes com CD4 > 200 células/mm e muito raras quando CD4 >
3
350/mm ). A terapia anti-retroviral é, na grande maioria dos casos, capaz de rapidamente
reduzir a carga viral plasmática de pacientes assintomáticos e virgens de tratamento,
provocando um aumento gradual do número de linfócitos CD4, que por vezes retorna para
níveis normais. Como, com as medicações ora disponíveis, não é possível erradicar a infecção
pelo HIV, o objetivo da terapia é a inibição duradoura da replicação viral de forma que seja
atingida e mantida uma resposta imune eficaz contra a maioria, se não todos, os potenciais
patógenos (RACHID et al.,2005).
Cabe ressaltar que, segundo Abbas et al. (2003), das células infectadas pelo HIV
(Células T CD4 ativadas – 93% a 97% do vírus plasmático; monócitos e macrófagos – 1% a 7%
dos vírus e Células CD4 de repouso/memória - <1% dos vírus), após iniciado o uso de
medicação anti-retroviral, ocorre rápido declínio do nível plasmático do vírus – células CD4
ativadas. No caso das células CD4 de repouso/memória, elas funcionam como reservatório
adicional do vírus, que , hipoteticamente, demorarão várias décadas de uso continuado e sem
falhas de drogas anti-retrovirais para que esse reservatório seja eliminado, mesmo com todos
os outros ciclos de infecção bloqueados. Se houver qualquer descuido por parte do paciente no
uso dos medicamentos, os avanços do tratamento retrocedem e novas células CD4 de
repouso/memória serão infectadas, tornando muito difícil a cura completa da doença. Essa é
uma das dificuldades de se encontrar uma vacina para a AIDS.
xxxiv
Embora o nível exato em que a terapia deve ser instituída para pacientes
assintomáticos não esteja determinado, há dados suficientes para indicar que o tratamento
3
deve ser iniciado bem antes de a contagem de CD4 atingir 200 células/ mm . Assim, a terapia
3
deve ser iniciada quando a contagem de CD4 estiver na faixa entre 250 e 350 células/mm ,
podendo ser postergada caso a carga viral seja relativamente baixa (< 50.000 cópias/ml) ou a
3
contagem de CD4 esteja caindo lentamente ( menos de 50 células/mm por ano).
3
Para pacientes com contagens de CD4 acima de 350 células/mm , a contagem da
carga viral é o melhor indicador da freqüência com que a linfometria CD4 deve ser
acompanhada, considerando-se a possibilidade de recomendar tratamento para aqueles que, a
3
julgar pelo ritmo de declínio, espera-se que níveis inferiores a 200-350 células/mm venham a
ser atingidos em um futuro próximo. Já para pacientes com grande risco de progressão em
curto ou médio prazo para AIDS ou morte (pacientes sintomáticos e/ou contagem de CD4 <
3
200 células/ mm ), a terapia deve ser agressiva e imediata, para a rápida redução da viremia
(RACHID et al.,2005).
O desenvolvimento de novas drogas anti-retrovirais provocou drásticas reduções na
morbidade e letalidade do vírus HIV, nas populações com acesso ao tratamento. Isto se deve a
reversão da imunodeficiência, que pode ocorrer mesmo em pacientes que tenham iniciado o
tratamento em fases avançadas de infecção. Com a enorme melhora, o caráter da doença
passou a ser crônico, com a possibilidade dos indivíduos de viverem tantos anos quanto outros
de mesma idade, sexo e condição social, porém sem infecção pelo HIV.
2.5 Epidemiologia
Em dezembro de 2003, estimava a Organização Mundial de Saúde (OMS) haver cerca
de 40 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS em todo o mundo, sendo 37 milhões de
adultos e cerca de 2,5 milhões de crianças com menos de 15 anos. Estima-se que no ano de
2003 ocorreram aproximadamente cinco milhões de novas infecções, sendo 4,2 milhões em
adultos e 700.000 em crianças. Estima-se, também, que em 2003 ocorreram aproximadamente
três milhões de mortes em conseqüência da AIDS, sendo 2,5 milhões de adultos e 500.000
crianças abaixo de 15 anos.
xxxv
A pandemia da AIDS tem causado conseqüências muito sérias nas economias e nas
famílias, principalmente naquelas que não tem acesso ao tratamento. Segundo Axt (2006), a
África Subsaariana é o exemplo mais radical. A região, onde vive 10% da população mundial,
concentra 60% de todos os portadores de HIV do mundo. Os números dão uma idéia da
catástrofe:na Suazilândia, 43% da população está infectada pelo HIV, e em Botsuana, onde
37% da população está contaminada, a expectativa de vida caiu de 65 anos (entre 1990 e
1995) para 39 anos hoje, por causa da epidemia. Nos países pobres, uma pessoa doente não
tem condições de trabalhar e ainda precisa que seus parentes cuidem dela, o que desestabiliza
a família. Isso cria um círculo vicioso: com a família desestabilizada, crianças são obrigadas a
sair da escola, deixam de aprender fatores de prevenção e se tornam mais vulneráveis a
contrair o HIV. Em Botsuana, a previsão é que a diminuição da população economicamente
ativa e o aumento do números de órfãos façam a renda per capita cair 13% nos próximos 10
anos. O número de órfãos tem aumentado a cada dia, são crianças de até 14 anos que
perderam um ou dois pais para a doença. Em 2004, o Brasil tinha 65.273 órfãos da AIDS
(JORNAL O GLOBO, 2004).
Em 2004, estimou-se que, no Brasil, 600 mil indivíduos de 15 a 49 anos, estariam
vivendo com HIV/AIDS. Até junho do mesmo ano, foram registrados 362.364 casos de AIDS,
sendo 69% ocorridos em homens. A taxa de incidência em 2003 foi de 18,4 casos por 100 mil
habitantes, próxima à taxa de 19,5 casos por 100 mil, observada em 1999. Entre os homens
observa-se uma tendência à estabilização em patamares elevados, variando de 26 casos por
100 mil, em 1998, a 22 casos por 100 mil homens em 2003. Entre as mulheres, a tendência
tem sido crescente, com a maior taxa observada em 2003, de 14 casos por 100 mil mulheres.
2.6 Tendências da Epidemia do HIV/AIDS no Brasil
No Brasil, no início dos anos 80, a epidemia atingia principalmente indivíduos
homo/bissexuais masculinos, brancos de classe média ou alta, habitantes das grandes
metrópoles. Progressivamente, homens heterossexuais, mulheres e crianças de todas as
classes sociais foram sendo atingidos. Cumpre ressaltar que no Brasil são defasados os dados
4
5
quanto à prevalência e à incidência da infecção pelo HIV. A maioria das informações
4
Representa o somatório dos casos de AIDS já existentes, com os novos casos diagnosticados
(incidência) em uma determinada população, dentro de um período de tempo específico.
xxxvi
disponíveis refere-se a casos de AIDS e não em indivíduos assintomáticos com infecção pelo
HIV. Nos últimos anos houve diminuição do número de casos de AIDS notificados ao Ministério
da Saúde, tendência esta que talvez tenha sido interrompida em 2003. Houve, entretanto,
manutenção das principais tendências da epidemia: heterossexualização, feminização,
envelhecimento e pauperização, cada vez mais refletindo o perfil socioeconômico do povo
brasileiro.
Conforme o Plano Estratégico do Programa Nacional de DST e AIDS, de 2005, as
tendências da epidemia do HIV/AIDS no Brasil apresentaram os seguintes aspectos:
2.6.1 Queda da Epidemia na Região Sudeste
A região Sudeste foi a mais atingida pela epidemia de AIDS, tendo alcançado uma
incidência de 29,4 casos por 100 mil habitantes em 1998. Desde então, vem-se observando
uma redução gradativa das taxas de incidência. As demais regiões do país vêm mantendo
tendência crescente nas taxas de incidência, principalmente na região Sul que, já em 2000,
ultrapassavam as taxas observadas na região Sudeste. Chama a atenção, na descrição da
epidemia na região Sul, a manutenção de proporções elevadas de casos masculinos por causa
do uso de drogas injetáveis, de mais de 25% em 2000, além do aumento proporcional de casos
de transmissão heterossexual, tanto em homens como em mulheres.
2.6.2
Aumento de Incidência em Mulheres
Uma conseqüência do aumento dos casos de AIDS masculinos em razão da
transmissão heterossexual é o aumento dos casos em mulheres. Desde o início da epidemia, a
transmissão sexual vem representando mais de 75% dos casos de AIDS em mulheres,
chegando, em 2004, a 95%. Quando se analisa a taxa de incidência na população
heterossexual, observa-se que, desde o início da década de 90, as taxas em mulheres
heterossexuais já ultrapassavam as observadas para os homens com esta mesma exposição e
com crescimento bem mais acentuado desde então, chegando a 17,6 casos por 100 mil
5
Representa o número de novos casos de AIDS diagnosticados em uma determinada população, dentro
de um período de tempo específico
xxxvii
mulheres heterossexuais em 1998, comparado a 12,5 casos por 100 mil homens
heterossexuais.
2.6.3
Pauperização
Analisando-se a escolaridade como variável indicadora da condição socioeconômica
dos casos de AIDS, observa-se que a epidemia de AIDS no Brasil iniciou-se na população de
maior condição socioeconômica, em indivíduos com mais de 8 anos de escolaridade. Entre
homens, já no início da década de 90, observou-se redução nas taxas de incidência para
aqueles com maior grau de escolaridade e crescimento importante entre aqueles com menos
de 8 anos de estudo.
A categoria de exposição homens que fazem sexo com homens (HSH) é a que mantém
maiores proporções de casos com maior escolaridade, chegando, em 2000, com cerca de 50%
dos casos com mais de 8 anos de escolaridade; a categoria usuários de drogas injetáveis
(UDI) é a que representa as menores proporções de casos com escolaridade elevada, menos
de 20% , ao longo de todo o período; e as maiores variações são observadas na categoria
heterossexual que, já no início da década de 90, mais de 60% dos casos ocorriam em homens
com menos de 8 anos de estudo. Entre as mulheres, a epidemia vem crescendo independente
da condição socioeconômica dos casos, com maior intensidade entre aquelas com menos de 8
anos de estudo, desde meados da década de 80.
2.6.4
Interiorização
O monitoramento da epidemia no Brasil mostra ainda uma tendência de interiorização.
Na década de 80, a epidemia era restrita aos centros metropolitanos. Na presente década,
70% dos municípios brasileiros já tiveram pelo menos um caso de AIDS registrado. Nos
grandes
centros
urbanos,
mais
precocemente
atingidos
pela
epidemia,
observa-se
desaceleração do crecimento, enquanto nos municípios menores, com mais de 200 mil
habitantes, observa-se maior velocidade de crescimento, evidenciando que nesses municípios
a epidemia ainda está em fase de expansão.
xxxviii
2.6.5
Redução da Mortalidade e Aumento da Sobrevida
Cerca de 160 mil óbitos por AIDS já foram registrados até 2003 (BRASIL, 2005). A
tendência da mortalidade acompanhava a tendência da incidência, com grande crescimento
até 1995, quando observou-se taxa de 9,7 óbitos por 100 mil habitantes. De 1996 a 1999,
observa-se grande declínio nas taxas de mortalidade, seguida de estabilização em 6,4 óbitos
por 100 mil. Entretanto, esta estabilização tem sido observada apenas nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste, com crescimento nas demais regiões, principalmente na região Sul.
A sobrevida dos pacientes com AIDS que, em 1995, era de 18 meses após diagnóstico,
aumentou para 56 meses, em adulto, e para 67 meses em menores de 13 anos, com
introdução de terapia anti-retroviral e sua distribuição gratuita para toda a rede do SUS
(Sistema Único de Saúde) a partir de 1996.
2.6.6
Diminuição dos Casos de Transmissão Vertical
Já foram registrados no Brasil mais de 9 mil casos de AIDS em crianças por causa da
transmissão vertical do HIV. O número de casos aumentou até meados da década de 90, com
importante redução após a instituição de protocolos para diagnóstico e tratamento de gestantes
soropositivas para o HIV, que reduziram as taxas de transmissão vertical para 7%. Entretanto,
estudos têm apontado que as taxas de transmissão vertical do HIV permanecem ainda maiores
nas regiões Norte (15%) e Nordeste (11%).
Apesar de mais de 95% das gestantes terem tido pelo menos uma consulta de prénatal, em 2002, somente para 65% foi solicitado o teste anti-HIV e apenas 52% conheceram o
resultado antes do parto (subindo para 57% em 2003). Também observa-se diferenças
regionais: somente 44% das gestantes testadas e apenas 24% destas conheceram o resultado
antes do parto, nas regiões Norte e Nordeste, em 2002.
2.6.7
Diminuição dos Casos por Transfusão de Sangue e Hemoderivados
xxxix
Com a implantação das medidas de controle de qualidade do sangue e hemoderivados
nos hemocentros do país, observou-se redução importante nos casos de transfusão, a partir da
segunda metade da década de 90. Entretanto, estudos têm apontado que as populações com
menor condição socioeconômica ainda apresentam proporções mais elevadas de casos
relacionados à transfusão sanguínea, principalmente em mulheres.
