UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -UERJ INSTITUTO DE BIOLOGIA ROBERTO ALCÂNTARA GOMES Departamento de Ensino de Ciências e Biologia AIDS nos livros didáticos: análise dos livros de Ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005 Fabio Nei Teles Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Ensino de Ciências. Rio de Janeiro 2006 FICHA CATALOGRÁFICA Teles, Fabio Nei AIDS nos livros didáticos: análise dos livros de Ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005/ Fabio Nei Teles – 2006 ix, 118p.; il, tab, Orientador: Vera Maria de Sá Antunes Filgueiras Co-orientador: Laísa Maria Freire dos Santos Monografia (Especialização) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes. 1. AIDS 2. Livros Didáticos. 3.PNLD-2005. 4.Teses. I. Filgueiras, Vera Maria de Sá Antunes II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes. Departamento de Ensino de Ciências e Biologia. III. AIDS nos livros didáticos: análise dos livros de Ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005. ii UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -UERJ INSTITUTO DE BIOLOGIA ROBERTO ALCÂNTARA GOMES Departamento de Ensino de Ciências e Biologia AIDS nos livros didáticos: análise dos livros de Ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)-2005 Fabio Nei Teles Orientadora: MSc. Vera Maria de Sá Antunes Filgueiras Co-orientadora: MSc. Laísa Maria Freire dos Santos Aprovada em _______ de ____________ de 2006 pela banca examinadora: Prof. ____________________________________________ Prof. ____________________________________________ Rio de Janeiro 2006 iii “A luta contra a AIDS surge necessariamente dentro da luta mais ampla contra a injustiça.” Richard G. Parker iv Dedico essa monografia a todos aquele que me ajudaram de alguma forma, especialmente à minha esposa e aos meus filhos. v Agradecimentos Agradeço a Deus, que está presente em tudo o que pode e o que não pode ser criado pelo homem. Sou extremamente grato a Severino Duarte da Costa Filho (Xiquinho), Secretário da Direção do Fórum de Nilópolis, por ter oferecido condições para que eu pudesse realizar e concluir esse curso de pós-graduação lato-sensu. Meu carinhoso agradecimento a minha Orientadora Vera Maria de Sá Antunes Filgueiras pela vibração com que contagia seus orientados e pelo carinho com que conduziu as análises dos rascunhos da monografia. Sou profundamente grato a minha Co-orientadora Laísa Maria Freire dos Santos, pelas seguras observações e pelas ajudas que recebi nos momentos cruciais, inclusive aos domingos. O meu muito obrigado. Agradeço à Professora Marly Veiga, pelo exemplo de profissional dedicada ao que faz e que nos fez sentir especialistas em ensino de ciências, ao final de cada aula. Sou ternamente grato aos meus três filhos que, às vezes, colaboravam comigo, quando digitava esta monografia. Sou amorosamente grato à minha esposa que soube se eclipsar para que esse trabalho pudesse ser concluído, trabalhando nos bastidores e me dando condições de concretizar esse sonho, aguardado por dez anos para ser realizado. Meus sinceros agradecimentos a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização dessa pesquisa. vi Lista de Tabelas Tabela 1: Classificação filogenética do HIV, em tipos, grupos e subtipos ........... 11 Tabela 2: Sistema modificado de estágios da Organização Mundial da Saúde para adultos e adolescentes infectados pelo HIV ................................................ 28 Tabela 3: Presença ou ausência de conteúdos nos livros didáticos de ciências aprovados pelo PNLD-2005 analisados pelos critérios propostos pelos PCNOrientação Sexual-DST/AIDS................................................................................94 Lista de Ilustrações Figura 1: Estrutura do vírus HIV .......................................................................... 12 Figura 2: Esquema do genoma do HIV-1. ........................................................... 13 Figura 3: Ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana. ............................ 15 Lista de Siglas e Abreviaturas AIDS (SIDA) – Síndrome da Imunodeficiência Humana CDC – Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos CTA – Centros de Testagem e Aconselhamento FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana MEC – Ministério da Educação OMS – Organização Mundial da Saúde ONG – Organização Não-Governamental PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PNLD – Programa Nacional do Livro Didático SUS – Sistema Único de Saúde vii Sumário Lista de Tabelas ................................................................................................... vii Lista de Ilustrações .............................................................................................. vii Resumo ................................................................................................................ ix 1. Introdução ....................................................................................................... .01 2. Caminhos do HIV/AIDS .................................................................................. .04 2.1 História da AIDS .................................................................................... .04 2.2 Origem do HIV e da epidemia...................................................................09 2.3 Ciclo de vida do vírus HIV.........................................................................11 2.4 Transmissão do HIV..................................................................................17 2.5 Epidemiologia............................................................................................35 2.6 Tendências da epidemia HIV no Brasil.....................................................37 3. Caminhos da Prevenção...................................................................................43 3.1 Vulnerabilidade .........................................................................................44 3.2 Obstáculos à prevenção ......................................................................... .47 4. AIDS e Políticas Públicas Educacionais.........................................................61 4.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientação Sexual.........................63 4.2 Programa Nacional do Livro Didático ..................................................... .66 5. Metodologia .................................................................................................... .71 6. Análise dos Livros Didáticos ........................................................................ .74 7. Discussão e Consideração Finais ................................................................ .95 8. Referências Bibliográficas..............................................................................102 9. Anexos..............................................................................................................106 viii Resumo O tema AIDS permeia todos os cenários da sociedade, inclusive o da escola. Na escola, o tema AIDS aparece no discurso falado e escrito, assim como no discurso não-verbal. No discurso escrito está, entre outros, o livro didático, que pode fornecer informações corretas ou incorretas; promover a discriminação ou a solidariedade. O objetivo deste trabalho de monografia é analisar os livros didáticos de ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), de 2005, enfocando o tema AIDS. Foram analisados cinco livros didáticos de ciências de 7ª série, dos oito aprovados pelo PNLD2005. Os critérios utilizados para a análise foram retirados dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de 1998, do tema transversal Orientação Sexual-DST/AIDS, quais sejam: histórico da doença, vias de transmissão, métodos de prevenção, formas de tratamento, distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS e se as informações tinham foco na promoção da saúde e em atitudes não-discriminatórias. A análise foi feita transcrevendo de todos os livros, trechos que se relacionavam com cada critério, sendo feito comentários e apontando a presença ou ausência desses conteúdos. Ao final, mostramos uma tabela-síntese da análise. Os resultados demonstraram que o único conteúdo abordado por todos os livros didáticos foi o de métodos de prevenção, evidenciando obras heterogêneas, que não se orientam por todos os conteúdos propostas pelos PCN. ix 1. INTRODUÇÃO O tema AIDS (sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é assunto de grande importância, devido ainda ao caráter incurável da doença. Grandes esforços têm sido despendidos para a busca de uma vacina, mas a capacidade do vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) de sofrer mutações dificulta o sucesso desse trabalho. Os portadores do vírus, através da terapia combinada com anti-retrovirais e antibióticos (também chamado coquetel antiaids), tentam manter a quantidade de linfócitos CD4 em padrões seguros e a carga viral abaixo dos níveis detectáveis pelos exames sorológicos. Assim, é possível manter a saúde e seguir no cumprimento das atividades habituais, e ainda manter uma atividade sexual normal, desde que protegida por algum método de barreira. Não há cura, mas há tratamento. E é por isso que, cada vez mais, a AIDS têm sido considerada como uma doença crônica, como a diabetes, e não mais como uma doença fatal. O conhecimento do ciclo de vida do vírus HIV e de suas vias de transmissão ao homem, tornou possível questionar e combater atitudes discriminatórias aos portadores do vírus e aos doentes de AIDS. Não se podia aceitar a recusa de matrícula de crianças na escola, por estarem infectadas pelo vírus HIV, como no caso Sheila que, em 1992, foi impedida de freqüentar a Escola Ursa Maior, em São Paulo (SCHWAZSTEIN et al., 1993). O respeito aos soropositivos, e à sua cidadania, se tornou o primeiro referencial de trabalho das campanhas de prevenção, iniciado pelas ONGs (Organizações Não-Governamentais) e continuado pelo Ministério da Saúde e, depois, pelo Ministério da Educação (MEC). Dentro desse compromisso com a cidadania é que o MEC publicou, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e, em 1998, o tema transversal Orientação Sexual. O tema transversal Orientação Sexual, propõe que as informações sobre AIDS tenham como foco a promoção da saúde e de condutas preventivas, e traçam como conteúdos indispensáveis, as informações atualizadas sobre o histórico da doença, as vias de transmissão do vírus HIV, métodos de prevenção, formas de tratamento e a distinção entre portador do vírus e doente de AIDS (BRASIL,1998). Paralelo a isso, o MEC, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), possui o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que avalia livros inscritos pelas editoras, utilizando–se de critérios pré-definidos, que, depois de aprovados, são adquiridos e x distribuídos para as escolas públicas de todo o Brasil. Entre esses livros estão os livros de ciências aprovados pelo PNLD-2005. Este trabalho tem como objetivo analisar se os livros de Ciências aprovados pelo PNLD-2005, possuem os conteúdos propostos pelos PCN, no tema transversal Orientação Sexual- DST/AIDS. Antes da análise dos livros didáticos, percorremos, no capítulo 1, os caminhos do HIV/AIDS: sua história; a possível origem do vírus HIV e da epidemia; o ciclo de vida do vírus, com sua morfologia e organização genômica; as vias de transmissão; o diagnóstico sorológico; como a AIDS se manifesta e como a infecção é tratada, além das tendências da epidemia do HIV no Brasil. No capítulo 2, percorreremos os caminhos da prevenção, analisando o conceito de vulnerabilidade e os obstáculos à prevenção. No capítulo 3, abordaremos, mais especificamente, AIDS e as políticas públicas, como a publicação dos PCN e o Programa Nacional dos Livros Didáticos (PNLD). E no capítulo 4, explicaremos a metodologia de análise dos livros didáticos de ciências aprovados pelo PNLD-2005. No capítulo 5, faremos a análise das obras didáticas, separadas por critério, transcrevendo trechos pertinentes e comentando aspectos relevantes. No capítulo 6, faremos a discussão e as considerações finais deste trabalho de monografia. xi 2. CAMINHOS DO HIV/AIDS 2.1. História da AIDS No final da década de 70 e no início dos anos 80, a comunidade científica assistia perplexa o surgimento de doenças muito raras em homens jovens, previamente sadios e com prática homossexual. O que chamava a atenção era que normalmente apareciam em pessoas idosas e gravemente imunodeprimidas. Entre estas doenças destacam-se duas: um câncer de vasos sanguíneos raríssimo, o sarcoma de Kaposi que até esse momento era de baixa malignidade e uma pneumonia causada por microorganismo chamado Pneumocystis carinii (nomenclatura recentemente alterada para Pneumocystis jirovesi) (RACHID et al.,2005). Não havia dúvida: surgia uma nova doença que, em pouco tempo, se tornaria um dos maiores desafios científicos, individuais e sociais enfrentados pela humanidade. Por ter sido identificado inicialmente entre homossexuais, essa nova doença passou a ser conhecida como “câncer gay” ou “peste gay” (ROSISTOLATO,2003). Os profissionais de saúde norte-americanos chamavam-na de GRID (sigla em inglês para “imunodeficiência relacionada aos gays”). Com o tempo passaram a se referir a ela como “doença dos cinco Hs”, por aparecerem também entre haitianos, hemofílicos, homossexuais, heroinômanos (usuários de heroína endovenosa) e hookers (profissionais do sexo em inglês). Na Europa, este padrão se mantinha, mas em seguida se descobriria que, na África, a situação era diferente. Lá, homens e mulheres se infectavam por contato heterossexual (PINEL et al.,1996). Nos anos seguintes, a doença se espalhou para heterossexuais e mulheres – até então considerados a salvo da epidemia – que havia passado por cirurgias ou recebido transfusões de sangue. Foi então que, em 1981, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos chamou-a de AIDS (Aquired Immune Deficiency Syndrome) ou Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Síndrome porque se trata de um conjunto de sinais e sintomas e não de uma doença só; Imunodeficiência porque o sistema imunológico deixa de funcionar de maneira eficiente; e Adquirida porque é causada por um agente externo. No Brasil, onde a doença seguiu os padrões americanos, passou a ser conhecida pela sigla em inglês, AIDS, ao contrário de Portugal, de países africanos de língua oficial portuguesa e de países de língua latina, que usam SIDA (RUBIO,1997). xii As notícias de novas contaminações, somadas à falta de informações concretas sobre os mecanismos de transmissão, levaram a um generalizado estado de pânico. Muita gente se recusava a apertar a mão de alguém contaminado ou ficar na mesma sala, com medo de que a nova doença se transmitisse pelo ar, como a gripe. Havia dúvidas se a AIDS poderia ser transmitida por mosquitos ou em piscinas, banheiros públicos, uso compartilhado de talheres, ou até pelo beijo (PINEL et al.,1996). Até esse momento, suspeitava-se de que haveria algum microorganismo, talvez um vírus envolvido na transmissão da AIDS. Cientistas do mundo todo se debatiam na tentativa de identificar esse agente causador. Em 1983, a equipe do Instituto Pauster, na França, chefiada pelo doutor Luc Montaigner, identificou o vírus, batizando-o de LAV (Lymphadenopathy – associated vírus). Porém, foi o pesquisador norte-americano, Robert Gallo, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, quem primeiro publicou a descoberta, nomeando o novo vírus de HTVL-III (Human T cell leukemia/ Lymphotropic vírus type III). Numa tentativa de resolver o impasse foi admtida a co-autoria e sugerida um nova nomenclatura. O vírus passou, então, a ser conhecido como HIV (Human immunodeficiency Vírus), e é atualmente chamado de Vírus da Imunodeficiência Humana (DUARTE,1995). O vírus foi identificado como um retrovírus (vírus de RNA com atividade da enzima transcriptase reversa), pertencente ao grupo dos lentivírus (vírus lentos) (MIMS et al.,1999;VERONESI et al.,2000). Em 1986, um outro retrovírus, também identificado como causador da AIDS, foi detectado em alguns países da África Ocidental, e passou a ser conhecido como HIV-2 ou Vírus da Imunodeficiência Humana do tipo-2, para diferenciar do primeiro, agora denominado HIV-1. Além desses dois tipos, foram já identificados vários subtipos do HIV. No Brasil temos o HIV-1 e o HIV-2, ambos parecidos, que entram em nosso organismo pelo sangue e pelas secreções sexuais (VERONESI et al.,2000). 2.1.1 Surgimento dos Testes Ainda no início dos anos 80, o vírus já havia contaminado 85% dos hemofílicos dos EUA (RUBIO,1997). Como não havia um teste para detectá-lo, quem precisasse de uma transfusão apresentava grande probabilidade de ser infectado. No final de 1984, foi criado o primeiro teste de sangue para detectar a presença do HIV, sendo denominado ELISA (Enzima xiii Imuno Ensaio). Ele funcionava identificando os anticorpos para o vírus – substâncias que o organismo produz ao entrar em contato com o agente infeccioso, na tentativa de reagir a ele. A descoberta do teste foi celebrada no mundo todo. Até esse momento, os médicos só conseguiam fazer o diagnóstico da AIDS se um conjunto de circunstâncias estivesse reunido: quando surgiam sintomas das doenças; depois de descartar outros diagnósticos clínicos; se os exames de laboratório houvessem acusado alterações no sistema imunológico da pessoa; se ela tivesse vivido uma história de contato de risco. Nas pessoas infectadas que não apresentavam sintomas, o diagnóstico era impossível sem um teste específico (PINEL et al.,1996). Pensava-se, então, que esse teste detectaria todos os casos de infecção. Mas ele não era tão exato, podendo reagir numa pessoa não infectada (FALSOS POSITIVOS) ou não reagir numa pessoa infectada (FALSOS NEGATIVOS). Além disso, os anticorpos que o organismo produz para se defender do HIV do tipo 2, só podem ser reconhecidos por testes mais específicos, hoje já existentes entre nós. Mesmo aperfeiçoado e mais sensível, o ELISA ainda precisa ser confirmado por outros testes ( como o IMUNOFLUORESCÊNCIA, o WESTERN BLOT ou o PCR), pois a presença de outras doenças pode provocar o que se chama de reação cruzada e o ELISA acusar positivo sem que a pessoa tenha o HIV. Da mesma forma, existe um período chamado de JANELA IMUNOLÓGICA, durante a qual o corpo ainda não fabricou anticorpos e, mesmo a pessoa portando o HIV, o ELISA apresenta resultado negativo. O ELISA só começará a acusar a presença dos anticorpos e constar positivo aproximadamente de seis semanas a três meses após o HIV ter entrado no organismo (RACHID et al.,2005; MIMS et al.,1999). Mas, se no começo da epidemia as pessoas contaminadas morriam pouco após os primeiros sintomas, hoje uma pessoa com HIV tem vários meios para evitar que a doença se manifeste. Tornou-se importante diferenciar uma pessoa soropositiva ou portadora – que tem o HIV no sangue – de alguém com AIDS, ou seja, que apresenta alguma deficiência no sistema imunológico. Hoje em dia prefere-se chamar as pessoas infectadas de “pessoas vivendo com HIV”, se estão na fase de infecção, ou “pessoas vivendo com AIDS”, quando a doença já se deflagrou. Não se tem usado o termo aidético, que é profundamente discriminatório. Seria o mesmo que dizer leproso, canceroso, tuberculoso,... uma forma de marginalizar a pessoa infectada (PAIVA,1999). xiv Com o passar do tempo, percebeu-se que as pessoas não desenvolviam a doença logo que se infectavam. Existem no mundo milhares de indivíduos que há anos convivem com o HIV sem ter manifestado a doença e não se sabe ao certo quais são as razões nem quantas pessoas são. Os médicos os chamam de “sobreviventes de longo prazo” e estima-se que eles representem cerca de 5% do total de infectados (BERGAMO,2005). Segundo Abbas et 1 al.