A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE

Propaganda
UNISALESIANO
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Psicologia
Ana Beatriz Gomes Menezes
Vanessa Cristina do Vale Siolari
A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE
CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS PARENTAIS EM UM
CASAL HOMOAFETIVO: UM ESTUDO DE CASO
Colégio Salesiano
Lins/SP
LINS – SP
2013
ANA BEATRIZ GOMES MENEZES
VANESSA CRISTINA DO VALE SIOLARI
A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS PARENTAIS
EM UM CASAL HOMOAFETIVO: UM ESTUDO DE CASO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à banca examinadora do Centro Universitário
Católico Salesiano Auxilium, curso de
Psicologia, sob a orientação da Prof. Dr.
Maurício Ribeiro de Almeida e a orientação
técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni.
LINS – SP
2013
ANA BEATRIZ GOMES MENEZES
VANESSA CRISTINA DO VALE SIOLARI
A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS PARENTAIS
EM UM CASAL HOMOAFETIVO: UM ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Auxilium para a obtenção
do título de Bacharel em Psicologia.
Aprovada em: ______/_______/______
Banca Examinadora:
Prof, Orientador: Maurício Ribeiro de Almeida.
Titulação: Doutor. Programa de Psicologia Social – Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
Assinatura:___________________________
1ºProf(a):___________________________________________________________
Titulação:____________________________________________________________
___________________________________________________________________
Assinatura:___________________________
2º Prof(a):___________________________________________________________
Titulação:____________________________________________________________
___________________________________________________________________
Assinatura:___________________________
AGRADECIMENTOS
Muitos foram os motivos para que eu desanimasse ao longo desta
caminhada. Ainda assim com tantos entraves, consegui concluir mais uma conquista
em minha vida. É imprescindível o apoio e o incentivo que tive de pessoas muito
especiais e que tanto amo, pessoas que estiveram ao meu lado durante a
construção deste trabalho e durante todo o curso. Primeiramente, dedico este
trabalho a meu companheiro de lutas e vitórias diárias, que sempre pude contar em
todos os momentos, me ensinando a ser paciente e a acreditar mais naquilo que
traço como metas. Te amo Elton! A sua fé em mim e em minha capacidade me
fortalece a cada dia.
A minha pequena Sophia, que ao mesmo tempo já se mostra tão grande em
suas atitudes, compreendendo os momentos em que não pude dedicar a ela o
tempo que me cobrava. Meu maior presente de Deus, minha razão para ter feito
tantas escolhas, abrindo mão de tantas outras. Sua luz e a paz que você me trouxe
é o que me faz ter forças para correr atrás todos os dias de uma vida melhor para
você minha bebê!
Aos meus pais Cledineusa e José Antonio, que foram o meu esteio, apoiandome sempre e tornando possível a realização de meu objetivo. Seus ensinamentos e
valores me conduziram durante toda a vida, e certamente passarei adiante.
A minha irmã Valéria, agradeço pelas palavras diretas e incentivadoras, que
sempre me fizeram enxergar as situações de forma mais simples.
Em primeiro lugar agradeço a Deus, por estar presente em meu caminho
guiando-me e possibilitando fazer escolhas nas quais no final terei a certeza em ter
buscado a direção correta.
A minha querida irmã Valéria que mesmo estando ocupada com seus
estudos, se disponibilizou a prestar assistência no que fosse necessário, lendo o
trabalho com o propósito de detectar qualquer erro gramatical. Muito obrigada por
tudo.
A Ana Beatriz, minha parceira neste trabalho e ao longo destes 5 anos, sua
amizade esteve presente desde o início. Obrigada pelo comprometimento e pela
confiança em acreditar que juntas poderíamos realizar mais esse desafio.
Ao nosso professor e orientador Maurício Ribeiro de Almeida, agradeço pela
excelente orientação, pelo ensinamento e dedicação concedidos no auxílio à
realização deste Trabalho de Conclusão de Curso, e por sempre acreditar em nosso
potencial.
A todos os professores do curso de Psicologia, pela dedicação e
ensinamentos disponibilizados nas aulas e estágios, cada um de forma especial
concorreu para a conclusão desse trabalho e consequentemente para a minha
formação profissional.
Ao casal homoafetivo que se disponibilizou em conceder as entrevistas,
tornando possível a realização do Estudo de Caso.
Por fim, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para o
sucesso deste trabalho, meu eterno agradecimento.
Vanessa Cristina do Vale Siolari
AGRADECIMENTOS
A longa jornada se encerra, e após cinco anos de estudos dedico esse
trabalho de conclusão de curso a todos aqueles que me apoiaram durante esse
período.
Primeiramente o dedico aos meus pais Albina e Milton que sempre estiveram
presentes me apoiando em todos os sentidos e oferecendo os subsídios financeiros
com muito esforço para que eu pudesse concluir mais essa etapa em minha vida.
Obrigada por tudo pais, principalmente por acreditarem e mim! Amo vocês!
Agradeço ao meu futuro marido, Marcel meu maior companheiro de todas as
horas que me ajudou muito com toda sua paciência, carinho e dedicação, sempre
me acalmando e me deixando mais tranquila e confiante nos momentos mais
difíceis. Te amo muito e obrigada por ser quem você é.
Agradeço a minha parceira nesse trabalho, Vanessa, por todo
comprometimento, companheirismo e seriedade para realização deste estudo, e por
toda sua amizade durante esses cinco anos.
Ao nosso querido professor e orientador Maurício Ribeiro de Almeida, por
toda a dedicação dispensada a nós não só nesse Trabalho de Conclusão de Curso
mas, em todos esses anos como o excelente professor que é, sempre confiando em
nosso potencial e nos auxiliando em nossa jornada de conhecimento.
Agradeço a professora Jovira Maria Sarraceni por nos orientar na elaboração
técnica e pelas supervisões necessárias para a sua realização.
A todos os professores do curso de Psicologia por todo o conhecimento que
nos transmitiram e por toda dedicação para com seus alunos.
Por fim, venho agradecer ao casal homoafetivo que se prontificou a
adentramos em sua intimidade e em sua história de vida para a realização desse
Estudo de Caso.
Ana Beatriz Gomes Menezes.
RESUMO
A família homoafetiva frente às novas possibilidades de configurações
familiares recebe maior visibilidade na sociedade atual. Nesse cenário tem-se
como interesse analisar essa constituição familiar, pois apesar do preconceito e
dos tabus que ainda circulam, essas famílias conquistam cada vez mais seus
direitos. Essa pesquisa enfoca os processos subjetivos disparados por esses
núcleos familiares. As estratégias metodológicas adotadas neste estudo
permitem analisar e compreender a maneira como as famílias homoparentais
se formam e como se desenvolvem crianças e adolescentes em seu meio, ou
seja, os processos subjetivos presentes nesta forma de adoção. Para o
levantamento e a análise dos dados, empregou-se a estratégia metodológica
de estudo de caso, sendo retratado um casal homoafetivo do sexo masculino,
que adotou quatro filhos, sendo que um dos parceiros vivenciou experiência
conjugal heterossexual antes da formação do par conjugal. A pesquisa é de
natureza qualitativa e descritiva. Os principais eixos de análise levantaram os
seguintes aspectos: a visibilidade do relacionamento homoafetivo;
conjugalidade/homoparentalidade; a construção dos laços filiais-paternos; a
família e as redes de socialização e as projeções para o futuro. Os dados
obtidos nas entrevistas foram analisados com base na teoria psicanalítica, em
inter-relação com a teoria de gênero. Os dados obtidos evidenciam que a
família homoafetiva em questão, apesar de suas particularidades, não rompe
com os valores tidos como tradicionais e esperados em uma família
convencional. Isso é observado no que tange aos cuidados básicos e processo
educativo que oferecem aos filhos. Os padrões heteronormativos são também
incorporados pelos participantes de modo a criar reservas quanto à
manifestação de afeto em público por parte do casal. Os dados permitem ainda
considerar que a união homoafetiva deve ser compreendida como entidade
familiar. Tal observação contribui para que se verifique a necessidade de
implementação de políticas públicas destinadas às famílias homoafetivas. Os
serviços de saúde e de adoção, por exemplo, devem se qualificar para receber
os pedidos de adoção formulado por tais famílias. Os subsídios para as
intervenções nessa área podem ser obtidos por meio de pesquisas científicas e
mobilização política dos casais homoafetivos. Tão importante quanto
reconhecer tais uniões, é permitir a essas pessoas a possibilidade de adotar,
tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana, da não
discriminação e do maior interesse da criança.
Palavras-Chave: Adoção (criança). União homossexual. Homoparentalidade.
ABSTRACT
The homoaffective family forward to the new possibilities of family
configurations gets bigger visibility in our current society. In this scenery, it has
the interest on analyzing its familiar constitution , although there are still
prejudices and tabus surrounding it, these same families conquer even more
their equal rights. This researching has focuses on subjectives process
launched by these traditional family nuclei. The methodological strategies that
were adopted in this researching, allow us to analyze and comprehend the way
how homoparental families are usually formed and how they develop their
children and teenagers in their midst, ie, the subjective process present in this
form of adoption. To survey and data analysis, it was used the methodological
strategies in the study case, where it is portrayed one homoaffective male
couple who had adopted four children, of which one partner has experienced
heterosexual marriage before becoming a couple. The researching has as
nature the qualitative and descriptive. The main analysis axes were raised by
the
following
aspects:
homoaffective
relationship
visibility;
marriage/homoparenthood; the conceptions of paternal roots; the family itself
and networks for socialization, as also the future projection. The obtained data
during interviews were all analyzed based on the psychoanalytic theory,
interrelating with de genre theory.
The achieved data makes it clear that homoaffective families in question,
although their particularities, does not break with the traditional family values,
often held as expected in a conventional family.
That's observed in regarding to basic cares and educational process that they
offer to their children. Heteronormative patterns are also incorporated by the
participants in order to make reservations about the public affections
manifestations by the couple. Data achieved also allow to consider that
homoaffective union must be comprehended as a familiar entity.
Such observation contributes to be verified the public politics implementation
necessity designed to homoaffective families.
Health and adoption services must be qualified to receive such adoption
requests filled in by those families. Subsidies for formulating such interventions
can be found by scientifics researches and politic mobilization of homoaffective
couple. As important as recognizing such unions, is to allow these same people
the posibility of adopting, in view of the human-being dignity, non-discriminating
and for the child's best interests.
Key-words: Adoption (children). Homossexual Union. Homoparenthood
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Casais e famílias: uma visão contemporânea.................... 20
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A.P.G.L: Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas.
ECA: Estatuto da criança e adolescente.