2.6.8
Diminuição Progressiva dos Casos UDI (Usuários de Drogas Injetáveis)
A população de usuários de drogas injetáveis foi uma das mais atingidas pela epidemia
de AIDS no Brasil, principalmente do final da década de 80 à metade da década de 90.
Estimativas de incidência, pela população de 15 a 49 anos que usa atualmente ou já utilizou
drogas injetáveis pelo menos uma vez na vida, apontam taxas de mais de 800 casos por 100
mil UDI naquele período e naquele grupo etário. A partir da segunda metade da década de 90,
vem se observando redução consistente na proporção de casos, principalmente na região
Sudeste. Já a região Sul vem mantendo uma estabilização de casos por UDI em proporções
elevadas (cerca de 25%).
xl
3. CAMINHOS DA PREVENÇÃO DO HIV/AIDS
Proteger-se do HIV parece simples, uma vez conhecidas as formas de transmissão.
Apesar de se saber o que é AIDS, como se contrai, e quais as maneiras adequadas de se
proteger, nem todas as pessoas, de fato, o fazem. Abstinência, monogamia e fidelidade não
são exercitadas com frequência. A camisinha, que forma uma barreira bastante efetiva contra o
vírus, muitas vezes, é dispensada. Esterilizar ou usar seringas descartáveis para injetar drogas
acaba com o “barato”.
Demorou algum tempo para compreender quais eram os verdadeiros obstáculos à
prevenção da AIDS. Sobre alguns desses obstáculos foram feitas avaliações equivocadas,
como superestimar o efeito educativo de campanhas maciças ou acreditar que, com uma
abordagem racional, seríamos capazes de interferir nas manifestações da sexualidade que
expunham pessoas aos riscos da infecção. Outro obstáculo descoberto foi o perfil
socioeconômico das populações atingidas, sendo doloroso constatar que a extrema pobreza
funciona como um impedimento para adoção de medidas preventivas. Finalmente, um
condicionamento cultural, que ainda confere ao homem o poder de decisão em todas as
instâncias do relacionamento entre os casais, tem sido um poderoso obstáculo à prevenção da
disseminação da doença entre as mulheres. Foi a partir desse conjunto de descobertas que
evoluiu o conceito de vulnerabilidade, que passaremos a aprofundar.
3.1 Vulnerabilidade
O conceito de vulnerabilidade foi sendo desenvolvido desde o início da epidemia, para
tratar da exposição das pessoas à AIDS e sua prevenção. Sua concepção é fruto dos limites
para avaliar a epidemia como uma questão de riscos, seja por pertencerem a determinado
grupo (grupo de risco) , seja pelo comportamento que as pessoas assumem individualmente
(comportamentos de risco), em seus relacionamentos sexuais e/ou no uso de drogas
(AYRES et al.,1999).
O grupo de risco, em epidemiologia, é um grupo de pessoas que por características
genéticas, raciais, culturais, religiosas, sociais ou de comportamento tem um risco maior para
xli
aquisição de uma doença ou infecção (PAIVA,1999). No início da epidemia dizia-se que
existiam grupos de risco para a AIDS, isto é, pessoas que possuíam determinado perfil e
comportamento, correriam um maior risco de se infectar pelo HIV. Esses grupos seriam:
homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Esta postura gerou
preconceito e discriminação que já vitimizavam as pessoas identificadas com esses grupos.
Durante a década de 1980, a ausência de uma compreensão ampla e coerente da
epidemia HIV/AIDS, fez com que o público em geral e os profissionais de saúde acabassem
fazendo o que achavam mais correto. Somado ao medo das doenças infecciosas, que sempre
existiu na história da humanidade e que está na origem das discriminações (como o foi para a
peste, para a lepra ou para a sífilis), a AIDS suscitou reações estereotipadas sobre sexo, raça e
até mesmo geografia, o que propiciou a construção de imagens imprecisas ou enganosas, que
estimulavam extremos de negação, complacência ou pânico. Os profissionais do sexo,
homossexuais e usuários de drogas eram estigmatizados e os soropositivos eram segregados,
banidos da vida em sociedade. Estes estavam bem vivos, mas destituídos de seus direitos
enquanto cidadãos: era a morte civil (MANN et al.,1993;MONTAGNIER,1995).
Outra conseqüência da idéia de grupos de risco, é que as pessoas que não queriam se
identificar com esses “grupos”, não se consideravam em risco de se contaminar: ”Ah, isso não
acontece comigo”. Esse fato prejudicou muito as atividades de prevenção e, um dos reflexos foi
o aumento do número de mulheres infectadas e o aumento da contaminação de homens pelo
HIV através de relacionamento heterossexual. Em busca de um conceito que pudesse melhor
dar conta da expansão da pandemia, passou-se a não mais utilizar a idéia de “grupo de risco” e
sim de práticas de risco.
No conceito “práticas de risco”, não seria mais a qual grupo a pessoa pertencesse, mas
se sua prática ou se seu comportamento seria de risco ou não para a infecção pelo HIV.
Também se percebeu que este conceito era incompleto, pois nessa ótica se considera e se
responsabiliza apenas o indivíduo, não levando em conta seu contexto sócio-político e
econômico. No mundo inteiro, a epidemia tem atingido os mais excluídos, e isso não terá sido
por coincidência (AYRES,2000). As pessoas têm possibilidades distintas de transformação de
sua realidade, de resposta à epidemia. Nesse sentido, somos obrigados a retirar a “culpa” do
infectado, sem, claro, partir para o pólo oposto, paternalista, de achar que as pessoas não têm
nenhuma responsabilidade diante do problema. Quando reconhecemos que a prevenção da
xlii
AIDS passa por questões individuais, sociais e institucionais, que há diferentes graus e
naturezas de suscetibilidade à infecção, adoecimento ou morte pelo HIV, estamos tratando do
conceito de vulnerabilidade, ou seja, das condições sociais, culturais e psico-emocionais
que tornam as pessoas menos capazes de se defender de um problema que se apresenta na
sua busca de ser feliz. Estes três planos (individual, social e institucional), mantém uma relação
de co-responsabilidade e isto significa que a falha em um ou mais desses planos explica o
maior risco de infecção pelo HIV (PAIVA et al.,1999).
No nível individual, a maior ou menor vulnerabilidade de infecção pelo HIV, depende
dos comportamentos que criam a oportunidade da infecção e do grau de consciência do
indivíduo acerca desses comportamentos. Para melhorar nesse nível, o indivíduo precisa
refletir, reavaliar e promover mudanças comportamentais que o torne menos vulnerável ao HIV.
Para isso, ele necessita de programas voltados para a prevenção e de um meio social que o
apóie e promova a sua mudança.
No nível institucional, a vulnerabilidade diz respeito às ações planejadas e
executadas frente ao HIV/AIDS, voltadas para os diversos grupos da população de uma
determinada sociedade. São necessários programas voltados para populações específicas
(jovens, mulheres, pessoas em situação de cárcere, etc.); garantia de execução (recursos
humanos, materiais e financeiros) e de continuidade dos programas, além da integração entre
os diferentes órgãos governamentais (Ministérios, Secretarias, etc.), para se obter o resultado
desejado.
No nível social, a vulnerabilidade frente ao HIV/AIDS pode ser medida através dos
índices de desenvolvimento humano (bem-estar do indivíduo, renda per capita e a expectativa
de vida) e do acesso a informações claras, verdadeiras e precisas para todos os setores da
sociedade. O sistema de representações culturais e construções simbólicas que moldam a
leitura ou a compreensão da experiência erótica seria, também, um fator de maior ou menor
vulnerabilidade frente ao HIV/AIDS (PARKER, 1994).
Somente através de ações integradas sobre estes três aspectos, que poderemos,
efetivamente, diminuir o grau de vulnerabilidade à infecção pelo HIV e superar os obstáculos à
prevenção.
3.2 Obstáculos à Prevenção
xliii
3.2.1 A Discriminação Enfraquece a Prevenção
A discriminação interfere negativamente na integração de programas de prevenção e
na assistência aos doentes. A maneira como se aborda as pessoas é um fator determinante na
construção da sua confiança e auto-estima, elementos vitais quando se visa a prevenção. Com
freqüência, as mensagens que chegam às pessoas costumam ter um tom pejorativo. Quem
procuraria um serviço de saúde se tivesse de se submeter ao julgamento moralista do
profissional que, no fundo, parece dizer “Bem feito. Quem mandou você ‘aprontar’?”.
A educação é sempre um processo dinâmico em que o educador também aprende, e
muito, das pessoas com quem trabalha. Mas se o educador que trata sobre o tema AIDS se
coloca num papel arrogante, acreditando que porque possui diplomas ou foi treinado detém a
sabedoria, automaticamente torna pouco útil seu conhecimento.
No cerne das intervenções está o respeito aos direitos fundamentais do ser humano e
o resgate da dignidade. Para o profissional da educação, não interessa se o indivíduo é
homossexual, bissexual, heterossexual, trabalhador do sexo, dona-de-casa, religioso,
presidiário, rico, pobre, criança de rua ou adolescente numa escola classe A. É o ser humano,
com qualidades e defeitos, acertos e erros, que merece nosso respeito incondicional.
3.2.2 A Pobreza Fortalece os Riscos
A situação de pobreza em que vive a boa parte da população brasileira limita seu
acesso tanto à informação adequada quanto aos serviços de saúde. A prioridade absoluta
dessas pessoas é a sobrevivência, não a educação ou a saúde, que, mesmo desejadas,
acabam obtendo uma conotação de artigo de luxo e não de direito.
A crise de desemprego em nosso país levou muitas mulheres a abandonar o lar e
dedicar-se a alguma atividade para complementar a renda familiar ou tornar-se mantenedoras
de suas casa. Só que, para elas também, o mercado de trabalho é insuficiente, embora a mãode-obra feminina seja consideravelmente mais barata que a masculina. Não é raro
encontrarmos mulheres de periferia exercendo o trabalho sexual no horário comercial das 9 às
17 horas e retornando para casa à noite, como se estivessem trabalhando em qualquer outra
xliv
atividade. A miséria e a fome têm exposto estas mulheres ao risco de contraírem o HIV mais
rapidamente do que os fatores socioculturais e religiosos. Submetidas a violências físicas e
emocionais, a violência da AIDS deixa de ser preocupação para elas no momento de atender
às necessidades de seus filhos e familiares.
3.2.3 Preconceito ao Preservativo Dificulta a Prevenção
Uma parte dos homens ainda se recusa terminantemente a usar a camisinha de Vênus,
para se proteger seja lá do que for. Há, também, os que dizem detestar a camisinha. Quem
nunca escutou esta frase que “usar preservativo é como chupar bala com papel”?
Inexplicavelmente, embora seja muito fina, a camisinha ganhou fama de tirar a sensibilidade.
Ao que parece, estes homens, ao recusar a camisinha, estão na verdade tentando camuflar o
medo de perder a ereção (FURLAN,2003).
A camisinha é – fora da abstinência ou da monogamia absoluta com parceiro
monógamo não-infectado – o único método que oferece grande segurança. Os casos de falhas
são devidos à má qualidade de fabricação de algumas delas, ao vencimento do prazo de
validade, à exposição ao calor (como quando se deixa no porta-luva de um carro ao sol ou
dentro da carteira no bolso da calça), ao uso de vaselina e outras substâncias oleosas que
danificam o látex, ou simplesmente ao fato de que não
se soube colocá-la ou retirá-la
(BRASIL, 2005).
Uma pesquisa realizada no Brasil pelo IBOPE e Programa Nacional DST/AIDS, em
2003, mostrou que o preconceito está diminuindo. Ao se comparar os resultados com
pesquisas anteriores (1991, 1997 e 1999) nota-se que a proporção de pessoas que não estão
usando preservativo, pois usam outros métodos anticoncepcionais, diminuiu e respostas do tipo
“uso do preservativo atesta traição”, “não dá tempo”, “não acredito que evite”, “tem alergia” ou
“tira o prazer” sumiram. Mostrou, também, que houve aumento do uso do preservativo: 79,5%
das pessoas sexualmente ativas que tiveram parceiros eventuais nos últimos 6 meses usaram
preservativo na última relação, enquanto 57,8% tiveram uso consistente nos últimos 6 meses
(usaram em todas as relações). Em 1998, 64,0% das pessoas sexualmente ativas nos últimos
12 meses usaram preservativo com parceiros eventuais na última relação (PAIVA et al., 2003).
xlv
3.2.4 O Não-Investimento em Educação Continuada
Um erro fundamental relacionado à informação sobre AIDS em nosso país, no início da
epidemia, foi o desconhecimento por parte dos profissionais de saúde da necessidade de
desenvolver e empregar metodologias educativas próprias, que pudessem levar à população a
compreensão dos riscos da infecção pelo HIV. Baseados na informação utilizada nos Estados
Unidos, onde a AIDS atingia determinadas populações, e usando a famosa frase “AIDS mata”,
induzimos, sem querer, uma mensagem contraditória: ao mesmo tempo em que divulgávamos
a gravidade da epidemia, estimulávamos a percepção errada de que havia pessoas imunes à
doença, por não pertencerem aos grupos de risco mencionados (PINEL et al.,1996).