(2003), determinada mutação no gene que codifica a molécula CCR5 seja responsável pela menor suscetibilidade à infecção ou à progressão mais lenta da imunodeficiência. Desde o início da epidemia, constata-se que aproximadamente 1/3 das pessoas infectadas desenvolve a doença entre dois e cinco anos após a infecção e cerca de 2/3 poderão desenvolver após cinco, sete, dez, catorze ou mais anos após a infecção (ABBAS et al.,2003). 2.1.2 AIDS se Tornando Doença Crônica O conhecimento que se desenvolveu sobre a AIDS ao longo destes anos mudou radicalmente o seu caráter, de doença fatal ela tem se tornado, cada vez mais, uma doença crônica, como a doença de Chagas ou o diabetes. Se para ela ainda não existe cura – como para uma série de outras moléstias com as quais convivemos – pelo menos há tratamento. Isso mudou radicalmente o modo de pensar dos profissionais de saúde e, paulatinamente, vai mudando também o da sociedade. A isso se deve à possibilidade de fazer o diagnóstico mais precocemente, aos novos tratamentos que surgem a cada dia e ao fato de que pessoas infectadas passaram a se cuidar melhor (PINEL et al.,1996). 2.2 Origem do HIV e da Epidemia Atualmente, a maioria dos cientistas admite que o HIV é originário de primatas, tendo de alguma maneira, se transmitido para a espécie humana. Vírus da imunodeficiência dos símios, como o SIV mac, isolado do macaco Rhesus (Macaca mulatta) e o SIV sm do macaco mangabey (Cercocebus atys) são intimamente relacionados ao HIV-2. Chimpanzés (Pan troglodytes troglodytes) em estado selvagem, na África Central, podem ser portadores do lentivírus SIV cpz e seus anticorpos reagirem com as proteínas do HIV-1. O genoma do SIV 1 Co-receptor químico na membrana plasmática, quexvserve para a entrada do vírus HIV nas células cpz é intimamente relacionado ao HIV-1, mais do que a qualquer retrovírus de origem símia conhecido, podendo ser considerados subtipos do mesmo vírus (MONTAGNIER,1995;VERONESI et al.,2000). Primatas, em geral, devem ser considerados potenciais transmissores de retrovírus. A transmissão inicial de retrovírus SIV sm e SIV cpz para o homem explicaria a origem da AIDS (por HIV-2 e HIV-1, respectivamente), podendo ter ocorrido de várias maneiras. O risco potencial de contaminação com primatas está presente por ocasião das capturas (mordidas, escoriações, etc), ou quaisquer contatos com sangue. Entretanto, coincidentemente, a pandemia de AIDS, acompanhou a utilização, em larga escala, de primatas em experimentação biológica, inclusive xenotransplantes (AXT,2006; VERONESI et al.,2000). Na década de 60 e início dos anos 70, vários xenotransplantes (rim, fígado, coração) de primatas, principalmente chimpanzés, para o homem, foram realizados e alguns pacientes em coma hepático foram tratados com perfusão de seu sangue em fígado de chimpanzés ou mesmo circulação cruzada com primatas. Os experimentos laboratoriais e clínicos envolvendo primatas levaram à formulação de uma das hipóteses de transmissão do SIV cpz para o homem, originando a epidemia por HIV-1 (VERONESI et al.,2000). Tais vírus podem estar presentes em chimpanzés há milhares de anos e, aparentemente, não causam doença nesses animais, provavelmente por pressão seletiva, em que animais suscetíveis foram sendo eliminados, restando os resistentes. É possível que pelo menos três transmissões independentes, de chimpanzé para o homem tenha ocorrido, para explicar os três grupos principais de HIV: grupo M, N e O (tabela 1). Uma vez concretizada tal transmissão, qualquer que tenha sido o meio, vários fatores da sociedade humana – tais como, promiscuidade sexual, emprego de transfusões de sangue e de hemoderivados, hemodiálise, uso de drogas injetáveis com seringas compartilhadas, etc. – provocaram a eclosão da epidemia, agravada pela transmissão vertical, materno-fetal (AXT,2006; VERONESI et al.,2000). Tabela 1: Classificação filogenética do HIV, em tipos, grupos e subtipos. Tipo Grupo Subtipo xvi 1 2 M (major) A-J N (new) Não classificado O (outlier) Não classificado Não classificado A-E (VERONESI et al.,2000) 2.3 Ciclo de vida do vírus HIV 2.3.1 Morfologia e Organização Genômica O HIV é um vírus de aproximadamente 100nm de diâmetro, envelopado, apresentando em sua superfície uma membrana lipídica oriunda da célula do hospedeiro e duas glicoproteínas (gp 41 e gp 120). Internamente a essa membrana, está a matriz protéica, formada pela proteína p17 e o capsídeo viral de forma cônica composto pela proteína p24 (Fig. 1). O material genético, assim como o tRNA e as enzimas necessárias para os primeiros eventos da replicação viral, encontram-se dentro do capsídeo viral (QUEIROZ FILHO, 2001; ABBAS et al.,2003). xvii Figura 1: Estrutura do vírus HIV-1 (ABBAS et al.,2003) O genoma do HIV, de aproximadamente 10Kb, contém nove genes e duas regiões denominadas LTR (Long Terminal Repeats), onde estão presentes os elementos de controle para integração, transcrição e poliadenilação dos RNA mensageiros (Fig. 2). Os genes podem ser divididos em dois grupos: os que codificam as proteínas estruturais (gag, pol e env) e os que codificam proteínas não-estruturais (tat, rev, nef, vif, vpu,vpr) (VERONESI et al.,2000; ABBAS et al.,2003) . O gene gag (antígeno de grupo) codifica as proteínas matriz p17 (MA), capsídeo p24 (CA) e as proteínas nucleares (p6 e p7) (NC). O gene pol (polimerase) codifica as seguintes 2 enzimas virais: transcriptase reversa (RT), protease (PR) , integrase (IN) e ribonuclease H (RNase). O gene env (envelope) codifica uma proteína inicial que é clivada dando origem à proteína de transmenbrana gp 41 (TM) e à proteína de superfície gp 120 (SU) (VERONESI et al.,2000; ABBAS et al.,2003). 2 também chamada de enzima DNA-polimerase RNA-dependente xviii Os genes não-estruturais podem ser subdivididos em regulatórios (tat e rev), que são necessários para replicação viral in vitro e em genes acessórios (vif, vpu, vpr e nef) (VERONESI et al.,2000; ABBAS et al.,2003). Figura 2: Esquema do genoma do HIV-1 (VERONESI et al. ,2000) 2.3.2 Ciclo Viral A infecção pelo HIV inicia-se com a entrada do vírus na célula, através da ligação da proteína de superfície (gp 120) com o receptor da célula (molécula CD4). A entrada ocorre através da fusão do vírus com a membrana da célula, sendo essa reação mediada pela proteína transmembrana gp 41. Desde a sua descoberta , ficou claro que a molécula de CD4 não poderia ser o único receptor do HIV. Isto porque existiam células suscetíveis à infecção viral que não apresentavam a molécula de CD4 em sua superfície. Posteriormente foi descoberto que as moléculas CXCR4 e CCR5 (chamadas receptoras de quimiocinas), eram o co-receptor do HIV (ABBAS et al.,2003; RACHID et al.,2005). Segundo Veronesi et al. (2000), indivíduos com deleção no gene CCR5 são resistentes à infecção do HIV. Alguns estudos sugerem que os indivíduos heterozigotos evoluem de forma mais lenta para a AIDS. xix Após entrar na célula (Fig. 3), o RNA viral é convertido a DNA pelas enzimas transcriptase reversa e ribonuclease H. Essa reação ocorre no citoplasma da célula nas primeiras seis horas de infecção. A dupla fita de DNA, assim formada, é integrada ao genoma do hospedeiro através da enzima integrase. O DNA do HIV integrado é chamado provírus. Uma vez integrado, o provírus permanece na célula enquanto ela estiver viva (GRIFFITHS et al.,2001). xx Figura 3: Ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana (HIV) (MIMS et al.,1999). Proteínas celulares e virais controlam a expressão gênica do HIV. Inicialmente, apenas as proteínas tat, rev e nef são sintetizadas, sendo a seguir sintetizadas as proteínas estruturais xxi e o RNA genômico. A liberação do vírus é por brotamento (Fig. 4); durante esta fase, a enzima protease processa as proteínas precursoras do pol e gag, tornando a partícula viral madura e capaz de infectar uma nova célula (VERONESI et al.,2000). Segundo Abbas et al. (2003), a produção do vírus maduro está associado à lise (morte) da célula, sendo um mecanismo importante do efeito citopático do HIV. Figura 4: Brotamento do vírus HIV em célula infectada O conhecimento do ciclo viral permitiu que fossem desenvolvidas drogas anti- retrovirais, que atualmente podem ser divididas em: a) inibidores da transcriptase reversa, que atual na fase inicial do ciclo, impedindo a formação do DNA a partir do RNA; b) inibidores de proteases, que atuam impedindo a maturação da partícula viral. Outros sítios promissores para o desenvolvimento de anti-retrovirais são os inibidores da integrase e da proteína tat (VERONESI et al.,2000; ABBAS et al.,2003). 2.4 Transmissão do HIV xxii O HIV pode ser transmitido através de relações sexuais desprotegidas, por meio de inoculação de sangue e derivados e da mãe infectada para o concepto. O HIV é transmitido em qualquer ato sexual com uma pessoa infectada em que haja penetração e contato com secreções sexuais (secreções que antecedem a ejaculação, sêmen, secreções vaginais, sangue menstrual). O sexo anal (pênis-ânus) é considerado prática sexual de maior risco, por provocar rupturas e lesões, algumas imperceptíveis, na mucosa retal o que facilita a entrada do vírus diretamente na corrente sangüínea. O sexo vaginal (pênis-vagina) é arriscado tanto para o homem como para a mulher. Se a mulher estiver menstruada, o risco se torna maior tanto para ela, se tiver contato sexual com um homem infectado, quanto para o homem, se a mulher estiver infectada. O sexo oral (boca-pênis/ boca-vagina) também é de risco, especialmente se houver feridas (aftas, gengivite, cáries etc.) ou ejaculação na boca. Por isso, recomenda-se o uso da camisinha em todos os contatos sexuais vaginais, orais e anais. Os homens que praticam sexo oral nas mulheres devem colocar barreira de látex entre a boca e os genitais da mulher, que bem pode ser uma camisinha cortada na ponta e ao meio. Segundo Rachid et al. (2005), casais heterossexuais com status sorológico discordante demonstraram taxas de transmissão semelhantes do homem para a mulher e da mulher par o homem. A probabilidade de transmissão é de aproximadamente uma em mil da mulher para o homem e de duas em mil do homem para a mulher por ato sexual vaginal. Em indivíduos virgens de tratamento, há relação entre a carga viral plasmática do indivíduo infectado e a probabilidade de aquisição da infecção pelo(a) parceiro(a). Há, ainda, marcada redução na probabilidade de transmitir ou de adquirir a infecção pelo HIV em homens circuncidados, talvez devido à retirada junto com o prepúcio de um grande número de células dendríticas, que são alvo de infecção pelo HIV. Um outro tipo de transmissão do HIV é pelo sangue e hemoderivados, que no início da epidemia eram responsáveis por parcela significativa das contaminações. A população que mais sofria era a dos hemofílicos. Como não havia testes para detectar o vírus, quem precisasse de transfusão de sangue corria grande risco de infecção. A partir de 1985, com o desenvolvimento de testes para triagem em bancos de sangue, vem havendo diminuição progressiva desta categoria de contágio, inclusive no Brasil (RUBIO,1997; CASTILHO; CHEQUER,1997). xxiii Pela mesma razão, recomenda-se que todo material perfurocortante, de uso médico, odontológico ou de esteticistas, seja descartável ou esterilizado após entrar em contato com as secreções do corpo. Há, ainda, pessoas que fazem tatuagens e/ou que se tratam pela acupuntura, além do uso de navalhas em alguns rituais afro-brasileiros. Para todos, as recomendações são as mesmas: usar seringas, agulhas e objetos cortantes descartáveis ou esterilizá-los adequadamente e nunca compartilhá-los. Uma via de transmissão de difícil controle dá-se pelo uso de drogas injetáveis. É o hábito de compartilhar agulhas e seringas e não a droga que transmite o vírus HIV. Quem usa drogas, tem muitas vezes o costume de fazê-lo em grupo. É uma maneira de “curtir” junto, diminuir custos e garantir proteção, porque, como a droga vem em diferentes graus de pureza, caso os primeiros usuários tenham uma reação adversa, os outros podem socorrê-los. A prática de compartilhar começa com a preparação de uma diluição única da droga, que será injetada em todos com uma mesma seringa. Cada vez que alguém injeta, precisa retirar um pouco de seu sangue para ter certeza de que a agulha está na veia. Por ficar misturado com a droga, em cada aplicação, o sangue será reinjetado no próximo indivíduo, e assim sucessivamente. Se uma pessoa estiver infectada, todas as outras que se injetarem depois dela se infectarão. E como um dos fatores que determina a probabilidade de infecção é o acesso do HIV ao sangue, a transmissão direta significa, obviamente, 100% de infecção. O vírus também pode ser transmitido da mãe para o bebê pelo sangue, durante a gravidez ou na hora do parto. Ou por intermédio do leite materno ou da amamentação. A maioria das crianças nascidas de mãe soropositiva também terá ELISA positivo ao nascer, por portar anticorpos maternos. Mas só de 30 a 50% das crianças nascidas de mães infectadas estarão, de fato, infectadas (PINEL et al.,1996). Por isso, é impossível afirmar através do teste, na hora do nascimento, se a criança desenvolverá a doença ou não. Segundo Rachid et al. (2005), o risco de transmissão aumenta à medida que progride a imunodeficiência da mãe. Parece haver relação entre a carga viral plasmática da mãe no momento do parto e a probabilidade de ocorrer transmissão para o concepto, esteja ela em uso ou não de medicação anti-retroviral. Não se sabe qual a probabilidade de transmissão do HIV pela amamentação, ou pelo consumo de leite infectado não testado dos bancos de sangue. Em função de o risco ser muito pequeno, a Organização Mundial de Saúde recomenda que, nos países com alta taxa tanto de xxiv AIDS como de mortalidade infantil, as mães amamentem seus filhos mesmo se houver a suspeita de estarem infectadas. Em comunidades muito pobres, a probabilidade de uma criança vir a morrer por causa de doenças comuns na infância é até catorze vezes maior nas que não foram amamentadas. Para muitas mulheres que portam o HIV e vivem nessas condições, há um risco maior de um filho(a) vir a morrer de qualquer doença infecciosa do que infectá-lo com seu leite. No Brasil, onde as condições de vida e saneamento são melhores, recomenda-se à mãe soropositiva não amamentar (PINEL et al.,1996; RUBIO,1997). Um último aspecto que é importante ressaltar é o da reinfecção, ou seja, o contato repetido com o HIV. Quanto mais contatos com o HIV a pessoa tiver, maiores as chances de desenvolverem a AIDS. Isso se deve a vários fatores, principalmente ao fato de que, quando uma nova carga viral entra no corpo de uma pessoa infectada, aumenta a probabilidade do vírus penetrar em células que ainda não contém o HIV. Com o aumento do número de células infectadas, o organismo do indivíduo ficará ainda mais debilitado. Portanto, não vale o raciocínio feito por algumas pessoas de que a solução perfeita para quem vive com o vírus seria ter relações sexuais com outra pessoa infectada. Os que portam o vírus têm de evitar, de todas as formas, a reinfecção. Isto implica o uso de preservativos em todas as relações sexuais (para uma proteção mútua) e, na medida do possível, o abandono do uso de drogas injetáveis, visto que mesmo não compartilhando seringas, o usuário de drogas infectado estará reinfectando a si próprio, com seu próprio sangue, em cada nova aplicação. Estas são as únicas formas de transmissão cientificamente comprovadas. Não existe risco de contrair AIDS compartilhando talheres, pratos e copos, Não se infecta com o HIV em vasos sanitários, pias e piscinas, com picadas de insetos, nem nos abraços e beijos. Também não se pega AIDS nos transportes coletivos, no local de trabalho nem no convívio familiar. Portanto, não existe nenhuma razão para temer o contato social com uma pessoa infectada. 2.4.1 Diagnóstico Sorológico O diagnóstico sorológico baseia-se na observação de que quase a totalidade das pessoas infectadas desenvolverá anticorpos anti-HIV até seis a doze semanas após a exposição ao vírus. O uso de métodos moleculares, como PCR, para diagnóstico da infecção pelo HIV deve ser restrito aos indivíduos com forte suspeita de infecção recente e que ainda xxv não tenham desenvolvido anticorpos anti-HIV. Antes da realização do teste anti-HIV, é fundamental fornecer informações sobre os aspectos clínicos relacionados à infecção, formas de transmissão, práticas de menor e maior risco, significado do resultado do teste (positivo, negativo, falso-negativo, falso-positivo e indeterminado), “janela imunológica” (período após a infecção quando os testes para a detecção de anticorpos anti-HIV dão negativo), impacto do resultado positivo em relação a parceiros, família, trabalho etc. Além do aconselhamento prévio, é indispensável o consentimento do indivíduo ou de seu responsável legal e o aconselhamento pós-teste. No caso de resultado negativo, as recomendações sobre prevenção devem ser ressaltadas. Diante de um resultado positivo, o indivíduo deverá ser esclarecido que, mesmo assintomático, está infectado e é um transmissor em potencial, devendo ser orientado sobre as formas de redução de risco de transmissão e sobre a importância de comunicar aos parceiros sexuais. É importante saber que pessoas da família podem ser informadas do diagnóstico. De acordo com o Código de Ética Médica, o profissional deve guardar sigilo absoluto, só revelando o diagnóstico com a autorização do paciente, com exceção dos parceiros sexuais, que devem ser informados pelo médico caso o paciente não o faça. Segundo a Pesquisa de Conhecimento, Atitudes e Práticas na População Brasileira de 15 a 54 anos, em 2004, apenas 28% da população brasileira tem acesso à testagem de HIV na rede pública de saúde (BRASIL, 2004). Uma das estratégias do Programa Nacional de DST e 3 AIDS (2005) para a ampliação de diagnóstico do HIV é a utilização do teste rápido na rede básica, para populações de difícil acesso e populações residentes em regiões remotas. Nas regiões Norte e Nordeste, há elevadas taxas de mortalidade e dificuldade no acesso ao diagnóstico e ao tratamento da AIDS. A epidemia nestas regiões se assemelha à primeira fase da doença vivida na década de 80: estigma, preconceito, falta de assistência, abandono e baixa mobilização social. Além disso, existem em quase todo o Brasil os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) onde é possível fazer o teste anti-HIV de forma gratuita e confidencial. O acesso da população ao teste anti-HIV é uma medida estratégica para o controle da epidemia. 3 teste imunoenzimático capaz de fornecer resultados em poucos minutos e que podem ser realizados com sangue total e/ou com soro, saliva ou urina, sem a utilização de qualquer equipamento sofisticado. xxvi 2.4.2 Como a Doença se Manifesta 2.4.2.1 Critérios para Definição de Casos de AIDS A AIDS foi incluída na relação de doenças e agravos de notificação compulsória em 22 de dezembro de 1986 por meio da Portaria nº 542 do Ministério da Saúde (RACHID et al., 2005). No Brasil, a primeira definição da doença foi elaborada em 1987 e, desde então, passou por sucessivas revisões devido à necessidade de simplificar os critérios. Recentemente, foi incluída a reativação da Doença de Chagas (miocardite e/ou meningoencefalite) na lista de doenças indicativas de AIDS. No Código Internacional de Doenças, o diagnóstico de AIDS recebeu o código “B24”. Cumpre ressaltar que a definição de caso de AIDS é utilizada para fins de vigilância epidemiológica, não tendo maiores implicações para o manejo clínico dos indivíduos infectados. 