CNJ: Conselho Nacional de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................12
CAPÍTULO I – A FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES....................................15
1
A HISTÓRIA DA FAMÍLIA ..........................................................................15
1.1
Diferentes modos de compreensão da família..............................................20
1.2
A Família contemporânea .............................................................................25
CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES ATUAIS DA PSICANÁLISE E DA TEORIA DE
GÊNERO À COMPREENSÃO DA FAMÍLIA..........................................................33
2
A PSICANÁLISE: OS VÍNCULOS E A CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.....33
2.1
A teoria de gênero e as possibilidades de interpretação da família.............37
2.2
Possíveis convergências entre a psicanálise e a teoria de gênero..............41
CAPÍTULO III – ADOÇÃO E CONJUGALIDADE: ASPECTOS JURIDÍCOS,
LEGAIS E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA..............................................48
3
UNIÃO HOMOAFETIVA ..............................................................................48
3.1
A legislação e as políticas de adoção...........................................................52
3.2
A adoção por casais do mesmo sexo ..........................................................54
3.3
Desenvolvimento da criança adotiva em famílias homoafetivas .................56
CAPÍTULO IV – METODOLOGIA
4
INTRODUÇÃO.............................................................................................62
4.1
Resultados da pesquisa: análise e discussão dos dados ...........................67
4.2
As origens: História de vida de cada entrevistado e suas famílias de
origem ...................................................................................................................68
4.3
A descoberta da homossexualidade ...........................................................72
4.4
Inquietações com a homossexualidade.......................................................70
4.5
Da homossexualidade à homoconjugalidade: visibilidades
coincidentes............................................................................................................76
4.6
Relacionamentos heterossexuais ................................................................80
4.7
Formação do casal ......................................................................................82
4.8
Homoparentalidade: adoção como um caminho .........................................86
4.9
Etapas iniciais do processo de integração das crianças com a
família...........................................................................................................95
4.10 Rede de socialização ...................................................................................98
4.11 Projeções para o futuro ..............................................................................103
4.12 Parecer final do caso..................................................................................106
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO........................................................................107
CONCLUSÃO.......................................................................................................110
REFERÊNCIAS ...................................................................................................111
APÊNDICES ........................................................................................................119
12
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo a família foi constituída por união civil e religiosa
entre homens e mulheres, tendo como objetivo principal a procriação. Em
virtude das formas de desenvolvimento e organização da sociedade, houve
modificação na formação da família, que não mais precisa ser unicamente
constituída por meio da instituição do casamento. Sendo assim, o conceito de
família se ampliou, possibilitando novas formas de configurações familiares.
De acordo com Uziel (2009), na atualidade, os modelos de família estão
mais diversificados. A família nuclear constitui-se ainda como modelo de família
majoritário, porém, a realidade é que cada vez mais têm surgido novos arranjos
familiares. Faz-se, então necessário ressignificar os modelos familiares
abrangendo suas novas modalidades de relacionamentos, em especial a
família formada por casais homoafetivos, com ou sem filhos, que vem tentando
ocupar seu espaço e lutando para ter seus direitos assegurados. Deste modo,
a sociedade passa por mudanças e cabe ao Direito e a Psicologia entre outras
áreas, acompanhá-las visando a proporcionar um maior suporte ao indivíduo e
a essas novas famílias.
A emergência de novos arranjos familiares, neste contexto de
transformações e novos significados, convida a enfatizar as relações
homoafetivas concedendo-lhes caráter de visibilidade.
A
definição
de
família
necessitou
ser
reelaborada
frente
às
transformações por que passou a sociedade. O padrão clássico dos vínculos
familiares não mais se vincula aos paradigmas tradicionais do casamento
graças a fatores como a evolução dos costumes, a disseminação dos métodos
contraceptivos, o movimento de mulheres e o desenvolvimento da engenharia
genética. A família de hoje tem como alicerce a afetividade e deve ser
orientada pelos princípios constitucionais.
Neste contexto, vislumbra-se a adoção de crianças e adolescentes por
casais homossexuais, tema que se mostra cada vez mais presente no cotidiano
da sociedade. Observa-se, com certa frequência, a sua abordagem na
imprensa escrita e falada e nas discussões acadêmicas. Todavia, trata-se de
uma questão bastante polêmica, permeada de preconceitos e, não raras vezes,
13
tratada de forma parcial, e é aqui que reside a importância da desmistificação
desta matéria.
Não obstante a ausência de ineditismo, a escolha deste tema deve-se,
especialmente, a sua extrema relevância social, pois tanto o abandono de
crianças em instituições de acolhimento quanto à discriminação por orientação
sexual são graves situações verificáveis no cenário brasileiro.
Considera-se que o contato com temas ligados à esfera da sexualidade
e da adoção, em disciplinas cursadas durante a graduação gerou importantes
subsídios e motivação pessoal para a formulação desta pesquisa. Na disciplina
de sexualidade humana, por exemplo, pôde-se discutir as questões
relacionadas à sexualidade e sua influência nos processos de subjetividade,
além de se observar como os processos sócio-históricos e políticos afetam a
compreensão
da
sexualidade
contemporânea,
criando
ideologicamente
padrões de normalidade. Na disciplina de psicologia e justiça deparou-se com
as questões da adoção e da situação da criança em vulnerabilidade social,
bem com as discussões acerca da constituição de vínculos afetivos nos
processos adotivos. Ainda, a discussão sobre o sentido mais social que a
adoção adquiriu nas sociedades contemporâneas. Além de tais experiências
nas disciplinas, as atuações nos estágios curriculares também despertaram
interesses para a elaboração desta pesquisa, haja vista que nos atendimentos
clínicos e institucionais observou-se a complexidade da formação de vínculos
afetivos e as situações paradoxais que ele carrega – principalmente
relacionados à confusão de afetos entre pais e filhos e normas préestabelecidas que aprisionam as pessoas em comportamentos e valores
rígidos e estereotipados.
Assim, sob a influência dos aspectos sociais e da vivência acadêmica
durante o período de formação, estabeleceu-se, como objetivo para esta
pesquisa a analise dos aspectos psicológicos existentes na constituição de
vínculos filio-parentais em um lar homoafetivo. Para tanto, tomou-se por
referência o contexto das novas configurações familiares. Portanto o fenômeno
da adoção em um lar homoafetivo constituiu-se como objeto desta pesquisa
que adotou natureza qualitativa e foi consolidada sob o paradigma da
estratégia metodológica de estudo de caso e da entrevista semi-estruturada,
para a coleta de dados.
14
O trabalho está organizado em quatro capítulos assim distribuídos: O
capítulo I apresenta os aspectos sócio históricos da família ressaltando-se a
história e a constituição da família ao longo dos tempos e as transformações
em sua estrutura.
No capítulo II estão preconizados as contribuições da psicanálise e da
teoria de gênero como embasamento teórico para o aprofundamento de temas
que afetam a família, como a constituição de vínculos afetivos e o desempenho
de papéis sociais. Portanto, a construção dos vínculos afetivos, e o
desempenho dos papéis de gênero permitem o diálogo e as convergências
entre essas duas teorias.
O capítulo III apresenta os aspectos jurídicos e legais da adoção, tendo
como foco a adoção por casais do mesmo sexo na contemporaneidade e a
legislação concernente à união homoafetiva.
O capítulo IV é destinado à metodologia da pesquisa e os resultados da
pesquisa, sendo que nele são descritos de modo sistemático o método, as
técnicas utilizadas que permitiram a organização do trabalho e o levantamento
de dados. Apresentam-se os resultados da pesquisa, seguidos da discussão,
proposta de intervenção e por fim, a conclusão do trabalho.
15
CAPÍTULO I
A FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES
1
A HISTÓRIA DA FAMÍLIA
Para compreender os aspectos psicológicos dos sujeitos oriundos de
uma família homoparental é preciso, primeiramente, entender como as famílias
se constituem. Faz-se necessário remeter-nos a um breve contexto histórico
trazendo alguns conceitos diversos de família, fazendo uma reflexão sobre as
mudanças ocorridas em sua estrutura nos últimos séculos e as suas relações
com a sociedade.
De acordo com Prado (1981), podemos encontrar facilmente a história
da família, porém não é nada simples dizer o mesmo da história da instituição
familiar. A autora traz a origem do termo família, vindo do latim Famulus que se
trata de um conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor.
Incluindo-se assim como dependentes esposa e filhos, ocorrendo crescente
número das famílias nucleares.
Segundo Osório (2002), é possível descrever as diversas estruturas ou
modalidades assumidas pela família através dos tempos, mas não defini-la ou
determinar algum elemento comum a todas as formas que esse agrupamento
humano apresenta. De acordo com o autor, referir-se à família como uma
unidade básica de interação social talvez seja a forma mais comum e sintética
de enunciá-la; porém não basta para situá-la como agrupamento humano no
contexto histórico-evolutivo do processo civilizatório.
A família é o primeiro grupo social em que os sujeitos estão inseridos
desde o seu nascimento. É uma instituição social presente em qualquer
sociedade, apresentando diversas configurações, sendo estas modificadas ao
longo da história. Bourdieu (1993 apud UZIEL, 2002, p. 10) define família como
“um conjunto de indivíduos aparentemente ligados entre si, seja pela aliança (o
casamento),
seja
pela
filiação,
mais
excepcionalmente
(parentesco) e vivendo sob o mesmo teto (coabitação)”.
pela
adoção
16
De tal modo, entende-se a família como sendo o primeiro e mais
importante grupo social, não podendo ser ainda considerada como um sistema
simples, estável, seguindo uma construção linear ao longo dos tempos. A
família constitui-se como um sistema vivo, ativo, complexo e em constante
movimento, que tem a possibilidade de promover a socialização e a
sobrevivência de seus membros. É, portanto, responsável pela nutrição,
desenvolvimento, proteção, apoio emocional e pela transmissão de valores
éticos e culturais, além de ser o primeiro espaço para o exercício da cidadania,
assumindo desse modo, funções biológicas, psicológicas e sociais.
Prado (1981) estabelece que, é através da família que a criança se
integra no mundo adulto, sendo neste meio que aprende a canalizar seus
afetos, a avaliar e selecionar suas relações. Toda família, segundo a autora
visa primeiramente, reproduzir-se a si própria, podendo transmitir seus hábitos,
costumes e valores por sua vez às novas gerações.
De acordo com Roudinesco (2003), há três períodos distintos na
evolução da família. O primeiro é o da família tida como “tradicional”, sendo
esta responsável pela transmissão do patrimônio. Este arranjo familiar era
dominado pela autoridade patriarcal, sendo esta autoridade uma adaptação do
poder do direito divino, sem possibilidade de modificação. Dessa forma, os pais
tinham sob sua responsabilidade a escolha dos casamentos de seus filhos,
mesmo em idade precoce, sendo que os filhos não tinham a opção de escolha,
tendo que se sujeitar ao que era determinado por seus pais. Em uma segunda
fase, situada entre o final de século XVIII até meados do século XX, surge à
família dita “moderna”. Esta constituição familiar é baseada no amor romântico,
sendo que através do casamento era possível a reciprocidade dos sentimentos
e a existência dos desejos carnais. Surge então a divisão do trabalho entre os
esposos, com a mulher começando a trabalhar fora do lar. Essa mudança
acarretou em uma divisão da atribuição da autoridade sobre a educação das
crianças entre os pais e o Estado. Por fim, no século XX, a partir dos anos 60,
surge a família “pós-moderna” ou “contemporânea”, aonde a transmissão da
autoridade vai se tornando cada vez mais complexa devido à existência das
separações, dos divórcios e das famílias reconstruídas. Nesse contexto
familiar, as relações têm duração relativa, e o que une principalmente duas
17
pessoas é o interesse em relações de intimidade entre os casais, além da
realização sexual.