Outro erro foi acreditar que a informação disseminada por campanhas fosse
suficientemente persuasiva para induzir mudanças de comportamentos. Descobriu-se, com o
tempo, que o efeito das campanhas, por mais explosivas que pareçam, é temporário. Até
porque, devido à sua periodicidade, as pessoas tendem a acreditar que a AIDS é um problema
apenas enquanto a campanha estiver sendo veiculada, por exemplo: durante o carnaval
(MANN et al.,1993).
Infelizmente, outras iniciativas que poderiam ter surtido efeitos positivos junto à
população tiveram pouca duração e não foram exploradas pela mídia como deveriam, por falta
de verbas. Exemplo delas é a que pregava “discrimine o vírus, não as pessoas com AIDS”
(PINEL et al.,1996). Sem dúvida, a solidariedade é a melhor arma contra a AIDS, em todos os
sentidos: no de proteger as pessoas, ao transmitir-lhes o que se conhece sobre a doença, e no
aceitar as que vivem com HIV/AIDS e precisam de todo apoio que possam receber. Como
disse Souza (1994):
“A AIDS não é mortal, mortais somos todos nós. A
AIDS terá cura, e seu remédio hoje é a solidariedade”
(SOUZA, 1994).
Além do mais, devido à fragmentação dos financiamentos, aos entraves políticos e à
desarticulação entre os diversos setores comprometidos com a prevenção, a maioria das
intervenções constituiu-se de projetos que tinham um começo e um fim – em vez de evoluírem
xlvi
para programas sólidos que se mantivessem com o decorrer do tempo. O que teria sido
indispensável, pois apenas um trabalho de educação continuada é capaz de reverter
comportamentos de risco. A educação continuada envolve o comprometimento de um grupo a
longo prazo para reflexão a respeito de um problema. Nesse trabalho, cabe ao educador
democratizar informações, ajudando o grupo a compreender e assimilar essas informações, a
formular respostas, de acordo com sua vivência e estilo de vida, e a adotar para si o que seria
melhor, revertendo situações de risco em práticas seguras e saudáveis de prazer. Isto exige
combinar esforços entre diversos níveis da sociedade, e resulta em valorizar as pessoas e
torná-las participantes das ações dirigidas a elas.
3.2.5 A Desatenção às Mulheres
Enquanto se acreditava que a AIDS era um problema de grupos específicos, a maioria
das mulheres casadas ou com parceiros fixos heterossexuais se sentia protegida, até que seus
filhos, ao nascerem, começaram a apresentar problemas de saúde pouco comuns e difíceis de
tratar. Pelo diagnóstico de AIDS em bebês, começou-se a perceber que uma parcela
importante de mulheres estava infectada pelo HIV. Em 1985/86, os dados epidemiológicos
oficiais apontavam para a existência, entre os infectados, de quarenta homens para uma
mulher. A partir de 1993 essa relação foi diminuindo gradativamente até que, hoje, em todo o
território nacional, está em torno de 2 homens para cada mulher (BRASIL,2005). A escalada
da infecção pelo HIV em mulheres faz acreditar que dentro de pouco tempo teremos mais
mulheres do que homens com AIDS. Sendo assim, deve-se atender às mulheres de forma
adequada e com campanhas específicas, para que essa escalada de contaminações não
prejudique o esforço de prevenção contra o HIV.
Um mito arraigado desde o início da epidemia da Aids, mantém as lésbicas invisíveis
nas campanhas de prevenção: o de que o sexo entre mulheres seja seguro, imune ao risco de
infecção pelo HIV. Um estudo realizado pelo Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de
São Paulo, recrutou e acompanhou, durante um ano, 145 voluntárias de 18 a 61 anos que
fazem sexo com mulheres. Além de responder a um amplo questionário, as mulheres se
submeteram a exames ginecológicos e testes de HIV, sífilis e hepatite. No grupo acompanhado
foram encontradas quatro portadoras do HIV, além de 33% sofrerem de vaginose bacteriana
xlvii
(um desequilíbrio da flora vaginal que facilita a infecção do HIV). Sem suspeitar dos riscos, elas
seguem expostas a várias formas de contágio. Ele pode ocorrer com a troca de secreções
vaginais durante o chamado tribadismo (contato direto entre os órgãos genitais), ou ainda por
meio de acessórios sexuais compartilhados sem proteção, como pênis de borracha e
vibradores. Quase metade das entrevistadas (45%) não troca a camisinha quando divide esses
apetrechos com a parceira. Ter relações com a namorada quando ela está menstruada
mostrou-se prática corriqueira. Entre as entrevistadas, 44% têm contato com o sangue da
parceira por meio de penetração (digital ou com acessórios) e até mesmo por sexo oral. Assim
como ocorre nas relações heterossexuais, qualquer microtraumatismo na vagina – provocado
por pênis de borracha ou infecções bacterianas – pode facilitar a entrada do HIV na corrente
sanguínea durante o sexo desprotegido. O risco de contaminação aumenta quando uma das
parceiras tem alguma lesão na boca (SEGATTO, 2004).
3.2.6 o machismo impede a prevenção
Na construção social da sexualidade entre nós, estabeleceu-se a expressão da
sexualidade masculina como sendo genital, ativa, promíscua e dissociada da afetividade. Da
feminina, espera-se que seja extragenital, monogâmica, fiel, presa a uma fantasia romântica e
submissa ao homem (FURLAN,2003). Diferenças tão marcantes entre os sexos só poderiam
levar a um sistema desigual de poder, em que o dos homens prevalece e é exercido sobre as
mulheres. Estas exigências sociais tornam ambos vulneráveis ao HIV. O homem, muitas vezes
a contragosto, se vê forçado a provar sua masculinidade por meio de proezas sexuais com
múltiplas parceiras. Em contrapartida, a submissão feminina leva as mulheres a situações de
alto risco, com as quais acabam se conformando, como a descrita por uma mulher de baixa
renda: “Sei que ele anda com outras mulheres, mas não posso me separar, não tenho para
onde ir com meus filhos. E camisinha ele não usa, de jeito nenhum. Então, se ele ficar doente,
eu também vou ficar.” (PINEL et al.,1996).
O problema da AIDS nas mulheres não estava centrado no sexo e, sim, nas relações
de gênero, ou seja, nas relações entre os dois sexos, estabelecidas a partir de atribuições
sociais (LOURO, 2001). Por isso, para que alguma coisa melhore nessa área, o homem terá de
compartilhar com a mulher, numa relação de equivalência, as responsabilidades sobre a saúde
sexual e reprodutiva.
xlviii
3.2.7 A Fantasia Romântica Afeta a Prevenção
Ainda hoje é comum observarmos pessoas que
encontraram um(a) novo(a)
parceiro(a), usaram camisinha nos dois ou três primeiros encontros e depois disso não mais,
“porque o relacionamento agora ficou estável, estamos nos amando”. Ou então porque “sabe
como é, ele(a) já foi casado(a), tem um par de filhos, nunca se arriscaria com relações
passageiras”.
Nossa cultura tradicionalmente alimenta a fantasia romântica de que pessoas, quando
se apaixonam, tornam-se invulneráveis a qualquer perigo. Nela, não cabe a suspeita de que o
ser encantado, que amamos, esteja infectado pelo HIV. É mais comum que as pessoas
recorram ao preservativo num encontro casual do que num relacionamento mais estável. Até
os profissionais do sexo, que aderem ao uso constante de preservativo com seus clientes,
raramente o usam com seus parceiros(as) fixos(as), por intermédio de quem, freqüentemente ,
acabam se infectando (MANN et al.,1993;FURLAN,2003).
O amor em tempos de AIDS exige responsabilidade compartilhada. Quando o casal
decide pelo relacionamento estável, deve-se fazer o exame do HIV em algum Centro de
Testagem e Aconselhamento e, de acordo com o resultado, manterem o sexo seguro ou um
romântico pacto de fidelidade. Deve-se viver em tempos de AIDS com criatividade, romantismo
e segurança.
3.2.8 A Religião Perante a Prevenção
Os brasileiros têm um forte legado de espiritualidade, que se exercita na religiosidade
ou na superstição. Transcendendo as instituições, as religiões – por si só poderosos agentes
de transformação pessoal e social – deixaram de ser exclusivamente um exercício de fé e se
xlix
afirmaram como uma das manifestações culturais mais arraigadas em nossa cultura. Em todos
os setores, as mensagens religiosas atingem até os não-religiosos. Mas em termos de AIDS,
as mensagens nem sempre acompanharam as idéias do setor da saúde, o que enfraqueceu o
movimento de prevenção.
À AIDS foi atribuída, assim que ela surgiu, uma conotação de castigo; tratava-se de
uma providência divina para mostrar aos fiéis, concretamente, as conseqüências dos pecados
da carne. Com o avançar da epidemia, os grupos religiosos acomodaram-se a seu nicho
natural, ao prover assistência aos doentes – embora lhes fosse difícil aceitar as pessoas
infectadas que começaram a surgir dentro do próprio grupo religioso. Ao perceber a dimensão
da doença, dedicaram-se a reforçar o que também lhes é intrínseco: a exaltação da
abstinência, da monogamia e da fidelidade. No entanto, a AIDS demonstrou que a maioria das
pessoas, mesmo reconhecendo nessas exaltações as virtudes, é incapaz de exercê-las pela
vida toda sem alguns “escorregões”. E tornou evidente que, o que pensamos, não corresponde
ao que sentimos, que, por sua vez, é sistematicamente diferente do que fazemos (PINEL et
al.,1996).
As mensagens de cunho sanitário e moral não são totalmente incompatíveis e
antagônicas e, historicamente, têm se fundido para determinar o que deve ser considerado
normal, natural, saudável ou moral. Por sua vez, as pessoas possuem a habilidade de
interpretar a seu favor mensagens aparentemente contraditórias. Sendo assim, haverá pessoas
que em determinados momentos responderão positivamente a mensagens de abstinência,
fidelidade e monogamia. Outras, preferirão a camisinha. Infelizmente, haverá outros que não
darão ouvidos a nenhuma das duas. Pois é, afinal, o indivíduo é – não o religioso nem o
profissional de saúde ou educador – quem escolhe a mensagem que lhe convém.
É mais do que na hora de reconhecer que não se colabora em nada ao insistir em
manipular a AIDS conforme leituras particulares, feitas por intermédio de ideologias de grupo.
O que se precisa é de um modelo integrado onde tanto a ciência como a religião possam ser
utilizadas para o real benefício da humanidade.
3.2.9 A Ilusão da Invulnerabilidade dos Jovens
l
A tendência de disseminação do HIV observada entre os adultos também se reproduz
nos jovens: o vírus se transmite rapidamente entre rapazes e moças por meio do sexo e de
drogas. Alarmados com esta situação, muitos começaram a centrar a prevenção da AIDS nos
jovens, enfatizando a proibição ou o treinamento para que dissessem não às drogas e ao sexo.
Esqueceram-se de que as proibições nunca foram muito efetivas para evitar comportamentos
de risco. O sentimento de invulnerabilidade é próprio da juventude e estimula a correr riscos.
Arriscar é inerente às descobertas, é sadio, necessário. O risco oferece à pessoa a
oportunidade de testar seus limites, permitindo-lhe construir um controle internalizado. O único
problema em correr riscos hoje em dia é que o mundo tornou-se mais complexo e ameaçador.
A cada momento, arriscar torna-se mais perigoso. No entanto, a solução não é proibir ou fazer
o jovem recuar do risco. O que ele precisa, hoje em dia, é de instrumentos que ampliem suas
condições de avaliar os riscos e poder tomar as precauções necessárias (BRASIL, 1998).
Muitas vezes são os próprios pais que, com o intuito de proteger, acabam colocando os
filhos em risco. Resistem a dar educação sexual, temendo que isso possa ser um estímulo para
o jovem iniciar sua vida sexual – quando pesquisas apontam para o fato de que, quanto mais
informações e condições de discutir a sexualidade o jovem tiver, mais tarde e com mais
responsabilidade ele iniciará suas relações sexuais. A limitação da sexualidade a um discurso
de cunho moralista impede que os jovens tenham um espaço para falar de suas dúvidas e
angústias. Ao mesmo tempo, inibe-os de adotar práticas seguras, como a camisinha, por medo
de reação dos pais caso descubram pistas dessas práticas entre seus objetos pessoais. Muitas
meninas preferem praticar sexo anal em vez de vaginal, não por prazer, mas para preservar a
integridade do hímen e/ou como método anticoncepcional. Incontáveis jovens se arriscam à
infecção porque não se consideram importantes para se proteger (ROSISTOLATO,2003).
Além desses, outros fatores moldam o comportamento dos jovens hoje em nosso país.
Um deles é a influência que os companheiros exercem na hora de tomar decisões. A pressão
do grupo é capaz de determinar condutas às vezes incompatíveis com o próprio indivíduo.
Outro fator é o desencanto coletivo que tomou conta da nossa juventude. A exposição contínua
à deterioração social, a falta de confiança no sistema político e a desilusão com o futuro têm
estimulado um comportamento auto-referente, alimentado pela sociedade de consumo. A
banalização da vida e das emoções que se observa no mundo dos adultos também calou nos
li
jovens, levando-os a canalizar mais e mais sua rebeldia e energias no uso de drogas e num
sexo impessoal e descompromissado. (PINEL et al.,1996).
