O Uso da Medicina Alternativa e Complementar por Pacientes com

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Journal of
Epilepsy and
Clinical
Neurophysiology
J Epilepsy Clin Neurophysiol 2004; 10(4):201-204
O Uso da Medicina Alternativa e Complementar por
Pacientes com Epilepsia: Risco ou Benefício?
Auro Mauro Azevedo*, Neide Barreira Alonso*, Luís Otávio Sales Ferreira Caboclo**,
Ana Carolina Westphal*, Tatiana Indelicato da Silva*, Regina Silvia Alves Muszkat*,
Eliana Garzon***, Américo Ceiki Sakamoto****, Elza Márcia Targas Yacubian****
UNIPETE – Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias e
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
RESUMO
Introdução: A medicina alternativa e complementar (MAC) vem ganhando um espaço significativo como
forma de tratamento ao lado da medicina tradicional. Objetivo: Este estudo procurou analisar o uso de
modalidades da MAC em pacientes com epilepsia em tratamento regular no ambulatório de epilepsia da
UNIFESP. Material e métodos: Foram avaliados 97 pacientes ou familiares por meio de questionário
estruturado. Resultados: Setenta e quatro pacientes (76%) dos entrevistados referiram fazer uso de alguma
modalidade de MAC. As modalidades da MAC mais utilizadas foram: orações (49 pacientes), ervas medicinais (34), rituais do espiritismo (25), simpatias (23), passes e benzimentos (23) e dietas especiais (21). Dos
pacientes que usavam MAC, 74% não comunicaram ao seu médico sobre o uso da MAC. Conclusão: O uso
da MAC entre pacientes com epilepsia é bastante comum e freqüentemente omitido do médico responsável
pelo tratamento tradicional.
Unitermos: epilepsia, medicina alternativa, medicina complementar, terapias alternativas.
ABSTRACT
The use of alternative and complementary medicine for patients with epilepsy: risk or benefit?
Objective: This article evaluated the use of complementary and alternative medicine (CAM) in epileptic
patients. Methods: Ninety seven patients answered a standardized questionnaire about CAM use.
Results: Seventy-four patients (76%) reported having used at least one modality of MAC. The most common
modalities reported by these patients were religious practice (49 patients), herbal medicine (34 patients),
spiritual healing (25 patients), supernatural prayers and special diets (21 patients). When the patients were
asked if they told their neurologist about the use of CAM, seventy six percent answered they did not.
Conclusion: We concluded that use of CAM is fairly common among patients with epilepsy, and that these
patients often omit this practice from their physicians.
Key word: epilepsy, complementary and alternative medicine (CAM).
* Pós-graduandos da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo.
** Médico da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo.
*** Professora Assistente Doutora da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo.
**** Professores Doutores Afiliados da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo.
Received Oct. 11, 2004; accepted Nov. 22, 2004.
201
Azevedo AM, Alonso NB, Ferreira, LOS, et al.
a esperança com melhoria da qualidade de vida relacionada à saúde.
Observa-se recentemente um crescente aumento na
procura por modalidades de MAC. No início da década
de 90 havia 427 milhões de “práticos de saúde” dedicando-se às terapias alternativas. Esse número aumentou para
629 milhões em 1997 com um gasto estimado de 27 bilhões de dólares por seus usuários(2).
Uma a cada três pessoas nos EUA fazem ou já fizeram
uso da MAC, que vem conquistando um espaço considerável no sistema de saúde desse país(2). O uso de terapias
alternativas suscita inúmeras questões: É utilizada pelos indivíduos que escolheram a medicina tradicional para tratamento? Quais os tipos da MAC mais usados por nossos pacientes? Que fatores levam alguém a buscar outras formas de
tratamento? Os resultados são considerados satisfatórios?
A partir do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar o uso de modalidades da MAC por indivíduos com
epilepsia da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
INTRODUÇÃO
A epilepsia, a exemplo de outras doenças neurológicas crônicas, tem sido vista mundialmente como um problema de saúde pública. Ao se analisar os diversos estudos
sobre prevalência, os resultados mostram ampla variação
das taxas, que ficam entre 0,9 a 57 casos/100.000 habitantes(5)..A maioria das pessoas com epilepsia, se tratada
de forma adequada, terá um controle satisfatório de suas
crises. Aproximadamente 10 a 30% das crises não são
controladas pelas drogas antiepilépticas (DAE)(9). O uso de
novas DAE e a cirurgia são alternativas terapêuticas possíveis em casos refratários ao tratamento clínico tradicional.