Para Osório (2002), família não é um conceito unívoco, mas uma
expressão passível de descrições, sendo possível descrever suas várias
estruturas ou modalidades. Dentre tantas variáveis que compõem as famílias
atualmente, é difícil encontrarmos algum elemento comum a todas as formas
deste agrupamento humano. As relações que configuram a família chamam-se
“parentesco”. O parentesco consiste numa relação entre pessoas que se
vinculam pelo casamento ou cujas uniões sexuais gerem filhos, sendo marido e
mulher parentes, independente de gerarem ou não filhos.
Assim, para a maior parte das pessoas a visão de família está
relacionada à ideia de casamento e amor, sendo um modelo ideal de instituição
universal e histórica. Essa concepção é naturalizada e isso forma um mito que
define família como um local sagrado em que seus componentes, pais e filhos
vivem em perfeita harmonia, sem problemas.
Logo, pensando a família como um sistema em constante transformação
tratando-se de um organismo complexo que se altera e que se mantém para
permitir sua continuidade e evolução, além de assegurar a possibilidade de
construção da identidade de seus membros.
Osório (2002) faz menção ao mais antigo código de leis sociais – o
Código de Hamurabi – onde dos 252 artigos, 64 são consagrados a regular as
relações familiares. O casamento era monogâmico, porém o divórcio era
consentido na ausência de filhos. A procriação era tida como elemento central
do vínculo matrimonial, tanto que se a mulher fosse estéril, o homem poderia
repudia-la. O regime era patriarcal, com o pai tendo o poder total sobre a
esposa e os filhos.
Entre os antigos egípcios, a união entre irmãos como um casamento
perfeito, sendo um privilégio dos faraós. Marido, mulher, concubinas, irmãos,
irmãs, parentes e serviçais mantinham relações que se aproximavam do
padrão fraternal sem a necessidade de definição da identidade pessoal ou
social de cada um. Os laços de parentesco e a herança eram transmitidos pela
mãe, em um regime de filiação matrilinear. A mulher tinha um papel
preponderante no seio familiar. Em se tratando da Grécia arcaica, “a célula
fundamental da sociedade era constituída por todos os que reclamavam um pai
18
comum e praticavam o mesmo culto. Essa seria uma versão primitiva da família
extensa” (OSÓRIO, 2002, p. 37).
No que se refere à Grécia clássica, a partir do século V a. C., Osório
apresenta que é possível encontrar uma estrutura familiar melhor definida, com
a supremacia do homem sobre a mulher, com o direito paterno estabelecido e
a instituição da propriedade privada transmitida de geração a geração. As
esposas sendo absolutamente submissas aos maridos, reclusas nos gineceus,
privadas de direitos políticos ou jurídicos. Em Esparta, devido ao culto à
eugenia, a mulher tinha aparentemente maior liberdade, sendo possível expor
seu corpo. O casamento propendia assegurar a reprodução e, embora a lei
exigisse fidelidade da mulher, caso o marido fosse ancião, ele poderia optar
pela escolha de um jovem são e vigoroso para fecundar sua mulher e
assegurar-lhe uma descendência dotada dos almejados predicados físicos. A
união matrimonial tinha a função puramente reprodutora e o amor derivava-se
para outras fontes e, assim, floresceram entre os antigos gregos as práticas
homossexuais, existindo o amor dos homens adultos pelos adolescentes e o
estímulo das mulheres se relacionarem entre si como uma maneira de
expressar os sentimentos elevados da condição humana.
Na sociedade etrusca, os romanos tinham a mulher no centro familiar. O
patriarcado surgiu gradualmente, onde a família passa a se organizar em torno
da descendência masculina, sendo os homens os atores principais e
centralizavam todas as ações familiares, sociais e políticas, colocando as
mulheres como coadjuvantes. Assim, a autoridade do pai sobre os filhos não só
podia punir como lhe infringir a pena capital ou transformá-lo em um escravo,
tendo este que trabalhar para os outros tendo seu salário retido ou até mesmo
podendo ser vendido como escravo, ou, se o filho houvesse cometido qualquer
ato ilícito, doando-o à pessoa lesada. Também tinha o direito de abandonar ou
matar seus filhos recém-nascidos. As mulheres, por sua vez, estavam sujeitas
à autoridade de seu sogro, enquanto esse fosse vivo. Os casamentos eram
acertados em função de um dote, da herança e de outras razões patrimoniais.
A adoção era uma prática corrente, na maioria dos casos tendo como
finalidade dar a condição de pai de família necessária para obter honras
públicas ou cargos políticos (OSÓRIO, 2002).
19
Ainda Osório (2002), destaca as estruturas familiares na Europa préfeudal, dos povos célticos e germânicos, onde entre os celtas existe a
igualdade entre os sexos, tendo as mulheres à participação ativa na vida tribal,
combatendo ao lado os homens na defesa de suas terras. Mais tarde, sob o
domínio do Império Romano, a família celta adota a estrutura patriarcal, mas
conservando as mulheres autonomia não encontrada entre outros povos. Nas
famílias germânicas a ausência de regras de sucessão e a tendência a não
partilhar o patrimônio após a morte do pai contribuíram para a menor rigidez
dessa estrutura patriarcal. Chegando à família sob a organização feudal da
Idade Média, onde não mais o casamento centralizava a vida familiar e sim a
linhagem. A mulher só pertencia à linhagem do marido enquanto este estivesse
vivo. Por outro lado, prevalecia a chamada “família abrangente”, que incluía
outros parentes. Ao fim da Idade Média, com o nascimento da industrialização,
a família nuclear estabelece prevalência, porém a autoridade patriarcal
continua sendo externa ao núcleo familiar.
Segundo Lévi-Strauss (apud ROUDINESCO, 2003, p. 17), quando
questionado acerca das novas formas de organização da família, coloca o
seguinte: “O leque das culturas humanas é tão amplo, tão variado (e de
manipulação tão fácil) que nele encontramos sem dificuldade argumentos em
apoio a qualquer tese” [...].
Prado (1981) aclara que não há transformação numa só direção, as
estruturas familiares vão se modificando. Fala-se muito em ‘crise’ da família,
porém toda e qualquer mudança ou estado de evolução permanente de
qualquer fenômeno social implica uma constante transformação. Ainda Prado,
“Seria preciso, para traçar as mudanças históricas da família, conhecer a
história de cada modelo familiar” (PRADO, 1981, p. 70).
Resumindo, a autora estabelece não ser possível falar em história da
família, mas sim na história que passa cada grupo familiar.
Por fim, é importante ressaltar que cada família, em seu tempo e ao seu
modo, ajuda a construir novas formas de convivência e interação entre seus
membros e as gerações futuras, bem como destes com a sociedade em geral.
Deste modo, trata-se de um ambiente rico de informações e conhecimento que
deve ser cada vez mais pesquisado.
20
1.1
Diferentes modos de compreensão da família
Inicialmente, faz-se necessário uma reflexão acerca da concepção
histórica de família, podendo visualizá-la em seus diferentes modelos, bem
como suas alterações de estrutura e funcionamento, através da apresentação a
seguir, de um quadro idealizado por Osório (2002), baseado nos modelos de
estruturas familiares proposto pelo historiador Mark Poster em sua Teoria
crítica da família, podendo ser acrescentado um quinto modelo, o qual
denomina-se como Família da “Aldeia Global” no limiar do século XXI.
Quadro 1: Casais e famílias: uma visão contemporânea.
Fonte: Osório, 2002, p.45
21
A visualização do quadro permite observar uma visão global da estrutura
familiar ao longo da História, sintetizando as constatações apresentadas até
aqui, de que sua estrutura e suas funções estão intrinsecamente vinculadas às
mudanças.
De acordo com Passos (2005), ainda que não se possa falar em uma
absoluta falência do sistema patriarcal, é necessário reconhecer que suas leis
e noções internas não dão mais conta das demandas relacionais criadas nas
sociedades liberais e democráticas, onde os cidadãos estão mais livres em
criar e recriar suas experiências de afeto.
O declínio do patriarcado tem se mostrado evidente em muitos
contextos relacionais, dos quais a família é o mais visível, mas
ele permanece ainda com certa força no imaginário social de
sociedades ainda frágeis do ponto de vista do favorecimento da
expressão livre de seus cidadãos. Isto se verifica não só nas
manifestações afetivas, mas na forma como é conduzida, com
frequência, a política das relações entre gêneros. Vivemos,
assim, muitas contradições: na prática acompanhamos a
diversificação dos modelos familiares, mas em tese
continuamos, em grande medida, a considerá-los a partir de
concepções que se tornam cada vez mais obsoletas (PASSOS,
2005, p. 5).
Merece consideração salientar as várias modificações nas constituições
familiares, como o crescimento do número de divórcios, separações e
recomposições conjugais, devido, muitas vezes, à independência econômica
dos cônjuges, a qual facilita a ruptura do vínculo familiar, quando o convívio
não é mais fonte de satisfação e de prazer; o pai já não é mais o único que
transmite voz de autoridade dentro de uma família; surgimento de organizações
familiares alternativas, como os casamentos sucessivos com parceiros distintos
e filhos de diferentes uniões; as famílias extensas, nas quais avós e pais
coabitam; casais homossexuais adotando filhos legalmente; as chamadas
produções independentes aparecem com maior frequência; aparecimento das
famílias monoparentais, onde apenas um dos pais está presente e é
responsável pelos filhos; o controle da reprodução possibilitando maior
liberdade às mulheres; perspectiva de igualdade entre os sexos; a mulher entra
no mercado de trabalho, reduzindo o tempo para o cuidado dos filhos;
22
mudança do espaço do homem no convívio familiar, acarretando na
distribuição do poder; perda de validade de valores e modelos da tradição,
onde o aqui e o agora é o que importa, prevalecendo à busca pela satisfação
imediata.
Segundo Zambrano (2006), embora a família nuclear, monogâmica,
heterossexual e com finalidade procriativa, seja a mais comum em nossa
sociedade, após advento do grande número de divórcio, passou a surgir à
multiplicação dos novos arranjos familiares que permitiram a construção de
novos tipos de aliança, como as famílias de acolhimento, recompostas e
monoparentais.
Pereira
(2012)
argumenta
que
as
mudanças
relacionadas
às
constituições familiares são visíveis e pontuais, onde embora os costumes
sociais tenham se alterado, a relação de amor não desapareceu, convertendose o modelo contemporâneo de família em associação de duas pessoas, em
condições de igualdade sexual, deixando a família de ser um núcleo econômico
para se transformar em espaço de companheirismo e de troca de afeto na
construção de projetos em comum.
Com a aplicação do princípio constitucional da pluralidade das formas de
família, instituído com a Constituição de 1988, entrando em compasso com a
realidade dos fatos sociais, rompe com o exemplo de que o casamento seria o
único instituto gerador e legitimador da família brasileira. Assim sendo, cai-se o
mito de que o modelo ideal de família era o da família hierarquizada, patriarcal,
impessoal e, obrigatoriamente heterossexual, abrindo espaço à manutenção do
vínculo (TORRES, 2009).
As uniões conjugais na contemporaneidade, já não tem mais como único
objetivo à geração de filhos, busca-se, além do prazer de ambos os envolvidos,
uma relação que prevaleça a igualdade na doação de entrega, afeto e
cumplicidade.
Balen
(2012)
coloca
a
família
como
o
fator
de
segurança,
proporcionando apoio, diálogo, acolhimento, solidariedade e calor humano.