Não obstante, nossa esperança está nos jovens. Prevenir a AIDS implica reacender
neles a chama do idealismo, da paixão e da convicção de que nem tudo está perdido. Para
isso, precisamos reconhecer que os adolescentes são preciosos e têm muito a nos ensinar. E
isto não se consegue proibindo, assustando e isolando-os do mundo.
3.2.10 A Supervalorização do Papel da Escola
Com a progressiva dissolução da família nuclear, a sociedade passou a depositar na
escola e nos professores o peso de moldar cidadãos responsáveis. Porém, existem vários
problemas para que esta solução se viabilize. Primeiro, é cada vez maior o número de jovens
que abandonam a escola por razões socioeconômicas, o que acarreta sérias dificuldades
instrumentais na implantação de programas de prevenção à AIDS. A pergunta principal, além
de “como vamos informar estes jovens?” , é “onde vamos encontrá-los?”. Depois, é preciso
considerar que a educação, assim como a saúde, dificilmente são, na prática, prioridade para
os governos brasileiros. O salário irrisório que os professores recebem força-os a manter
diversos empregos, comprometendo sua disponibilidade para um contato mais efetivo com os
alunos.
Tecnicamente, também há problemas. Nunca existiu a preocupação de capacitar
continuamente professores para desenvolver temas que abordassem comportamentos íntimos
e suas decorrências na saúde. Como querer que eles ensinem o que nunca aprenderam?
Sabemos que, periodicamente, se organizam treinamentos destinados às redes públicas de
ensino. Porém, dificilmente se oferece um sistema de atualização, apoio técnico e institucional
que estimule os professores para implementação e continuidade de programas de prevenção
nas escolas. Entraves ideológicos, burocráticos e financeiros, desperdiçam a motivação e a
coragem que muitos deles têm para lidar com temas delicados (AYRES,2000).
Finalmente, esquece-se de que a escola é complementar e nunca poderá substituir a
família como ente formador. A prevenção da AIDS fundamenta-se na auto-estima, no respeito
mútuo, na consciência das possibilidades de ação e na responsabilidade compartilhada. E esta
aprendizagem não está nos livros.
lii
liii
4. AIDS E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS
A AIDS no Brasil se caracterizou desde o início dos anos 80 como um problema quase
que exclusivamente do setor de saúde. Desta forma, a maior parte das políticas emanava deste
setor, que tem também executado quase a totalidade das ações programáticas de prevenção e
controle da epidemia.
A partir de 1986 se constitui e se consolida o Programa Nacional de AIDS, do Ministério
da Saúde. Este período se caracteriza pelo seu fortalecimento e pela sua implantação em todo
o território nacional. Através da realização de encontros macrorregionais, ações foram
implantadas, progressivamente, em todas as unidades federadas. Em decorrência disso, e
após algum tempo, pôde-se desenhar um panorama da epidemia no país, e iniciar a
implantação de diretrizes e estratégias comuns para todas as regiões (TEIXEIRA,1997).
O referencial não-discriminatório e de defesa dos direitos dos infectados é incorporado
pelo Ministério da Saúde, já neste período inicial, certamente influenciado pelas políticas
adotadas pelas unidades federadas que tinham se organizado em programas anos anteriores e
pela atuação de ONGs que se faziam cada vez mais presentes. Ao lado das normatizações nas
áreas clínica, epidemiológica etc, a partir de 1986 são organizados grupos de trabalho sobre
aspectos sociais e legais, direitos e garantias individuais e sobre direitos previdenciários e
trabalhistas. Esses grupos de trabalho contavam com a participação de técnicos das
secretarias de saúde e de universidades dos estados onde os programas já eram organizados,
além de representantes das ONGs. Assim, em seus primeiros anos, a organização e
fortalecimento do Programa Nacional de AIDS se deu pela incorporação não só de experiência,
como dos referenciais éticos e políticos que marcavam as iniciativas anteriormente
desenvolvidas no país.
O Ministério da Saúde, paralelo ao trabalho de organização e implementação dos
projetos em âmbito nacional, buscava a integração com o Ministério da Educação e Cultura
(MEC), que, não se envolvia decididamente nas ações, apesar do “clamor popular” para que
atividades voltadas à prevenção do HIV fossem, por exemplo, incluídas no currículo escolar.
Em 1976, a posição oficial brasileira afirmava ser a família a principal responsável pela
educação sexual, podendo as escolas, porém, inserir ou não a educação sexual em programas
de saúde. A partir de meados dos anos 80, a demanda por trabalhos na área da sexualidade
liv
nas escolas aumentou devido ao grande crescimento de gravidez indesejada entre as
adolescentes
e
ao
risco
de
infecção
pelo
HIV
entre
os
jovens
(PAIVA,1996;
ROSEMBERG,1985).
Antes, acreditava-se que as famílias apresentavam resistência à abordagem dessas
questões no âmbito escolar, mas atualmente sabe-se que os pais reivindicam a orientação
sexual nas escolas, pois reconhecem não só a sua importância para crianças e jovens, como
também a dificuldade de falar abertamente sobre o assunto em casa. Uma pesquisa do
Instituto DataFolha, realizada em dez capitais brasileiras e divulgada em junho de 1993
(BRASIL,1998), constatou que 86% das pessoas ouvidas eram favoráveis à inclusão de
Orientação Sexual nos currículos escolares. Foi nesse contexto, após mais de 10 anos do
início dos trabalhos do Ministério da Saúde, que o Ministério da Educação divulgou os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997 e os Temas Transversais, em 1998,
incluindo nesse documento o histórico Tema Transversal Orientação Sexual.
4.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientação Sexual
Os Parâmetros Curriculares Nacionais propuseram uma educação comprometida com
a cidadania e não-discriminatória, baseados no texto constitucional (artigos 1º e 3º da
Constituição Federal de 1988). A educação para a cidadania requer que questões sociais
sejam apresentadas para
a aprendizagem e a reflexão dos alunos, e que a eleição dos
conteúdos incluam dados para a compreensão e crítica da realidade, ao invés de tratá-los
como dados abstratos a serem aprendidos apenas para “passar de ano”. A educação para a
cidadania deve oferecer aos alunos a oportunidade de se apropriarem dos conteúdos como
instrumentos para mudar sua própria vida. Para que isso ocorra e para dar flexibilidade e
abertura
aos
currículos,
foram
propostos
temas
que
poderiam
ser
priorizados
e
contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais. Esses temas, que
receberam o título geral de Temas Transversais, propostos pelo Ministério da Educação, foram:
Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo
(BRASIL,1998).
Dentro do tema transversal Orientação Sexual, os PCN buscaram considerar a
sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa no ser humano, do
lv
nascimento até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade
com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à
diversidade de crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática
e pluralista. Inclui a importância da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS e
da gravidez não-planejada na adolescência, entre outras questões polêmicas. Pretende
contribuir para a superação de tabus e preconceitos ainda arraigados no contexto sociocultural
brasileiro.
Assim, a escola deve se organizar para que os alunos, ao fim do ensino fundamental,
sejam capazes, entre outras coisas, de : agir de modo solidário em relação aos portadores do
HIV e de modo propositivo em ações públicas voltadas para prevenção e tratamento das
doenças sexualmente transmissíveis/AIDS; conhecer e adotar práticas de sexo protegido,
desde o início do relacionamento sexual, evitando contrair ou transmitir doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive o vírus da AIDS; ter uma consciência crítica e tomar decisões
responsáveis a respeito de sua sexualidade (BRASIL, 1998).
De uma maneira geral, o trabalho de Orientação Sexual, proposto pelo PCN, visa
desvincular a sexualidade de tabus e preconceitos, afirmando-a como algo ligado ao prazer e à
vida. Na discussão das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS o enfoque precisa ser
coerente com isso e não acentuar a ligação entre sexualidade e doença, ou morte. As
informações sobre as doenças devem ter sempre como foco a promoção da saúde e de
condutas preventivas, enfatizando-se a distinção entre as formas de contato que propiciam
risco de contágio daquelas que, na vida cotidiana, não envolvem risco algum. Particularmente
em relação a AIDS, o tratamento que esse tema deve ter em Orientação Sexual junto aos
alunos é o oposto ao que foi dado pelas primeiras campanhas de prevenção veiculadas pela
mídia: ”AIDS mata”. Essa mensagem contribui para o aumento de medo e angústia,
desencadeando reações defensivas. A mensagem fundamental a ser trabalhada é: “a AIDS
pode ser prevenida”.
“Ao trabalhar com a prevenção da AIDS, são conteúdos
indispensáveis as informações atualizadas sobre as vias de
transmissão do vírus HIV, o histórico da doença, a distinção entre
portador do vírus e doente de AIDS e o tratamento. Os professores
precisam incentivar os alunos na adoção de condutas preventivas
(usar camisinha, calçar luvas ao lidar com sangue) e promover o
debate sobre os obstáculos que dificultam a prevenção. A promoção
da saúde e o respeito ao outro vinculam-se à valorização da vida
como conteúdos importantes a serem trabalhados. Esses conteúdos
lvi
devem propiciar atitudes responsáveis (tanto individual quanto
coletivamente) diante da epidemia, solidárias e não discriminatórias
em relação aos soropositivos, enfatizando o convívio social.”
(BRASIL, 1998, p. 326).
Conteúdos a serem trabalhados com as crianças do terceiro ciclo (5ª e 6ª séries) são
as informações sobre a existência de doenças sexualmente transmissíveis (colocadas
genericamente, não sendo necessário enumerar as mais conhecidas), em especial a AIDS,
incluindo esclarecimentos sobre os fatos e os preconceitos a ela associados. O trabalho com
esse bloco de conteúdo no quarto ciclo (7ª e 8ª séries) já precisa abordar cada uma das
principais doenças sexualmente transmissíveis, seus sintomas no homem e na mulher,
enfatizando as condutas necessárias para sua prevenção. A denominação Doenças
Sexualmente Transmissíveis agrupa aquelas que se transmitem pelo contato sexual entre duas
pessoas, e engloba as antigas doenças venéreas, incluindo a AIDS (BRASIL, 1998).
Infelizmente, o assunto AIDS só é abordado nas escolas de forma pontual, quando se
atinge no livro didático o conteúdo sobre doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, sendo a
abordagem extremamente biológica, desvinculada da realidade dos alunos e de suas dúvidas.
Muitos erros ainda expressos nos livros didáticos, são repetidos; muitos preconceitos
subentendidos são incorporados à conduta dos jovens e as omissões de conteúdo não são
acrescentados pelos professores, mantendo a vulnerabilidade à infecção do HIV como era
antes da abordagem do tema DST/AIDS em sala de aula. Para evitar erros e a indução de
preconceitos aos portadores do HIV ou doentes de AIDS, o MEC conta com o Programa
Nacional dos Livros Didáticos (PNLD), para avaliar a qualidade dos livros e de seus conteúdos
– programa que se encontra em plena atividade.
4.2 Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
Desde 1929, quando o governo brasileiro criou um órgão específico para legislar sobre
a política do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), a ação federal nessa área vem se
aperfeiçoando, com a finalidade de prover as escolas das redes federal, estaduais e municipais
e do Distrito Federal com obras didáticas e para-didáticas e dicionários de qualidade (BRASIL,
2005, www.fnde.gov.br).
lvii
Atualmente, essa política pública está consubstanciada no Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) e no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). O
PNLD distribui gratuitamente obras didáticas para todos os alunos das oito séries da rede
pública de ensino fundamental. O PNLD é mantido pelo FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação) com recursos financeiros do Orçamento Geral da União e da
arrecadação do salário-educação.
As principais características do programa de distribuição de livros didáticos do Brasil
foram definidas através do Decreto-Lei nº 91542, instituído em 1985, que trata do Programa
Nacional do Livro Didático. Duas premissas eram consideradas fundamentais: que o material
fosse adequado à ação educativa e que fosse disponibilizado aos alunos no tempo correto. Os
Estados de São Paulo e Minas Gerais optaram por operacionalizar o PNLD por si próprios
.(BIZZO,2000).
Desde de 1996, época da primeira avaliação oficial, passou a existir a lista dos “livros
excluídos” que, em sua maioria, eram os mais vendidos aos governos estaduais e federal, até
então. Os critérios de avaliação, publicados no Diário Oficial da União em julho de 1997, foram
entregues aos editores e autores antes da inscrição de livros para avaliação. Os livros que
apresentaram erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação
de qualquer tipo foram excluídos do Guia do Livro Didático.
Antes do PNLD-2005, as classificações usadas para os livros eram: livros
recomendados com distinção; recomendados; recomendados com ressalvas e excluídos. A
partir do PNLD-2005, as obras passaram a ser categorizadas em: aprovadas e excluídas. Além
disso, os professores passaram a adotar uma coleção (e não mais livros isolados), dentre os
que foram aprovados, com vistas a implementar um projeto pedagógico, que trouxesse mais
coerência e qualidade às ações educativas. As resenhas que aparecem no Guia de Ciências
PNLD-2005, tratam de livros que demonstraram suficiência em quatro aspectos básicos:
abrangência, progressão e correção conceitual; compromisso com a eficiência e
adequação metodológica; compromisso com a construção da cidadania e compromisso
com a integridade física do aluno (BRASIL, 2005, PNLD).