2.4.2.2. Manifestações Clínicas A AIDS foi inicialmente identificada pelos procedimentos de vigilância epidemiológica, que detectaram vários casos de infecções incomuns e de sarcoma de Kaposi em homens sem causas evidentes de imunodeficiência. Desde então, várias definições foram elaboradas e sistemas de estágios foram propostos, utilizando infecções como critério (Anexo 1). Por esta razão, todo foco concentrou-se em doenças que são incomuns em indivíduos imunocompetentes, as chamadas infecções oportunistas. Isto levou a uma visão restrita da infecção pelo HIV, isto é, que apenas as infecções oportunistas seriam importantes e que iriam desenvolver-se próximo (ou no momento) do diagnóstico de AIDS. No entanto, a história natural da infecção pelo HIV caracteriza-se por uma progressiva imunodeficiência e várias infecções causadas por agentes agressivos (por exemplo, S. pneumoniae, Salmonella spp. E xxvii M. tuberculosis), comuns em indivíduos imunocompetentes, estão claramente associadas à infecção pelo HIV, podendo causar a morte antes que o paciente possa ser diagnosticado como tendo AIDS. Deve-se, então, considerar a infecção pelo HIV como um conjunto de problemas, desde uma fase inicial até uma fase avançada, com manifestações clínicas que se tornam mais complexas e atípicas à medida que progride a imunodeficiência. Para fins didáticos, a infecção pelo HIV pode ser dividida em três fases: a fase aguda, também chamada de síndrome de soroconversão, a fase assintomática e a fase sintomática. Segundo Rachid et al. (2005), sem qualquer terapia, a progressão da fase aguda para a fase sintomática é de aproximadamente de dez anos. No entanto, a variabilidade individual é muito grande. Um pequeno número de pessoas desenvolve AIDS logo após a infecção. No outro extremo, encontram-se até 15% dos indivíduos infectados pelo HIV que passados 15-20 anos após a infecção, não terão desenvolvido a doença. A idade à época da infecção parece influenciar na velocidade de progressão da imunodeficiência. A mediana de progressão para AIDS foi de 15 anos para os pacientes com idade entre 16 e 24 anos no período da soroconversão, e de seis anos para aqueles com mais de 35 anos. Durante muitos anos acreditou-se que a fase assintomática fosse um período de latência, durante o qual haveria pouca ou nenhuma replicação viral. A partir de 1995 foi demonstrado que, ao menos do ponto de vista virológico e imunológico, não existe latência. Mesmo indivíduos assintomáticos e imunocompetentes produzem enorme quantidade de vírus (> 10 10 partículas virais por dia) que têm uma meia-vida plasmática extremamente curta (< 6 horas). Por sua vez, os linfócitos CD4 periféricos infectados pelo HIV, responsáveis pela produção de até 99% dos vírus detectáveis no plasma, têm uma meia-vida de aproximadamente de dois dias. Logo, é um processo extremamente dinâmico, bilhões de vírus e de células sendo diariamente produzidos e destruídos (ABBAS et al.,2003). Devido à inexistência de latência e à demonstração de que o prognóstico pode ser determinado com relativa precisão utilizando-se critérios clínicos (presença ou ausência de sinais e/ou sintomas) e laboratoriais (carga viral e linfometria CD4), os sistemas de estágios da Organização Mundial de Saúde (OMS) para adultos e adolescentes infectados pelo HIV tornaram-se até certo ponto obsoletos. Fase Aguda xxviii Grande parte das pessoas apresenta sinais/sintomas relacionados à infecção aguda pelo HIV, sendo o tempo decorrido entre a exposição e o início dos sintomas variável de cinco dias a três meses (média de duas a quatro semanas). O quadro clínico varia desde síndrome gripal até mononucleose símile. Adenomegalias podem ser mais evidentes na segunda semana, envolvendo gânglios axilares, occipitais e cervicais. Quando há comprometimento do sistema nervoso central podem surgir cefaléia, fotofobia e meningite. Os sintomas podem persistir durante uma a quatro semanas. Segundo Rachid et al. (2005), durante a síndrome de soroconversão, a carga viral plasmática é bastante elevada, em geral superior a 500.000 cópias/ml. Parece haver relação entre a intensidade da síndrome de soroconversão e a velocidade de progressão da imunodeficiência, isto é, quanto mais intensa for, mais rápida será a progressão para AIDS. Há, também, indícios de que a carga viral plasmática é estabelecida durante os primeiros meses após a infecção (o chamado set point, que é individual e cujos determinantes são desconhecidos). No entanto, não há nenhum estudo que demonstre que o uso de antiretrovirais durante ou logo após a soroconversão prolongue a fase assintomática ou modifique o prognóstico em longo prazo. Fase Assintomática Encontram-se nesta fase aqueles indivíduos infectados pelo HIV que nunca apresentaram manifestações clínicas. O teste anti-HIV pode ter sido realizado pelo interesse da pessoa para saber seu status sorológico ou em ocasional doação de sangue. Da abordagem clínica deve fazer parte a história social, incluindo aspectos relacionados aos parceiros sexuais, à família e outros mais gerais, abrangendo plano de saúde, direitos trabalhistas etc. Pode ser fundamental o suporte psicológico para pacientes e familiares, cabendo ao médico indicar um profissional experiente. Dentre os exames laboratoriais iniciais para avaliar o risco de evolução da imunodeficiência destaca-se o hemograma, pois a presença de anemia associa-se com pior prognóstico. A contagem de linfócitos CD4 e CD8 e a avaliação da carga viral devem ser indicadas periodicamente. Sorologias (Toxoplasma gondii, sífilis, hepatites A, B e C, xxix citomegalovírus) são indicadas para investigar infecções pregressas ou em andamento. O teste tuberculínico (PPD) deve ser feito para se avaliar se deve ser instituída a quimioprofilaxia para tuberculose, já que é uma das complicações mais comuns no curso da infecção pelo HIV. A periodicidade dos exames dependerá da evolução clínica e do uso ou não de drogas antiretrovirais. Após a instituição de terapia anti-retroviral, não há indicação de repetição periódica de todos os exames, somente dos necessários para o controle do uso da medicação, além das avaliações rotineiras para monitorar possíveis efeitos adversos dos medicamentos. A contagem de linfócitos CD4 é o principal parâmetro para iniciar terapia anti-retroviral e de profilaxia de infecções. Quando este exame não estiver disponível, pode-se utilizar o sistema modificado de estágios da Organização Mundial de Saúde, que se baseia em dados clínicos e na contagem de linfócitos (tabela 2). Este sistema é capaz de prever com grande 3 precisão quais são os pacientes com contagem de linfócitos CD4 < 220/mm ( pacientes nos estágios III e IV ou no estágio II que tenham nível de hemoglobina < 13g/dl). Pacientes no estágio I e os que estejam no estágio II e com hemoglobina > 13g/dl, normalmente tem 3 contagem de linfócitos CD4 > 200/ mm . Desta forma, o sistema de estágios da OMS pode auxiliar na decisão de instituição da terapia anti-retroviral e da profilaxia primária para Pneumocystis jiroveci. Tabela 2: Sistema modificado de estágios da Organização Mundial de Saúde para Adultos e Adolescentes infectados pelo HIV Estágio clínico Linfometria 1 2 3 4 A > 2000 I I II IV B 1000-2000 II II III IV C < 1000 III III IV IV (RACHID et al.,2005) Fase Sintomática A fase sintomática pode ser dividida em precoce e tardia. A fase precoce caracterizase pela ocorrência de doenças que são mais freqüentes em indivíduos com imunodeficiência xxx em fase inicial, mas que também pode ocorrer em imunocompetentes. A fase tardia, por sua vez, caracteriza-se pela ocorrência de infecções e/ou neoplasias que raramente afetam indivíduos imunocompetentes. Infecções por S. pneumoniae, Salmonella spp. e M. tuberculosis, são mais comuns em indivíduos infectados pelo HIV. Adenite tuberculosa com alguma freqüência é a primeira manifestação clínica da infecção pelo HIV. ARC (AIDS RELATED COMPLEX), termo pouco empregado atualmente, refere-se a um conjunto de sinais e sintomas associados à infecção pelo HIV, que, porém, não constituem critério para o diagnóstico de AIDS. São comuns a perda de peso progressiva, a astenia, a febre intermitente, milagias, sudorese noturna, herpes zoster etc. Em fases um pouco mais avançadas, podem ocorrer candidíase oral, leucoplasia pilosa, perda de peso acentuada, diarréia de longa duração sem causa aparente e febre prolongada (> 1 mês de evolução). Alguns pacientes podem evoluir com síndrome consuntiva progressiva e grave (“Slim Disease”), com definhamento do organismo, podendo chegar ao óbito sem desenvolver infecções ou neoplasias definidoras de AIDS. Em fases mais avançadas da imunodeficiência ocorrem as chamadas infecções oportunistas. 2.4.3. Tratamento da Infecção A infecção, quando detectada, deve ser acompanhada por médico capacitado que determinará, a partir da carga viral e/ou da linfometria (contagem de linfócitos) CD4, a freqüência dos exames laboratoriais ou o início da terapia anti-retroviral, acompanhando possíveis desenvolvimentos de resistência do HIV aos medicamentos. 2.4.3.1. Quantificação da Carga Viral Introduzida em 1996, a quantificação de partículas virais no plasma tornou-se uma ferramenta de enorme importância para o acompanhamento dos pacientes infectados pelo HIV. Acredita-se que a concentração de RNA do HIV no plasma seja proporcional ao número de linfócitos CD4 produtivamente infectados presentes na circulação sanguínea, o que, por sua vez, guarda relação com o número de células infectadas em gânglios e tecidos (< 2% dos linfócitos CD4 encontram-se na circulação, cerca de 98% nos gânglios e tecidos). xxxi A mensuração da concentração do HIV no plasma pode ser feita com grande precisão através de várias técnicas (ex.: RT-PCR, bDNA e por NASBA). Embora cada um forneça resultados precisos, a comparação direta entre resultados deve ser vista com cautela, pela ausência de padrões uniformizados. Logo, exames seriados devem, de preferência, ser realizados pelo mesmo método e no mesmo laboratório. Deve-se ressaltar que essas técnicas estão amplamente validadas apenas para o subtipo B do HIV-1, o qual representa a maioria das infecções nos EUA e na Europa. No Brasil, outros subtipos (C e F) são também bastante freqüentes. Isso sugere que os testes disponíveis podem, ocasionalmente, subestimar a carga viral em infecções por subtipos não-B. O número de cópias de RNA viral é um indicador da probabilidade de progressão da imunodeficiência em um determinado período de tempo. Em cada nível de CD4, os pacientes com carga viral mais elevada apresentam um risco maior de progressão para AIDS ou óbito nos anos subseqüentes. A velocidade da progressão vai depender do subtipo infectante de HIV-1 e indivíduos com a mesma carga viral podem ter velocidade de progressão diferente de acordo com seu patrimônio genético. Há relação entre a carga viral e risco de transmissão em acidentes perfurocortantes e de mulheres grávidas e infectadas pelo HIV para o concepto – quanto maior a carga viral maior a probabilidade de transmissão. Em relações heterossexuais envolvendo indivíduos virgens de tratamento, também há relação direta entre a carga viral plasmática e a probabilidade de transmissão do vírus (RACHID et al.,2005). Para indivíduos que não estejam em uso de medicação anti-retroviral, a carga viral plasmática deve orientar a freqüência de realização de avaliações laboratoriais, tanto mais freqüentes quanto maior for a carga viral. Para indivíduos já com uso de medicação antiretroviral, o monitoramento da carga viral plasmática pode indicar a efetividade das drogas utilizadas. A carga viral geralmente diminui em resposta à medicação anti-retroviral e eleva-se quando resistência à medicação se desenvolve. Orientar a manutenção/modificação do tratamento talvez seja o principal uso da aferição da carga viral, reduzindo o tempo de uso de drogas que já perderam a eficácia. O objetivo imediato da terapia anti-retroviral é reduzir carga viral o máximo possível, idealmente para níveis abaixo do limiar de detecção dos testes disponíveis. Com o uso de drogas eficazes, a queda da carga viral plasmática é polifásica. Na primeira fase, correspondente às primeiras quatro semanas, há uma queda acentuada da carga viral. Nas xxxii fases subseqüentes, que podem durar meses, a queda é mais lenta. De qualquer forma, espera-se que a carga viral esteja indetectável e que tenha ocorrido aumento da linfometria CD4 e até 24 semanas após o início do tratamento. Para pacientes que atingiram esses objetivos, a carga viral deve ser aferida a cada três ou quatro meses (ou quando houver mudanças no quadro clínico). Como regra geral, o retorno da carga viral para níveis detectáveis é tido como indicação para considerar-se a modificação do esquema terapêutico em uso. O desenvolvimento de resistência às drogas anti-retrovirais, em especial aos inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos e aos inibidores da protease, é um processo complexo que depende do acúmulo de mutações. Logo, caso não haja alteração do esquema e a replicação viral persista, quanto maior o tempo em que a medicação for mantida, maior a probabilidade de acumularem mutações associadas com resistência e menor a probabilidade de resposta a esquemas subseqüentes. 2.4.3.2. Terapia Anti-Retroviral A zidovudina (AZT) foi a primeira droga anti-retroviral a ser liberada para uso clínico, menos de cinco anos após a identificação do HIV. No período de 1987 a 1994, somente os análogos de nucleosídeos, inibidores de transcriptase reversa, encontravam-se disponíveis para uso aos pacientes. Em 1995, dois estudos (ACTG 175 e Delta) revolucionaram a conduta terapêutica, por demonstrarem a superioridade da terapia combinada em comparação a monoterapia com AZT. Em 1996, foram introduzidos na prática médica os inibidores da protease. Em 2001 foi liberado para o uso o tenofovir, um análogo de nucleotídeo inibidor da transcriptase reversa e em 2003 o enfuvirtide, a primeira droga de uma nova classe, os inibidores de fusão, que inicialmente seria utilizado nos pacientes onde os vírus HIV ficaram resistentes aos remédios (RACHID et al.,2005). O desenvolvimento de resistência aos anti-retrovirais é um dos principais causas da falha terapêutica. A disponibilidade de testes capazes de detectar resistência aos antiretrovirais poderia, em teoria, ajudar a otimizar a terapia, em especial o tratamento de pacientes que já fizeram uso de múltiplas drogas e, talvez, tenham em seu organismo vírus mutantes resistentes. Mutações no genoma do HIV ocorrem, em média, a uma taxa de um nucleotídeo por ciclo de replicação viral. Assim, ao menos em teoria, todas as possíveis xxxiii mutações podem ser geradas diariamente, pois, em média, pacientes que não estejam em uso de anti-retrovirais produzem 10 bilhões de partículas virais por dia. Por conseguinte, assumindo que variantes com composição genética diferente têm capacidade replicativa, deve haver um enorme polimorfismo em todos os pacientes. Quando pressão seletiva é exercida por drogas, variantes com mutações que confiram vantagens replicativas (isto é, resistentes às drogas em uso) passam a predominar. Para alguns anti-retrovirais, como os inibidores da transcriptase reversa não-análogos de nucleosídeos, uma única mutação é capaz de conferir resistência. Já outros, como inibidores da protease, são necessários o acúmulo de várias mutações para que haja resistência. A carga viral é um preditor da probabilidade de queda do número de linfócitos CD4 em um determinado período de tempo e o número de CD4 é o melhor preditor de infecções 3 oportunistas (incomuns em pacientes com CD4 > 200 células/mm e muito raras quando CD4 > 3 350/mm ). A terapia anti-retroviral é, na grande maioria dos casos, capaz de rapidamente reduzir a carga viral plasmática de pacientes assintomáticos e virgens de tratamento, provocando um aumento gradual do número de linfócitos CD4, que por vezes retorna para níveis normais. Como, com as medicações ora disponíveis, não é possível erradicar a infecção pelo HIV, o objetivo da terapia é a inibição duradoura da replicação viral de forma que seja atingida e mantida uma resposta imune eficaz contra a maioria, se não todos, os potenciais patógenos (RACHID et al.,2005). Cabe ressaltar que, segundo Abbas et al. (2003), das células infectadas pelo HIV (Células T CD4 ativadas – 93% a 97% do vírus plasmático; monócitos e macrófagos – 1% a 7% dos vírus e Células CD4 de repouso/memória - <1% dos vírus), após iniciado o uso de medicação anti-retroviral, ocorre rápido declínio do nível plasmático do vírus – células CD4 ativadas. No caso das células CD4 de repouso/memória, elas funcionam como reservatório adicional do vírus, que , hipoteticamente, demorarão várias décadas de uso continuado e sem falhas de drogas anti-retrovirais para que esse reservatório seja eliminado, mesmo com todos os outros ciclos de infecção bloqueados. Se houver qualquer descuido por parte do paciente no uso dos medicamentos, os avanços do tratamento retrocedem e novas células CD4 de repouso/memória serão infectadas, tornando muito difícil a cura completa da doença. Essa é uma das dificuldades de se encontrar uma vacina para a AIDS. xxxiv Embora o nível exato em que a terapia deve ser instituída para pacientes assintomáticos não esteja determinado, há dados suficientes para indicar que o tratamento 3 deve ser iniciado bem antes de a contagem de CD4 atingir 200 células/ mm . Assim, a terapia 3 deve ser iniciada quando a contagem de CD4 estiver na faixa entre 250 e 350 células/mm , podendo ser postergada caso a carga viral seja relativamente baixa (< 50.000 cópias/ml) ou a 3 contagem de CD4 esteja caindo lentamente ( menos de 50 células/mm por ano). 3 Para pacientes com contagens de CD4 acima de 350 células/mm , a contagem da carga viral é o melhor indicador da freqüência com que a linfometria CD4 deve ser acompanhada, considerando-se a possibilidade de recomendar tratamento para aqueles que, a 3 julgar pelo ritmo de declínio, espera-se que níveis inferiores a 200-350 células/mm venham a ser atingidos em um futuro próximo. Já para pacientes com grande risco de progressão em curto ou médio prazo para AIDS ou morte (pacientes sintomáticos e/ou contagem de CD4 < 3 200 células/ mm ), a terapia deve ser agressiva e imediata, para a rápida redução da viremia (RACHID et al.,2005). O desenvolvimento de novas drogas anti-retrovirais provocou drásticas reduções na morbidade e letalidade do vírus HIV, nas populações com acesso ao tratamento. Isto se deve a reversão da imunodeficiência, que pode ocorrer mesmo em pacientes que tenham iniciado o tratamento em fases avançadas de infecção. Com a enorme melhora, o caráter da doença passou a ser crônico, com a possibilidade dos indivíduos de viverem tantos anos quanto outros de mesma idade, sexo e condição social, porém sem infecção pelo HIV. 2.5 Epidemiologia Em dezembro de 2003, estimava a Organização Mundial de Saúde (OMS) haver cerca de 40 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS em todo o mundo, sendo 37 milhões de adultos e cerca de 2,5 milhões de crianças com menos de 15 anos. Estima-se que no ano de 2003 ocorreram aproximadamente cinco milhões de novas infecções, sendo 4,2 milhões em adultos e 700.000 em crianças. Estima-se, também, que em 2003 ocorreram aproximadamente três milhões de mortes em conseqüência da AIDS, sendo 2,5 milhões de adultos e 500.000 crianças abaixo de 15 anos. xxxv A pandemia da AIDS tem causado conseqüências muito sérias nas economias e nas famílias, principalmente naquelas que não tem acesso ao tratamento. Segundo Axt (2006), a África Subsaariana é o exemplo mais radical. A região, onde vive 10% da população mundial, concentra 60% de todos os portadores de HIV do mundo. Os números dão uma idéia da catástrofe:na Suazilândia, 43% da população está infectada pelo HIV, e em Botsuana, onde 37% da população está contaminada, a expectativa de vida caiu de 65 anos (entre 1990 e 1995) para 39 anos hoje, por causa da epidemia. Nos países pobres, uma pessoa doente não tem condições de trabalhar e ainda precisa que seus parentes cuidem dela, o que desestabiliza a família. Isso cria um círculo vicioso: com a família desestabilizada, crianças são obrigadas a sair da escola, deixam de aprender fatores de prevenção e se tornam mais vulneráveis a contrair o HIV. Em Botsuana, a previsão é que a diminuição da população economicamente ativa e o aumento do números de órfãos façam a renda per capita cair 13% nos próximos 10 anos. O número de órfãos tem aumentado a cada dia, são crianças de até 14 anos que perderam um ou dois pais para a doença. Em 2004, o Brasil tinha 65.273 órfãos da AIDS (JORNAL O GLOBO, 2004). Em 2004, estimou-se que, no Brasil, 600 mil indivíduos de 15 a 49 anos, estariam vivendo com HIV/AIDS. Até junho do mesmo ano, foram registrados 362.364 casos de AIDS, sendo 69% ocorridos em homens. A taxa de incidência em 2003 foi de 18,4 casos por 100 mil habitantes, próxima à taxa de 19,5 casos por 100 mil, observada em 1999. Entre os homens observa-se uma tendência à estabilização em patamares elevados, variando de 26 casos por 100 mil, em 1998, a 22 casos por 100 mil homens em 2003. Entre as mulheres, a tendência tem sido crescente, com a maior taxa observada em 2003, de 14 casos por 100 mil mulheres. 