Tratando-se a família de ser o núcleo formador da pessoa, tornando-se
fundamento do sujeito, desenvolvendo nele identidade, autoestima, capacidade
de iniciativa, autonomia, senso crítico, confiança, abertura ao outro e acima de
tudo disponibilidade à cidadania.
23
De acordo com Torres (2009), os novos arranjos familiares podem ser
classificados em três grupos: família conjugal, família parental e a família
unipessoal, de tal modo que qualquer tipo de família estará necessariamente
estereotipado em um desses grupos. A família conjugal sendo aquela que se
institui a partir da relação amorosa, estando presentes, além do afeto, o desejo
e o amor sexual. Outra categoria de família segundo autor, que se mostra
diante do reconhecimento da pluralidade dos arranjos familiares, é a família
parental, “definida como sendo aquela formada por um grupo de pessoas
unidas pelos laços de parentesco biológico ou socioafetivo” (p. 83). Tendo
como espécie de família parental a monoparental, sendo esta formada por
qualquer dos pais e seus descendentes, podendo também ser composta por
irmãos que não estão no convívio dos pais e também aquelas compostas por
avós e netos. Podendo a família parental estar contida ou pode ser inserida na
família conjugal.
O mesmo autor apresenta outra natureza de família oriunda da família
parental:
A família parental inclui entre suas espécies a família
socioafetiva; nela pode se inserir a família substituta, cuja
origem é a adoção, a tutela ou a guarda. Convém ressaltar que
a família parental, advinda da socioafetividade, é amplamente
tutelada por nosso ordenamento jurídico, em face da extrema
valoração do princípio da pluralidade das formas de família [...]
(TORRES, 2009, p. 83).
Para finalizar, Torres (2009), cita a família unipessoal, sendo os solteiros
por convicção, viúvos ou separados/divorciados sem terem tido filhos,
celibatários etc., vivem distante dos demais entes e a eles ligados por
consanguinidade ou afetividade.
Passos (2005) propõe que as novas maneiras de ser família atualmente
sejam meditadas a partir de uma ética que leve em conta as demandas afetivas
dos sujeitos nelas envolvidos. Esta ética necessita estar assentada, deste
modo, nas mais variadas formas de conjugalidade, parentalidade e filiação que
configuram um contexto familiar fundamentado nos laços de afeto.
Osório (2002, p. 62) institui que “o modelo emergente nas relações
presentes num sistema conjugal pauta-se pelo respeito às vontades individuais
e não mais pelo exercício do domínio sobre o (a) parceiro (a)”.
24
Assim, o afeto passa a ser atributo primordial nas novas formas de ser
família, existindo a priorização do bem estar de todos seus membros, onde a
família segue significando a instituição que gera possibilidades ao ser humano
em receber os cuidados básicos e ainda receber referência de valores que
serão importantes para a busca da autonomia na vida adulta.
As famílias têm passado por processos de mudança e reorganização,
seja em relação ao número de filhos, seja em relação às suas estruturas e os
modos de expressão de afetos. Diferentes configurações ganham visibilidade,
como as famílias constituídas por duas pessoas do mesmo sexo.
De acordo com Dias (2004, p. 46):
A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito
humano fundamental que acompanha o ser humano desde o
seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como
direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e
imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano, se
não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade,
conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a
liberdade de livre orientação sexual.
Tendo assegurado o direito à constituição da família, independente da
orientação sexual ou identidade de gênero de seus membros, de forma
expressa a família homoafetiva, como entidade familiar, goza da proteção do
Estado, abrangendo a todos os direitos assegurados à união heteroafetiva, no
âmbito do Direito. “Defendemos, pois, um Estado que faça pacto civilizatório
com a diferença e não seja veículo da barbárie que é a intolerância”. (FACHIN,
2012, p. 161).
Mencionando Silva, (2008) é necessário compreender melhor essas
dinâmicas familiares, sendo um importante passo rumo à construção de uma
sociedade mais igualitária, que vive bem com todas as possíveis diferenças.
Essas famílias constituem-se como famílias iguais a quaisquer outras. “A
diferença está na diferença natural da condição humana: como não há um
indivíduo igual a outro, não há uma família igual à outra” (SILVA, 2008, p. 20).
Não se pode mais fechar os olhos para os fatos que estão frente à
atualidade, às uniões homoafetivas existem e estão se mostrando em prol de
reconhecimentos de seus direitos e valores como seres humanos iguais a
todos.
25
O reconhecimento dos indivíduos que exibem sexualidades e papéis de
gênero que não se enquadram nos padrões heteronormativos produz
repercussão significativa no campo de debates sobre a família, pois apontam
para a ‘quebra’ de paradigmas que fundam a lógica da família tida como
tradicional.
1.2
A Família contemporânea
A família apresenta-se em um contínuo processo de transformação, que
implicam em constantes mudanças e adaptações. Essas mudanças geram
crises, de maior ou menos intensidade.
De acordo com Grisard Filho (2003), estamos presenciando o advento
da diversidade dos modelos familiares, estamos em uma época de mudanças
que não significa o fim do modelo clássico de família da era moderna, mas que
também não pode mais ser usado como único paradigma para a sociedade do
futuro, agora se elaboram novas e variadas estruturas familiares, saindo da
família nuclear e entrando em uma sociedade que sinaliza a pluralidade de
novas organizações familiares.
A diversidade também é uma característica das sociedades modernas,
em que as famílias se tornam espaço de interação entre várias raças, etnias e
religiões. Homens e mulheres compartilham funções que antes eram mais
precisamente definidos por gênero.
Na sociedade ocidental durante séculos a filiação esteve ligada ao
patriarcado, sendo o pai o chefe do grupo familiar, onde havia uma relação de
poder em que a mulher e os filhos estavam subordinados ao pai. Dentre as
várias mudanças ocorridas ao longo dos anos a concepção de família vem se
ampliando e modificando-se. Esses novos arranjos abrangem famílias
monoparentais,
homoparentais,
adotivas,
recompostas,
concubinato,
temporárias, produções independentes, e tantas outras. Todos eles foram
advindos do reflexo de mudanças na sociedade.
De acordo com Bougrab, Deschavanne e Thompson (2007), a família é
uma construção social, e a filiação é de ordem da decisão da sociedade e não
biológica. As novas formas de família relativizam o principio da filiação, que
antes era dado através do casamento e da presunção da paternidade. Ela
26
escapa aos laços de sangue e não tem mais a necessidade de um homem e
uma mulher para fazer uma criança. Hoje o desejo da criança e a vontade de
ser pai são as expressões dessa filiação.
Apesar de a família ser uma instituição cultural, aspectos biológicos,
sociais, legais e simbólicos influenciam diretamente em sua construção, porém,
ao mudar os valores da sociedade sua configuração consequentemente é
alterada.
Essas transformações contribuíram para o surgimento de novas formas
de relacionamentos, conjugalidades e parentalidades.
Segundo Osório (2002, p. 17):
O papel conjugal pressupõe a interdependência dos
participantes do casal e sua essência radica-se no postulado
de que a sobrevivência dos indivíduos que o constituem é
facilitada pelo mencionado compartilhamento de tarefas no
mútuo preenchimento dos desejos e necessidades de cada um.
Cooperação, competição, simbiose, complementaridade e
reciprocidade são alguns termos que delimitam o papel
conjugal. O papel conjugal não abarca, portanto, as atribuições
decorrentes da função reprodutora, que pertencem á esfera do
papel parental.
A prática de parentalidade refere-se à experiência concreta de se tornar
pai e mãe e corresponde às tarefas cotidianas executadas junto ao filho. O
papel materno seria aquele relacionado aos cuidados básicos, a nutrição,
proteção da prole, acolhimento e função de receptor de angústias existências.
O papel paterno seria o de intepor-se entre mãe e filho facilitando o processo
de dessimbiotização e, consequentemente, encaminhar a aquisição de
identidade da criança ao longo de seu desenvolvimento. (OSÓRIO, 2002).
A experiência de parentalidade, por sua vez, corresponde às
experiências subjetivas de tornar-se pai e mãe; portanto, está
vinculada ao desejo de filho e tem sua base nas interações
fantasmáticas entre os pais e a criança. (ALMEIDA 2012, p.69)
De acordo com Kehl (2003), no que diz respeito ao masculino e ao
feminino é na interdição do incesto e sexuação que se resume o papel que a
família deve desempenhar na constituição do sujeito. Dentro desse contexto a
27
família tem o papel de formador, no sentido de preparar as crianças para suas
responsabilidades em relação às normas de convívio social.
Apesar das transformações dos núcleos familiares prevalece à
importância dos cuidados básicos a uma criança e a família ainda é
considerada a instituição que permite ao ser humano receber os cuidados
básicos e encontrar valores importantes para a busca da autonomia na vida
adulta.
A importância da família para o desenvolvimento humano é destacada
por Osório (2002) por meio de três funções básicas. Embora estudadas
separadamente, como estratégia didática, elas não podem ser fragmentadas e
ao se associarem dão o tom aos processos subjetivos humanos. Descreve o
autor:
Poderíamos dividir as funções da família em ‘biológicas’,
‘psicológicas’ e ‘sociais’; tais funções, no entanto, dificilmente
podem ser estudadas separadamente, já que estão
intimamente relacionadas e confundem-se umas com as
outras, quer nas origens como no destino das estruturas
familiares ao cargo de progresso civilizatório. (OSORIO, 2002,
p.19).
A família pode assumir diferentes composições e estruturas. A evolução
social determinou a evolução do conceito de família fazendo surgir novos tipos
de organizações familiares.
De acordo com Cecarelli (2007), um dos grandes debates atuais gira em
torno das formas de ligações afetivas entre os sujeitos onde exista ou não, uma
forma de exercício de parentalidade que foge dos padrões tradicionais e
também as mudanças que afetam diretamente na forma de procriação. Isso
deve-se ao fato de que ao pensar em uma definição para a família, muitas
pessoas têm em mente o modelo que corresponde ao da família nuclear
burguesa composta por pai, mãe e crianças. A partir daí, todas as
interpretações passa a serem feitas dentro desse contexto, diante da estrutura
proposta por esse modelo e assim sendo, a família que não se enquadrar a
essa perspectiva será tratada como diferente.
“Pode-se supor que, ao aceitar o modelo de família burguesa como
norma e não como um modelo constituído historicamente, aceita-se
28
implicitamente seus valores, regras e padrões emocionais”. (SZYMANSKI,
1995, p.24).
Sendo assim, todas as formas de família que se encontrem fora de
contexto
serão
consideradas
desestruturadas,
e
consequentemente
responsáveis pelos problemas emocionais e pelos desvios comportamentais
dos indivíduos.
Seguramente, muitos destes modos de procriação e de filiação
sempre existiram. Entretanto, eles eram marginais em relação
aos padrões oficiais ou, simplesmente, ignorados como se não
estivessem ocorrendo ou, ainda, tratados como uma fatalidade
infeliz: crianças criadas por um só genitor – na grande maioria
dos casos a mãe. Mas, a partir do momento que os
protagonistas desses arranjos passaram a exigir seus direitos
de cidadãos provocando visibilidade, começaram a surgir
questões que interpelam todo o tecido social. (CECARELLI,
2007, p.92).