O Guia de Ciências PNLD-2005 entende que o conhecimento tem papel central no
ensino e que o livro didático deva ter a preocupação de buscar e veicular informação
adequada, correta, precisa e atualizada, inclusive na forma de ilustrações e grafismos. Os
lviii
conceitos devem ser tratados de forma correta, mesmo que de maneira simplificada, em
adaptações próprias para a faixa etária a que se dirigem, respeitando o princípio da
progressão. O princípio da correção conceitual implica respeito à terminologia científica,
entendendo-a como código próprio da comunicação da área, que procura compactar
informação.
O Guia de Ciências PNLD-2005 reconhece a importância da memorização como parte
da ação cognoscente, mas adverte para que o estímulo intelectual não seja restrito a
operações desse nível. Analisa se a metodologia empregada estimula o raciocínio, a interação
entre alunos e/ou professor, não tendo como característica principal a memorização de
conteúdo e termos técnicos.
Alerta, ainda, para a responsabilidade dos textos didáticos no desenvolvimento de
padrões de comportamento, resultado de determinadas representações da realidade. Elas
podem contemplar, prestigiar e promover certos segmentos da sociedade em detrimento de
outros; bem como, escamotear aspectos da realidade. Assim, os livros didáticos, como parte
importante dos processos de formação de crianças e jovens, devem adotar estratégias
explícitas que contribuam para superar o preconceito, seja ele contra cor de pele, de sexo, de
condição social (BRASIL, 2005, PNLD).
Os critérios de avaliação são divididos em três grandes blocos: o primeiro trata de
critérios eliminatórios; o segundo, de critérios classificatórios; e o terceiro, da tipologia
(Anexo 2).
Dentro dos critérios eliminatórios, destaca-se o item 3, que questiona se a abordagem
conceitual e informações factualmente corretas predominam ao longo do livro. O termo
“predomina” abre margem para uma análise subjetiva e pouco precisa da obra didática. Se é
um critério eliminatório e se é reconhecido na obra um erro conceitual, deve-se informar a
editora e/ou autor para que se faça a devida correção, e após isso aprovar o livro para
distribuição maciça nas escolas públicas.
Dentro dos critérios classificatórios, os blocos de análise foram divididos em: conteúdos
e aspectos teórico-metodológicos; aspectos pedagógicos metodológicos; os temas propostos
nos diferentes capítulos do livro; as experiências socioculturais e os saberes do aluno
aparecem no livro; aspectos editoriais/visuais; manual do professor.
lix
No item 25 , ainda dentro dos critérios classificatórios, pergunta se o livro didático de
ciências apresenta conteúdos relevantes ligados aos contextos próprios da realidade brasileira.
Como conteúdos relevantes é uma expressão ampla e também carregada de subjetividade, fica
a indagação de quais seriam esses conteúdos, o que não é detalhado no PNLD-2005.
Infelizmente, não se faz menção em nenhum momento, no PNLD-2005/Ciências, sobre
critérios para análise do tema DST/AIDS, nem sobre Orientação Sexual. O mais próximo que
se chega é na proposta de superação dos preconceitos de sexo, quando se firma compromisso
com a construção da cidadania. Embora a legislação não defina conteúdos de ciências que
devam constar obrigatoriamente dos currículos escolares em todo o país, o livro didático
pretendido para o PNLD deve estar pautado pelo princípio da abrangência. Como os Temas
Transversais foram escolhidos segundo o critério da abrangência nacional, ou seja, temas que
fossem pertinentes a todo país, os Parâmetros Curriculares Nacionais deveriam nortear a
análise dos livros didáticos feita pelo PNLD.
lx
5. METODOLOGIA
Segundo Morais (1999), a análise de conteúdo é uma metodologia de pesquisa usada
para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise,
conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as
mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma
leitura comum.
Morais (1999), considera a existência de duas vertentes nessa metodologia: a análise
de conteúdo quantitativa e a análise de conteúdo qualitativa. Na análise de conteúdo
quantitativa, os objetivos são pré-definidos e orientam as demais fases da pesquisa. Enquanto
que, na análise de conteúdo qualitativa, os objetivos podem ser construídos durante a pesquisa
e as categorias emergem durante o estudo.
A metodologia desta monografia para análise de conteúdos nos livros didáticos de
ciências, aprovados
pelo PNLD – 2005, será quantitativa e qualitativa. Será analisado a
presença e ausência dos conteúdos propostos pelo PCN-Orientação Sexual-DST/AIDS nos
livros didáticos, comparando-os com os critérios de avaliação do PNLD-2005 de Ciências, e a
indução ou não à promoção da saúde e à atitudes discriminatórias com os portadores do HIV
ou aos doentes de AIDS.
As 8 coleções de Ciências, aprovados pelo PNLD-2005 são:
1) Ciências – Carlos Barros e Wilson Roberto Paulino, Ed. Ática (2004);
2) Coleção Ciências – Fernando Gewandznajder – Ed. Ática (2003);
3) Coleção Ciências e Educação Ambiental – Daniel Cruz – Ed. Ática (2004);
4) Coleção Ciências Novo Pensar – Eduardo Martins e Demétrio Gowdak – Ed.
FTD (2004);
5) Coleção Vivendo Ciências – Nova Edição – Maria de La Luz e Magaly Terezinha
dos Santos – Ed. FTD (2004);
6) Coleção Série Link da Ciência – Silvia Bortolozzo e Suzana Maluhy – Editora
Moderna (2003);
7) Coleção Ciências Naturais no Dia-a-Dia – Jenner, Pedersoli, Moacir, Wellington
– Editora Dimensão (2003);
8) Coleção Ciências - Cecília Valle – Ed. Ediouro (2004);
lxi
Três coleções mudaram de editora, sendo desconsideradas como objeto de análise por
esta monografia, pelas possíveis modificações impostas pelas novas editoras, modificando a
característica da obra que, inicialmente, foi aprovada pelo PNLD-2005. As coleções que não
farão parte de nossa análise são: Coleção Série Link da Ciência, da Editora Moderna ; Coleção
Ciências Naturais no Dia-a-Dia, da Editora Dimensão e Coleção Ciências, da Editora Ediouro.
As demais obras serão analisadas dentro dos critérios objetivos propostos pelos PCN,
quais sejam: correção dos textos dos livros quanto ao histórico da AIDS, vias de
transmissão do HIV, métodos de prevenção, formas de tratamento da doença, distinção
de portador do vírus HIV e doente de AIDS, além de analisar se as informações sobre
AIDS têm foco na promoção da saúde e em atitudes não discriminatórias.
Considerou-se histórico da AIDS qualquer menção temporal sobre a descoberta dos
casos de sarcoma de Kaposi em jovens homossexuais, como início da investigação sobre a
nova doença; a referência sobre a descoberta do agente viral e/ou as sucessivas mudanças de
nome que o vírus recebeu, até ser nomeado de HIV. Ou, ainda, qualquer explicação sobre
como surgiu a epidemia, os testes sorológicos ou sobre a evolução do tratamento com drogas
anti-retrovirais.
Os livros de Ciências analisados ficarão restritos aos de 7ª séries, onde
tradicionalmente são abordados os temas de sexualidade e DST/AIDS, quando se trabalha
Corpo Humano. As obras que estudaremos seguirão a numeração de 1 a 5, na ordem
apresentada para as 8 coleções aprovadas pelo PNLD-2005, o que tornará mais fácil o
acompanhamento da análise. As seções sobre o tema serão lidas e comentadas sobre a
adequação ou não aos critérios propostos. Ao final, na conclusão da análise, serão feitas
sugestões de critérios ao PNLD, para futuras avaliações dos livros didáticos e sua aproximação
ao PCN-Orientação Sexual-DST/AIDS.
lxii
6.ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS
1º critério: Histórico da AIDS
O primeiro critério a ser analisado nas obras didáticas de ciências, aprovadas no
PNLD-2005, será o histórico da AIDS:
Livro 1 (Ciências – Carlos Barros e Wilson Roberto Paulino – Ed. Ática)
Neste livro há apenas um parágrafo que poderíamos considerar como histórico da
AIDS, citando que “os primeiros casos de Aids apareceram em 1979, nos Estados Unidos. No
Brasil, a doença foi registrada pela primeira vez em 1982.” (BARROS et al, 2004, p. 67).
Analisando-se o conteúdo descrito, o questionamento que se faz é sobre o ano de
1979, como o marco inicial de registro dos casos de AIDS. A literatura registrou como primeiros
registros nos EUA, o ano de 1981, época em que foram observados uma série de jovens
masculinos, de raça branca, habitantes de grandes núcleos urbanos (Los Angeles, São
Francisco, Nova York, etc.), que apresentava um quadro de imunodeficiência adquirida com
grave comprometimento do sistema imunológico, não descrita até então.
No Brasil, o Ministério da Saúde começou a registrar os casos diagnosticados de AIDS
a partir de 1982, mesmo que na época se tenha dado pouca atenção pública à doença, que era
vista como afligindo apenas a população homossexual rica dos Estados Unidos.
Livro 2 (Coleção Ciências – Fernando Gewandznajder – Ed. Ática)
Esse autor introduz o assunto sobre AIDS, definindo sua sigla (síndrome da
imunodeficiência adquirida) e, logo a seguir, faz um breve histórico da descoberta do vírus HIV
e da possível origem da epidemia.
“O vírus que causa a Aids foi identificado, em 1983, pelos
cientistas do Instituto Pasteur, em Paris, chefiados por Luc
Montaigner. Esse vírus é hoje chamado de HIV, inicias da expressão
em inglês para vírus da imunodeficiência humana.”
“Pode ser que o vírus já existisse há muito tempo, antes da
década de 1950, em algumas regiões isoladas da África Central.
Nessa região há chimpanzés portadores de um vírus muito parecido
com o HIV, mas eles não têm a doença. O vírus pode ter passado
para pessoas que se cortaram quando caçavam esses animais ou
lxiii
preparavam sua carne para se alimentar.” (GEWANDZNAJDER,
2003, p. 229).
É o único livro das coleções analisadas que fala do descobridor do HIV e da possível
origem da epidemia como um vírus que tenha migrado dos chimpanzés para o homem. Isso
ajuda a entender o conhecimento sobre AIDS como uma construção histórica, surgida em
determinado momento, e não apenas um dado cognitivo que precisa ser memorizado,
originado atemporalmente, definido por siglas (AIDS, HIV, ELISA, AZT etc.), sem que se faça
as devidas correlações com os fatos.
Livro 3 (Coleção Ciências e Educação Ambiental – Daniel Cruz – Ed. Ática)
Neste livro, o
tema AIDS é abordado juntamente às doenças sexualmente transmissíveis, sem qualquer
destaque, iniciado na seqüência de outros parágrafos, após herpes genital. Há apenas um
parágrafo que se aproxima do critério histórico da AIDS.
“A síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ficou
conhecida somente em 1981. É causada pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e ataca o sistema imunológico,
impedindo que ele defenda o organismo de doenças. Há pessoas
que têm o HIV no corpo há cerca de quinze anos e não
desenvolveram sintomas, mas são exceções.”(CRUZ, 2004, p. 195).
Analisando o conteúdo, podemos observar que há apenas a referência de ano – 1981 como marco histórico da descoberta da AIDS. A informação parece condensada em poucas
palavras e em pouco espaço.
Livro 4 (Coleção Ciências Novo Pensar – Eduardo Martins e Demétrio Gowdak –
Ed. FTD)
Os autores desta coleção destacaram o tema AIDS das outras DSTs, explicadas de
modo sucinto num quadro anterior (Anexo 3). Além da explicação por um texto de quase duas
páginas, esta obra didática possui um texto complementar, na seção Fique mais Informado,
chamado “A AIDS no mundo”, de uso opcional pelo professor. Analisaremos tanto o texto
proposto, como o texto complementar.
lxiv
No texto proposto, a única referência de temporalidade é que “hoje a AIDS não é mais
uma doença ligada a grupos de risco, principalmente dos homossexuais.” (GOWDAK et al.,
2004, p. 186).
Nesse período o autor não explica o que são grupos de risco, nem quais são, não diz
por que a doença não é mais ligada a esses grupos e nem quando houve essa mudança
conceitual. Não explica por que os homossexuais já foram considerados grupos de risco.
Como é característico das obras didáticas em geral, apenas informa um dado, sem desenvolvêlo e sem estimular o raciocínio e a reflexão.
No texto complementar, usa apenas o ano da descoberta da doença como fato
histórico:
“Desde 1981, quando foram registrados os primeiros casos da
doença, já morreram 25 milhões de pessoas no mundo e, segundo a
UNAIDS, se nada for feito, 70 milhões de pessoas morrerão nos
próximos 20 anos por causa da AIDS.”(GOWDAK et al., 2004, p.
187).
Livro 5 (Coleção Vivendo Ciências – Nova Edição – Maria de La Luz e Magaly Terezinha dos
Santos – Ed. FTD)
Esse livro inclui a AIDS num esquema explicativo (Anexo 4) das doenças sexualmente
transmissíveis e não traz nenhuma referência ao critério histórico da AIDS.