Nos pacientes que não têm suas crises controladas as
conseqüências psicológicas e sociais da epilepsia tornamse numerosas: baixa auto-estima, exclusão social, dificuldades de inserção no mercado de trabalho, aposentadorias precoces, desemprego, problemas familiares e de relacionamento interpessoal, sintomas de depressão e ansiedade
são algumas das questões resultantes do impacto das crises
epilépticas sobre a vida cotidiana desses indivíduos.
O modo de lidar com a doença e os recursos utilizados
para cuidar da saúde relacionam-se dentre complexas variáveis de ordem psicológica e social, à cultura de origem.
Ao lado das formas tradicionais de tratamento, a medicina alternativa e complementar (MAC) vem sendo bastante
difundida na sociedade e pelos meios de comunicação, sendo por vezes mais acessível à nossa população do que a
própria medicina tradicional.
As modalidades da MAC abrangem um enorme espectro de práticas e crenças, sendo difícil defini-las. Muitas são bem conhecidas, outras são exóticas, misteriosas e
algumas vezes perigosas(6).
A ioga(10), aromaterapia(1) e fitoterapia(7), quando utilizadas no tratamento das epilepsias, ainda são reservadas
à casuísticas pequenas com resultados controversos. Numerosas modalidades da MAC contribuem positivamente
no controle das crises: acupuntura, biofeedback e meditação(8). Outras ainda são bem conhecidas e usadas no Brasil, como orações, benzimentos, uso de ervas medicinais,
massagens e trabalhos corporais. As formas da MAC que
trazem a promessa de cura em curto espaço de tempo podem constituir-se em sério risco quando conduzem à desistência do tratamento tradicional, contribuindo para um
aumento na freqüência de crises, risco de estado de mal
epiléptico como resultado da suspensão abrupta das DAE,
além de retardarem o diagnóstico médico adequado.
Alguns tipos de tratamento alternativo, ao se estruturarem no poder ilusório de uma cura rápida e por
isso mágica, servem para tamponar a angústia que a própria doença mobiliza, impedindo o uso de recursos pessoais criativos na busca de soluções adequadas de tratamento. Por outro lado, várias formas de terapias alternativas, se associadas às formas tradicionais de tratamento, permitem um alívio do desconforto psicológico e aumentam
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
Noventa e sete pacientes ou familiares (no caso de
crianças ou aqueles com dificuldade de compreensão) em
tratamento regular no ambulatório de epilepsia da Disciplina de Neurologia (UNIFESP) responderam a um questionário estruturado a respeito do uso de MAC. O questionário foi aplicado por um psicólogo da equipe multidisciplinar entre os meses de abril e maio de 2004. A
escolha de um profissional não médico para condução
da pesquisa partiu da hipótese de que o paciente freqüentemente não informa ao médico sobre a procura de
terapias alternativas.
O instrumento incluiu perguntas sobre dados demográficos e clínicos: sexo, idade, escolaridade, freqüência de crises epilépticas, uso de DAE em mono ou politerapia. Outras questões envolveram o uso de modalidades de
MAC: tipo utilizado, motivo alegado para o uso, resultados,
grau de satisfação, notificação do uso ao médico responsável, e forma de conhecimento da terapia alternativa.
RESULTADOS
Características da população estudada
Cinqüenta e quatro por cento dos pacientes da amostra eram do sexo feminino e 46% do masculino, com idade variando de 06 a 69 anos. Na amostra utilizada,
74 (76%) pacientes faziam uso de MAC.
Entre os pacientes que negaram uso de qualquer modalidade de MAC (n = 23) 57% tinham pouca ou nenhuma escolaridade (não alfabetizados e ensino fundamental).
No grupo de usuários de terapias alternativas (n = 74)
esse número subiu para 65%. Ao correlacionarmos o uso
da MAC nos dois grupos não foram verificados resultados
estatisticamente significantes (χ2 = 0,227, p = 0,634).
202
O uso da medicina alternativa e complementar ...