A sociedade defronta-se com os possíveis perigos dessas novas
configurações
afetivas,
o
temor
frente
à
desintegração
da
família,
consequências negativas à estruturação psíquica de crianças adotadas por
pessoas do mesmo sexo.
A naturalização desse modelo de família torna-o incontestável
e leva ao pensamento, comum na nossa cultura, de que uma
criança pode ter apenas um pai e uma mãe, juntando na
mesma pessoa o fato biológico da procriação, o parentesco, a
filiação e os cuidados de criação. Isso acontece porque, ao
percebermos "pai" e "mãe" apenas como aqueles que dão a
vida à criança, concebemos essa relação como tão "natural"
que nem pensamos possa ser ela submetida à lei social.
(ZAMBRANO, 2006, p.126).
Nossa cultura da grande valor aos aspectos biológicos do parentesco,
porém devido a grande variação dos papéis sociais parentais desempenhados
nas diferentes culturas ao logo do tempo, pode-se pensar na parentalidade não
como um sinônimo de parentesco, o parentesco e a filiação são elementos
sociais e não somente aqueles advindos da procriação.
29
É nesse contexto das novas configurações afetivas que surgem as
famílias homoafetivas, onde o vínculo afetivo ocorre entre pessoas do mesmo
sexo.
Recusar chamar de "família" esses arranjos, negar a existência
de um vínculo intrafamiliar entre os seus membros (ainda que
esses vínculos possam ter um aspecto extremamente polimorfo
e variado) e impedir que tenham um estatuto legal, significa
"fixar" a família dentro de um formato único, que não
corresponde à diversidade de expressões adotadas por ela nas
sociedades contemporâneas. (ZAMBRANO, 2006, p. 129).
Assim faz-se necessário que a união homoafetiva seja reconhecida
como entidade familiar, favorecendo a casais homossexuais os direitos
concernentes inclusive ao processo de adoção de uma criança.
Consequentemente, podemos considerar que os modos de vida nas
famílias contemporâneas vêm se transformando, em um tempo histórico e
social, produzindo novas articulações de gênero, onde novos códigos são
elaborados.
Na atualidade, a partir das diversas tendências apresentadas, notamos
que o conceito de “famílias”, em suas múltiplas configurações, está mais
próximo da realidade vivenciada contemporaneamente. Desta forma, há um
reducionismo significativo se consideramos existir apenas um único modelo ou
padrão de família, deixando assim de perceber as particularidades e
singularidades de cada arranjo familiar.
De acordo com SILVA (2008), as novas configurações familiares
colocam em xeque a concepção heterocêntrica da família como única,
enfrentando novos e fortes desafios. Uma vez reconhecidas, as novas formas
de família ameaçam a cristalização dos modelos anteriores, que até então
eram inquebráveis.
Gross (2005) define as famílias de hoje como plurais e que se conjugam
de acordo com dois modelos: a biparental ou a multiparental.
A biparental seria aquela onde dois adultos criam um filho, pais casados,
heterossexuais em concubinato, casais homoafetivos ou o lar monoparental.
As famílias monoparentais são aquelas formadas por uma pessoa
adulta, homem ou mulher, responsável por uma ou mais crianças, ela possui
30
várias origens podendo ser por meio da inseminação artificial, através da
adoção, divórcio, morte do cônjuge, entre outras.
Já nas famílias multiparentais, de acordo com Gross (2005), mais de
duas pessoas criam os filhos, elas agrupam pais biológicos e sociais, um
exemplo desse tipo de família são as famílias recompostas.
As famílias recompostas são aquelas resultantes de recasamentos em
que um dos membros do casal ou os dois têm filhos de relacionamentos
anteriores. Podem existir os filhos de um, os filhos de outro ou os filhos de
ambos. Nelas, as relações de afeto sobrepõem-se as relações sanguíneas e a
vivência em comum são importantes que a biológica. Assim quando uma
mulher que já tem filhos se volta a casar, leva para a sua família um novo
companheiro ou companheira e uma nova família. As crianças passam a lidar
com um padrasto ou madrasta e com a família de origem deste. Se um deles
tem por sua vez filhos de uma relação anterior, as crianças de ambos têm de
adaptar-se a uma invasão de espaço físico e psicológico e a partilhar afetos e
atenções com pessoas diferentes de origens diferentes.
A pluriparentalidade parece, por um lado, inevitável, seja por
conta dos novos arranjos familiares que se formam com os
divórcios e os recasamentos, seja através da circulação das
crianças, ou ainda das novas tecnologias reprodutivas, embora
a sociedade ainda resista a exergá-las. (UZIEL, 2007, p.52)
De acordo com Gross (2005) as famílias multiparentais constituídas pela
coparentalidade podem ser diversas de acordo com o grau de implicação da
companheira e companheiro dos pais legais. Na multiparentalidade a vida em
família acaba por se constituir no seio de uma rede familiar muito mais do que
em uma célula. É o lugar da elaboração de um modelo familiar inédito.
As famílias homoparentais inscrevem-se dentro dessa pluralidade de
modelos familiares, reúnem várias formas e se conjugam também de acordo
com os modelos biparental ou multiparental.
Ainda conforme Gross (2005), as famílias homoparentais de estrutura
biparental são aquelas nas quais as crianças vieram em um contexto
homoparental e são criadas por pessoas do mesmo sexo. Um deles teria o
“status” de pai legal, perante a lei e o outro seria o pai social. O modo de
chegada de uma criança a esse tipo de família se dá através da adoção ou da
31
concepção de um doador conhecido ou desconhecido, ou então, de uma mãe
de aluguel.
As famílias homoparentais de estrutura multiparental, são aquelas
constituídas pela coparentalidade. Podem ser famílias recompostas, onde as
crianças nasceram de uma união heterossexual anterior, ou de uma relação em
que um homem e uma mulher sem vida conjunta concebem e criam um ou
vários filhos. Nesse caso, pode haver várias pessoas além dos pais biológicos
que podem também comportar-se como pais, são designados como “pais
sociais” ou “copais” diferem-se de padrastos e madrastas que aparecem em
um segundo momento na vida das crianças, estes estão presentes antes do
nascimento.
O termo homoparentalidade foi criado em 1997 pela Associação de Pais
e Futuros Pais Gays e Lésbicas (A.P.G.L), é um neologismo criado para
designar todas as situações familiares onde ao menos um adulto que se
autodefine como homossexual é pai ou mãe ao menos de um filho. A
emergência da questão da homoparentalidade situa-se no cruzamento de
evoluções do olhar lançado a homossexualidade desde há aproximadamente
vinte anos, e da transformação do olhar sexual da família. (GROSS, 2005).
A união de pessoas do mesmo sexo sempre existiu, porém,
principalmente após a sacralização do contexto de família pela igreja católica,
as relações homoafetivas passaram a ser alvo de preconceito e repúdio social.
A família homoparental não oferece um quadro referência comparativo e
seria também impossível este ajuste entre modelos uma vez que as relações
homoparentais exigem uma configuração de funções e lugares distinta da
parentalidade heterossexual. Segundo Gross (2005) a homoparentalidade vem
questionar as definições que a sociedade dá a filiação, a família e a
parentalidade.
A justificativa usada para manter o homossexual afastado do exercício
da
parentalidade
ancora-se
na
biologia,
compreendendo-se
a
homossexualidade como algo antinatural, que rompe com o a proliferação da
vida através da reprodução entre homem e mulher. Essa inadequação vista
pela grande parte da sociedade tem origens culturais e se procura respaldo na
natureza, com o intuito de se terem mais garantias de seu cumprimento.
32
A homossexualidade acaba sendo vista como um desvio da natureza,
uma condição que o sujeito deve se acostumar visto que não é capaz de fazer
uma opção de fato, e todas essas compressões inspiram pena, violência,
caridade.
Embora encontremos algumas pesquisas que se dedicam à
investigação dessas famílias, mostrando o sucesso dos
homossexuais no exercício de sua parentalidade, diversos
setores sociais insistem em questionar a capacidade dessas
pessoas em cuidar de uma criança e oferecer a ela, uma
convivência familiar saudável. Mais uma vez entra em cena, o
exercício de poder da heteronormatividade, em detrimento da
aceitação das diferenças e das múltiplas possibilidades
existentes para a manutenção da família. (SILVA, 2008, p.18).
Segundo Zambrano (2006), as famílias homoafetivas propõe um modelo
alternativo, onde o vínculo se dá entre pessoas do mesmo sexo, incluindo os
casos de parentalidade de travestis e transexuais. Essas uniões, apesar de não
possuírem a capacidade procriativa, não impedem que seus componentes
possam tê-los individualmente.
33
CAPÍTULO II
CONTRIBUIÇÕES ATUAIS DA PSICANÁLISE E DA TEORIA DE GÊNERO À
COMPREENSÃO DA FAMÍLIA.
2
A PSICANÁLISE: OS VÍNCULOS E A CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA
O termo vínculo tem sido usado, muitas vezes, como sinônimo de
relação. Na psicanálise tradicional, com ênfase na psique individual, vincular-se
ou relacionar-se se refere mais a conteúdos ou objetos internos, o que permite
denominar mundo e/ou espaço psíquico intrasubjetivo.
Segundo Benghozi (2010, p.16):
O vínculo de filiação diz respeito, em nível vertical e diacrônico,
aos antecedentes – pais, avós... até a figura do ancestral – e
aos descendentes – filhos, netos e até mesmo os ainda não
nascidos da filiação.
Ainda ressalta que o vínculo de filiação diz respeito ao vínculo de aliança
conjugal, da mesma forma como qualquer vínculo que determine o
pertencimento a algum grupo, como instituição ou comunidade. O vínculo
social é psíquico de afiliação e apoia-se na realidade sociológica de inserção
no espaço grupal e social. (BENGHOZI, 2010).
Nos dias atuais existem inúmeras formas de famílias, a família moderna
já não possui mais o casamento como fator crucial, mas se estabelece
mediante a escolha amorosa na busca da realização da sexualidade e da
paixão. É sob a influência dessas mudanças que se pode verificar diferentes
tipos de vínculos surgirem em diferentes configurações familiares.
A preservação da liberdade de escolha e o direito de assumir
os próprios desejos geraram a possibilidade de transitar de
uma estrutura de vida para outra que pareça mais atrativa e
gratificante. Essas mudanças cunharam um perfil diferenciado
para albergar, no conceito de família, os vínculos distanciados
da estrutura convencional imposta por uma sociedade
conservadora, que reconhecia somente a união de um homem
e uma mulher sacralizadas pelos laços do matrimônio. (DIAS,
2003, p.270).
Historicamente, a psicanálise ao estudar as relações de objeto, ou seja,
a maneira como cada indivíduo se relaciona com outro criou um constructo
34
chamado vínculo. A Psicanálise incorporou as noções que mostram o papel do
outro no pensamento e nas sensações de cada indivíduo.