2.6 Tendências da Epidemia do HIV/AIDS no Brasil No Brasil, no início dos anos 80, a epidemia atingia principalmente indivíduos homo/bissexuais masculinos, brancos de classe média ou alta, habitantes das grandes metrópoles. Progressivamente, homens heterossexuais, mulheres e crianças de todas as classes sociais foram sendo atingidos. Cumpre ressaltar que no Brasil são defasados os dados 4 5 quanto à prevalência e à incidência da infecção pelo HIV. A maioria das informações 4 Representa o somatório dos casos de AIDS já existentes, com os novos casos diagnosticados (incidência) em uma determinada população, dentro de um período de tempo específico. xxxvi disponíveis refere-se a casos de AIDS e não em indivíduos assintomáticos com infecção pelo HIV. Nos últimos anos houve diminuição do número de casos de AIDS notificados ao Ministério da Saúde, tendência esta que talvez tenha sido interrompida em 2003. Houve, entretanto, manutenção das principais tendências da epidemia: heterossexualização, feminização, envelhecimento e pauperização, cada vez mais refletindo o perfil socioeconômico do povo brasileiro. Conforme o Plano Estratégico do Programa Nacional de DST e AIDS, de 2005, as tendências da epidemia do HIV/AIDS no Brasil apresentaram os seguintes aspectos: 2.6.1 Queda da Epidemia na Região Sudeste A região Sudeste foi a mais atingida pela epidemia de AIDS, tendo alcançado uma incidência de 29,4 casos por 100 mil habitantes em 1998. Desde então, vem-se observando uma redução gradativa das taxas de incidência. As demais regiões do país vêm mantendo tendência crescente nas taxas de incidência, principalmente na região Sul que, já em 2000, ultrapassavam as taxas observadas na região Sudeste. Chama a atenção, na descrição da epidemia na região Sul, a manutenção de proporções elevadas de casos masculinos por causa do uso de drogas injetáveis, de mais de 25% em 2000, além do aumento proporcional de casos de transmissão heterossexual, tanto em homens como em mulheres. 2.6.2 Aumento de Incidência em Mulheres Uma conseqüência do aumento dos casos de AIDS masculinos em razão da transmissão heterossexual é o aumento dos casos em mulheres. Desde o início da epidemia, a transmissão sexual vem representando mais de 75% dos casos de AIDS em mulheres, chegando, em 2004, a 95%. Quando se analisa a taxa de incidência na população heterossexual, observa-se que, desde o início da década de 90, as taxas em mulheres heterossexuais já ultrapassavam as observadas para os homens com esta mesma exposição e com crescimento bem mais acentuado desde então, chegando a 17,6 casos por 100 mil 5 Representa o número de novos casos de AIDS diagnosticados em uma determinada população, dentro de um período de tempo específico xxxvii mulheres heterossexuais em 1998, comparado a 12,5 casos por 100 mil homens heterossexuais. 2.6.3 Pauperização Analisando-se a escolaridade como variável indicadora da condição socioeconômica dos casos de AIDS, observa-se que a epidemia de AIDS no Brasil iniciou-se na população de maior condição socioeconômica, em indivíduos com mais de 8 anos de escolaridade. Entre homens, já no início da década de 90, observou-se redução nas taxas de incidência para aqueles com maior grau de escolaridade e crescimento importante entre aqueles com menos de 8 anos de estudo. A categoria de exposição homens que fazem sexo com homens (HSH) é a que mantém maiores proporções de casos com maior escolaridade, chegando, em 2000, com cerca de 50% dos casos com mais de 8 anos de escolaridade; a categoria usuários de drogas injetáveis (UDI) é a que representa as menores proporções de casos com escolaridade elevada, menos de 20% , ao longo de todo o período; e as maiores variações são observadas na categoria heterossexual que, já no início da década de 90, mais de 60% dos casos ocorriam em homens com menos de 8 anos de estudo. Entre as mulheres, a epidemia vem crescendo independente da condição socioeconômica dos casos, com maior intensidade entre aquelas com menos de 8 anos de estudo, desde meados da década de 80. 2.6.4 Interiorização O monitoramento da epidemia no Brasil mostra ainda uma tendência de interiorização. Na década de 80, a epidemia era restrita aos centros metropolitanos. Na presente década, 70% dos municípios brasileiros já tiveram pelo menos um caso de AIDS registrado. Nos grandes centros urbanos, mais precocemente atingidos pela epidemia, observa-se desaceleração do crecimento, enquanto nos municípios menores, com mais de 200 mil habitantes, observa-se maior velocidade de crescimento, evidenciando que nesses municípios a epidemia ainda está em fase de expansão. xxxviii 2.6.5 Redução da Mortalidade e Aumento da Sobrevida Cerca de 160 mil óbitos por AIDS já foram registrados até 2003 (BRASIL, 2005). A tendência da mortalidade acompanhava a tendência da incidência, com grande crescimento até 1995, quando observou-se taxa de 9,7 óbitos por 100 mil habitantes. De 1996 a 1999, observa-se grande declínio nas taxas de mortalidade, seguida de estabilização em 6,4 óbitos por 100 mil. Entretanto, esta estabilização tem sido observada apenas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, com crescimento nas demais regiões, principalmente na região Sul. A sobrevida dos pacientes com AIDS que, em 1995, era de 18 meses após diagnóstico, aumentou para 56 meses, em adulto, e para 67 meses em menores de 13 anos, com introdução de terapia anti-retroviral e sua distribuição gratuita para toda a rede do SUS (Sistema Único de Saúde) a partir de 1996. 2.6.6 Diminuição dos Casos de Transmissão Vertical Já foram registrados no Brasil mais de 9 mil casos de AIDS em crianças por causa da transmissão vertical do HIV. O número de casos aumentou até meados da década de 90, com importante redução após a instituição de protocolos para diagnóstico e tratamento de gestantes soropositivas para o HIV, que reduziram as taxas de transmissão vertical para 7%. Entretanto, estudos têm apontado que as taxas de transmissão vertical do HIV permanecem ainda maiores nas regiões Norte (15%) e Nordeste (11%). Apesar de mais de 95% das gestantes terem tido pelo menos uma consulta de prénatal, em 2002, somente para 65% foi solicitado o teste anti-HIV e apenas 52% conheceram o resultado antes do parto (subindo para 57% em 2003). Também observa-se diferenças regionais: somente 44% das gestantes testadas e apenas 24% destas conheceram o resultado antes do parto, nas regiões Norte e Nordeste, em 2002. 2.6.7 Diminuição dos Casos por Transfusão de Sangue e Hemoderivados xxxix Com a implantação das medidas de controle de qualidade do sangue e hemoderivados nos hemocentros do país, observou-se redução importante nos casos de transfusão, a partir da segunda metade da década de 90. Entretanto, estudos têm apontado que as populações com menor condição socioeconômica ainda apresentam proporções mais elevadas de casos relacionados à transfusão sanguínea, principalmente em mulheres. 2.6.8 Diminuição Progressiva dos Casos UDI (Usuários de Drogas Injetáveis) A população de usuários de drogas injetáveis foi uma das mais atingidas pela epidemia de AIDS no Brasil, principalmente do final da década de 80 à metade da década de 90. Estimativas de incidência, pela população de 15 a 49 anos que usa atualmente ou já utilizou drogas injetáveis pelo menos uma vez na vida, apontam taxas de mais de 800 casos por 100 mil UDI naquele período e naquele grupo etário. A partir da segunda metade da década de 90, vem se observando redução consistente na proporção de casos, principalmente na região Sudeste. Já a região Sul vem mantendo uma estabilização de casos por UDI em proporções elevadas (cerca de 25%). xl 3. CAMINHOS DA PREVENÇÃO DO HIV/AIDS Proteger-se do HIV parece simples, uma vez conhecidas as formas de transmissão. Apesar de se saber o que é AIDS, como se contrai, e quais as maneiras adequadas de se proteger, nem todas as pessoas, de fato, o fazem. Abstinência, monogamia e fidelidade não são exercitadas com frequência. A camisinha, que forma uma barreira bastante efetiva contra o vírus, muitas vezes, é dispensada. Esterilizar ou usar seringas descartáveis para injetar drogas acaba com o “barato”. Demorou algum tempo para compreender quais eram os verdadeiros obstáculos à prevenção da AIDS. Sobre alguns desses obstáculos foram feitas avaliações equivocadas, como superestimar o efeito educativo de campanhas maciças ou acreditar que, com uma abordagem racional, seríamos capazes de interferir nas manifestações da sexualidade que expunham pessoas aos riscos da infecção. Outro obstáculo descoberto foi o perfil socioeconômico das populações atingidas, sendo doloroso constatar que a extrema pobreza funciona como um impedimento para adoção de medidas preventivas. Finalmente, um condicionamento cultural, que ainda confere ao homem o poder de decisão em todas as instâncias do relacionamento entre os casais, tem sido um poderoso obstáculo à prevenção da disseminação da doença entre as mulheres. Foi a partir desse conjunto de descobertas que evoluiu o conceito de vulnerabilidade, que passaremos a aprofundar. 3.1 Vulnerabilidade O conceito de vulnerabilidade foi sendo desenvolvido desde o início da epidemia, para tratar da exposição das pessoas à AIDS e sua prevenção. Sua concepção é fruto dos limites para avaliar a epidemia como uma questão de riscos, seja por pertencerem a determinado grupo (grupo de risco) , seja pelo comportamento que as pessoas assumem individualmente (comportamentos de risco), em seus relacionamentos sexuais e/ou no uso de drogas (AYRES et al.,1999). O grupo de risco, em epidemiologia, é um grupo de pessoas que por características genéticas, raciais, culturais, religiosas, sociais ou de comportamento tem um risco maior para xli aquisição de uma doença ou infecção (PAIVA,1999). No início da epidemia dizia-se que existiam grupos de risco para a AIDS, isto é, pessoas que possuíam determinado perfil e comportamento, correriam um maior risco de se infectar pelo HIV. Esses grupos seriam: homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Esta postura gerou preconceito e discriminação que já vitimizavam as pessoas identificadas com esses grupos. Durante a década de 1980, a ausência de uma compreensão ampla e coerente da epidemia HIV/AIDS, fez com que o público em geral e os profissionais de saúde acabassem fazendo o que achavam mais correto. Somado ao medo das doenças infecciosas, que sempre existiu na história da humanidade e que está na origem das discriminações (como o foi para a peste, para a lepra ou para a sífilis), a AIDS suscitou reações estereotipadas sobre sexo, raça e até mesmo geografia, o que propiciou a construção de imagens imprecisas ou enganosas, que estimulavam extremos de negação, complacência ou pânico. Os profissionais do sexo, homossexuais e usuários de drogas eram estigmatizados e os soropositivos eram segregados, banidos da vida em sociedade. Estes estavam bem vivos, mas destituídos de seus direitos enquanto cidadãos: era a morte civil (MANN et al.,1993;MONTAGNIER,1995). Outra conseqüência da idéia de grupos de risco, é que as pessoas que não queriam se identificar com esses “grupos”, não se consideravam em risco de se contaminar: ”Ah, isso não acontece comigo”. Esse fato prejudicou muito as atividades de prevenção e, um dos reflexos foi o aumento do número de mulheres infectadas e o aumento da contaminação de homens pelo HIV através de relacionamento heterossexual. Em busca de um conceito que pudesse melhor dar conta da expansão da pandemia, passou-se a não mais utilizar a idéia de “grupo de risco” e sim de práticas de risco. No conceito “práticas de risco”, não seria mais a qual grupo a pessoa pertencesse, mas se sua prática ou se seu comportamento seria de risco ou não para a infecção pelo HIV. Também se percebeu que este conceito era incompleto, pois nessa ótica se considera e se responsabiliza apenas o indivíduo, não levando em conta seu contexto sócio-político e econômico. No mundo inteiro, a epidemia tem atingido os mais excluídos, e isso não terá sido por coincidência (AYRES,2000). As pessoas têm possibilidades distintas de transformação de sua realidade, de resposta à epidemia. Nesse sentido, somos obrigados a retirar a “culpa” do infectado, sem, claro, partir para o pólo oposto, paternalista, de achar que as pessoas não têm nenhuma responsabilidade diante do problema. Quando reconhecemos que a prevenção da xlii AIDS passa por questões individuais, sociais e institucionais, que há diferentes graus e naturezas de suscetibilidade à infecção, adoecimento ou morte pelo HIV, estamos tratando do conceito de vulnerabilidade, ou seja, das condições sociais, culturais e psico-emocionais que tornam as pessoas menos capazes de se defender de um problema que se apresenta na sua busca de ser feliz. Estes três planos (individual, social e institucional), mantém uma relação de co-responsabilidade e isto significa que a falha em um ou mais desses planos explica o maior risco de infecção pelo HIV (PAIVA et al.,1999). No nível individual, a maior ou menor vulnerabilidade de infecção pelo HIV, depende dos comportamentos que criam a oportunidade da infecção e do grau de consciência do indivíduo acerca desses comportamentos. Para melhorar nesse nível, o indivíduo precisa refletir, reavaliar e promover mudanças comportamentais que o torne menos vulnerável ao HIV. Para isso, ele necessita de programas voltados para a prevenção e de um meio social que o apóie e promova a sua mudança. No nível institucional, a vulnerabilidade diz respeito às ações planejadas e executadas frente ao HIV/AIDS, voltadas para os diversos grupos da população de uma determinada sociedade. São necessários programas voltados para populações específicas (jovens, mulheres, pessoas em situação de cárcere, etc.); garantia de execução (recursos humanos, materiais e financeiros) e de continuidade dos programas, além da integração entre os diferentes órgãos governamentais (Ministérios, Secretarias, etc.), para se obter o resultado desejado. No nível social, a vulnerabilidade frente ao HIV/AIDS pode ser medida através dos índices de desenvolvimento humano (bem-estar do indivíduo, renda per capita e a expectativa de vida) e do acesso a informações claras, verdadeiras e precisas para todos os setores da sociedade. O sistema de representações culturais e construções simbólicas que moldam a leitura ou a compreensão da experiência erótica seria, também, um fator de maior ou menor vulnerabilidade frente ao HIV/AIDS (PARKER, 1994). Somente através de ações integradas sobre estes três aspectos, que poderemos, efetivamente, diminuir o grau de vulnerabilidade à infecção pelo HIV e superar os obstáculos à prevenção. 3.2 Obstáculos à Prevenção xliii 3.2.1 A Discriminação Enfraquece a Prevenção A discriminação interfere negativamente na integração de programas de prevenção e na assistência aos doentes. A maneira como se aborda as pessoas é um fator determinante na construção da sua confiança e auto-estima, elementos vitais quando se visa a prevenção. Com freqüência, as mensagens que chegam às pessoas costumam ter um tom pejorativo. Quem procuraria um serviço de saúde se tivesse de se submeter ao julgamento moralista do profissional que, no fundo, parece dizer “Bem feito. Quem mandou você ‘aprontar’?”. A educação é sempre um processo dinâmico em que o educador também aprende, e muito, das pessoas com quem trabalha. Mas se o educador que trata sobre o tema AIDS se coloca num papel arrogante, acreditando que porque possui diplomas ou foi treinado detém a sabedoria, automaticamente torna pouco útil seu conhecimento. No cerne das intervenções está o respeito aos direitos fundamentais do ser humano e o resgate da dignidade. Para o profissional da educação, não interessa se o indivíduo é homossexual, bissexual, heterossexual, trabalhador do sexo, dona-de-casa, religioso, presidiário, rico, pobre, criança de rua ou adolescente numa escola classe A. É o ser humano, com qualidades e defeitos, acertos e erros, que merece nosso respeito incondicional. 3.2.2 A Pobreza Fortalece os Riscos A situação de pobreza em que vive a boa parte da população brasileira limita seu acesso tanto à informação adequada quanto aos serviços de saúde. A prioridade absoluta dessas pessoas é a sobrevivência, não a educação ou a saúde, que, mesmo desejadas, acabam obtendo uma conotação de artigo de luxo e não de direito. A crise de desemprego em nosso país levou muitas mulheres a abandonar o lar e dedicar-se a alguma atividade para complementar a renda familiar ou tornar-se mantenedoras de suas casa. Só que, para elas também, o mercado de trabalho é insuficiente, embora a mãode-obra feminina seja consideravelmente mais barata que a masculina. Não é raro encontrarmos mulheres de periferia exercendo o trabalho sexual no horário comercial das 9 às 17 horas e retornando para casa à noite, como se estivessem trabalhando em qualquer outra xliv atividade. A miséria e a fome têm exposto estas mulheres ao risco de contraírem o HIV mais rapidamente do que os fatores socioculturais e religiosos. Submetidas a violências físicas e emocionais, a violência da AIDS deixa de ser preocupação para elas no momento de atender às necessidades de seus filhos e familiares. 