2º critério: Vias de transmissão do HIV
Livro 1
Os autores, antes de iniciarem a abordagem do tema AIDS, levantam questionamentos
numa seção chamada “Discutam estas Idéias” (Anexo 5), na qual perguntam ao leitor, na letra
b, de que forma se poderia contrair AIDS. Essa questão, busca fazer uma avaliação
diagnóstica das informações e possíveis preconceitos trazidos pelos alunos. Busca partir do
que se sabe, para uma sistematização mais ampla e conceitualmente correta.
A obra traz didaticamente as vias de transmissão:
lxv
“O HIV passa de uma pessoa para outra através de esperma,
sangue e secreção vaginal de pessoas contaminadas.
Portanto, pode-se adquirir o HIV:
* por relação sexual com pessoa contaminada pelo vírus;
* recebendo sangue contaminado pelo vírus;
* usando seringas e agulhas contaminadas pelo vírus.
Mães portadoras do HIV podem passá-lo para a criança
durante a gravidez, o parto ou a amamentação.”(BARROS, 2004, p.
67).
Não há incorreções na explicação das vias de transmissão do HIV. Apenas
sugeriríamos a inclusão do termo “desprotegida”, após relação sexual, no primeiro item. Sabese que o portador do vírus da AIDS pode manter sua atividade sexual, desde que tomadas as
devidas precauções. O texto não contém enunciados sobre a temática de sexo oral e/ou anal.
Livro 2
Texto rico de informações, que passaremos a analisar:
“O vírus é encontrado principalmente no sangue, no esperma,
nas secreções vaginais e no leite materno. É encontrado também,
em quantidade muito pequena, na saliva, na urina, no suor e nas
lágrimas, mas parece não ser transmitido por esses fluidos.
As principais formas de transmissão da Aids são a relação
sexual sem camisinha e o uso de drogas injetáveis com seringas e
agulhas compartilhadas com pessoas portadoras do vírus. A pessoa
que recebe transfusão de sangue também pode contrair Aids se o
sangue (ou algum derivado) estiver contaminado. O vírus pode
passar também da mãe para o filho durante a gravidez, no parto ou
na amamentação.
O sexo anal tem grande possibilidade de transmitir Aids, já que
a mucosa anal é fina, bastante absorvente e sofre lesões facilmente.
Mas não se esqueça de que a Aids também pode ser
transmitida pela relação vaginal, embora, nesse caso, passe com
mais facilidade do homem para a mulher do que da mulher para o
homem.
Embora o risco seja menor do que na penetração, no sexo oral
também pode haver transmissão do vírus.
Não se comprovou nenhum caso de Aids transmitido por
beijos, mas, teoricamente, beijos de língua podem transmitir o vírus
se os dois parceiros tiverem lesões na boca.
Agulhas, lâminas de barbear, tesouras, alicates de unha e
instrumentos de corte utilizados por médicos, dentistas e manicures
ou em tatuagens e acupunturas devem sempre ser limpos e
esterilizados em estufas (com temperatura superior a 60ºC, por 30
minutos) ou por produtos químicos (álcool, água sanitária, etc.), já
que há risco de transmissão pelo sangue contaminado.”
(GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230).
lxvi
Neste livro, o autor aborda cada possível via de transmissão. Informa detalhes não
descritos nos outros livros, como as vias de transmissão por sexo oral, beijo e objetos
perfurocortantes. Chega a um detalhamento desnecessário, para a faixa etária do aluno, sobre
os métodos de esterilização em estufas e sobre a maior facilidade de contaminação da mulher
do que a do homem, numa relação sexual vaginal. Não há incorreções conceituais quando se
fala sobre as vias de transmissão do vírus HIV.
Livro 3
As vias de transmissão do vírus são abordadas de maneira simples e objetiva:
“O HIV pode ser transmitido através do sangue, do esperma,
da secreção vaginal e do leite materno de uma pessoa contaminada.
O contágio acontece quando o vírus entra em contato com a corrente
sanguínea da outra pessoa.
O contágio por relações sexuais é bem comum porque as
paredes internas da vagina e do ânus são mucosas ricas em
capilares sanguíneos, que por sua finíssima espessura, se rompem
facilmente.
Há outras formas de contágio, como por transfusão de sangue
contaminado e compartilhado ou reutilizando seringas contaminadas.
Mulheres grávidas portadoras do vírus devem evitar o parto
normal e não podem amamentar, já que isso aumenta muito a
chance de contaminação do bebê.
Não há perigo de contrair o HIV por suor, roupas usadas,
abraços ou espirros de pessoas contaminadas. Por isso, é possível a
convivência normal com uma pessoa contaminada, sem correr
nenhum perigo, desde que se evite contato com feridas
ocasionais.”(CRUZ, 2004 - p.195 e 196).
O texto parece adequado à faixa etária da 7ª série, sem muitos detalhes
desnecessários, que prejudicariam o entendimento das vias de transmissão do vírus. O autor
prepara o assunto sobre vias de transmissão, abordando posteriormente questões sobre
discriminação e prevenção. Não há, também, incorreções conceituais no texto analisado.
Apenas não fala sobre sexo oral e objetos perfurocortantes.
Livro 4
Após descrever siglas SIDA e HIV, e dizer , em negrito, que a AIDS é uma doença letal
e sem cura, o autor explica muito rapidamente as vias de transmissão do vírus.
lxvii
“As maiores vias de transmissão são os contatos sexuais, de
sangue para sangue (em transfusões, pelo uso comum de agulhas
por usuários de drogas e por instrumentos cirúrgicos sem
esterilização), da mãe para o filho durante a gestação (transmissão
vertical), no parto e na amamentação.
Parece não haver transmissão por saliva, suor, lágrima, urina,
fezes ou picada de insetos. Menos ainda pelo ar, por talheres, copo,
piscina, aperto de mão ou abraço.”(GOWDAK, 2004 - p.186).
O autor não explica as várias possibilidades de transmissão, no que ele chama de
“contatos sexuais”. Não discrimina sexo oral, vaginal e anal. Não utiliza o termo “sexo
protegido” e nem sequer “sexo seguro”. Não há incorreção conceitual, porém há insuficiência
de conceitos.
Livro 5
Não há informações sobre vias de transmissão, apenas sintomas (discutíveis) para
diagnóstico da AIDS e formas de prevenção. Nesse tópico, deixa subentendida a transmissão
por via sexual, sem especificar que tipo de relação sexual se refere (oral, vaginal ou anal).
Massifica o aluno com a frase “use camisinha”, sem esclarecer ou problematizar a questão da
AIDS.
3º critério: métodos de prevenção
Livro 1
Métodos de prevenção são colocados no final da unidade, divididos em tópicos:
“A prevenção contra a Aids consiste basicamente em:
* usar camisinha em todas as relações sexuais;
* certificar-se da procedência e da qualidade do sangue a ser
utilizado em transfusões;
* limitar o número de parceiros em relações sexuais – quanto
maior o número de parceiros, mais chances de adquirir DSTs, pois
há maior probabilidade de algum dos parceiros estar infectado;
* usar agulhas e seringas descartáveis em injeções;
* evitar o uso compartilhado de instrumentos cortantes, como
navalhas, giletes e alicates de cutícula;
* evitar gravidez e amamentação, no caso de mulheres
portadoras do HIV.”(BARROS, 2004 - p.68).
lxviii
Os autores propõem medidas de bom-senso, usando expressões evitar para uso
compartilhado de instrumentos cortantes, como alicates de cutícula e outros materiais de
manicure e evitar gravidez, no caso de mulheres portadoras do HIV. Destacamos o segundo
item, que propõe como método de prevenção, certificar-se da procedência e da qualidade do
sangue a ser utilizado em transfusões. No entanto, não informa como fazer sobre a
procedência e qualidade desse material, principalmente em situações de emergência. Não
oferece informações sobre a colocação e/ou a retirada da camisinha.
Livro 2
Neste livro, os métodos de prevenção não se encontram destacados didaticamente
(informações organizadas, com complexidade crescente, que facilitaria a fixação dos
conteúdos). O texto é rico em detalhes de biologia do vírus HIV, tratamento, vias de
transmissão, mas deixa a desejar no tópico métodos de prevenção. O enfoque maior é para
prevenção de portadores do vírus, como veremos a seguir:
“Por meio de certos exames de sangue, o paciente pode saber
se é portador do HIV, ou seja, se é HIV-positivo ou soropositivo. É
necessário fazer mais de um exame para confirmar o resultado.
Além disso, como os testes acusam a presença de anticorpos contra
o vírus, só após cerca de três meses ou mais é que há uma
quantidade suficiente de anticorpos para ser detectada.
Se os exames indicarem que a pessoa é portadora do vírus
HIV, ela:
* deve procurar logo o médico;
* deve contar o fato ao parceiro com quem teve relação sexual;
* deve usar camisinha sempre ou evitar ter relações sexuais;
* não deve doar sangue nem compartilhar seringas ou outros objetos
que possam entrar em contato com o sangue;
* se for uma mulher grávida, deve usar medicamentos que
combatem o HIV e que diminuem as chances de transmissão desse
vírus à criança.”(GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230).
Nota-se a utilização de vocabulário pouco utilizado em outros livros do PNLD-2005:
quando o autor utiliza termos como HIV-positivo e a explicação sobre a quantidade de
anticorpos para se detectar a presença do vírus, além do tempo mínimo de três meses para
que isso aconteça (janela imunológica). Essas informações não foram observadas em outros
livros analisados. Não informa como se coloca ou se retira a camisinha.
lxix
Livro 3
O método de prevenção proposto pelo autor deste livro se resume à camisinha como
método de barreira.“A barreira mais eficiente e acessível é a camisinha (se usada desde o
início da relação). Como nunca sabemos quem é ou não portador do vírus, devemos tomar
precauções sempre.”(CRUZ, 2004, - p.196).
A informação é concentrada apenas num parágrafo, para alunos que estão iniciando
sua vida sexual. Não informa como se coloca ou se retira a camisinha; não dá suporte para que
ela seja usada desde a primeira relação. Entrega toda responsabilidade do aprendizado desse
método de prevenção para o aluno. Do jeito que foi proposto, esse método de prevenção se
tornará pouco efetivo.
Não se faz menção a outros métodos de prevenção, como o uso de seringas e agulhas
descartáveis, o cuidado na transfusão de sangue ou qualquer informação sobre gravidez e
AIDS. Não se fala sobre o uso de preservativo no sexo oral ou anal.
Livro 4
O autor, após explicar as vias de transmissão, inicia o único parágrafo sobre métodos
de prevenção, também destacando o uso de preservativo.
“As relações sexuais (principalmente heterossexuais)
representam mais de 71% das contaminações com HIV, por isso o
uso do preservativo é método mais seguro para evitar a AIDS e
todas as outras doenças sexualmente transmissíveis.”(GOWDAK,
2004 - p.186).
Observa-se que o livro 4 também supervaloriza o método do preservativo como barreira ao
HIV, sem informar sobre as outras vias de transmissão que precisam ser explicadas e
prevenidas. A análise seria semelhante àquela feita para o livro 3. Também não informa como
se coloca ou se retira a camisinha.
Livro 5
Esse livro trata de métodos de prevenção de uma forma genérica, os quais são
apresentados num esquema explicativo de doenças sexualmente transmissíveis, sem distinguir
métodos específicos para o vírus HIV (Anexo 4).
lxx
“Limitar o número de parceiros sexuais e usar camisinha para o
sexo com penetração. Quem tem sintomas de alguma DST ou está
em tratamento de uma delas não deve manter relações sexuais até
se curar. Seus parceiros devem ser examinados para ver se não
estão infectados.”(LUZ, 2004 - p.104).
Não especifica o uso de preservativo para sexo oral. Propõe o método da abstinência,
pouco efetivo na cultura erótica brasileira, que transita entre a normalidade e a transgressão
(PARKER,1994). A grande dúvida, que o texto não tira, é sobre quem fará o exame nos
parceiros, para ver se estão infectados, o outro parceiro? Texto excessivamente conciso e
ambíguo, que mais confunde do que informa. Também não explica como se coloca ou se retira
a camisinha.
4º critério: formas de tratamento
Livro 1
Neste livro não há detalhamento sobre as formas de tratamento, ficando a informação
sobre este critério numa abordagem superficial. “Até o momento, não há vacina contra a Aids.
Os vários medicamentos desenvolvidos até hoje podem prolongar a vida do doente e melhorar
seu estado geral. Mas a cura definitiva ainda não existe.”(BARROS, 2004 - p.67).
Não especifica quais são os medicamentos, nem se o tratamento da AIDS hoje é feito
com um coquetel de drogas, cada qual atuando numa via de infecção ou de replicação do
vírus, ou, ainda, sobre os antibióticos que combatem os microorganismos oportunistas. Alerta,
porém, sobre a inexistência de vacina, mas não discute sua dificuldade de produção, que seria
pela característica extremamente mutante do vírus HIV. Não informa, sobre a obrigatoriedade
do Estado em fornecer os medicamentos necessários para prolongar a vida dos portadores do
HIV e/ou doentes de AIDS, pois uma educação baseada na cidadania é uma educação que
capacita os alunos no uso dos seus direitos.