A Teoria da Vinculação baseia-se em um modelo de desenvolvimento
emocional que postula a ligação da mãe e do bebê, ela fundamenta um modelo
das relações futuras do sujeito que promove expectativas e assunções acerca
dele próprio e dos outros, suscetíveis a influenciar a competência social e o
desenvolvimento emocional do individuo ao longo da vida. Bowlby (1977) com
frequência afirmava que a vinculação era uma característica emocional que
acompanha os seres humanos ao longo da vida. (RIBEIRO & SOUZA, 2002)
A teoria dos vínculos afetivos proposta por Bowlby contribuiu para a
compreensão da origem do desenvolvimento e dos padrões de relacionamento
que se estabelecem ao longo de todo o desenvolvimento, dando particular
valor à primeira relação que a criança estabelece na infância com as figuras de
apego. A pessoa mais próxima da criança assume geralmente o papel dessa
figura na medida em que proporciona segurança e a proteção necessárias à
criança. Constitui-se como base segura, em que o bebê parte para explorar e
descobrir o mundo, mas regressa a procura de conforto e segurança quando se
sente ameaçado ou em perigo. A partir das interações repetidas com a figura
de vinculação a criança vai desenvolvendo conhecimentos e expectativas
sobre o modo como essa figura responde e é acessível aos seus pedidos de
proximidade e proteção. Esta informação é progressivamente organizada em
modelos internos dinâmicos, que são representações generalizadas do self,
das figuras de vinculação e das relações. (PACHECO, COSTA, &
FIGUEIREDO, 2003).
Os comportamentos envolvidos nessa relação entre a mãe ou o cuidador
e a criança podem ser caracterizados como comportamentos de procura de
proximidade no intuito de obter segurança. Ou seja, reações inerentes ao
desconforto da separação com a figura de apego, obtêm-se o prazer do
reencontro com esta ou ainda, a orientação do comportamento da criança
perante o cuidador. Para que este sistema de relações seja ativado ou
desativado pela criança seria necessário que este se desenvolvesse a partir
das primeiras experiências com as figuras de vinculação, as quais por sua vez,
terão grandes influências na criação dos modelos internos da criança, modelos
35
estes de orientarão no intuito de estabelecer os futuros laços relacionais.
(ABREU, 2005).
Segundo Fonagy (1999), muitos psicanalistas referem que a Teoria
Vincular é reducionista, mecanicista, não dinâmica e que renuncia as pulsões
inconscientes. Este aporte teórico parece ter esquecido o importante papel das
emoções na condição humana, como os afetos experienciados pelo ego, que
envolvem a socialização e as formas de prazer do corpo físico da criança. Em
tal argumentação, a teoria vincular parece ignorar as vulnerabilidades
biológicas em detrimento das ligadas ao comportamento dos cuidadores. Há
também a alegação de que reduziu as considerações etiológicas a uma
variável simples que seria a capacidade da criança fazer a vinculação e reagir
à perda. Em contrapartida, Bowlby descreve o modelo psicanalítico como
aquele em que o desenvolvimento ocorre apenas numa via de uma faixa ao
longo da qual pode haver paragens. Assim, a patologia seria explicada como
sendo o resultado de fixações em, e regressões a, determinado estágio de
desenvolvimento. Considera no seu modelo existirem vários caminhos para o
desenvolvimento, identificando uma via principal que deriva de várias
ramificações. (FONAGY, 1999).
O papel constituinte dos vínculos não se deve somente a uma pessoa,
mas a todo o passado da humanidade. Ou seja, não é somente a família que
nos antecede que tem influência sobre o nosso comportamento, pois os
antepassados também contribuem para a formação da subjetividade do
indivíduo.
Segundo Moguillansky e Nussbaum (2011, p.48):
Entre as gerações circulam desejos, ideais, significados,
proibições e prescrições, transmitem-se e se repetem caminhos
que vêm dos antepassados mais distantes, que se tornam
determinantes do modo como se constitui a individualidade
dentro da trama familiar que a precede e, por sua vez, prefigura
à que a sucede.
Nessa lógica dos vínculos vemos que o afeto passou a ser o elemento
identificador das novas identidades familiares e esse sentimento serve de
parâmetro para a definição dos vínculos parentais que levam ao surgimento da
família eudemonista, que busca a realização plena de seus membros,
36
caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, a consideração e o
respeito mútuos entre os membros que a compõe, independente do vínculo
biológico. Buscando o direito a felicidade como núcleo formador do sujeito
(DIAS, 2003).
Assim, a família é o locus e a instituição que assume responsabilidade
pelo desenvolvimento do individuo até sua individualização, e ainda pelo papel
da transmissão cultural e de agente processador das mudanças inerentes às
mudanças da humanidade. Tais funções permitem aos sujeitos adaptação as
condições de vida em certo tempo e lugar, uma vez que o sujeito é constituído
e constituinte do meio que o cerca. E nessas circunstâncias vinculares
inconscientes entre o mundo interno e externo, psico-socio-cultural se da à
subjetivação do individuo.
As reflexões desenvolvidas no campo da clínica vincular
enfatizam o caráter multidimensional de constituição do sujeito:
não apenas sujeito do próprio inconsciente, mas também
sujeito social, sujeito história seu mundo interno, constituídas
ao longo de sua história singular, sujeito dos vínculos. O foco
de atenção recai aqui sobre o sujeito que ganha existência e se
dá a conhecer na presença de outro sujeito, ou de outros
sujeitos, com que estabelece vínculos que não se reduzem à
repetição de formas de relação de objeto existentes em seu
mundo interno, constituídas ao longo de sua história singular.
(MANDELBAUM, 2008, p.87).
É possível tentar estabelecer a família como um grupo cujos vínculos
entre seus membros se formam no afeto recíproco, independentemente da
consanguinidade, em que cada um desempenha sua função com o objetivo de
ajudar aos demais, propiciando o desenvolvimento da personalidade e da
potencialidade de cada um dos seus participantes, na busca da felicidade,
estendendo-se à coletividade, no desempenho de sua função social.
Para o esclarecimento do vínculo de parentalidade, basta
identificar quem desfruta da condição de pai, quem o filho
considera seu pai, sem permitir a realidade biológica,
presumida, legal ou genética. Também a situação familiar dos
pais em nada influência na definição da parentalidade, pois
família, como afirma Lacan, não é um grupo natural, mas um
grupo cultural, e não se constitui apenas por um homem,
mulher e filhos, conforme bem esclarece Rodrigo da Cunha
Pereira: a família é uma estruturação psíquica, onde cada um
de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função,
sem estarem necessariamente ligados biologicamente. Assim,
37
nada significa ter um ou mais pais, eles do mesmo ou de sexos
diferentes. (DIAS, 2003, p.275)
O sentimento de pertencer a uma família envolve afeto, liberdade,
reciprocidade, histórias compartilhadas, enfim, aspectos inerentes à condição
do ser humano que abarcam questões conscientes e inconscientes.
2.1
A teoria de gênero e as possibilidades de interpretação da família
Junto ao desenvolvimento histórico da família ao longo dos anos é
possível encontrar relações de gênero incorporadas a essa estrutura social.
Na família patriarcal, monogâmica, por exemplo, a responsabilidade de
produção e arrecadação de dinheiro era da figura masculina, o homem era o
controlador do ambiente familiar.
Conforme a consolidação da família e suas transformações pode-se
observar que foi construída e modificada de acordo com interesses de uma
determinada sociedade. Ao tratar da família não basta olhar apenas para sua
formação, mas é preciso observar os vários elementos que afetam sua
estrutura e dinâmica.
Com tal ênfase, torna-se necessário discutir os papéis sociais que atuam
em uma organização familiar e como as questões de gênero a afetam.
Gênero abrange identidade e estende à experiência subjetiva de
pertencer a um grupo, seja ele de homens ou de mulheres que pratiquem
comportamentos, atitudes ou traços de personalidade designados em uma
sociedade como femininos ou masculinos, em alguma cultura ou período
histórico. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010).
De acordo com Louro (1996), a definição de gênero seria aquela que:
Não pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto
o sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero
está ligado à sua construção social como sujeito feminino ou
masculino (...) não se trata mais de focalizar apenas as
mulheres como objeto de estudo, mas, sim os processos de
formação da feminilidade e da masculinidade, ou os sujeitos
femininos e masculinos. O conceito parece acenar também
imediatamente para a ideia de relação: os sujeitos se
reproduzem em relação e na relação. (LOURO, 1996, p.9-10).
38
A distinção entre sexo e gênero consiste em que o primeiro corresponde
ao aspecto biológico, aquele relacionado à reprodução entre homens e
mulheres, enquanto o gênero faz referência aos significados socialmente
construídos. O gênero seria então, uma categoria social imposta sobre a
subjetividade e corpos sexuais. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010).
A visão de gênero como uma construção cultural e histórica implica em
que se considere o sistema social de gênero, ou seja, o conjunto de categorias
e arranjos simbólicos através dos quais a sociedade transforma um macho em
homem e uma fêmea em mulher, em como transforma a biologia sexual em
produto de atividade humana, fazendo com que diferentes papéis sociais sejam
pré-definidos e implementados como algo não naturalizado, mas sim
construído socialmente. (STREY, 2001 apud SIMIONATO e OLIVEIRA, 2003).
A discussão sobre o gênero, como diz Louro (1996), não é somente uma
discussão provinda do biológico, é uma discussão política e social, vinculada
ao processo de desenvolvimento da sociedade capitalista e da cultura
capitalista.
Ao se falar das novas concepções de família é necessário que se
entenda que a concepção familiar muda de acordo com a história, isso se deve
ao fato da família ser o resultado de relações sociais presentes na sociedade
que acompanha a sua transformação, modificando acordos, interesses e
necessidades momentâneas.
Butler
(2003)
apresenta
a
questão
dos
“gêneros
inteligíveis”
denominando aqueles que instituem e mantêm relações de coerência e
continuidades entre sexo, prática sexual e desejo. Para ela, os homens
homossexuais escapariam à matriz de normas e gêneros coerentes, aquelas
ligadas a uma heterossexualidade compulsória. A autora discute que em outro
contexto alguns tipos de identidades não podem existir, e neste contexto pode
aparecer o desejo de um homem homossexual manifestar o desejo de exercer
a paternidade. (PELÚCIO, 2004).
Segundo Spargo, (2006) no imaginário social, a homossexualidade é
identificada como uma incoerência entre gênero (construção social) e um corpo
(o sexo biológico), que foi e ainda é considerada doença física e/ou mental, a
partir do argumento que compreende uma prática sexual que fere o principio
ético da preservação da espécie.
39
Os debates sobre gênero e sexualidade têm inicio há mais de meio
século, com intensos debates acerca de argumentos sociais e biológicos que
procuram
explicar os gêneros. Os
Estudos Gays e
Lésbicos
mais
convencionais aparecem, para debater as novas formas de sexualidades, que
procuram ressaltar que gays e lésbicas são também cidadãos de primeira
categoria e possuem direitos civis e políticos como os heterossexuais.
Historicamente, verifica-se que a partir dos anos 90, surgem os estudos Queer
como tentativa de abarcar outras questões que os Estudos Gays e Lésbicos
não abarcavam, tais como a desconstrução de padrões e mudança social, além
de incorporar outras especificidades de orientação sexual e identidade de
gênero. (SANTOS, 2005).
A subjetividade homossexual e as relações homoafetivas não
estão de acordo com o conceito de masculinidade e
heterossexualidade, os sujeitos homossexuais não são
validados pela sociedade como modelos de aprendizagem e
socialização,
prevalece
ainda,
a
cultura
patriarcal.
(MONTEIRO; PIMENTEL. 2010. p.5).