3.2.3 Preconceito ao Preservativo Dificulta a Prevenção Uma parte dos homens ainda se recusa terminantemente a usar a camisinha de Vênus, para se proteger seja lá do que for. Há, também, os que dizem detestar a camisinha. Quem nunca escutou esta frase que “usar preservativo é como chupar bala com papel”? Inexplicavelmente, embora seja muito fina, a camisinha ganhou fama de tirar a sensibilidade. Ao que parece, estes homens, ao recusar a camisinha, estão na verdade tentando camuflar o medo de perder a ereção (FURLAN,2003). A camisinha é – fora da abstinência ou da monogamia absoluta com parceiro monógamo não-infectado – o único método que oferece grande segurança. Os casos de falhas são devidos à má qualidade de fabricação de algumas delas, ao vencimento do prazo de validade, à exposição ao calor (como quando se deixa no porta-luva de um carro ao sol ou dentro da carteira no bolso da calça), ao uso de vaselina e outras substâncias oleosas que danificam o látex, ou simplesmente ao fato de que não se soube colocá-la ou retirá-la (BRASIL, 2005). Uma pesquisa realizada no Brasil pelo IBOPE e Programa Nacional DST/AIDS, em 2003, mostrou que o preconceito está diminuindo. Ao se comparar os resultados com pesquisas anteriores (1991, 1997 e 1999) nota-se que a proporção de pessoas que não estão usando preservativo, pois usam outros métodos anticoncepcionais, diminuiu e respostas do tipo “uso do preservativo atesta traição”, “não dá tempo”, “não acredito que evite”, “tem alergia” ou “tira o prazer” sumiram. Mostrou, também, que houve aumento do uso do preservativo: 79,5% das pessoas sexualmente ativas que tiveram parceiros eventuais nos últimos 6 meses usaram preservativo na última relação, enquanto 57,8% tiveram uso consistente nos últimos 6 meses (usaram em todas as relações). Em 1998, 64,0% das pessoas sexualmente ativas nos últimos 12 meses usaram preservativo com parceiros eventuais na última relação (PAIVA et al., 2003). xlv 3.2.4 O Não-Investimento em Educação Continuada Um erro fundamental relacionado à informação sobre AIDS em nosso país, no início da epidemia, foi o desconhecimento por parte dos profissionais de saúde da necessidade de desenvolver e empregar metodologias educativas próprias, que pudessem levar à população a compreensão dos riscos da infecção pelo HIV. Baseados na informação utilizada nos Estados Unidos, onde a AIDS atingia determinadas populações, e usando a famosa frase “AIDS mata”, induzimos, sem querer, uma mensagem contraditória: ao mesmo tempo em que divulgávamos a gravidade da epidemia, estimulávamos a percepção errada de que havia pessoas imunes à doença, por não pertencerem aos grupos de risco mencionados (PINEL et al.,1996). Outro erro foi acreditar que a informação disseminada por campanhas fosse suficientemente persuasiva para induzir mudanças de comportamentos. Descobriu-se, com o tempo, que o efeito das campanhas, por mais explosivas que pareçam, é temporário. Até porque, devido à sua periodicidade, as pessoas tendem a acreditar que a AIDS é um problema apenas enquanto a campanha estiver sendo veiculada, por exemplo: durante o carnaval (MANN et al.,1993). Infelizmente, outras iniciativas que poderiam ter surtido efeitos positivos junto à população tiveram pouca duração e não foram exploradas pela mídia como deveriam, por falta de verbas. Exemplo delas é a que pregava “discrimine o vírus, não as pessoas com AIDS” (PINEL et al.,1996). Sem dúvida, a solidariedade é a melhor arma contra a AIDS, em todos os sentidos: no de proteger as pessoas, ao transmitir-lhes o que se conhece sobre a doença, e no aceitar as que vivem com HIV/AIDS e precisam de todo apoio que possam receber. Como disse Souza (1994): “A AIDS não é mortal, mortais somos todos nós. A AIDS terá cura, e seu remédio hoje é a solidariedade” (SOUZA, 1994). Além do mais, devido à fragmentação dos financiamentos, aos entraves políticos e à desarticulação entre os diversos setores comprometidos com a prevenção, a maioria das intervenções constituiu-se de projetos que tinham um começo e um fim – em vez de evoluírem xlvi para programas sólidos que se mantivessem com o decorrer do tempo. O que teria sido indispensável, pois apenas um trabalho de educação continuada é capaz de reverter comportamentos de risco. A educação continuada envolve o comprometimento de um grupo a longo prazo para reflexão a respeito de um problema. Nesse trabalho, cabe ao educador democratizar informações, ajudando o grupo a compreender e assimilar essas informações, a formular respostas, de acordo com sua vivência e estilo de vida, e a adotar para si o que seria melhor, revertendo situações de risco em práticas seguras e saudáveis de prazer. Isto exige combinar esforços entre diversos níveis da sociedade, e resulta em valorizar as pessoas e torná-las participantes das ações dirigidas a elas. 3.2.5 A Desatenção às Mulheres Enquanto se acreditava que a AIDS era um problema de grupos específicos, a maioria das mulheres casadas ou com parceiros fixos heterossexuais se sentia protegida, até que seus filhos, ao nascerem, começaram a apresentar problemas de saúde pouco comuns e difíceis de tratar. Pelo diagnóstico de AIDS em bebês, começou-se a perceber que uma parcela importante de mulheres estava infectada pelo HIV. Em 1985/86, os dados epidemiológicos oficiais apontavam para a existência, entre os infectados, de quarenta homens para uma mulher. A partir de 1993 essa relação foi diminuindo gradativamente até que, hoje, em todo o território nacional, está em torno de 2 homens para cada mulher (BRASIL,2005). A escalada da infecção pelo HIV em mulheres faz acreditar que dentro de pouco tempo teremos mais mulheres do que homens com AIDS. Sendo assim, deve-se atender às mulheres de forma adequada e com campanhas específicas, para que essa escalada de contaminações não prejudique o esforço de prevenção contra o HIV. Um mito arraigado desde o início da epidemia da Aids, mantém as lésbicas invisíveis nas campanhas de prevenção: o de que o sexo entre mulheres seja seguro, imune ao risco de infecção pelo HIV. Um estudo realizado pelo Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo, recrutou e acompanhou, durante um ano, 145 voluntárias de 18 a 61 anos que fazem sexo com mulheres. Além de responder a um amplo questionário, as mulheres se submeteram a exames ginecológicos e testes de HIV, sífilis e hepatite. No grupo acompanhado foram encontradas quatro portadoras do HIV, além de 33% sofrerem de vaginose bacteriana xlvii (um desequilíbrio da flora vaginal que facilita a infecção do HIV). Sem suspeitar dos riscos, elas seguem expostas a várias formas de contágio. Ele pode ocorrer com a troca de secreções vaginais durante o chamado tribadismo (contato direto entre os órgãos genitais), ou ainda por meio de acessórios sexuais compartilhados sem proteção, como pênis de borracha e vibradores. Quase metade das entrevistadas (45%) não troca a camisinha quando divide esses apetrechos com a parceira. Ter relações com a namorada quando ela está menstruada mostrou-se prática corriqueira. Entre as entrevistadas, 44% têm contato com o sangue da parceira por meio de penetração (digital ou com acessórios) e até mesmo por sexo oral. Assim como ocorre nas relações heterossexuais, qualquer microtraumatismo na vagina – provocado por pênis de borracha ou infecções bacterianas – pode facilitar a entrada do HIV na corrente sanguínea durante o sexo desprotegido. O risco de contaminação aumenta quando uma das parceiras tem alguma lesão na boca (SEGATTO, 2004). 3.2.6 o machismo impede a prevenção Na construção social da sexualidade entre nós, estabeleceu-se a expressão da sexualidade masculina como sendo genital, ativa, promíscua e dissociada da afetividade. Da feminina, espera-se que seja extragenital, monogâmica, fiel, presa a uma fantasia romântica e submissa ao homem (FURLAN,2003). Diferenças tão marcantes entre os sexos só poderiam levar a um sistema desigual de poder, em que o dos homens prevalece e é exercido sobre as mulheres. Estas exigências sociais tornam ambos vulneráveis ao HIV. O homem, muitas vezes a contragosto, se vê forçado a provar sua masculinidade por meio de proezas sexuais com múltiplas parceiras. Em contrapartida, a submissão feminina leva as mulheres a situações de alto risco, com as quais acabam se conformando, como a descrita por uma mulher de baixa renda: “Sei que ele anda com outras mulheres, mas não posso me separar, não tenho para onde ir com meus filhos. E camisinha ele não usa, de jeito nenhum. Então, se ele ficar doente, eu também vou ficar.” (PINEL et al.,1996). O problema da AIDS nas mulheres não estava centrado no sexo e, sim, nas relações de gênero, ou seja, nas relações entre os dois sexos, estabelecidas a partir de atribuições sociais (LOURO, 2001). Por isso, para que alguma coisa melhore nessa área, o homem terá de compartilhar com a mulher, numa relação de equivalência, as responsabilidades sobre a saúde sexual e reprodutiva. xlviii 3.2.7 A Fantasia Romântica Afeta a Prevenção Ainda hoje é comum observarmos pessoas que encontraram um(a) novo(a) parceiro(a), usaram camisinha nos dois ou três primeiros encontros e depois disso não mais, “porque o relacionamento agora ficou estável, estamos nos amando”. Ou então porque “sabe como é, ele(a) já foi casado(a), tem um par de filhos, nunca se arriscaria com relações passageiras”. Nossa cultura tradicionalmente alimenta a fantasia romântica de que pessoas, quando se apaixonam, tornam-se invulneráveis a qualquer perigo. Nela, não cabe a suspeita de que o ser encantado, que amamos, esteja infectado pelo HIV. É mais comum que as pessoas recorram ao preservativo num encontro casual do que num relacionamento mais estável. Até os profissionais do sexo, que aderem ao uso constante de preservativo com seus clientes, raramente o usam com seus parceiros(as) fixos(as), por intermédio de quem, freqüentemente , acabam se infectando (MANN et al.,1993;FURLAN,2003). O amor em tempos de AIDS exige responsabilidade compartilhada. Quando o casal decide pelo relacionamento estável, deve-se fazer o exame do HIV em algum Centro de Testagem e Aconselhamento e, de acordo com o resultado, manterem o sexo seguro ou um romântico pacto de fidelidade. Deve-se viver em tempos de AIDS com criatividade, romantismo e segurança. 3.2.8 A Religião Perante a Prevenção Os brasileiros têm um forte legado de espiritualidade, que se exercita na religiosidade ou na superstição. Transcendendo as instituições, as religiões – por si só poderosos agentes de transformação pessoal e social – deixaram de ser exclusivamente um exercício de fé e se xlix afirmaram como uma das manifestações culturais mais arraigadas em nossa cultura. Em todos os setores, as mensagens religiosas atingem até os não-religiosos. Mas em termos de AIDS, as mensagens nem sempre acompanharam as idéias do setor da saúde, o que enfraqueceu o movimento de prevenção. À AIDS foi atribuída, assim que ela surgiu, uma conotação de castigo; tratava-se de uma providência divina para mostrar aos fiéis, concretamente, as conseqüências dos pecados da carne. Com o avançar da epidemia, os grupos religiosos acomodaram-se a seu nicho natural, ao prover assistência aos doentes – embora lhes fosse difícil aceitar as pessoas infectadas que começaram a surgir dentro do próprio grupo religioso. Ao perceber a dimensão da doença, dedicaram-se a reforçar o que também lhes é intrínseco: a exaltação da abstinência, da monogamia e da fidelidade. No entanto, a AIDS demonstrou que a maioria das pessoas, mesmo reconhecendo nessas exaltações as virtudes, é incapaz de exercê-las pela vida toda sem alguns “escorregões”. E tornou evidente que, o que pensamos, não corresponde ao que sentimos, que, por sua vez, é sistematicamente diferente do que fazemos (PINEL et al.,1996). As mensagens de cunho sanitário e moral não são totalmente incompatíveis e antagônicas e, historicamente, têm se fundido para determinar o que deve ser considerado normal, natural, saudável ou moral. Por sua vez, as pessoas possuem a habilidade de interpretar a seu favor mensagens aparentemente contraditórias. Sendo assim, haverá pessoas que em determinados momentos responderão positivamente a mensagens de abstinência, fidelidade e monogamia. Outras, preferirão a camisinha. Infelizmente, haverá outros que não darão ouvidos a nenhuma das duas. Pois é, afinal, o indivíduo é – não o religioso nem o profissional de saúde ou educador – quem escolhe a mensagem que lhe convém. É mais do que na hora de reconhecer que não se colabora em nada ao insistir em manipular a AIDS conforme leituras particulares, feitas por intermédio de ideologias de grupo. O que se precisa é de um modelo integrado onde tanto a ciência como a religião possam ser utilizadas para o real benefício da humanidade. 3.2.9 A Ilusão da Invulnerabilidade dos Jovens l A tendência de disseminação do HIV observada entre os adultos também se reproduz nos jovens: o vírus se transmite rapidamente entre rapazes e moças por meio do sexo e de drogas. Alarmados com esta situação, muitos começaram a centrar a prevenção da AIDS nos jovens, enfatizando a proibição ou o treinamento para que dissessem não às drogas e ao sexo. Esqueceram-se de que as proibições nunca foram muito efetivas para evitar comportamentos de risco. O sentimento de invulnerabilidade é próprio da juventude e estimula a correr riscos. Arriscar é inerente às descobertas, é sadio, necessário. O risco oferece à pessoa a oportunidade de testar seus limites, permitindo-lhe construir um controle internalizado. O único problema em correr riscos hoje em dia é que o mundo tornou-se mais complexo e ameaçador. A cada momento, arriscar torna-se mais perigoso. No entanto, a solução não é proibir ou fazer o jovem recuar do risco. O que ele precisa, hoje em dia, é de instrumentos que ampliem suas condições de avaliar os riscos e poder tomar as precauções necessárias (BRASIL, 1998). Muitas vezes são os próprios pais que, com o intuito de proteger, acabam colocando os filhos em risco. Resistem a dar educação sexual, temendo que isso possa ser um estímulo para o jovem iniciar sua vida sexual – quando pesquisas apontam para o fato de que, quanto mais informações e condições de discutir a sexualidade o jovem tiver, mais tarde e com mais responsabilidade ele iniciará suas relações sexuais. A limitação da sexualidade a um discurso de cunho moralista impede que os jovens tenham um espaço para falar de suas dúvidas e angústias. Ao mesmo tempo, inibe-os de adotar práticas seguras, como a camisinha, por medo de reação dos pais caso descubram pistas dessas práticas entre seus objetos pessoais. Muitas meninas preferem praticar sexo anal em vez de vaginal, não por prazer, mas para preservar a integridade do hímen e/ou como método anticoncepcional. Incontáveis jovens se arriscam à infecção porque não se consideram importantes para se proteger (ROSISTOLATO,2003). Além desses, outros fatores moldam o comportamento dos jovens hoje em nosso país. Um deles é a influência que os companheiros exercem na hora de tomar decisões. A pressão do grupo é capaz de determinar condutas às vezes incompatíveis com o próprio indivíduo. Outro fator é o desencanto coletivo que tomou conta da nossa juventude. A exposição contínua à deterioração social, a falta de confiança no sistema político e a desilusão com o futuro têm estimulado um comportamento auto-referente, alimentado pela sociedade de consumo. A banalização da vida e das emoções que se observa no mundo dos adultos também calou nos li jovens, levando-os a canalizar mais e mais sua rebeldia e energias no uso de drogas e num sexo impessoal e descompromissado. (PINEL et al.,1996). Não obstante, nossa esperança está nos jovens. Prevenir a AIDS implica reacender neles a chama do idealismo, da paixão e da convicção de que nem tudo está perdido. Para isso, precisamos reconhecer que os adolescentes são preciosos e têm muito a nos ensinar. E isto não se consegue proibindo, assustando e isolando-os do mundo. 3.2.10 A Supervalorização do Papel da Escola Com a progressiva dissolução da família nuclear, a sociedade passou a depositar na escola e nos professores o peso de moldar cidadãos responsáveis. Porém, existem vários problemas para que esta solução se viabilize. Primeiro, é cada vez maior o número de jovens que abandonam a escola por razões socioeconômicas, o que acarreta sérias dificuldades instrumentais na implantação de programas de prevenção à AIDS. A pergunta principal, além de “como vamos informar estes jovens?” , é “onde vamos encontrá-los?”. Depois, é preciso considerar que a educação, assim como a saúde, dificilmente são, na prática, prioridade para os governos brasileiros. O salário irrisório que os professores recebem força-os a manter diversos empregos, comprometendo sua disponibilidade para um contato mais efetivo com os alunos. Tecnicamente, também há problemas. Nunca existiu a preocupação de capacitar continuamente professores para desenvolver temas que abordassem comportamentos íntimos e suas decorrências na saúde. Como querer que eles ensinem o que nunca aprenderam? Sabemos que, periodicamente, se organizam treinamentos destinados às redes públicas de ensino. Porém, dificilmente se oferece um sistema de atualização, apoio técnico e institucional que estimule os professores para implementação e continuidade de programas de prevenção nas escolas. Entraves ideológicos, burocráticos e financeiros, desperdiçam a motivação e a coragem que muitos deles têm para lidar com temas delicados (AYRES,2000). Finalmente, esquece-se de que a escola é complementar e nunca poderá substituir a família como ente formador. A prevenção da AIDS fundamenta-se na auto-estima, no respeito mútuo, na consciência das possibilidades de ação e na responsabilidade compartilhada. E esta aprendizagem não está nos livros. lii liii 4. AIDS E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS A AIDS no Brasil se caracterizou desde o início dos anos 80 como um problema quase que exclusivamente do setor de saúde. Desta forma, a maior parte das políticas emanava deste setor, que tem também executado quase a totalidade das ações programáticas de prevenção e controle da epidemia. A partir de 1986 se constitui e se consolida o Programa Nacional de AIDS, do Ministério da Saúde. Este período se caracteriza pelo seu fortalecimento e pela sua implantação em todo o território nacional. Através da realização de encontros macrorregionais, ações foram implantadas, progressivamente, em todas as unidades federadas. Em decorrência disso, e após algum tempo, pôde-se desenhar um panorama da epidemia no país, e iniciar a implantação de diretrizes e estratégias comuns para todas as regiões (TEIXEIRA,1997). O referencial não-discriminatório e de defesa dos direitos dos infectados é incorporado pelo Ministério da Saúde, já neste período inicial, certamente influenciado pelas políticas adotadas pelas unidades federadas que tinham se organizado em programas anos anteriores e pela atuação de ONGs que se faziam cada vez mais presentes. Ao lado das normatizações nas áreas clínica, epidemiológica etc, a partir de 1986 são organizados grupos de trabalho sobre aspectos sociais e legais, direitos e garantias individuais e sobre direitos previdenciários e trabalhistas. Esses grupos de trabalho contavam com a participação de técnicos das secretarias de saúde e de universidades dos estados onde os programas já eram organizados, além de representantes das ONGs. Assim, em seus primeiros anos, a organização e fortalecimento do Programa Nacional de AIDS se deu pela incorporação não só de experiência, como dos referenciais éticos e políticos que marcavam as iniciativas anteriormente desenvolvidas no país. O Ministério da Saúde, paralelo ao trabalho de organização e implementação dos projetos em âmbito nacional, buscava a integração com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), que, não se envolvia decididamente nas ações, apesar do “clamor popular” para que atividades voltadas à prevenção do HIV fossem, por exemplo, incluídas no currículo escolar. Em 1976, a posição oficial brasileira afirmava ser a família a principal responsável pela educação sexual, podendo as escolas, porém, inserir ou não a educação sexual em programas de saúde. A partir de meados dos anos 80, a demanda por trabalhos na área da sexualidade liv nas escolas aumentou devido ao grande crescimento de gravidez indesejada entre as adolescentes e ao risco de infecção pelo HIV entre os jovens (PAIVA,1996; ROSEMBERG,1985). Antes, acreditava-se que as famílias apresentavam resistência à abordagem dessas questões no âmbito escolar, mas atualmente sabe-se que os pais reivindicam a orientação sexual nas escolas, pois reconhecem não só a sua importância para crianças e jovens, como também a dificuldade de falar abertamente sobre o assunto em casa. Uma pesquisa do Instituto DataFolha, realizada em dez capitais brasileiras e divulgada em junho de 1993 (BRASIL,1998), constatou que 86% das pessoas ouvidas eram favoráveis à inclusão de Orientação Sexual nos currículos escolares. Foi nesse contexto, após mais de 10 anos do início dos trabalhos do Ministério da Saúde, que o Ministério da Educação divulgou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997 e os Temas Transversais, em 1998, incluindo nesse documento o histórico Tema Transversal Orientação Sexual. 