Em relação à freqüência de crises epilépticas, o grupo
que não fez uso da MAC mostrou os seguintes resultados:
35% não apresentaram crises nos últimos dois meses, 22%
tiveram menos de uma crise/mês, 26% mais de uma crise/
mês e 17% crises semanais. No grupo usuário da MAC
observou-se que 32% não apresentaram crises nos últimos
dois meses, 8% relataram menos de uma crise/mês, 30%
mais de uma crise/mês e 30% crises semanais. Ao compararmos os dois grupos em relação á freqüência de crises
não foram verificados resultados estatisticamente significantes (χ2 = 1,461 e p = 0,482).
Quarenta e oito por cento dos pacientes que não usavam terapias alternativas encontravam-se em monoterapia
e 52% em politerapia. No grupo que utilizara a MAC, 31%
faziam uso de DAE em monoterapia e de 69% em
politerapia. A correlação do uso de DAE nos dois grupos não mostrou diferenças estatisticamente significantes
(χ2 = 1, 488 e p = 0,223).
As formas mais utilizadas da MAC foram: orações realizadas em igrejas cristãs em 49 pacientes; uso de ervas medicinais (chás, garrafadas, banhos) em 34; rituais em Centros Espíritas em 25, simpatias em 23; procuraram passes e
benzimentos em 23; e dietas especiais em 21 (Gráfico 1).
O motivo que levou à procura de terapias alternativas
foi a crença na cura em 39% dos pacientes, seguida da falta
de sucesso no controle das crises em 30% (Gráfico 2).
A grande maioria (76%) afirmou que o uso da MAC
foi indicação de familiares e amigos.
Os resultados referidos pelos pacientes e familiares
revelaram que 48% dos pacientes não notaram mudanças
na freqüência de suas crises (Gráfico 3).
Quarenta e nove por cento dos pacientes consideraram satisfatório o tipo de tratamento a que se submeteram
(Gráfico 4).
Os resultados obtidos ainda indicaram que 74% dos
pacientes não comunicaram ao seu médico sobre o uso de
terapias alternativas.
Igrejas
Centro Espírita
50
Simpatias
40
Ervas Medicinais
Passes/Benzimentos
Dieta Especial
30
Exercícios Físicos
Acupuntura
20
Homeopatia
Cristais Energizados
10
Reike
Outros
0
Gráfico 1. Modalidades da MAC mais utilizadas.
40
35
30
A c r e d it a m n a c u r a d a
e p ile p s ia c o m o u s o
da M AC .
25
P o r q u e a s c r is e s
c o n t in u a v a m .
20
P o r in d ic a ç ã o d e
c o n h e c id o s .
15
P o r in s a t is f a ç ã o c o m
DAE.
10
5
P o r q u e q u e r ia m p a r a r
o u d im in u ir a s d o s e s
de D AE .
0
Gráfico 2. Motivo para procura da MAC.
Maior freqüência das crises
10%
48%
Crises inalteradas
42%
DISCUSSÃO
Menor freqüência das crises
Em nosso estudo que procurou verificar o uso de terapias alternativas por pacientes com epilepsia em tratamento ambulatorial em um hospital terciário, aproximadamente três em quatro pessoas (75%) fizeram ou faziam uso de
alguma modalidade de MAC. Nossos resultados indicam
um percentual maior de indivíduos que buscam tais formas de tratamento em relação a outros estudos. Em
casuística americana essa proporção foi de 1 para cada
4 indivíduos(4). Outro estudo mais recente também realizado nos EUA apontou que 24% dos pacientes utilizavam
formas da MAC(8); enquanto que nos países da África essa
proporção alcançava os 50%(3).
Em nossa casuística, as variáveis escolaridade, uso de
DAE em mono ou politerapia e freqüência de crises não
Gráfico 3. Alteraração das crises após o uso da MAC.
22%
Regular
29%
Ruim
49%
Bom
Gráfico 4. Avaliação dos resultados da MAC.
203
Azevedo AM, Alonso NB, Ferreira, LOS, et al.
mostraram uma correlação estatística significante ao comparar-se os grupos que utilizaram e os não usuários de modalidades da MAC. Provavelmente isso se explica pelo fato
de que este estudo foi realizado com uma população homogênea, constituindo-se por um percentual elevado de pacientes com baixa escolaridade (31%) ou analfabetos (15%),
com crises freqüentes (55% mais de 1 crise/mês a semanais) e uso de politerapia (65% com duas ou mais DAE).