A palavra Queer, que significa torto, estranho, que não cabe em lugar
nenhum, foi cunhada pelos movimentos políticos como uma estratégia de
contestação por pessoas e movimentos a partir do final da década de 1980
pela sociedade norte americana, para criticar os padrões heteronormativos,
que produziam preconceito e discriminação às pessoas discordantes de tais
normas.
Sob os efeitos desses dispositivos de sexualidade, verificamos que os
processos de subjetivação dos gêneros incluem os seguintes conceitos:
corporeidade, liberdade, autoestima, auto-conceito positivo, aceitação social,
cognição, sentimentos, sexualidade, trabalho, privacidade obtida através da
aquisição ou usufruto de um espaço físico que permite vivenciar a intimidade,
amigos, família consanguínea. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010).
Essa forma de análise e crítica às normas acaba rompendo a
perspectiva reducionista que enquadra o homossexual no limite da sexualidade
e nega que a expressão plena: a imaginação, criação, possibilidade de assumir
cargos de poder e a comunicabilidade sejam reconhecidas como dimensões da
subjetividade, e contribuição para a transformação social e ética dos lugares
40
em que vivemos. Desta maneira, podemos entender que o homem
homossexual pode vivenciar projetos de vida semelhantes ao do homem
heterossexual, como por exemplo, a paternidade. (MONTEIRO; PIMENTEL,
2010).
A questão da paternidade e maternidade ultimamente vêm sofrendo um
deslocamento do âmbito privado para questão de interesse público, pois na
assunção de seus papéis os genitores não devem limitar seus encargos ao
aspecto material. Alimentar o corpo, mas também cuidar da alma, da moral, da
psique e principalmente da delegação de amparo aos filhos. (PEREIRA; SILVA,
2006).
A importância do reconhecimento legal e social desses relacionamentos
pode ajudar a reduzir a discriminação, aumentar a estabilidade dos
relacionamentos e levar a uma melhora da saúde física e mental (KING e
BARTLETT, 2006 apud, NUMAN, 2007, p.50).
O movimento homossexual denuncia a heterossexualidade compulsória
em contraposição à defesa da homossexualidade, na qual gays e lésbicas
podem ser aceitos a partir do momento que assumem as normas e convenções
culturais do modelo heterorreprodutivo, defendendo aqueles e aquelas que são
considerados estranhos e anormais por deslocarem esse gênero do seu
“natural”. (MISKOLCI, 2012).
Na perspectiva queer, a ideia seria trazer ao discurso as
experiências do estigma e da humilhação social daquelas
pessoas que são frequentemente xingadas, humilhadas por
causa da sua normatividade de gênero. Isso tudo com o
objetivo de modificar os aspectos da educação e que ainda
impõem, compulsoriamente, as identidades. (MISKOLCI, 2012,
p.17).
Para Miskolci (2012, p. 42), “a sociedade possui expectativas com
relação ao gênero e a um estilo de vida que mantêm a heterossexualidade
como um modelo inquestionável pra todos/as”, por isso se compreende muitas
vezes a busca de casais homoafetivos adotarem um padrão heterossexual
para seus relacionamentos. Miskolci ainda conclui sobre essa questão:
Isso é a clara expressão da vigência da heteronormatividade,
dentro da qual uma relação só é reconhecida se seguir o antigo
modelo do casal heterossexual reprodutivo. A demanda
recente pelo casamento gay, adoção de crianças e
41
reconhecimento dessas relações como modelo familiar
corroboram esse novo momento histórico marcado mais pela
heteronormatividade de que pela heterossexualidade
compulsória. (MISKOLCI, 2012, p.42).
Sobre as famílias homoparentais Grossi (2003) afirma que elas não
seguem o modelo heterossexual de famílias, pois não são reconhecidos como
pais e mães “verdadeiros”, como nos processos de inseminação artificial ou
adoção que é geralmente realizada por apenas uma das partes do casal.
Seguindo a literatura internacional sobre a temática no campo
das relações de aliança, a filiação de pais e gays e mães
lésbicas se mostram diferentes das relações heterossexuais,
uma vez que os companheiros dos ‘verdadeiros’ pais e mães
têm um lugar socialmente reconhecido. (GROSSI, 2003.
p.278).
Tal singularidade suscita discussões sendo que os debates são de
extrema importância uma vez que colocam em cheque questões a respeito das
instituições tradicionais, ampliando o campo de visão para os sujeitos que
ainda se encontram excluídos da sociedade. No entanto, este é um processo
lento, mas que se mostra frutífero frente a um grande sistema simbólico que
cercam as constelações familiares.
2.2
Possíveis convergências entre a psicanálise e a teoria de gênero
Diante da possibilidade de crianças serem criadas por pais do mesmo
sexo, a ideia, mesmo que imaginária, de que a função fálica tenha que ser
exercida pelo pai do sexo masculino, vem sofrendo questionamentos. Essas
mudanças requerem que preceitos psicanalíticos sejam repensados diante das
novas realidades da família.
O jogo da triangulação edipiana, no qual a identificação com o igual
exigia a presença do diferente, perde a sua força. O processamento psíquico
dos desejos dos pais parece ganhar mais relevância no jogo entre iguais,
podendo ser associado ao reordenamento que a criança faz do material
percebido. Desta forma, o filho adquire cada vez mais um estatuto de
ordenador de suas origens, herança esta criada em um ambiente no qual a
pessoa se reconhece como autora de sua própria história. (PASSOS, 2005).
42
De acordo com Levy (2011), as novas formas de parentalidade
decorrentes dos avanços tecnológicos no campo da procriação medicamente
assistida, tendem a suscitar uma revisão de conceitos psicanalíticos até então
inquestionáveis, em que a procriação não precisando necessariamente da
atividade sexual entre um homem e uma mulher, atinge os parâmetros que
organizavam a família permitindo novos modos de subjetivação.
Essas novas formas de construção familiar, de acordo com a autora:
Levantam dúvidas e dentre elas questiona-se se o exercício
das funções parentais deve estar vinculado ao gênero dos pais
ou se qualquer sujeito em uma relação homoafetiva pode
exercê-las. Discute-se se a lei paterna ausente impediria os
filhos de aceder ao conhecimento simbólico da diferença entre
os sexos. (LEVY, 2011, p. 8).
Referendando a Psicanálise, Zambrano (2008), argumenta se tratar de
uma das disciplinas mais solicitadas pela sociedade para o debate sobre as
novas configurações familiares. Tal apelo funciona como um chamado à
ordem, mais explicitamente à ‘ordem simbólica’, terreno sobre o qual a
psicanálise presta importantes contribuições.
Dor (1989 apud LEVY, 2011, p. 8) sugere em artigo de sua autoria que
“a noção de pai é um operador simbólico a-histórico, universal, que não remete
exclusivamente à existência de um pai encarnado”. De tal modo, entende-se
não ser necessário que haja um homem (sexo masculino) para que exista um
pai. Contudo, ressalta que os diferentes protagonistas levados a ocupar
posições
específicas
na
configuração
edípica
não
são
elementos
indiferentemente substituíveis entre si. Levy (2011) considera que um pai pode
vir a ser representado por uma mãe, e uma mãe pode vir a ser representada
por um pai, sendo tais dispositivos imaginários, logo, não terão a dimensão
simbólica que lhes é referida. Valorizada essa questão da diferença dos sexos,
defende-se a ideia de que a criança carece ter pessoas de sexos diferentes,
caso contrário sua trajetória edípica poderia ser prejudicada, ocasionando um
prejuízo simbólico.
Segundo Zambrano (2006), os conceitos da Psicanálise deveriam ser
interpretados como funções e não como o sexo biológico dos sujeitos. Sabe-se
da importância da criança ter acesso às duas funções (masculina e feminina),
43
mas estas não precisam estar associadas ao sexo biológico daqueles/as que a
acercam.
Um casal formado por homossexuais, tanto a função psíquica materna
sendo aquela que está mais próxima da criança, responsável por ensinar a
linguagem e por cuidar e proteger com mais intensidade, quanto à paterna
sendo a função que limita a proximidade da criança com a mãe e tem o papel
de determinar limites e interdições, podem estar ou não presentes, ocorrendo
também no interior de famílias compostas por casais heterossexuais.
Portanto, com tais ensinamentos, argumenta-se que as funções de
parentesco são mais simbólicas do que biológicas. A construção do Édipo se
baseia na função exercida por uma pessoa e não ao sexo biológico que ela
apresenta.
Rotemberg (2010 apud LEVY, 2011) aponta que a função paterna de um
pai de família, é percebida pela criança não como objeto real, mas aos modos
representacionais com ela o captura. O cerne do debate não está na
homossexualidade ou na heterossexualidade, mas no reconhecimento da
alteridade, na capacidade do adulto de renunciar ao gozo tanto erótico como
narcisista.
Segundo Levy (2011) na psicanálise freudiana, a sexualidade passa a
mirar o prazer e não a reprodução, não se restringindo ao primado genital;
também não afirma que a natureza do objeto seja necessariamente
heterossexual. Desse modo, Freud se torna “revolucionário ao postular que a
pulsão sexual não tem um objeto específico, único ou pré-determinado
biologicamente”, (LEVY, 2011, p. 3).
Portanto, não é possível falar de natureza humana no terreno da
sexualidade, nem que há um único modo de vivê-la, escapando-se a qualquer
tentativa de normalização.
Ceccarelli (2002) refere-se ao Édipo como um período em que o sujeito
se dá conta de que está excluído de uma relação. Nesse período da infância a
dificuldade está relacionada a uma bissexualidade constitucional e ao caráter
triangular da relação edipiana, não havendo nada que indique que o caráter
triangular deva ocorrer com duas pessoas de sexo diferente.
O que vai diferenciar as crianças criadas por um casal do mesmo sexo
das outras é o que diferencia os seres humanos entre si: a particularidade do
44
trajeto identificatório e as escolhas de objetos de cada um. Tal argumento
também é defendido por Ceccarelli (2007 apud LEVY, 2011), pois para ele,
Freud mais valoriza os caminhos da pulsão e as escolhas de objeto que levam
à construção do Eu do que necessariamente os protagonistas da cena edípica.
Segundo o autor, para a psicanálise, cada sujeito vem marcado por
identificações sucessivas e pelo imaginário sexual da sociedade na qual está
inserido; assim sendo, importa a singularidade da história de cada um na
origem de sua solução edípica. Assim, não haveria uma forma única e
normativa de resolver o drama edípico.
Ceccarelli (2010) sugere que o Nome do Pai, como articulador não deve
limitar as possibilidades de subjetivação, ainda que haja a necessidade de algo
que organize e que separe a célula narcísica mãe-filho. Essa é uma condição
fundamental para a constituição de um sujeito, porém atribuir tal função
chamando a isto Nome do Pai ou função paterna é um reflexo do patriarcado.
De acordo com Butler (2003) o complexo de Édipo adquire uma
diversidade de formas sociais e culturais não sendo possível, pensar a
sexualidade a partir dos parâmetros da conjugalidade, da família e do
parentesco. A psicanálise, para ela necessita repensar o complexo edípico sem
que esteja totalmente vinculado o parentesco normativo heterossexual,
tratando-se do pai como genitor do sexo masculino e figura fundamental para a
função simbólica. Sugere que os psicanalistas procurem reavaliar suas noções
de cultura, para que assim possam compreender a vida psíquica das famílias
homoafetivas, buscando entendimento em questões como: “as formas de
diferenciação
de
gênero
que
ocorrem
para
a
criança
quando
a
heterossexualidade não é a pressuposição do complexo de Édipo” (p. 257).