4.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientação Sexual Os Parâmetros Curriculares Nacionais propuseram uma educação comprometida com a cidadania e não-discriminatória, baseados no texto constitucional (artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988). A educação para a cidadania requer que questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, e que a eleição dos conteúdos incluam dados para a compreensão e crítica da realidade, ao invés de tratá-los como dados abstratos a serem aprendidos apenas para “passar de ano”. A educação para a cidadania deve oferecer aos alunos a oportunidade de se apropriarem dos conteúdos como instrumentos para mudar sua própria vida. Para que isso ocorra e para dar flexibilidade e abertura aos currículos, foram propostos temas que poderiam ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais. Esses temas, que receberam o título geral de Temas Transversais, propostos pelo Ministério da Educação, foram: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo (BRASIL,1998). Dentro do tema transversal Orientação Sexual, os PCN buscaram considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa no ser humano, do lv nascimento até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à diversidade de crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática e pluralista. Inclui a importância da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS e da gravidez não-planejada na adolescência, entre outras questões polêmicas. Pretende contribuir para a superação de tabus e preconceitos ainda arraigados no contexto sociocultural brasileiro. Assim, a escola deve se organizar para que os alunos, ao fim do ensino fundamental, sejam capazes, entre outras coisas, de : agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo propositivo em ações públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS; conhecer e adotar práticas de sexo protegido, desde o início do relacionamento sexual, evitando contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o vírus da AIDS; ter uma consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade (BRASIL, 1998). De uma maneira geral, o trabalho de Orientação Sexual, proposto pelo PCN, visa desvincular a sexualidade de tabus e preconceitos, afirmando-a como algo ligado ao prazer e à vida. Na discussão das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS o enfoque precisa ser coerente com isso e não acentuar a ligação entre sexualidade e doença, ou morte. As informações sobre as doenças devem ter sempre como foco a promoção da saúde e de condutas preventivas, enfatizando-se a distinção entre as formas de contato que propiciam risco de contágio daquelas que, na vida cotidiana, não envolvem risco algum. Particularmente em relação a AIDS, o tratamento que esse tema deve ter em Orientação Sexual junto aos alunos é o oposto ao que foi dado pelas primeiras campanhas de prevenção veiculadas pela mídia: ”AIDS mata”. Essa mensagem contribui para o aumento de medo e angústia, desencadeando reações defensivas. A mensagem fundamental a ser trabalhada é: “a AIDS pode ser prevenida”. “Ao trabalhar com a prevenção da AIDS, são conteúdos indispensáveis as informações atualizadas sobre as vias de transmissão do vírus HIV, o histórico da doença, a distinção entre portador do vírus e doente de AIDS e o tratamento. Os professores precisam incentivar os alunos na adoção de condutas preventivas (usar camisinha, calçar luvas ao lidar com sangue) e promover o debate sobre os obstáculos que dificultam a prevenção. A promoção da saúde e o respeito ao outro vinculam-se à valorização da vida como conteúdos importantes a serem trabalhados. Esses conteúdos lvi devem propiciar atitudes responsáveis (tanto individual quanto coletivamente) diante da epidemia, solidárias e não discriminatórias em relação aos soropositivos, enfatizando o convívio social.” (BRASIL, 1998, p. 326). Conteúdos a serem trabalhados com as crianças do terceiro ciclo (5ª e 6ª séries) são as informações sobre a existência de doenças sexualmente transmissíveis (colocadas genericamente, não sendo necessário enumerar as mais conhecidas), em especial a AIDS, incluindo esclarecimentos sobre os fatos e os preconceitos a ela associados. O trabalho com esse bloco de conteúdo no quarto ciclo (7ª e 8ª séries) já precisa abordar cada uma das principais doenças sexualmente transmissíveis, seus sintomas no homem e na mulher, enfatizando as condutas necessárias para sua prevenção. A denominação Doenças Sexualmente Transmissíveis agrupa aquelas que se transmitem pelo contato sexual entre duas pessoas, e engloba as antigas doenças venéreas, incluindo a AIDS (BRASIL, 1998). Infelizmente, o assunto AIDS só é abordado nas escolas de forma pontual, quando se atinge no livro didático o conteúdo sobre doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, sendo a abordagem extremamente biológica, desvinculada da realidade dos alunos e de suas dúvidas. Muitos erros ainda expressos nos livros didáticos, são repetidos; muitos preconceitos subentendidos são incorporados à conduta dos jovens e as omissões de conteúdo não são acrescentados pelos professores, mantendo a vulnerabilidade à infecção do HIV como era antes da abordagem do tema DST/AIDS em sala de aula. Para evitar erros e a indução de preconceitos aos portadores do HIV ou doentes de AIDS, o MEC conta com o Programa Nacional dos Livros Didáticos (PNLD), para avaliar a qualidade dos livros e de seus conteúdos – programa que se encontra em plena atividade. 4.2 Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) Desde 1929, quando o governo brasileiro criou um órgão específico para legislar sobre a política do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), a ação federal nessa área vem se aperfeiçoando, com a finalidade de prover as escolas das redes federal, estaduais e municipais e do Distrito Federal com obras didáticas e para-didáticas e dicionários de qualidade (BRASIL, 2005, www.fnde.gov.br). lvii Atualmente, essa política pública está consubstanciada no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). O PNLD distribui gratuitamente obras didáticas para todos os alunos das oito séries da rede pública de ensino fundamental. O PNLD é mantido pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) com recursos financeiros do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-educação. As principais características do programa de distribuição de livros didáticos do Brasil foram definidas através do Decreto-Lei nº 91542, instituído em 1985, que trata do Programa Nacional do Livro Didático. Duas premissas eram consideradas fundamentais: que o material fosse adequado à ação educativa e que fosse disponibilizado aos alunos no tempo correto. Os Estados de São Paulo e Minas Gerais optaram por operacionalizar o PNLD por si próprios .(BIZZO,2000). Desde de 1996, época da primeira avaliação oficial, passou a existir a lista dos “livros excluídos” que, em sua maioria, eram os mais vendidos aos governos estaduais e federal, até então. Os critérios de avaliação, publicados no Diário Oficial da União em julho de 1997, foram entregues aos editores e autores antes da inscrição de livros para avaliação. Os livros que apresentaram erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo foram excluídos do Guia do Livro Didático. Antes do PNLD-2005, as classificações usadas para os livros eram: livros recomendados com distinção; recomendados; recomendados com ressalvas e excluídos. A partir do PNLD-2005, as obras passaram a ser categorizadas em: aprovadas e excluídas. Além disso, os professores passaram a adotar uma coleção (e não mais livros isolados), dentre os que foram aprovados, com vistas a implementar um projeto pedagógico, que trouxesse mais coerência e qualidade às ações educativas. As resenhas que aparecem no Guia de Ciências PNLD-2005, tratam de livros que demonstraram suficiência em quatro aspectos básicos: abrangência, progressão e correção conceitual; compromisso com a eficiência e adequação metodológica; compromisso com a construção da cidadania e compromisso com a integridade física do aluno (BRASIL, 2005, PNLD). O Guia de Ciências PNLD-2005 entende que o conhecimento tem papel central no ensino e que o livro didático deva ter a preocupação de buscar e veicular informação adequada, correta, precisa e atualizada, inclusive na forma de ilustrações e grafismos. Os lviii conceitos devem ser tratados de forma correta, mesmo que de maneira simplificada, em adaptações próprias para a faixa etária a que se dirigem, respeitando o princípio da progressão. O princípio da correção conceitual implica respeito à terminologia científica, entendendo-a como código próprio da comunicação da área, que procura compactar informação. O Guia de Ciências PNLD-2005 reconhece a importância da memorização como parte da ação cognoscente, mas adverte para que o estímulo intelectual não seja restrito a operações desse nível. Analisa se a metodologia empregada estimula o raciocínio, a interação entre alunos e/ou professor, não tendo como característica principal a memorização de conteúdo e termos técnicos. Alerta, ainda, para a responsabilidade dos textos didáticos no desenvolvimento de padrões de comportamento, resultado de determinadas representações da realidade. Elas podem contemplar, prestigiar e promover certos segmentos da sociedade em detrimento de outros; bem como, escamotear aspectos da realidade. Assim, os livros didáticos, como parte importante dos processos de formação de crianças e jovens, devem adotar estratégias explícitas que contribuam para superar o preconceito, seja ele contra cor de pele, de sexo, de condição social (BRASIL, 2005, PNLD). Os critérios de avaliação são divididos em três grandes blocos: o primeiro trata de critérios eliminatórios; o segundo, de critérios classificatórios; e o terceiro, da tipologia (Anexo 2). Dentro dos critérios eliminatórios, destaca-se o item 3, que questiona se a abordagem conceitual e informações factualmente corretas predominam ao longo do livro. O termo “predomina” abre margem para uma análise subjetiva e pouco precisa da obra didática. Se é um critério eliminatório e se é reconhecido na obra um erro conceitual, deve-se informar a editora e/ou autor para que se faça a devida correção, e após isso aprovar o livro para distribuição maciça nas escolas públicas. Dentro dos critérios classificatórios, os blocos de análise foram divididos em: conteúdos e aspectos teórico-metodológicos; aspectos pedagógicos metodológicos; os temas propostos nos diferentes capítulos do livro; as experiências socioculturais e os saberes do aluno aparecem no livro; aspectos editoriais/visuais; manual do professor. lix No item 25 , ainda dentro dos critérios classificatórios, pergunta se o livro didático de ciências apresenta conteúdos relevantes ligados aos contextos próprios da realidade brasileira. Como conteúdos relevantes é uma expressão ampla e também carregada de subjetividade, fica a indagação de quais seriam esses conteúdos, o que não é detalhado no PNLD-2005. Infelizmente, não se faz menção em nenhum momento, no PNLD-2005/Ciências, sobre critérios para análise do tema DST/AIDS, nem sobre Orientação Sexual. O mais próximo que se chega é na proposta de superação dos preconceitos de sexo, quando se firma compromisso com a construção da cidadania. Embora a legislação não defina conteúdos de ciências que devam constar obrigatoriamente dos currículos escolares em todo o país, o livro didático pretendido para o PNLD deve estar pautado pelo princípio da abrangência. Como os Temas Transversais foram escolhidos segundo o critério da abrangência nacional, ou seja, temas que fossem pertinentes a todo país, os Parâmetros Curriculares Nacionais deveriam nortear a análise dos livros didáticos feita pelo PNLD. lx 5. METODOLOGIA Segundo Morais (1999), a análise de conteúdo é uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum. Morais (1999), considera a existência de duas vertentes nessa metodologia: a análise de conteúdo quantitativa e a análise de conteúdo qualitativa. Na análise de conteúdo quantitativa, os objetivos são pré-definidos e orientam as demais fases da pesquisa. Enquanto que, na análise de conteúdo qualitativa, os objetivos podem ser construídos durante a pesquisa e as categorias emergem durante o estudo. A metodologia desta monografia para análise de conteúdos nos livros didáticos de ciências, aprovados pelo PNLD – 2005, será quantitativa e qualitativa. Será analisado a presença e ausência dos conteúdos propostos pelo PCN-Orientação Sexual-DST/AIDS nos livros didáticos, comparando-os com os critérios de avaliação do PNLD-2005 de Ciências, e a indução ou não à promoção da saúde e à atitudes discriminatórias com os portadores do HIV ou aos doentes de AIDS. As 8 coleções de Ciências, aprovados pelo PNLD-2005 são: 1) Ciências – Carlos Barros e Wilson Roberto Paulino, Ed. Ática (2004); 2) Coleção Ciências – Fernando Gewandznajder – Ed. Ática (2003); 3) Coleção Ciências e Educação Ambiental – Daniel Cruz – Ed. Ática (2004); 4) Coleção Ciências Novo Pensar – Eduardo Martins e Demétrio Gowdak – Ed. FTD (2004); 5) Coleção Vivendo Ciências – Nova Edição – Maria de La Luz e Magaly Terezinha dos Santos – Ed. FTD (2004); 6) Coleção Série Link da Ciência – Silvia Bortolozzo e Suzana Maluhy – Editora Moderna (2003); 7) Coleção Ciências Naturais no Dia-a-Dia – Jenner, Pedersoli, Moacir, Wellington – Editora Dimensão (2003); 8) Coleção Ciências - Cecília Valle – Ed. Ediouro (2004); lxi Três coleções mudaram de editora, sendo desconsideradas como objeto de análise por esta monografia, pelas possíveis modificações impostas pelas novas editoras, modificando a característica da obra que, inicialmente, foi aprovada pelo PNLD-2005. As coleções que não farão parte de nossa análise são: Coleção Série Link da Ciência, da Editora Moderna ; Coleção Ciências Naturais no Dia-a-Dia, da Editora Dimensão e Coleção Ciências, da Editora Ediouro. As demais obras serão analisadas dentro dos critérios objetivos propostos pelos PCN, quais sejam: correção dos textos dos livros quanto ao histórico da AIDS, vias de transmissão do HIV, métodos de prevenção, formas de tratamento da doença, distinção de portador do vírus HIV e doente de AIDS, além de analisar se as informações sobre AIDS têm foco na promoção da saúde e em atitudes não discriminatórias. Considerou-se histórico da AIDS qualquer menção temporal sobre a descoberta dos casos de sarcoma de Kaposi em jovens homossexuais, como início da investigação sobre a nova doença; a referência sobre a descoberta do agente viral e/ou as sucessivas mudanças de nome que o vírus recebeu, até ser nomeado de HIV. Ou, ainda, qualquer explicação sobre como surgiu a epidemia, os testes sorológicos ou sobre a evolução do tratamento com drogas anti-retrovirais. Os livros de Ciências analisados ficarão restritos aos de 7ª séries, onde tradicionalmente são abordados os temas de sexualidade e DST/AIDS, quando se trabalha Corpo Humano. As obras que estudaremos seguirão a numeração de 1 a 5, na ordem apresentada para as 8 coleções aprovadas pelo PNLD-2005, o que tornará mais fácil o acompanhamento da análise. As seções sobre o tema serão lidas e comentadas sobre a adequação ou não aos critérios propostos. Ao final, na conclusão da análise, serão feitas sugestões de critérios ao PNLD, para futuras avaliações dos livros didáticos e sua aproximação ao PCN-Orientação Sexual-DST/AIDS. lxii 6.ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS 1º critério: Histórico da AIDS O primeiro critério a ser analisado nas obras didáticas de ciências, aprovadas no PNLD-2005, será o histórico da AIDS: Livro 1 (Ciências – Carlos Barros e Wilson Roberto Paulino – Ed. Ática) Neste livro há apenas um parágrafo que poderíamos considerar como histórico da AIDS, citando que “os primeiros casos de Aids apareceram em 1979, nos Estados Unidos. No Brasil, a doença foi registrada pela primeira vez em 1982.” (BARROS et al, 2004, p. 67). Analisando-se o conteúdo descrito, o questionamento que se faz é sobre o ano de 1979, como o marco inicial de registro dos casos de AIDS. A literatura registrou como primeiros registros nos EUA, o ano de 1981, época em que foram observados uma série de jovens masculinos, de raça branca, habitantes de grandes núcleos urbanos (Los Angeles, São Francisco, Nova York, etc.), que apresentava um quadro de imunodeficiência adquirida com grave comprometimento do sistema imunológico, não descrita até então. No Brasil, o Ministério da Saúde começou a registrar os casos diagnosticados de AIDS a partir de 1982, mesmo que na época se tenha dado pouca atenção pública à doença, que era vista como afligindo apenas a população homossexual rica dos Estados Unidos. Livro 2 (Coleção Ciências – Fernando Gewandznajder – Ed. Ática) Esse autor introduz o assunto sobre AIDS, definindo sua sigla (síndrome da imunodeficiência adquirida) e, logo a seguir, faz um breve histórico da descoberta do vírus HIV e da possível origem da epidemia. “O vírus que causa a Aids foi identificado, em 1983, pelos cientistas do Instituto Pasteur, em Paris, chefiados por Luc Montaigner. Esse vírus é hoje chamado de HIV, inicias da expressão em inglês para vírus da imunodeficiência humana.” “Pode ser que o vírus já existisse há muito tempo, antes da década de 1950, em algumas regiões isoladas da África Central. Nessa região há chimpanzés portadores de um vírus muito parecido com o HIV, mas eles não têm a doença. O vírus pode ter passado para pessoas que se cortaram quando caçavam esses animais ou lxiii preparavam sua carne para se alimentar.” (GEWANDZNAJDER, 2003, p. 229). É o único livro das coleções analisadas que fala do descobridor do HIV e da possível origem da epidemia como um vírus que tenha migrado dos chimpanzés para o homem. Isso ajuda a entender o conhecimento sobre AIDS como uma construção histórica, surgida em determinado momento, e não apenas um dado cognitivo que precisa ser memorizado, originado atemporalmente, definido por siglas (AIDS, HIV, ELISA, AZT etc.), sem que se faça as devidas correlações com os fatos. Livro 3 (Coleção Ciências e Educação Ambiental – Daniel Cruz – Ed. Ática) Neste livro, o tema AIDS é abordado juntamente às doenças sexualmente transmissíveis, sem qualquer destaque, iniciado na seqüência de outros parágrafos, após herpes genital. Há apenas um parágrafo que se aproxima do critério histórico da AIDS. “A síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ficou conhecida somente em 1981. É causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e ataca o sistema imunológico, impedindo que ele defenda o organismo de doenças. Há pessoas que têm o HIV no corpo há cerca de quinze anos e não desenvolveram sintomas, mas são exceções.”