A procura por tratamentos alternativos parece ser
maior nos países em desenvolvimento e por indivíduos com
menor escolaridade(3). Em nossa amostra, praticamente
metade da população tinha pouca (31% ensino fundamental incompleto) ou nenhuma escolaridade (15% de analfabetos). Além disso, o precário nível educacional contribui para o desenvolvimento de crendices populares, fato
bastante comum em nosso país.
Os tipos da MAC mais utilizados foram as orações
realizadas dentro da religião católica e protestante em 49
pacientes, e a participação em rituais do espiritismo em
23. Nossos resultados aproximam-se dos observados na
população africana, onde 72% utilizavam rituais religiosos
como forma de tratamento alternativo(3).
O Brasil é um país essencialmente católico, porém o
número de igrejas protestantes cresce a cada dia, além do
surgimento das mais variadas seitas. Para além das questões ideológicas existentes por trás da proliferação de seitas e religiões, o apego popular ao espiritual por vezes é
reflexo da desinformação e desamparo do indivíduo. Por
outro lado, a religião é a forma mais popular de expressão
das crenças de um povo e como tal deve ser considerada e
respeitada pelos profissionais da saúde.
As ervas medicinais em forma de chá, garrafadas (ervas concentradas em garrafa para vários tipos de doença)
e banhos foram o segundo tipo da MAC mais usado por
nossos pacientes (35%). O acesso a esses produtos é fácil,
de baixo custo e considerado inócuo por boa parte da população.
O motivo alegado para a procura de terapias alternativas em nossa casuística foi o insucesso do tratamento com
DAE no controle das crises epilépticas aliado à crença no
poder de cura da MAC. Esse dado corrobora os achados
da literatura(3).
Setenta e quatro pacientes (76%) conheceram a MAC
por meio de seus familiares e amigos. Na população africana 86,1% dos entrevistados procuraram a medicina alternativa também por conselho de familiares, amigos e vizinhos(3). Esse resultado nos faz pensar que o vínculo de
autoridade, legitimidade e confiança que o paciente estabelece com essas pessoas é fundamental na escolha de um
tipo de tratamento.
Quanto ao resultado do uso de MAC, 48% dos pacientes não observaram mudanças na freqüência de suas
crises, embora 49% tenham se mostrado satisfeitos com o
tratamento. Segundo estudo da África(3) as formas de tratamento alternativo trazem importante conforto psicológico, mesmo que não conduzam à cura.
Em nossa amostra, cerca de três quartos dos pacientes
que usavam MAC não comunicaram o fato ao médico assistente. A literatura parece ser bastante concordante no
sentido de que o paciente não costuma comunicar ao seu
médico sobre o uso de outras formas de tratamento alternativo. Nos EUA sete em cada dez pacientes que fazem
uso da MAC ocultam esse dado de seu médico(4). Pode
existir uma falha na comunicação médico-paciente: o
médico não pergunta a respeito do uso de terapias alternativas ao seu paciente, seja por não acreditar nessa possibilidade ou por puro desconhecimento sobre a MAC(4). A
difusão sobre o conhecimento da MAC é necessária e fundamental, permitindo aos profissionais da área de saúde
compreender os fatores envolvidos na opção por outras
formas de tratamento, melhora a adesão do paciente, além
de otimizar os efeitos terapêuticos da medicina tradicional e alternativa com mais segurança e efetividade(3).
Por fim, voltemos à questão inicial? A MAC conduz a
riscos ou benefícios? Inicialmente deveríamos ter em mente a que modalidade de MAC estamos nos referindo e qual
o conhecimento do paciente a respeito dos diversos tratamentos que lhe são propostos. Esse é um bom começo para
responder a pergunta acima.
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treatment of intractable epilepsy – a two- year follow-up study.
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country. Epilepsia 1994; 35:344-351.
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Delbanco TL. Unconventional medicine in the United States: prevalence, costs and patterns of use. N Engl J Med 1993; 28:246-252.
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Endereço para correspondência:
Auro Mauro Azevedo
Departamento de Neurologia e Neurocirurgia – Escola Paulista de Medicina
Rua Pedro de Toledo, 650, térreo
CEP 04023-900, São Paulo, SP, Brasil
E-mail: [email protected]
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