Livro 2
lxxi
Ainda nesse critério, o autor desta obra tem uma abordagem rica e detalhada sobre as
formas de tratamento.
“O uso de uma combinação de medicamentos (chamada
popularmente de ‘coquetel antiaids’) pode prolongar a vida do doente
retardando o aparecimento dos sintomas e melhorando bastante sua
qualidade de vida. Esse coquetel é composto por medicamentos que
atacam os germes oportunistas, além de remédios como o AZT, o
DDI, o 3TC e os chamados inibidores de proteases, que combatem o
HIV.
Infelizmente, não há ainda uma vacina contra a Aids. Um dos
fatores que dificultam o desenvolvimento de uma vacina é a grande
capacidade que o vírus têm de sofrer mutações. Surgem assim
variedades novas, contra as quais a vacina pode não ser eficiente.”(
GEWANDZNAJDER, 2003 - p. 229 e 230).
Abordagem completa para o critério Formas de Tratamento e para a faixa etária dos
alunos de 7ª série. Explica sobre a combinação de medicamentos e o uso de coquetel antiaids.
Exemplifica alguns remédios, como o AZT, o DDI, além dos inibidores de proteases. Não deixa
dúvidas quanto às dificuldades de produção de uma vacina contra o vírus HIV.
Livro 3
Esse autor não detalha as formas de tratamento. Explica de maneira superficial, num
parágrafo que se inicia desanimador, em relação à doença.
“Não existe cura para a Aids, nem perspectiva de descobri-la a
curto prazo. Vários pesquisadores buscam uma vacina, mas ainda
são necessários muitos testes. Mas o tratamento das pessoas com
Aids tem evoluído muito. Com a medicação adequada (tratamento
antiviral) e apoio dos amigos, essas pessoas conseguem sobreviver
muitos anos, como se estivessem com qualquer outra doença
incurável.”(CRUZ, 2004 - p.195).
Destacamos a informação de que com o tratamento adequado, os doentes de AIDS
conseguem viver como se estivessem com qualquer outra doença incurável. Achamos
imprudente a metáfora utilizada, pois cada doença incurável possui suas demandas e
conseqüências no organismo dos pacientes, não sendo adequado generalizar, como o fez o
autor no texto.
Livro 4
lxxii
No segundo parágrafo, no tópico que fala sobre AIDS, os autores explicam sobre a
dificuldade de se produzir uma vacina.“Como esse vírus apresenta grande capacidade de
sofrer alterações espontâneas (mutações) no seu material genético, existe enorme dificuldade
para encontrar uma vacina específica.”(GOWDAK, 2004 - p. 185).
No final do texto, os autores propõem algumas formas de procedimentos, sem
especificar qual a DST:
“Em caso de suspeita de ter contraído uma doença
sexualmente transmissível, é muito importante tomar as seguintes
providências:
* procurar logo um médico;
* suspender totalmente a atividade sexual até o
desaparecimento dos sintomas;
* comunicar o fato às pessoas com as quais teve relação
sexual, pelo menos nas últimas seis semanas;
* fazer os exames que o médico solicitar e tomar os remédios
nas doses e nos horários certos.”(GOWDAK, 2004 - p.187).
No caso de suspender totalmente a atividade sexual até o desaparecimento dos
sintomas, pergunta-se: como deveria proceder um portador do vírus HIV, que não apresenta
sintomas ainda? ou como deveria ser a vida sexual de um doente de AIDS: estaria condenado
à total abstinência sexual? Não se fala de sexo seguro ou sobre sexo protegido, como
alternativas para uma vida sexual saudável, dentro da realidade do doente de AIDS.
Questionamos o prazo de seis semanas, como o ideal para comunicarmos aos nossos
parceiros sexuais que somos portadores do vírus da AIDS. Nos baseamos no conceito de
“janela imunológica” - na qual demoraríamos até 12 semanas para desenvolvermos anticorpos
para o HIV. Após esse período o vírus seria detectado no nosso organismo por testes
sorológicos. Dentro dessas 12 semanas seríamos portadores, sem saber,e também
transmissores. Propomos a mudança no texto, sobre formas de tratamento, para o prazo de 12
semanas, pelo menos.
Livro 5
As autoras resumem as formas de tratamento numa frase curta, como uma sentença
de morte:
“Não tem tratamento conhecido; leva à morte.”(LUZ, 2004 - p.104).
lxxiii
Não fala sobre as formas de tratamento que existem desde 1986, iniciada com a
monoterapia com AZT, seguida da terapia combinada,
a partir de 1995, conhecida como
coquetel antiaids. Não diz sobre pesquisas para futura produção de vacina para a AIDS, nem
sobre as dificuldades que os cientistas encontram em seus estudos. Não informa, desinforma.
5º critério: distinção entre portador de vírus HIV e doente de AIDS
Livro 1
Não é feita a distinção entre portador e doente, dando a entender que a doença se
manifesta logo após a infecção.
“O HIV se multiplica dentro dessas células (alguns tipos de
glóbulos brancos do sangue) e acaba por comprometer a atividade
do sistema imunogênico (sistema de defesa do organismo) da
pessoa. Quando a Aids se manifesta, a pessoa fica debilitada e
torna-se incapaz de se defender contra infecções, como a
pneumonia, a meningite, as infecções intestinais. Cada vez mais
fraco, o doente corre o risco de morrer de uma dessas doenças que
seu corpo não consegue combater.”(BARROS, 2004 - p.67).
Livro 2
Enunciados detalhados, em ordem lógica, que diferencia e explica a diferença entre
portador do vírus HIV e doente de AIDS.
“O vírus HIV se liga a certas células do corpo humano. Entre
essas células está um tipo de linfócito, que comanda uma série de
reações de defesa do corpo.
Uma vez dentro do linfócito, formam-se novos vírus que saem
da célula e vão atacar outras células. Aos poucos, o vírus destrói o
sistema imunitário, que defende o organismo contra infecções. Com
isso, a pessoa poderá ser atacada facilmente por diversos tipos de
germes.
Muitas pessoas não apresentam sintomas nas fases inicias da
infecção. Outras têm inchações nos linfonodos (no pescoço, nas
axilas e nas virilhas), febre, dor de garganta e outros sintomas. Mas
lxxiv
atenção: pessoas infectadas pelo vírus podem transmitir a doença
mesmo que não apresentem sintomas.
Algumas semanas ou meses depois da contaminação, a
pessoa geralmente volta a se sentir bem. Mas o vírus continua a ser
reproduzir no corpo. A pessoa pode ficar muito tempo sem sintomas.
Por isso ser HIV-positivo (ou soropositivo) não é o mesmo que ter
Aids.”( GEWANDZNAJDER, 2003 - p.229).
Não temos adendos a fazer, tendo sido o autor bem sucedido quando abordou o 5º
critério: distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS.
Livro 3
Não faz distinção clara entre portador do HIV e doente de AIDS. Cita apenas casos de
pessoas que após quinze anos não desenvolveram a doença.
“A síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ficou
conhecida somente em 1981. É causada pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e ataca o sistema imunológico,
impedindo que ele defenda o organismo de doenças. Há pessoas
que têm o HIV no corpo há cerca de quinze anos e não
desenvolveram sintomas, mas são exceções.”(CRUZ, 2004 - p. 195)
Subentende-se que os sintomas não se desenvolvem logo após a infecção, mas o
conhecimento sobre esse processo não é sistematizado.
Livro 4
Não faz também distinção clara entre portador do vírus HIV e doente de AIDS.
“Às vezes se passam anos desde a contaminação, ou entrada
do vírus no organismo, até a manifestação da doença. Em outras
palavras, o tempo de incubação pode ser tão longo que, durante
esse tempo, a pessoa contaminada pode transmitir a doença para
muitas outras.”(GOWDAK, 2004 - p.186).
Não diz quanto tempo em média a pessoa pode se manter na condição de portadora
do HIV – aproximadamente uma década. Utiliza o termo incubação, dando a entender que a
fase assintomática da doença seria um período de latência, durante a qual haveria pouca ou
nenhuma replicação viral. Na verdade é um processo extremamente dinâmico, onde bilhões de
vírus e de linfócitos são diariamente produzidos e destruídos.
lxxv
Livro 5
Não faz distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS.
6º critério: se as informações têm foco na promoção da saúde e em atitudes nãodiscriminatórias
Livro 1
Texto escrito descrevendo siglas, vias de transmissão, algum tipo de tratamento, mas
em nenhum momento descreve ou propõe atitudes não discriminatórias aos portadores do HIV
ou aos doentes de AIDS. Apenas induz uma idéia de promoção da saúde em um parágrafo,
que descreveremos:
“É bom lembrar:qualquer pessoa pode contrair o HIV. É preciso tomar
todos os cuidados possíveis.”(BARROS, 2004 - p.67).
Não reforça a associação da AIDS com a morte, nem retira a esperança dos doentes
quanto a uma possível futura descoberta de cura, mas ao contrário, aconselha ao uso de todos
os cuidados possíveis, para não contrair o HIV.
Livro 2
O autor desse livro construiu uma abordagem não-discriminatória em um box de texto
separado do texto principal. “Também não há casos de transmissão por picadas de insetos,
abraços, apertos de mão, uso de sanitários, piscinas, toalhas, talheres, pratos ou copos,
comidas, beijos na face, tosse, espirro ou contato social com pessoa portadora do vírus.”(
GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230).
Expõe explicitamente a idéia de não discriminar o portador do HIV, por não ter essa
discriminação base científica. Alerta através do texto que: “Nunca é demais lembrar que, por
enquanto, a Aids não tem cura. Por isso, a única solução é se proteger!”( GEWANDZNAJDER,
2003 - p.230).
lxxvi
Finaliza o texto sobre AIDS reforçando a idéia de prevenção e não de morte, como
caminho inevitável da doença. Apesar de que o autor poderia propor, junto à idéia de que a
AIDS não tem cura, a idéia de que a AIDS teria tratamento, como qualquer outra doença
crônica.
Livro 3
O autor destaca bem a idéia de não discriminação ao portador do HIV.
“Não há perigo de contrair o HIV por suor, roupas usadas,
abraços ou espirros de pessoas contaminadas. Por isso, é possível a
convivência normal com uma pessoa contaminada, sem correr
nenhum perigo, desde que se evite contato com feridas
ocasionais.”(grifo nosso)(CRUZ,2004, p.196).
Além disso, aborda a idéia de promoção da saúde com responsabilidade, enfatizando a
idéia de prevenção e não do medo:“(...) Como ainda não existe cura, a única arma contra a
Aids é a prevenção, criando barreiras para o vírus não entrar em nosso corpo.”(CRUZ, 2004,
p.196).
Livro 4
Os autores omitem qualquer idéia ou atitude não discriminatória para com os
portadores do HIV ou aos doentes de AIDS. Também não destacam nenhuma idéia para a
promoção da saúde; pelo contrário, destacam a letalidade e o caráter incurável da AIDS, numa
frase curta e em negrito no texto seguinte:“A doença é letal e ainda sem cura.”(GOWDAK,
2004, p.186).
Livro 5
lxxvii
As autoras omitem qualquer idéia de atitudes não discriminatórias e de promoção da
saúde no tema AIDS. Apenas oferecem, sobre a doença, informação de que: “Não tem
tratamento conhecido; leva à morte.”(LUZ, 2004, p.104).
Eliminam a esperança de vida para o portador do vírus HIV e empurram para a
depressão os familiares do paciente.
Com base nos resultados dos livros mencionados, elaborou-se uma tabela (Tabela 3),
síntese da análise destes livros didáticos, indicando as obras didáticas analisadas e a
respectiva presença ou ausência dos conteúdos propostos pelos PCN:
Tabela 3: Presença (S – sim) ou Ausência (N – não) de conteúdos nos livros didáticos de
ciências aprovados pelo PNLD-2005 analisados pelos critérios propostos pelo PCNOrientação Sexual- DST/AIDS
CONTEÚDOS PROPOSTOS
PELOS PCN
Livro 1
Livro 2
Livro
Livro 4
Livr
(BARROS
(GEWANDZNAJD
3
(GOWD
o5
, 2004)
ER, 2003)
(CRU
AK,
(LU
Z,
2004)
Z,
2004)
200
4)
História da AIDS
S
S
S
N
S
S
S
S
N
Métodos de prevenção
S
S
S
S
S
Formas de tratamento da
N
S
S
S
N
N
S
N
N
N
Vias de transmissão do
S
HIV
doença
Distinção entre portador
do vírus e doente de AIDS
lxxviii
Foco
na
promoção
de
S
S
S
N
N
Foco em atitudes não-
N
S
S
N
N
saúde
discriminatórias
lxxix
7. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
DISCUSSÃO
Ao longo da análise do tema AIDS nos livros de Ciências de 7ª série aprovados pelo
PNLD-2005, e comparando tais livros com os Parâmetros Curriculares Nacionais, dentro do
que propõe o Tema Transversal Orientação Sexual – DST/AIDS, observa-se um conjunto de
obras heterogêneas. O enfoque das informações nem sempre propõe a promoção da saúde e
atitudes não-discriminatórias (tabela 3).