(CRUZ, 2004, p. 195). Analisando o conteúdo, podemos observar que há apenas a referência de ano – 1981 como marco histórico da descoberta da AIDS. A informação parece condensada em poucas palavras e em pouco espaço. Livro 4 (Coleção Ciências Novo Pensar – Eduardo Martins e Demétrio Gowdak – Ed. FTD) Os autores desta coleção destacaram o tema AIDS das outras DSTs, explicadas de modo sucinto num quadro anterior (Anexo 3). Além da explicação por um texto de quase duas páginas, esta obra didática possui um texto complementar, na seção Fique mais Informado, chamado “A AIDS no mundo”, de uso opcional pelo professor. Analisaremos tanto o texto proposto, como o texto complementar. lxiv No texto proposto, a única referência de temporalidade é que “hoje a AIDS não é mais uma doença ligada a grupos de risco, principalmente dos homossexuais.” (GOWDAK et al., 2004, p. 186). Nesse período o autor não explica o que são grupos de risco, nem quais são, não diz por que a doença não é mais ligada a esses grupos e nem quando houve essa mudança conceitual. Não explica por que os homossexuais já foram considerados grupos de risco. Como é característico das obras didáticas em geral, apenas informa um dado, sem desenvolvêlo e sem estimular o raciocínio e a reflexão. No texto complementar, usa apenas o ano da descoberta da doença como fato histórico: “Desde 1981, quando foram registrados os primeiros casos da doença, já morreram 25 milhões de pessoas no mundo e, segundo a UNAIDS, se nada for feito, 70 milhões de pessoas morrerão nos próximos 20 anos por causa da AIDS.”(GOWDAK et al., 2004, p. 187). Livro 5 (Coleção Vivendo Ciências – Nova Edição – Maria de La Luz e Magaly Terezinha dos Santos – Ed. FTD) Esse livro inclui a AIDS num esquema explicativo (Anexo 4) das doenças sexualmente transmissíveis e não traz nenhuma referência ao critério histórico da AIDS. 2º critério: Vias de transmissão do HIV Livro 1 Os autores, antes de iniciarem a abordagem do tema AIDS, levantam questionamentos numa seção chamada “Discutam estas Idéias” (Anexo 5), na qual perguntam ao leitor, na letra b, de que forma se poderia contrair AIDS. Essa questão, busca fazer uma avaliação diagnóstica das informações e possíveis preconceitos trazidos pelos alunos. Busca partir do que se sabe, para uma sistematização mais ampla e conceitualmente correta. A obra traz didaticamente as vias de transmissão: lxv “O HIV passa de uma pessoa para outra através de esperma, sangue e secreção vaginal de pessoas contaminadas. Portanto, pode-se adquirir o HIV: * por relação sexual com pessoa contaminada pelo vírus; * recebendo sangue contaminado pelo vírus; * usando seringas e agulhas contaminadas pelo vírus. Mães portadoras do HIV podem passá-lo para a criança durante a gravidez, o parto ou a amamentação.”(BARROS, 2004, p. 67). Não há incorreções na explicação das vias de transmissão do HIV. Apenas sugeriríamos a inclusão do termo “desprotegida”, após relação sexual, no primeiro item. Sabese que o portador do vírus da AIDS pode manter sua atividade sexual, desde que tomadas as devidas precauções. O texto não contém enunciados sobre a temática de sexo oral e/ou anal. Livro 2 Texto rico de informações, que passaremos a analisar: “O vírus é encontrado principalmente no sangue, no esperma, nas secreções vaginais e no leite materno. É encontrado também, em quantidade muito pequena, na saliva, na urina, no suor e nas lágrimas, mas parece não ser transmitido por esses fluidos. As principais formas de transmissão da Aids são a relação sexual sem camisinha e o uso de drogas injetáveis com seringas e agulhas compartilhadas com pessoas portadoras do vírus. A pessoa que recebe transfusão de sangue também pode contrair Aids se o sangue (ou algum derivado) estiver contaminado. O vírus pode passar também da mãe para o filho durante a gravidez, no parto ou na amamentação. O sexo anal tem grande possibilidade de transmitir Aids, já que a mucosa anal é fina, bastante absorvente e sofre lesões facilmente. Mas não se esqueça de que a Aids também pode ser transmitida pela relação vaginal, embora, nesse caso, passe com mais facilidade do homem para a mulher do que da mulher para o homem. Embora o risco seja menor do que na penetração, no sexo oral também pode haver transmissão do vírus. Não se comprovou nenhum caso de Aids transmitido por beijos, mas, teoricamente, beijos de língua podem transmitir o vírus se os dois parceiros tiverem lesões na boca. Agulhas, lâminas de barbear, tesouras, alicates de unha e instrumentos de corte utilizados por médicos, dentistas e manicures ou em tatuagens e acupunturas devem sempre ser limpos e esterilizados em estufas (com temperatura superior a 60ºC, por 30 minutos) ou por produtos químicos (álcool, água sanitária, etc.), já que há risco de transmissão pelo sangue contaminado.” (GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230). lxvi Neste livro, o autor aborda cada possível via de transmissão. Informa detalhes não descritos nos outros livros, como as vias de transmissão por sexo oral, beijo e objetos perfurocortantes. Chega a um detalhamento desnecessário, para a faixa etária do aluno, sobre os métodos de esterilização em estufas e sobre a maior facilidade de contaminação da mulher do que a do homem, numa relação sexual vaginal. Não há incorreções conceituais quando se fala sobre as vias de transmissão do vírus HIV. Livro 3 As vias de transmissão do vírus são abordadas de maneira simples e objetiva: “O HIV pode ser transmitido através do sangue, do esperma, da secreção vaginal e do leite materno de uma pessoa contaminada. O contágio acontece quando o vírus entra em contato com a corrente sanguínea da outra pessoa. O contágio por relações sexuais é bem comum porque as paredes internas da vagina e do ânus são mucosas ricas em capilares sanguíneos, que por sua finíssima espessura, se rompem facilmente. Há outras formas de contágio, como por transfusão de sangue contaminado e compartilhado ou reutilizando seringas contaminadas. Mulheres grávidas portadoras do vírus devem evitar o parto normal e não podem amamentar, já que isso aumenta muito a chance de contaminação do bebê. Não há perigo de contrair o HIV por suor, roupas usadas, abraços ou espirros de pessoas contaminadas. Por isso, é possível a convivência normal com uma pessoa contaminada, sem correr nenhum perigo, desde que se evite contato com feridas ocasionais.”(CRUZ, 2004 - p.195 e 196). O texto parece adequado à faixa etária da 7ª série, sem muitos detalhes desnecessários, que prejudicariam o entendimento das vias de transmissão do vírus. O autor prepara o assunto sobre vias de transmissão, abordando posteriormente questões sobre discriminação e prevenção. Não há, também, incorreções conceituais no texto analisado. Apenas não fala sobre sexo oral e objetos perfurocortantes. Livro 4 Após descrever siglas SIDA e HIV, e dizer , em negrito, que a AIDS é uma doença letal e sem cura, o autor explica muito rapidamente as vias de transmissão do vírus. lxvii “As maiores vias de transmissão são os contatos sexuais, de sangue para sangue (em transfusões, pelo uso comum de agulhas por usuários de drogas e por instrumentos cirúrgicos sem esterilização), da mãe para o filho durante a gestação (transmissão vertical), no parto e na amamentação. Parece não haver transmissão por saliva, suor, lágrima, urina, fezes ou picada de insetos. Menos ainda pelo ar, por talheres, copo, piscina, aperto de mão ou abraço.”(GOWDAK, 2004 - p.186). O autor não explica as várias possibilidades de transmissão, no que ele chama de “contatos sexuais”. Não discrimina sexo oral, vaginal e anal. Não utiliza o termo “sexo protegido” e nem sequer “sexo seguro”. Não há incorreção conceitual, porém há insuficiência de conceitos. Livro 5 Não há informações sobre vias de transmissão, apenas sintomas (discutíveis) para diagnóstico da AIDS e formas de prevenção. Nesse tópico, deixa subentendida a transmissão por via sexual, sem especificar que tipo de relação sexual se refere (oral, vaginal ou anal). Massifica o aluno com a frase “use camisinha”, sem esclarecer ou problematizar a questão da AIDS. 3º critério: métodos de prevenção Livro 1 Métodos de prevenção são colocados no final da unidade, divididos em tópicos: “A prevenção contra a Aids consiste basicamente em: * usar camisinha em todas as relações sexuais; * certificar-se da procedência e da qualidade do sangue a ser utilizado em transfusões; * limitar o número de parceiros em relações sexuais – quanto maior o número de parceiros, mais chances de adquirir DSTs, pois há maior probabilidade de algum dos parceiros estar infectado; * usar agulhas e seringas descartáveis em injeções; * evitar o uso compartilhado de instrumentos cortantes, como navalhas, giletes e alicates de cutícula; * evitar gravidez e amamentação, no caso de mulheres portadoras do HIV.”(BARROS, 2004 - p.68). lxviii Os autores propõem medidas de bom-senso, usando expressões evitar para uso compartilhado de instrumentos cortantes, como alicates de cutícula e outros materiais de manicure e evitar gravidez, no caso de mulheres portadoras do HIV. Destacamos o segundo item, que propõe como método de prevenção, certificar-se da procedência e da qualidade do sangue a ser utilizado em transfusões. No entanto, não informa como fazer sobre a procedência e qualidade desse material, principalmente em situações de emergência. Não oferece informações sobre a colocação e/ou a retirada da camisinha. Livro 2 Neste livro, os métodos de prevenção não se encontram destacados didaticamente (informações organizadas, com complexidade crescente, que facilitaria a fixação dos conteúdos). O texto é rico em detalhes de biologia do vírus HIV, tratamento, vias de transmissão, mas deixa a desejar no tópico métodos de prevenção. O enfoque maior é para prevenção de portadores do vírus, como veremos a seguir: “Por meio de certos exames de sangue, o paciente pode saber se é portador do HIV, ou seja, se é HIV-positivo ou soropositivo. É necessário fazer mais de um exame para confirmar o resultado. Além disso, como os testes acusam a presença de anticorpos contra o vírus, só após cerca de três meses ou mais é que há uma quantidade suficiente de anticorpos para ser detectada. Se os exames indicarem que a pessoa é portadora do vírus HIV, ela: * deve procurar logo o médico; * deve contar o fato ao parceiro com quem teve relação sexual; * deve usar camisinha sempre ou evitar ter relações sexuais; * não deve doar sangue nem compartilhar seringas ou outros objetos que possam entrar em contato com o sangue; * se for uma mulher grávida, deve usar medicamentos que combatem o HIV e que diminuem as chances de transmissão desse vírus à criança.”(GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230). Nota-se a utilização de vocabulário pouco utilizado em outros livros do PNLD-2005: quando o autor utiliza termos como HIV-positivo e a explicação sobre a quantidade de anticorpos para se detectar a presença do vírus, além do tempo mínimo de três meses para que isso aconteça (janela imunológica). Essas informações não foram observadas em outros livros analisados. Não informa como se coloca ou se retira a camisinha. lxix Livro 3 O método de prevenção proposto pelo autor deste livro se resume à camisinha como método de barreira.“A barreira mais eficiente e acessível é a camisinha (se usada desde o início da relação). Como nunca sabemos quem é ou não portador do vírus, devemos tomar precauções sempre.”(CRUZ, 2004, - p.196). A informação é concentrada apenas num parágrafo, para alunos que estão iniciando sua vida sexual. Não informa como se coloca ou se retira a camisinha; não dá suporte para que ela seja usada desde a primeira relação. Entrega toda responsabilidade do aprendizado desse método de prevenção para o aluno. Do jeito que foi proposto, esse método de prevenção se tornará pouco efetivo. Não se faz menção a outros métodos de prevenção, como o uso de seringas e agulhas descartáveis, o cuidado na transfusão de sangue ou qualquer informação sobre gravidez e AIDS. Não se fala sobre o uso de preservativo no sexo oral ou anal. Livro 4 O autor, após explicar as vias de transmissão, inicia o único parágrafo sobre métodos de prevenção, também destacando o uso de preservativo. “As relações sexuais (principalmente heterossexuais) representam mais de 71% das contaminações com HIV, por isso o uso do preservativo é método mais seguro para evitar a AIDS e todas as outras doenças sexualmente transmissíveis.”(GOWDAK, 2004 - p.186). Observa-se que o livro 4 também supervaloriza o método do preservativo como barreira ao HIV, sem informar sobre as outras vias de transmissão que precisam ser explicadas e prevenidas. A análise seria semelhante àquela feita para o livro 3. Também não informa como se coloca ou se retira a camisinha. Livro 5 Esse livro trata de métodos de prevenção de uma forma genérica, os quais são apresentados num esquema explicativo de doenças sexualmente transmissíveis, sem distinguir métodos específicos para o vírus HIV (Anexo 4). lxx “Limitar o número de parceiros sexuais e usar camisinha para o sexo com penetração. Quem tem sintomas de alguma DST ou está em tratamento de uma delas não deve manter relações sexuais até se curar. Seus parceiros devem ser examinados para ver se não estão infectados.”(LUZ, 2004 - p.104). Não especifica o uso de preservativo para sexo oral. Propõe o método da abstinência, pouco efetivo na cultura erótica brasileira, que transita entre a normalidade e a transgressão (PARKER,1994). A grande dúvida, que o texto não tira, é sobre quem fará o exame nos parceiros, para ver se estão infectados, o outro parceiro? Texto excessivamente conciso e ambíguo, que mais confunde do que informa. Também não explica como se coloca ou se retira a camisinha. 4º critério: formas de tratamento Livro 1 Neste livro não há detalhamento sobre as formas de tratamento, ficando a informação sobre este critério numa abordagem superficial. “Até o momento, não há vacina contra a Aids. Os vários medicamentos desenvolvidos até hoje podem prolongar a vida do doente e melhorar seu estado geral. Mas a cura definitiva ainda não existe.”(BARROS, 2004 - p.67). Não especifica quais são os medicamentos, nem se o tratamento da AIDS hoje é feito com um coquetel de drogas, cada qual atuando numa via de infecção ou de replicação do vírus, ou, ainda, sobre os antibióticos que combatem os microorganismos oportunistas. Alerta, porém, sobre a inexistência de vacina, mas não discute sua dificuldade de produção, que seria pela característica extremamente mutante do vírus HIV. Não informa, sobre a obrigatoriedade do Estado em fornecer os medicamentos necessários para prolongar a vida dos portadores do HIV e/ou doentes de AIDS, pois uma educação baseada na cidadania é uma educação que capacita os alunos no uso dos seus direitos. Livro 2 lxxi Ainda nesse critério, o autor desta obra tem uma abordagem rica e detalhada sobre as formas de tratamento. “O uso de uma combinação de medicamentos (chamada popularmente de ‘coquetel antiaids’) pode prolongar a vida do doente retardando o aparecimento dos sintomas e melhorando bastante sua qualidade de vida. Esse coquetel é composto por medicamentos que atacam os germes oportunistas, além de remédios como o AZT, o DDI, o 3TC e os chamados inibidores de proteases, que combatem o HIV. Infelizmente, não há ainda uma vacina contra a Aids. Um dos fatores que dificultam o desenvolvimento de uma vacina é a grande capacidade que o vírus têm de sofrer mutações. Surgem assim variedades novas, contra as quais a vacina pode não ser eficiente.”( GEWANDZNAJDER, 2003 - p. 229 e 230). Abordagem completa para o critério Formas de Tratamento e para a faixa etária dos alunos de 7ª série. Explica sobre a combinação de medicamentos e o uso de coquetel antiaids. Exemplifica alguns remédios, como o AZT, o DDI, além dos inibidores de proteases. Não deixa dúvidas quanto às dificuldades de produção de uma vacina contra o vírus HIV. Livro 3 Esse autor não detalha as formas de tratamento. Explica de maneira superficial, num parágrafo que se inicia desanimador, em relação à doença. “Não existe cura para a Aids, nem perspectiva de descobri-la a curto prazo. Vários pesquisadores buscam uma vacina, mas ainda são necessários muitos testes. Mas o tratamento das pessoas com Aids tem evoluído muito. Com a medicação adequada (tratamento antiviral) e apoio dos amigos, essas pessoas conseguem sobreviver muitos anos, como se estivessem com qualquer outra doença incurável.”(CRUZ, 2004 - p.195). Destacamos a informação de que com o tratamento adequado, os doentes de AIDS conseguem viver como se estivessem com qualquer outra doença incurável. Achamos imprudente a metáfora utilizada, pois cada doença incurável possui suas demandas e conseqüências no organismo dos pacientes, não sendo adequado generalizar, como o fez o autor no texto. Livro 4 lxxii No segundo parágrafo, no tópico que fala sobre AIDS, os autores explicam sobre a dificuldade de se produzir uma vacina.“Como esse vírus apresenta grande capacidade de sofrer alterações espontâneas (mutações) no seu material genético, existe enorme dificuldade para encontrar uma vacina específica.”(GOWDAK, 2004 - p. 185). No final do texto, os autores propõem algumas formas de procedimentos, sem especificar qual a DST: “Em caso de suspeita de ter contraído uma doença sexualmente transmissível, é muito importante tomar as seguintes providências: * procurar logo um médico; * suspender totalmente a atividade sexual até o desaparecimento dos sintomas; * comunicar o fato às pessoas com as quais teve relação sexual, pelo menos nas últimas seis semanas; * fazer os exames que o médico solicitar e tomar os remédios nas doses e nos horários certos.”(GOWDAK, 2004 - p.187). No caso de suspender totalmente a atividade sexual até o desaparecimento dos sintomas, pergunta-se: como deveria proceder um portador do vírus HIV, que não apresenta sintomas ainda? ou como deveria ser a vida sexual de um doente de AIDS: estaria condenado à total abstinência sexual? Não se fala de sexo seguro ou sobre sexo protegido, como alternativas para uma vida sexual saudável, dentro da realidade do doente de AIDS. Questionamos o prazo de seis semanas, como o ideal para comunicarmos aos nossos parceiros sexuais que somos portadores do vírus da AIDS. Nos baseamos no conceito de “janela imunológica” - na qual demoraríamos até 12 semanas para desenvolvermos anticorpos para o HIV. Após esse período o vírus seria detectado no nosso organismo por testes sorológicos. Dentro dessas 12 semanas seríamos portadores, sem saber,e também transmissores. Propomos a mudança no texto, sobre formas de tratamento, para o prazo de 12 semanas, pelo menos. Livro 5 As autoras resumem as formas de tratamento numa frase curta, como uma sentença de morte: “Não tem tratamento conhecido; leva à morte.”(LUZ, 2004 - p.104). lxxiii Não fala sobre as formas de tratamento que existem desde 1986, iniciada com a monoterapia com AZT, seguida da terapia combinada, a partir de 1995, conhecida como coquetel antiaids. Não diz sobre pesquisas para futura produção de vacina para a AIDS, nem sobre as dificuldades que os cientistas encontram em seus estudos. Não informa, desinforma. 5º critério: distinção entre portador de vírus HIV e doente de AIDS Livro 1 Não é feita a distinção entre portador e doente, dando a entender que a doença se manifesta logo após a infecção. “O HIV se multiplica dentro dessas células (alguns tipos de glóbulos brancos do sangue) e acaba por comprometer a atividade do sistema imunogênico (sistema de defesa do organismo) da pessoa. Quando a Aids se manifesta, a pessoa fica debilitada e torna-se incapaz de se defender contra infecções, como a pneumonia, a meningite, as infecções intestinais. Cada vez mais fraco, o doente corre o risco de morrer de uma dessas doenças que seu corpo não consegue combater.”