ESTADO DE MINAS ● S E G U N DA - F E I RA , 6 D E J U N H O D E 2 0 1 1 ● E D I TO R : J o ã o Pa u l o C u n h a ● E D I TO R A - A S S I ST E N T E : Â n g e l a Fa r i a ● E - M A I L : c u l t u ra . e m @ u a i . co m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 1 2 6 EM OS DESAFIOS DA PAIXÃO Com Tatyana, Deborah Colker traduz em movimentos o romance Eugênio Oneguin, do russo Pushkin. ★ PÁGINA 8 LEO AVERSA/DIVULGAÇÃO Filme de Leonardo Barcelos recupera a história e a lenda da maldição envolvendo o edifício famoso da esquina da Av. Amazonas com Rua Tupis, mesclando depoimentos reais e ficção LEONARDO BARCELOS/DIVULGAÇÃO NEM BALANÇA, NEM CAI No Centro de Belo Horizonte, o Balança mas não cai é uma referência na paisagem e no imaginário da cidade GRACIE SANTOS A avó de Leonardo Barcelos vivia na casa da Avenida Amazonas, 749, esquina com Rua Tupis, nos remotos tempos da capital mineira. Ela sabia que o lugar era amaldiçoado e queria sua “limpeza”. Não conseguiu. Antes disso foi despejada para que no local fosse construído um arranhacéu. O Edifício Tupis não demorou a cair na boca do povo. Reza a lenda que o prédio de 17 andares, construído em 1945 (em estilo eclético e toques de art déco), tinha problemas na estrutura. Balançava e, o pior, podia cair. Daí o apelido: Balança mas não cai. Ele era dividido entre salas comerciais e apartamentos residenciais, foi república de estudantes e, depois, ficou fechado durante oito anos. Nunca caiu, nem vai cair, como garante Teodomiro Diniz Camargos, proprietário da construtura que está reformando um dos edifícios mais famosos da cidade. Quem quiser comprar um apartamento vai enfrentar concorrência: há quase 1,5 mil pessoas na fila e apenas 62 unidades. A história do Balança e a misteriosa lenda que o envolve serão contadas pelo próprio Leonardo Barcelos, da produtora Teia, diretor do longa Balança mas não cai, que vem sendo realizado desde 2008 e atualmente está em fase de montagem. O filme mescla realidade e ficção, com depoimentos de quem viveu no prédio, gente da região que tomou carinho por ele e até hoje o trata como se fosse uma pessoa com passado (terrível) e futuro (brilhante). O longa deverá ser lançado no segundo semestre. Agora, se você acreditou na tal história da avó de Leonardo Barcelos, caiu no conto do diretor. É argumento para a trama que surgiu da relação dele com o prédio. “O Balança acabou me engolindo. E o filme será uma forma de limpá-lo, revivendo sua história para que os novos moradores possam ocupá-lo com tranquilidade”, confessa Leonardo. A julgar pelas ima- SEM DESALINHO As filmagens de Balança mas não cai terminaram há uma semana. Foram feitas nos 5º e 17º andares, entre os escombros, já que as paredes internas foram demolidas. “Se alinhava a câmera com o prédio, a rua ficava torta; se alinhava com a rua, o prédio ficava torno”, confessa Leonardo. O empreiteiro Teodomiro Diniz Camargos assegura que não há problemas na estrutura. Responsável pela reforma e restauração do Edifício Chiquito Lopes, na Rua São Paulo (entre Rua Caetés e Av. Afonso Pena), resolveu repetir a dose com o Balança. “Visualizei um mercado na área central, uma possibilidade de investir em monumentos, para recuperar o Centro e, também, com minha visão de empresário, a oportunidade de negócios.” Teodomiro lembra que estudos anteriores já ha- viam comprovado que o tal problema estrutural do Balança é lenda. “O prédio não tem desalinho. Na engenharia há sempre um grau de desaprumo em qualquer construção esbelta. O que ele tem é normal. O prédio tem estrutura impecável. Foi um projeto ousado para a época, 17 andares.” A queda da marquise, ele diz, foi ocorrência comum, tanto que a PBH já criou lei exclusiva para tratar do assunto. O construtor garante que acertar a papelada dá mais trabalho que as obras de recuperação do Balança. E é isso que vem atrasando a reconstrução. Agora, assegura, faltam poucas unidades para o acerto final. Enquanto isso, a fila para comprar um apartamento no prédio cresce. Quem tiver interesse e quiser tentar a sorte pode procurar um estande da construtora. “Entramos na história, interagimos com o Balança. O prédio começou a me sugar, virou até personagem, me engoliu” ■ Leonardo Barcelos, cineasta gens registradas e pelo intenso trabalho da pequena equipe envolvida no projeto, o longa vai, como não podia deixar de ser, dar o que falar. Durante o processo de filmagens o próprio Leonardo decidiu entrar em cena e representar o tal neto da avó magoada. A história do filme começou em 2008, quando Leonardo Barcelos foi convidado por Teodomiro Diniz Camargos para registrar em vídeo a reforma do prédio. Envolvido com o projeto, o diretor percebeu que tinha rico material. Contrataram pesquisadora (Daniela Giovana) e começaram a entrar em contato com antigos moradores. “Todas as entrevistas foram feitas no prédio, porque percebemos que lá a memória das pessoas brotava com facilidade. O caso mais marcante, para ele, é o de Altivo Gomide, “mais antigo morador” (viveu no Balança 45 anos). O advogado recolhia objetos pela cidade – garrafas, sapatos, caixas de ovos etc. – e mantinha tudo organizado no escritório. GLADYSTON RODRIGUES/EM/D. A PRESS “Quando chegamos para começar as filmagens ainda havia coisas dele, só não estavam organizadas”, revela Leonardo. Gomide foi “guardião” do Balança, chegou até a contratar segurança para protegê-lo. “Pena que não quis gravar depoimento no filme”, lamenta o diretor. A linguagem tradicional do documentário não agrada Leonardo, que sentiu no espaço “uma força maior.” Percebeu como a memória guarda coisas que talvez não sejam verdade. “As pessoas mudam as histórias e, às vezes, o que fica é uma alusão ao fato. Cinquenta anos depois, eles mesmos se contradizem.” As filmagens também foram se modificando. “Entramos na história, interagimos com o Balança. O prédio começou a me sugar, virou até personagem, me engoliu”, relata. Daí até a criação da trama foi um passo. “Faço a dramatização para contar com enxerguei toda essa história, quero ajudar o prédio a se livrar dessa maldição”, diz Leonardo. BREVE HISTÓRIA 1945 – Início da construção, idealizada e empreendida pelo arquiteto e engenheiro Nícola Santólia, somente concluída em 1947. Inicialmente projetado para salas comercias, em média 10 por andar, pouco depois da inauguração foi esvaziado pela lenda de que poderia desabar. 1960 – Com o edifício desvalorizado, jovens estudantes do interior passaram a ser os únicos interessados em morar lá. O Edifício Tupis se tornou uma grande república. 1980 – Com o preço do aluguel abaixo do mercado, o prédio ficou sem manutenção e começou a se deteriorar. Luz e água faltavam com frequência. O elevador parou de funcionar e a fachada ficou comprometida. 1990 – Parte da marquise desabou, levando à interdição do edifício pela PBH. 2008 – Foi reaberto para reforma em 23 de abril. 2011 – A fachada está praticamente recuperada. As três lojas do térreo devem ser alugadas em setembro. Serão construídos 62 apartamentos de 40 metros quadrados (em média), de um e dois quartos, cozinha, banheiro e sala.