Os critérios propostos pelos PCN para o tema AIDS (histórico da doença, vias de
transmissão, métodos de prevenção, formas de tratamento, distinção de portador do vírus HIV
e doente de AIDS), não são os critérios utilizados para análise dos livros de Ciências no PNLD2005. Isso explica a grande variedade de abordagens dos autores e editoras quando trata do
tema.
Alguns autores explicam o histórico da doença apenas informando a data dos primeiros
casos de AIDS (1981) (GOWDAK, 2004); outros informam a data do descobrimento do vírus
HIV (1983) (GEWANDZNAJDER, 2003); um livro abordou superficialmente a construção do
conceito de grupos de risco (GOWDAK, 2004) e apenas um autor explicou a possível evolução
dos vírus da imunodeficiência dos chimpanzés para o homem (GEWANDZNAJDER, 2003),
através de cortes nas capturas desses primatas ou na preparação de sua carne para se
alimentarem. Em geral apenas informam datas e idéias, sem contextualizarem o conhecimento,
e sem despertarem o saber crítico dos alunos.
Sobre vias de transmissão do HIV, também observamos informações diferenciadas,
com algumas omissões sérias. Os autores, em geral, não diferenciam sexo oral, vaginal e anal,
nem suas especificidades. Abordam genericamente grandes vias de transmissão, como o
termo relação sexual com pessoa contaminada, sem explicar se o sexo é ou não protegido.
Não encontramos erros conceituais nesse tópico.
Quando falam sobre métodos de prevenção, o uso da camisinha é massificado
fortemente, sem que ao menos se ensine como se coloca ou como se retira o preservativo. Em
nenhum momento utilizam os termos sexo protegido e sexo seguro. Esses conceitos de sexo e
o ensino da habilidade de se manipular a camisinha (como colocar e retirar) seriam ferramentas
que os alunos utilizariam acordo com cada situação.
lxxx
As formas de tratamento da AIDS também variaram muito quanto ao seu detalhamento.
Apenas dois livros explicam sobre a dificuldade para se produzir uma vacina contra a AIDS,
devido ao caráter mutante do vírus (GOWDAK, 2004 e GEWANDZNAJDER, 2003). Apenas um
livro usa o termo coquetel antiaids, mostrando que o tratamento contra o HIV soma-se ao uso
de antibióticos contra as doenças oportunistas (GEWANDZNAJDER, 2003). Nenhum indicou a
forma como se conseguem os medicamentos, direito do paciente, ou como se fazem
gratuitamente os exames sorológicos para o HIV. É preciso informar ao aluno os caminhos
básicos para ele exerça sua cidadania.
Em relação ao critério distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS, nenhum
dos livros usou termos como: fase aguda, fase assintomática, fase sintomática precoce e fase
sintomática tardia, que ajudariam à divisão didática do assunto e o entendimento do
desenvolvimento da doença. Apenas um livro fez distinção clara entre portador e doente de
AIDS (GEWANDZNAJDER, 2003). Quando se fala em AIDS, essa distinção é fundamental
para propormos atitudes de sexo seguro aos jovens, que iniciam sua vida sexual e não vão
encontrar sintomas nos parceiros eventualmente infectados.
O trabalho com Orientação Sexual, proposto pelos PCN, visa desvincular a sexualidade
de tabus e preconceitos. O conhecimento correto dos meios de transmissão do HIV deveriam
impedir, ou pelo menos minimizar, atitudes discriminatórias aos portadores do vírus e aos
doentes de AIDS. Apenas dois livros destacam essa idéia, mostrando que é possível a
convivência normal com uma pessoa contaminada, sem risco algum (GEWANDZNAJDER,
2003 e CRUZ, 2004). Os outros livros não propõem nenhuma atitude, numa estranha omissão
dos autores aos desrespeitos praticados em nossa sociedade aos infectados pelo vírus HIV.
Quanto à idéia de promoção da saúde sobre AIDS nos livros didáticos observamos, em
nossa análise, variadas abordagens. Dois livros associavam fortemente a AIDS à morte
(GOWDAK, 2004 e LUZ, 2004). Os outros três associavam a AIDS mais com prevenção,
mostrando que a melhor forma de lidar com ela é se protegendo, criando barreiras para a
infecção (BARROS, 2004; GEWANDZNAJDER, 2003 e CRUZ, 2004). Existe uma divisão
conceitual entre autores que enfatizam que a “AIDS mata” e outros que propõem que a “AIDS
pode ser prevenida”.
Nenhum dos autores introduz o conceito de vulnerabilidade, que acrescentaria
questões sociais aos textos tradicionalmente científicos. Se as propostas do PNLD-2005 e dos
lxxxi
PCN buscam a formação do cidadão, um discurso apenas informativo, acrítico, não provocará
debates em sala de aula nem aprofundará reflexões sobre a realidade brasileira ampla e/ou
local. A educação para a cidadania deve oferecer aos alunos a oportunidade de se apropriarem
dos conteúdos como instrumentos para mudar sua própria vida.
Uma das propostas dos PCN para o ensino fundamental, relativo ao tema AIDS, é a
promoção do debate sobre os obstáculos que dificultam a prevenção. Em nenhum momento é
citado algum obstáculo à prevenção, tais como: a discriminação, que provoca a retração das
pessoas infectadas na busca de cuidados; a pobreza, que limita o acesso da população à
informação adequada e aos serviços de saúde; o preconceito ao preservativo, que dificulta
adotá-lo como método de barreira; desatenção às mulheres nas campanhas publicitárias, que
as tornaram recentemente vítimas principais da epidemia; o machismo, que dificulta a
negociação entre os parceiros para minimizar os riscos de contaminação; a fantasia romântica,
que interrompe o uso da camisinha após alguns encontros, entre outros.
Uma outra proposta dos PCN para o ensino fundamental, no que diz respeito ao Tema
Transversal Orientação Sexual/DST-AIDS, é que os alunos ajam de modo solidário em relação
aos portadores do HIV e de modo propositivo em ações públicas voltadas para prevenção e
tratamento das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS. Ora, isso não será possível pois
não há propostas nesse sentido nos textos dos livros analisados. Observa-se uma insistente
omissão desses textos, promovendo, mesmo que veladamente, a passividade, como se as
mudanças na sociedade independessem de ações humanas.
Segundo Fracalanza (2005), a concepção do livro didático é afetada pela própria
prática de ensino adotada nas escolas. Com a fragmentação dos currículos escolares e a
organização em séries ou ciclos, a seqüência mais ou menos rígida de conteúdos é mantida. E
assim também se organizam os livros didáticos. Apresentam temas, conteúdos, atividades e
exemplos bastante padronizados e fragmentados, em grande parte desvinculados do cotidiano
e das experiências de vida dos alunos. Além do mais, deixam aos alunos a tentativa de
juntarem, com seu próprio esforço, fragmentos os mais diversos do que aprenderam, para
poderem minimamente compreender o mundo que os cerca.
A ênfase na cidadania, compromissos tanto dos PCN quanto do PNLD-2005, não é
feita pelos autores nem pelas editoras. Os livros de Ciências aprovados pelo MEC no Programa
Nacional do Livro Didático, em 2005, não trazem questões sociais sobre AIDS como conteúdos
lxxxii
de aprendizagem e reflexão dos alunos. Ao contrário, escamoteiam aspectos da realidade,
desenvolvendo comportamentos neutros perante os desafios dessa pandemia. A única ação
proposta é : use camisinha – como uma panacéia para a saúde sexual do brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das deficiências e omissões encontradas em alguns livros de Ciências
analisados, em torno dos critérios propostos pelos PCN, reconhecemos que todos trataram de
alguma forma de prevenção, denotando a preocupação dos autores e das editoras nesse
enfoque. Mesmo que, segundo PAIVA (2000),
“os modelos mais comuns de prevenção da AIDS serem poucos
eficazes porque só se preocupam em disseminar fatos biomédicos e
não os fatos socioculturais responsáveis pela expansão da
epidemia.”(PAIVA,2000)
Como propostas de soluções aos problemas detectados nesta análise, temos:
1) adoção, pelo MEC, de critérios mais específicos de avaliação dos livros didáticos,
em relação ao tema transversal Orientação Sexual/DST-AIDS, tais como: histórico da AIDS,
vias de transmissão do vírus HIV, métodos de prevenção e formas de tratamento da doença;
distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS, além de analisar se as informações
têm foco na promoção da saúde e em atitudes não-discriminatórias;
2) produção de livros didáticos “modulares”, com abordagem temática única para cada
volume de uma coleção, de forma multidimensional, de modo a articular diversas áreas do
conhecimento humano relacionadas ao tema abordado. Dessa maneira, o professor poderia
compor sua seqüência didática ao longo do ano letivo, a partir da realidade das escolas onde
atua, da sua experiência profissional, das vivências e do contexto sociocultural de seus alunos
(NETO et al., 2003);
3) utilização dos recursos do PNLD para apoiar
a produção de ampla gama de
materiais alternativos, nas próprias unidades escolares, nas universidades, nos centros
pedagógicos das secretarias de educação municipais e estaduais, nos museus e centros de
ciências, ao invés de serem apenas utilizados para a compra de livros didáticos convencionais
e distribuição para as escolas públicas.
lxxxiii
Por fim, a melhoria da qualidade do ensino praticado em nossas escolas vai além da
adoção de critérios específicos sobre AIDS no PNLD ou criação de materiais alternativos para
trabalhar sobre sexualidade; utilização de livros didáticos modulares ou qualquer outro recurso
didático (Atlas, vídeos, CD-ROM, textos e revistas de divulgação científica). Deve-se atentar
para a figura do professor-mediador, aquele que vai definir objetivos pedagógicos ao trabalho
educativo, para que ele tenha uma boa formação inicial, aliada a uma capacitação permanente,
bem como substantivas melhorias nas condições salariais e de trabalho desses profissionais da
educação básica. Afinal, os professores não podem ser desconsiderados no processo
pedagógico.
lxxxiv
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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lxxxix
9. ANEXOS
Anexo 1:
Sistema de estágios da Organização Mundial da Saúde para Adultos e Adolescentes
infectados pelo HIV
Estágio Clínico 1:
1.síndrome de soroconversão;
2. assintomático;
3. linfadenopatia generalizada persistente e/ou escala de performance 1: assintomático,
atividade normal.
Estágio clínico 2:
4.perda de peso involuntária < 10%
5. manifestações mucocutâneas menores (dermatite seborréica, prurigo, onicomicose, úlceras
orais recorrentes, queilite angular;
6.herpes-zoster nos últimos cinco anos;
7. infecções bacterianas recorrentes no trato respiratório superior e/ou escala perfromence 2:
sintomático, atividade normal.
Estágio clínico 3:
8.perda de peso involuntária >10%;
9. diarréia inexplicada > 1 mês;
10. febre prolongada (intermitente ou constante) inexplicada > 1 mês;
11. candidíase oral;
12. leucoplasia pilosa oral;
13. tuberculose pulmonar no último ano;
14. inecções bacterianas graves (pneumonia, piomiosite) e/ou escala de performence 3:
acamado <50% dia do último mês.
Estágio clínico 4:
15. síndrome consuntiva;
16. pneumonia por P. carinii (P. jirovesi);
17.toxoplasmose cerebral;
18.criptosporidiose com diarréia > 1 mês;
19. criptococose extrapulmonar;
20.citomegalovirose (CMV) de qualquer órgãoque não fígado, baço ou glânglios;
21. herpes simplex, mucocutâneo > 1 mês, ou visceral de qualquer duração;
22. leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP);
23. qualquer micose endêmica disseminada 9histoplasmose, paracocidioidomicose);
24.candidíase de esôfago, traquéia, brônquios ou pulmões;
25. micobacteriose atípica disseminada;
26. sepse por Salmonella não-typhi;
27.tuberculose extrapulmonar;
28.linfoma;
29.sarcoma de Kaposi;
30.encefalopatia pelo HIV e/ou escala de performence 4: acamado > 50% durante o dia no
último mês.
ANEXO 2: FICHA DE AVALIAÇÃO DO GUIA DE CIÊNCIAS – PROGRAMA NACIONAL DO
LIVRO DIDÁTICO (PNLD) – 2005, COM CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS, CLASSIFICATÓRIOS
E TIPOLÓGICOS – p. 82 a 91.
xc
xci
xcii
xciii
xciv
xcv
xcvi
xcvii
xcviii
xcix
c
ANEXO 3: QUADRO SOBRE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS, ANTERIOR
AO TEXTO SOBRE AIDS, NO LIVRO 4 – COLEÇÃO NOVO PENSAR – FTD (2004)
(GOWDAK, 2004, p.185)
ANEXO 4: ESQUEMA EXPLICATIVO DAS DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS –
Livro 5 – Coleção Vivendo Ciências – FTD (2004)
ci
(LUZ, 2004, p. 104)
ANEXO 5: SEÇÃO DISCUTAM ESTAS IDÉIAS, ANTERIOR AO TEXTO QUE TRATA SOBRE
AIDS – LIVRO 1 – CIÊNCIAS – ED. ÁTICA (2004)
(BARROS,2004,p.67)
cii
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