Resenha A EDUCAÇÃO E A INEXORABILIDADE DA RAZÃO INSTRUMENTAL Education and the inexorability of instrumental reason CESAR ROMERO AMARAL VIEIRA Universidade Metodista de Piracicaba/SP [email protected] Desencantamento do mundo, burocracia e educação de Maria da Anunciação Pinheiro Barros Neta. Mato Grosso: EdUFMT, 2008. 123 páginas. ISBN 978-85-327-0289-0 Maria da Anunciação Pinheiro Barros Neta é licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA (1984), mestre em Educação pela Universidade de São Paulo –-USP (1995) e doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (2006). Atualmente é professora da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. O livro Desencantamento do mundo, burocracia e educação, publicado, em 2008, pela editora desta universidade, é resultado de sua tese de doutorado defendida em 2006. O texto de Maria da Anunciação aborda o conceito de desencantamento do mundo (Entzauberung der Welt) – formulação fulcral da sociologia compreensiva de Max Weber – e tem como tema central demonstrar a correlação existente entre o desencantamento do mundo, burocracia e educação desenvolvida no continente europeu entre os séculos XVI e XVIII, nos períodos da Reforma Protestante, do Iluminismo e da Revolução Industrial. O livro divide-se em três capítulos, seguidos por uma conclusão geral. No primeiro capítulo, a autora trata da complexidade histórica conceitual do termo desencantamento do mundo e sua relação com a educação na Reforma Protestante e destaca as principais implicações desse conceito com o surgimento da modernidade ocidental. Para isso, guia-se tanto pelos escritos do próprio Weber como de especialistas de suas obras, abordando o conceito com clareza e competência. No segundo capítulo, a autora se detém na abordagem histórica do conceito de burocracia racional moderna e sua relação com a educação enquanto base estruturante do processo de racionalização, ou seja, o COMUNICAÇÕES • Piracicaba • Ano 16 • n. 1 • p. 127-129 • jan. - jun. 2009 127 estabelecimento de uma forma de vida moderna, ou um de um ethos moderno, guiado pela razão como uma tarefa empreendida pelo inevitável progresso científico. Maria da Anunciação explica que a educação foi utilizada nesse período como mote adequado à sustentação da burocracia moderna, ao substituir a formação do “homem culto”, ideal da sociedade tradicional, pela formação do “especialista”, mais adequado aos fundamentos da modernidade. No terceiro capítulo, destaca o conceito de desencantamento do mundo numa fase mais secular e trata, nesse contexto, das principais consequências do processo educacional promovido pelo Iluminismo, discorre sobre algumas características da Revolução Industrial e procura estabelecer uma correlação entre a burocracia racional e o desenvolvimento educativo nesse período. A partir do processo de racionalização engendrado pela modernidade ocidental, Maria da Anunciação conclui que a educação, no período estudado, foi utilizada como um mecanismo de estratificação social que pôs em movimento, pela crescente especialização profissional, um irreversível processo de diferenciação cultural, que, por sua vez, conduziu a sociedade moderna a um estilo de vida regulado por determinações mecânicas e impessoais vinculadas ao modo de produção capitalista. O assunto é desenvolvido de forma clara e objetiva pela autora, que demonstra segurança na condução dos conceitos weberianos. Entretanto, é oportuno salientar que se trata de uma leitura que exige conhecimentos prévios, por abordar um dos conceitos mais profícuos na produção intelectual de Max Weber para o entendimento do seu complexo esquema analítico, juntamente com o conceito de secularização e de racionalização. Vale destacar a coragem e a competência da autora em se aventurar por tão árduo terreno, uma vez que as formulações dos conceitos weberianos, em geral, encontramse dispersas em seus escritos, o que os tornam fugidios e complexos, causando, não raramente, controvérsias, polêmicas, contestações e mesmo interpretações simplistas. O conceito de desencantamento do mundo, tal qual Weber formula, não está circunscrito apenas a sua sociologia da religião, mas faz parte de uma tipologia e sociologia da racionalização da modernização ocidental. Esse conceito é tratado em seus escritos com duplo sentido. Ora aparece com um sentido “ético-religioso”, entendido como processo de desmagificação das vias de salvação, ora aproxima-se mais de um sentido “técnico-científico”, entendido como processo de desetização que transforma o mundo num mero mecanismo causal. Em outras palavras, o avanço da racionalidade instrumental do tipo secular substitui o significado ético-religioso do desencantamento do mundo por um significado não ético. Para Weber, esse 128 COMUNICAÇÕES • Piracicaba • Ano 16 • n. 1 • p. 127-129 • jan. - jun. 2009 é um processo inexorável regido pela lógica interna da racionalidade instrumental e não comporta mais o discurso centralizador mediado pelas imagens encantadas de mundo. Maria da Anunciação percebe essa diferenciação, entretanto aborda o assunto com cuidado e discrição, sem desvios e distorções comprometedoras, recorrendo constantemente às próprias citações do autor. Sinaliza com clareza as principais implicações do processo de desencantamento do mundo para a educação realizada nesse período, ao argumentar que esta se volta para o estudo de conteúdos científicos e técnicos, em razão das atividades vinculadas às transformações nos modos de produção capitalista. O nexo que Maria da Anunciação faz entre o conceito weberiano de desencantamento, a burocracia e a educação acentua a originalidade de sua obra e a credencia como importante contribuição para a ampliação dos conhecimentos sobre o pensamento do sociólogo no âmbito da sociologia da educação. Recomenda-se a leitura da obra dessa autora tanto por sua originalidade como pela consistência no tratamento dos principais conceitos weberianos. Dados do Autor Doutor em Educação e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba/SP Recebido: 27/10/09 Aprovado: 13/11/09 COMUNICAÇÕES • Piracicaba • Ano 16 • n. 1 • p. 127-129 • jan. - jun. 2009 129