(BARROS, 2004 - p.67). Livro 2 Enunciados detalhados, em ordem lógica, que diferencia e explica a diferença entre portador do vírus HIV e doente de AIDS. “O vírus HIV se liga a certas células do corpo humano. Entre essas células está um tipo de linfócito, que comanda uma série de reações de defesa do corpo. Uma vez dentro do linfócito, formam-se novos vírus que saem da célula e vão atacar outras células. Aos poucos, o vírus destrói o sistema imunitário, que defende o organismo contra infecções. Com isso, a pessoa poderá ser atacada facilmente por diversos tipos de germes. Muitas pessoas não apresentam sintomas nas fases inicias da infecção. Outras têm inchações nos linfonodos (no pescoço, nas axilas e nas virilhas), febre, dor de garganta e outros sintomas. Mas lxxiv atenção: pessoas infectadas pelo vírus podem transmitir a doença mesmo que não apresentem sintomas. Algumas semanas ou meses depois da contaminação, a pessoa geralmente volta a se sentir bem. Mas o vírus continua a ser reproduzir no corpo. A pessoa pode ficar muito tempo sem sintomas. Por isso ser HIV-positivo (ou soropositivo) não é o mesmo que ter Aids.”( GEWANDZNAJDER, 2003 - p.229). Não temos adendos a fazer, tendo sido o autor bem sucedido quando abordou o 5º critério: distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS. Livro 3 Não faz distinção clara entre portador do HIV e doente de AIDS. Cita apenas casos de pessoas que após quinze anos não desenvolveram a doença. “A síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ficou conhecida somente em 1981. É causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e ataca o sistema imunológico, impedindo que ele defenda o organismo de doenças. Há pessoas que têm o HIV no corpo há cerca de quinze anos e não desenvolveram sintomas, mas são exceções.”(CRUZ, 2004 - p. 195) Subentende-se que os sintomas não se desenvolvem logo após a infecção, mas o conhecimento sobre esse processo não é sistematizado. Livro 4 Não faz também distinção clara entre portador do vírus HIV e doente de AIDS. “Às vezes se passam anos desde a contaminação, ou entrada do vírus no organismo, até a manifestação da doença. Em outras palavras, o tempo de incubação pode ser tão longo que, durante esse tempo, a pessoa contaminada pode transmitir a doença para muitas outras.”(GOWDAK, 2004 - p.186). Não diz quanto tempo em média a pessoa pode se manter na condição de portadora do HIV – aproximadamente uma década. Utiliza o termo incubação, dando a entender que a fase assintomática da doença seria um período de latência, durante a qual haveria pouca ou nenhuma replicação viral. Na verdade é um processo extremamente dinâmico, onde bilhões de vírus e de linfócitos são diariamente produzidos e destruídos. lxxv Livro 5 Não faz distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS. 6º critério: se as informações têm foco na promoção da saúde e em atitudes nãodiscriminatórias Livro 1 Texto escrito descrevendo siglas, vias de transmissão, algum tipo de tratamento, mas em nenhum momento descreve ou propõe atitudes não discriminatórias aos portadores do HIV ou aos doentes de AIDS. Apenas induz uma idéia de promoção da saúde em um parágrafo, que descreveremos: “É bom lembrar:qualquer pessoa pode contrair o HIV. É preciso tomar todos os cuidados possíveis.”(BARROS, 2004 - p.67). Não reforça a associação da AIDS com a morte, nem retira a esperança dos doentes quanto a uma possível futura descoberta de cura, mas ao contrário, aconselha ao uso de todos os cuidados possíveis, para não contrair o HIV. Livro 2 O autor desse livro construiu uma abordagem não-discriminatória em um box de texto separado do texto principal. “Também não há casos de transmissão por picadas de insetos, abraços, apertos de mão, uso de sanitários, piscinas, toalhas, talheres, pratos ou copos, comidas, beijos na face, tosse, espirro ou contato social com pessoa portadora do vírus.”( GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230). Expõe explicitamente a idéia de não discriminar o portador do HIV, por não ter essa discriminação base científica. Alerta através do texto que: “Nunca é demais lembrar que, por enquanto, a Aids não tem cura. Por isso, a única solução é se proteger!”( GEWANDZNAJDER, 2003 - p.230). lxxvi Finaliza o texto sobre AIDS reforçando a idéia de prevenção e não de morte, como caminho inevitável da doença. Apesar de que o autor poderia propor, junto à idéia de que a AIDS não tem cura, a idéia de que a AIDS teria tratamento, como qualquer outra doença crônica. Livro 3 O autor destaca bem a idéia de não discriminação ao portador do HIV. “Não há perigo de contrair o HIV por suor, roupas usadas, abraços ou espirros de pessoas contaminadas. Por isso, é possível a convivência normal com uma pessoa contaminada, sem correr nenhum perigo, desde que se evite contato com feridas ocasionais.”(grifo nosso)(CRUZ,2004, p.196). Além disso, aborda a idéia de promoção da saúde com responsabilidade, enfatizando a idéia de prevenção e não do medo:“(...) Como ainda não existe cura, a única arma contra a Aids é a prevenção, criando barreiras para o vírus não entrar em nosso corpo.”(CRUZ, 2004, p.196). Livro 4 Os autores omitem qualquer idéia ou atitude não discriminatória para com os portadores do HIV ou aos doentes de AIDS. Também não destacam nenhuma idéia para a promoção da saúde; pelo contrário, destacam a letalidade e o caráter incurável da AIDS, numa frase curta e em negrito no texto seguinte:“A doença é letal e ainda sem cura.”(GOWDAK, 2004, p.186). Livro 5 lxxvii As autoras omitem qualquer idéia de atitudes não discriminatórias e de promoção da saúde no tema AIDS. Apenas oferecem, sobre a doença, informação de que: “Não tem tratamento conhecido; leva à morte.”(LUZ, 2004, p.104). Eliminam a esperança de vida para o portador do vírus HIV e empurram para a depressão os familiares do paciente. Com base nos resultados dos livros mencionados, elaborou-se uma tabela (Tabela 3), síntese da análise destes livros didáticos, indicando as obras didáticas analisadas e a respectiva presença ou ausência dos conteúdos propostos pelos PCN: Tabela 3: Presença (S – sim) ou Ausência (N – não) de conteúdos nos livros didáticos de ciências aprovados pelo PNLD-2005 analisados pelos critérios propostos pelo PCNOrientação Sexual- DST/AIDS CONTEÚDOS PROPOSTOS PELOS PCN Livro 1 Livro 2 Livro Livro 4 Livr (BARROS (GEWANDZNAJD 3 (GOWD o5 , 2004) ER, 2003) (CRU AK, (LU Z, 2004) Z, 2004) 200 4) História da AIDS S S S N S S S S N Métodos de prevenção S S S S S Formas de tratamento da N S S S N N S N N N Vias de transmissão do S HIV doença Distinção entre portador do vírus e doente de AIDS lxxviii Foco na promoção de S S S N N Foco em atitudes não- N S S N N saúde discriminatórias lxxix 7. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS DISCUSSÃO Ao longo da análise do tema AIDS nos livros de Ciências de 7ª série aprovados pelo PNLD-2005, e comparando tais livros com os Parâmetros Curriculares Nacionais, dentro do que propõe o Tema Transversal Orientação Sexual – DST/AIDS, observa-se um conjunto de obras heterogêneas. O enfoque das informações nem sempre propõe a promoção da saúde e atitudes não-discriminatórias (tabela 3). Os critérios propostos pelos PCN para o tema AIDS (histórico da doença, vias de transmissão, métodos de prevenção, formas de tratamento, distinção de portador do vírus HIV e doente de AIDS), não são os critérios utilizados para análise dos livros de Ciências no PNLD2005. Isso explica a grande variedade de abordagens dos autores e editoras quando trata do tema. Alguns autores explicam o histórico da doença apenas informando a data dos primeiros casos de AIDS (1981) (GOWDAK, 2004); outros informam a data do descobrimento do vírus HIV (1983) (GEWANDZNAJDER, 2003); um livro abordou superficialmente a construção do conceito de grupos de risco (GOWDAK, 2004) e apenas um autor explicou a possível evolução dos vírus da imunodeficiência dos chimpanzés para o homem (GEWANDZNAJDER, 2003), através de cortes nas capturas desses primatas ou na preparação de sua carne para se alimentarem. Em geral apenas informam datas e idéias, sem contextualizarem o conhecimento, e sem despertarem o saber crítico dos alunos. Sobre vias de transmissão do HIV, também observamos informações diferenciadas, com algumas omissões sérias. Os autores, em geral, não diferenciam sexo oral, vaginal e anal, nem suas especificidades. Abordam genericamente grandes vias de transmissão, como o termo relação sexual com pessoa contaminada, sem explicar se o sexo é ou não protegido. Não encontramos erros conceituais nesse tópico. Quando falam sobre métodos de prevenção, o uso da camisinha é massificado fortemente, sem que ao menos se ensine como se coloca ou como se retira o preservativo. Em nenhum momento utilizam os termos sexo protegido e sexo seguro. Esses conceitos de sexo e o ensino da habilidade de se manipular a camisinha (como colocar e retirar) seriam ferramentas que os alunos utilizariam acordo com cada situação. lxxx As formas de tratamento da AIDS também variaram muito quanto ao seu detalhamento. Apenas dois livros explicam sobre a dificuldade para se produzir uma vacina contra a AIDS, devido ao caráter mutante do vírus (GOWDAK, 2004 e GEWANDZNAJDER, 2003). Apenas um livro usa o termo coquetel antiaids, mostrando que o tratamento contra o HIV soma-se ao uso de antibióticos contra as doenças oportunistas (GEWANDZNAJDER, 2003). Nenhum indicou a forma como se conseguem os medicamentos, direito do paciente, ou como se fazem gratuitamente os exames sorológicos para o HIV. É preciso informar ao aluno os caminhos básicos para ele exerça sua cidadania. Em relação ao critério distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS, nenhum dos livros usou termos como: fase aguda, fase assintomática, fase sintomática precoce e fase sintomática tardia, que ajudariam à divisão didática do assunto e o entendimento do desenvolvimento da doença. Apenas um livro fez distinção clara entre portador e doente de AIDS (GEWANDZNAJDER, 2003). Quando se fala em AIDS, essa distinção é fundamental para propormos atitudes de sexo seguro aos jovens, que iniciam sua vida sexual e não vão encontrar sintomas nos parceiros eventualmente infectados. O trabalho com Orientação Sexual, proposto pelos PCN, visa desvincular a sexualidade de tabus e preconceitos. O conhecimento correto dos meios de transmissão do HIV deveriam impedir, ou pelo menos minimizar, atitudes discriminatórias aos portadores do vírus e aos doentes de AIDS. Apenas dois livros destacam essa idéia, mostrando que é possível a convivência normal com uma pessoa contaminada, sem risco algum (GEWANDZNAJDER, 2003 e CRUZ, 2004). Os outros livros não propõem nenhuma atitude, numa estranha omissão dos autores aos desrespeitos praticados em nossa sociedade aos infectados pelo vírus HIV. Quanto à idéia de promoção da saúde sobre AIDS nos livros didáticos observamos, em nossa análise, variadas abordagens. Dois livros associavam fortemente a AIDS à morte (GOWDAK, 2004 e LUZ, 2004). Os outros três associavam a AIDS mais com prevenção, mostrando que a melhor forma de lidar com ela é se protegendo, criando barreiras para a infecção (BARROS, 2004; GEWANDZNAJDER, 2003 e CRUZ, 2004). Existe uma divisão conceitual entre autores que enfatizam que a “AIDS mata” e outros que propõem que a “AIDS pode ser prevenida”. Nenhum dos autores introduz o conceito de vulnerabilidade, que acrescentaria questões sociais aos textos tradicionalmente científicos. Se as propostas do PNLD-2005 e dos lxxxi PCN buscam a formação do cidadão, um discurso apenas informativo, acrítico, não provocará debates em sala de aula nem aprofundará reflexões sobre a realidade brasileira ampla e/ou local. A educação para a cidadania deve oferecer aos alunos a oportunidade de se apropriarem dos conteúdos como instrumentos para mudar sua própria vida. Uma das propostas dos PCN para o ensino fundamental, relativo ao tema AIDS, é a promoção do debate sobre os obstáculos que dificultam a prevenção. Em nenhum momento é citado algum obstáculo à prevenção, tais como: a discriminação, que provoca a retração das pessoas infectadas na busca de cuidados; a pobreza, que limita o acesso da população à informação adequada e aos serviços de saúde; o preconceito ao preservativo, que dificulta adotá-lo como método de barreira; desatenção às mulheres nas campanhas publicitárias, que as tornaram recentemente vítimas principais da epidemia; o machismo, que dificulta a negociação entre os parceiros para minimizar os riscos de contaminação; a fantasia romântica, que interrompe o uso da camisinha após alguns encontros, entre outros. Uma outra proposta dos PCN para o ensino fundamental, no que diz respeito ao Tema Transversal Orientação Sexual/DST-AIDS, é que os alunos ajam de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo propositivo em ações públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS. Ora, isso não será possível pois não há propostas nesse sentido nos textos dos livros analisados. Observa-se uma insistente omissão desses textos, promovendo, mesmo que veladamente, a passividade, como se as mudanças na sociedade independessem de ações humanas. Segundo Fracalanza (2005), a concepção do livro didático é afetada pela própria prática de ensino adotada nas escolas. Com a fragmentação dos currículos escolares e a organização em séries ou ciclos, a seqüência mais ou menos rígida de conteúdos é mantida. E assim também se organizam os livros didáticos. Apresentam temas, conteúdos, atividades e exemplos bastante padronizados e fragmentados, em grande parte desvinculados do cotidiano e das experiências de vida dos alunos. Além do mais, deixam aos alunos a tentativa de juntarem, com seu próprio esforço, fragmentos os mais diversos do que aprenderam, para poderem minimamente compreender o mundo que os cerca. A ênfase na cidadania, compromissos tanto dos PCN quanto do PNLD-2005, não é feita pelos autores nem pelas editoras. Os livros de Ciências aprovados pelo MEC no Programa Nacional do Livro Didático, em 2005, não trazem questões sociais sobre AIDS como conteúdos lxxxii de aprendizagem e reflexão dos alunos. Ao contrário, escamoteiam aspectos da realidade, desenvolvendo comportamentos neutros perante os desafios dessa pandemia. A única ação proposta é : use camisinha – como uma panacéia para a saúde sexual do brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar das deficiências e omissões encontradas em alguns livros de Ciências analisados, em torno dos critérios propostos pelos PCN, reconhecemos que todos trataram de alguma forma de prevenção, denotando a preocupação dos autores e das editoras nesse enfoque. Mesmo que, segundo PAIVA (2000), “os modelos mais comuns de prevenção da AIDS serem poucos eficazes porque só se preocupam em disseminar fatos biomédicos e não os fatos socioculturais responsáveis pela expansão da epidemia.”(PAIVA,2000) Como propostas de soluções aos problemas detectados nesta análise, temos: 1) adoção, pelo MEC, de critérios mais específicos de avaliação dos livros didáticos, em relação ao tema transversal Orientação Sexual/DST-AIDS, tais como: histórico da AIDS, vias de transmissão do vírus HIV, métodos de prevenção e formas de tratamento da doença; distinção entre portador do vírus HIV e doente de AIDS, além de analisar se as informações têm foco na promoção da saúde e em atitudes não-discriminatórias; 2) produção de livros didáticos “modulares”, com abordagem temática única para cada volume de uma coleção, de forma multidimensional, de modo a articular diversas áreas do conhecimento humano relacionadas ao tema abordado. Dessa maneira, o professor poderia compor sua seqüência didática ao longo do ano letivo, a partir da realidade das escolas onde atua, da sua experiência profissional, das vivências e do contexto sociocultural de seus alunos (NETO et al., 2003); 3) utilização dos recursos do PNLD para apoiar a produção de ampla gama de materiais alternativos, nas próprias unidades escolares, nas universidades, nos centros pedagógicos das secretarias de educação municipais e estaduais, nos museus e centros de ciências, ao invés de serem apenas utilizados para a compra de livros didáticos convencionais e distribuição para as escolas públicas. lxxxiii Por fim, a melhoria da qualidade do ensino praticado em nossas escolas vai além da adoção de critérios específicos sobre AIDS no PNLD ou criação de materiais alternativos para trabalhar sobre sexualidade; utilização de livros didáticos modulares ou qualquer outro recurso didático (Atlas, vídeos, CD-ROM, textos e revistas de divulgação científica). Deve-se atentar para a figura do professor-mediador, aquele que vai definir objetivos pedagógicos ao trabalho educativo, para que ele tenha uma boa formação inicial, aliada a uma capacitação permanente, bem como substantivas melhorias nas condições salariais e de trabalho desses profissionais da educação básica. Afinal, os professores não podem ser desconsiderados no processo pedagógico. lxxxiv 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAS, Abul K. et all. Imunologia Celular e Molecular. 4ª edição, Rio de Janeiro: Revinter, 2003. AMARAL, Ivan A., NETO, Jorge M. Qualidade do Livro Didático de Ciências: o que define e quem define? Revista Ciência e Ensino. Unicamp. São Paulo, p. 19-20, ago. 2005. AXT, B. 25 Anos de AIDS. Revista Superinteressante. Edição 224, São Paulo: Ed. Abril, p.66-71, mar. 2006. AYRES, J. França Júnior. Vulnerabilidade e Prevenção em Tempos de AIDS. In: PARKER, R., BARBOSA, R. M.(orgs). Sexualidade pelo Avesso. Rio de Janeiro, Editora 34, 1999. AYRES, J. R. C. M. 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ANEXOS Anexo 1: Sistema de estágios da Organização Mundial da Saúde para Adultos e Adolescentes infectados pelo HIV Estágio Clínico 1: 1.síndrome de soroconversão; 2. assintomático; 3. linfadenopatia generalizada persistente e/ou escala de performance 1: assintomático, atividade normal. Estágio clínico 2: 4.perda de peso involuntária < 10% 5. manifestações mucocutâneas menores (dermatite seborréica, prurigo, onicomicose, úlceras orais recorrentes, queilite angular; 6.herpes-zoster nos últimos cinco anos; 7. infecções bacterianas recorrentes no trato respiratório superior e/ou escala perfromence 2: sintomático, atividade normal. Estágio clínico 3: 8.perda de peso involuntária >10%; 9. diarréia inexplicada > 1 mês; 10. febre prolongada (intermitente ou constante) inexplicada > 1 mês; 11. candidíase oral; 12. leucoplasia pilosa oral; 13. tuberculose pulmonar no último ano; 14. inecções bacterianas graves (pneumonia, piomiosite) e/ou escala de performence 3: acamado <50% dia do último mês. Estágio clínico 4: 15. síndrome consuntiva; 16. pneumonia por P. carinii (P. jirovesi); 17.toxoplasmose cerebral; 18.criptosporidiose com diarréia > 1 mês; 19. criptococose extrapulmonar; 20.citomegalovirose (CMV) de qualquer órgãoque não fígado, baço ou glânglios; 21. herpes simplex, mucocutâneo > 1 mês, ou visceral de qualquer duração; 22. leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP); 23. qualquer micose endêmica disseminada 9histoplasmose, paracocidioidomicose); 24.candidíase de esôfago, traquéia, brônquios ou pulmões; 25. micobacteriose atípica disseminada; 26. sepse por Salmonella não-typhi; 27.tuberculose extrapulmonar; 28.linfoma; 29.sarcoma de Kaposi; 30.encefalopatia pelo HIV e/ou escala de performence 4: acamado > 50% durante o dia no último mês. ANEXO 2: FICHA DE AVALIAÇÃO DO GUIA DE CIÊNCIAS – PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) – 2005, COM CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS, CLASSIFICATÓRIOS E TIPOLÓGICOS – p. 82 a 91. xc xci xcii xciii xciv xcv xcvi xcvii xcviii xcix c ANEXO 3: QUADRO SOBRE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS, ANTERIOR AO TEXTO SOBRE AIDS, NO LIVRO 4 – COLEÇÃO NOVO PENSAR – FTD (2004) (GOWDAK, 2004, p.185) ANEXO 4: ESQUEMA EXPLICATIVO DAS DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS – Livro 5 – Coleção Vivendo Ciências – FTD (2004) ci (LUZ, 2004, p. 104) ANEXO 5: SEÇÃO DISCUTAM ESTAS IDÉIAS, ANTERIOR AO TEXTO QUE TRATA SOBRE AIDS – LIVRO 1 – CIÊNCIAS – ED. ÁTICA (2004) (BARROS,2004,p.67) cii