O que se chama de atributos da paternidade e da maternidade não
necessita da presença de um homem e de uma mulher. A realidade biológica
de quem gera e cria uma criança não é um aspecto primordial para a edificação
da subjetividade humana. Esta construção está muito mais articulada à
constituição psíquica daqueles que cuidam da criança, de como eles lidam e se
posicionam em relação à sua própria sexualidade, à fantasia que têm de ser
pai e/ou mãe e, ao lugar que a criança, adotiva ou não, ocupa no mundo
psíquico dos pais.
45
Passos (2005) aclara que não existe relevância se a triangulação é
constituída por dois homens e um filho ou por duas mulheres e uma filha, a
circulação dos afetos acontece numa circunstância em que a identificação
entre os pais e os filhos não exige mais os contornos de antes.
Zambrano (2006, p. 135), destaca que do ponto de vista da psicanálise:
Considera-se necessária a presença de um “terceiro” para a
separação psíquica entre mãe e filho, uma das atribuições da
chamada “função paterna”. Entretanto, nas discussões sobre
famílias nas quais os pais são do mesmo sexo, há uma
confusão entre o entendimento do que seja a função psíquica
cumprida pelo “terceiro” e a sua nomeação como “paterna”.
Tanto nos casais gays quanto lésbicos, a função de “terceiro”
pode ser exercida pelo parceiro/a do pai/mãe. Ao ser ele/ela o
“objeto de desejo” do pai/mãe, introduz-se na fusão mãe-filho
inicial, mostrando ao filho a existência de um “outro” desejado
e, com isso, inaugura a alteridade.
Consequentemente, compreende-se como sendo mais importante a
descoberta da existência de outra pessoa, que não ele/ela, por quem o pai/mãe
sente desejo. Para o filho, não importaria o sexo da pessoa pra a qual o desejo
do pai/mãe estaria direcionado.
Em síntese, Passos (2005) aponta que de um modo geral, ainda
buscamos compreender as diferentes modalidades de família a partir das
premissas históricas do patriarcado. A homoparentalidade não foge a esta
regra e, nesse sentido, se torna difícil, o debate que se estabelece em relação
à suas especificidades e seu potencial de subjetivação, em que é evidente sua
condenação, por não oferecer um quadro referencial que seja compatível com
o instituído pelo modelo patriarcal. “As relações homoparentais exigem uma
configuração de funções e lugares distinta da parentalidade heterossexual”
(PASSOS, 2005, p. 4).
Sobre essa nova família, Roudinesco (2003, p. 155) afirma:
De agora em diante esta não será mais vista apenas como
uma estrutura do parentesco que restaura a autoridade
derrotada do pai, ou sintetizando a passagem da natureza à
cultura através dos interditos e das funções simbólicas, mas
como um lugar de poder descentralizado e de múltiplas
aparências. Em lugar da definição de uma essência espiritual,
biológica ou antropológica da família, fundada no gênero e no
sexo ou nas leis do parentesco, e em lugar daquela,
existencial, induzida pelo mito edipiano, foi instituída outra,
46
horizontal e múltipla, inventada pelo individualismo moderno
[...].
Fica evidente que em qualquer tipo de constituição familiar, torna-se
necessário ressaltar, que o casal e cada um dos membros ocupam funções
individualmente, desempenhando junto à criança papel importante por
inscrevê-la e a eles próprios em uma cadeia simbólica. Os primórdios dessa
função surgem quando o filho é apenas um desejo e continua quando a criança
nasce. “Há um processamento psíquico dos laços produzidos a partir de
investimentos constituídos pelas representações e afetos que circulam
reciprocamente entre os membros de uma inter-relação” (PASSOS, 2005, p. 9).
Essas funções, produzidas no contexto das novas concepções de família,
permitem um espaço no qual se presume a não diferenciação sexual no
triângulo familiar.
Ainda segundo a autora, não se pode pensar nesta triangulação por
meio das referências fundadas na hegemonia do poder paterno, nem tampouco
no princípio de gênero e de diferenciação sexual. Em um contexto no qual as
referências da família patriarcal se enfraquecem, pode se destacar o princípio
do reconhecimento, não como compensação pelo enfraquecimento das
identificações no modelo edipiano clássico, mas um princípio fundamental do
processo de filiação.
As novas configurações familiares mostram que o padrão de família
fundamentado no casamento e na heterossexualidade não pode ser destacado
como sendo o único a promover a saúde psíquica de crianças e a inseri-las na
ordem simbólica. O pai não é mais o agente exclusivo de promoção da
alteridade, numa época em que o conceito de pluriparentalidade recebe lugar,
em que a existência de terceiros fora do âmbito do casal parental cooperam
nos processos identificatórios (LEVY, 2011). Muitas dessas propostas
constatam a urgente necessidade de uma releitura do complexo de Édipo,
considerando-se os elementos que dele continuam invariáveis e incluindo-se as
permanentes transformações sociais e culturais que atravessam e plasmam o
sujeito contemporâneo. O debate sobre a homoparentalidade, deste modo,
contribui para repensar o modelo de família tradicional e para reatualizar
conceitos básicos da psicanálise com a modernidade.
47
Se, por um lado as novas organizações familiares modificam a forma de
manifestação do Édipo e alteram de certa maneira alguns conflitos humanos,
por outro, é preciso ressaltar que não existem estudos que demonstrem
modificações na sexualidade, agora entendida como manifestação das opções
sexuais, em crianças criadas em diferentes formas familiares.
48
CAPÍTULO III
ADOÇÃO E CONJUGALIDADE: ASPECTOS JURÍDICOS, LEGAIS E O
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA.
3
UNIÃO HOMOAFETIVA
Inicialmente, é oportuno mencionar que as pessoas independentemente
da orientação sexual, buscam na atualidade o bem-estar e a qualidade de seus
vínculos afetivos. Dessa forma, o afeto tem se tornado o elemento norteador
dos relacionamentos e um importante requisito para a constituição das famílias
contemporâneas, deixando esta de ter como função central a procriação e a
manutenção dos bens. Diante dessas novas configurações, o relacionamento
entre pessoas do mesmo sexo ganha visibilidade, apesar de ainda enfrentar
dificuldades de aceitação como o preconceito social.
Torres (2009, p. 87) conceitua a homossexualidade da seguinte forma:
É um fato social que se perpetua através dos séculos, não
mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela
jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem
feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a
entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o
afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma
que a marginalização das relações homoafetivas constitui
afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do
direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade.
Nos argumentos de Torres (2009), encontram-se apontamentos de que
as relações entre pessoas do mesmo sexo encontram-se inseridas do âmbito
jurídico familiar em atenção ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, não
havendo ensejo para sua exclusão.
As uniões homoafetivas, construídas sobre alicerces estáveis, permitem
vínculos
mais
duradouros
entre
seus
membros,
enquadram-se
às
características atribuídas pela regulação jurídica da família, fundamentada na
Constituição de 1988. Portanto, concisamente, o Direito de Família vem
reconhecer cada vez mais as relações dos seres humanos, superando-se o
49
pressuposto de que somente há organização familiar com ela atinge finalidade
reprodutiva (RIOS, 2007).
De
acordo
com
Zambrano
(2006),
a
existência
de
famílias
homoparentais perdura por um considerável lapso temporal na realidade social,
como evidência a quantidade de pesquisas feitas sobre elas há trinta anos,
carecendo apenas de reconhecimento legal. A abdicação em chamar de
“família” esses arranjos e negar a existência de um vínculo intrafamiliar entre
os seus membros (ainda que esses vínculos possam ter um aspecto
extremamente polimorfo e variado) seria o mesmo que colocar a família dentro
de um formato único, que de certo modo não vem a corresponder com a
diversidade de expressões que ela adotou nas sociedades contemporâneas.
O
reconhecimento
das
relações
homoafetivas
como
entidades
familiares, tornou-se possível por meio do princípio jurídico da afetividade,
apontado na Carta Magna de 1988. Para tanto, deve ser comprovada a
afetividade,
a
estabilidade
e
a
ostensividade,
sendo
tais
atributos
indispensáveis no reconhecimento de uma entidade familiar.
De posse de argumentos semelhantes, Carvalho (2012), ressalta que
após a Constituição de 88, a família tida como patriarcal e fundada
exclusivamente nas tradições matrimoniais, alcança condições positivas no
sentido de permitir a buscar a felicidade para todos os membros do grupo
familiar. Nesse sentido o princípio da afetividade se inclui como valorização do
amor e a possibilidade de manutenção dos vínculos afetivos existentes. Tais
perspectivas auxiliam no encontro de um novo valor jurídico, pois altera
concepções ultrapassadas e, suscita a possibilidade do encontro de relações
mais harmoniosas por parte de todos os integrantes da família. Segundo
Fachin (2012) o tradicional modelo familiar, abre espaço para um novo contexto
de família – propiciar afeto entre as pessoas envolvidas em uma constelação
familiar.
O autor sintetiza sua visão sobre a família contemporânea a partir dos
seguintes apontamentos:
Não seria exagero afirmar que, naquele passo, a família era
limitada a representar uma aquarela de tonalidades e cores
morais e sociais, em lugar de ser uma tela – como agora é –
50
policrômica para o desenho do sentimento e do afeto.
(FACHIN, 2012, p. 160).
Destarte, as relações homoafetivas, com a utilização da analogia e dos
Princípios do Direito, devem ser equiparadas às uniões estáveis e
consideradas entidades familiares.
Por conseguinte, apesar dessa evolução, ocorre que as uniões entre
pessoas do mesmo sexo deparam-se com resistência por parte da doutrina e
jurisprudência, que, num primeiro momento, fundamentavam a proteção das
uniões homoafetivas no Direito do Trabalho, como se fossem relações
trabalhistas, a dar ensejo a uma indenização por serviços domésticos
prestados. Posteriormente, no Direito Comercial-Obrigacional, comparando-as
com a sociedade de fato, mas adiante, fundamentaram-se no princípio do
enriquecimento ilícito, deixando de lado, o essencial para o Direito de Família a afetividade.
Silva (2012) declara que na atualidade não se faz necessário à
existência de homem e mulher, pai e mãe para haver a constituição de uma
família. Segundo o autor é imprescindível somente que existam indivíduos
independente de suas sexualidades, ligados pelo afeto, compartilhando
intimamente suas vidas, dividindo os fins e os meios de vivência, convivência e
sobrevivência.
Para tanto, é de fundamental importância que se estabeleça a correta
compreensão do Direito de Família moderno, que preconiza que valores e
concepções mudam ou se influência em razão da realidade socioeconômica,
pois o que embasa a mudança deve estar vinculado à ética, à cidadania, ao
afeto, ao cuidado, à solidariedade, à inclusão social, à dignidade e à igualdade.
(TORRES, 2009).
Logo, o Direito de Família está atrelado à noção de afeto e interesses
comuns, independentemente do sexo biológico ou orientação sexual dos
parceiros. Com a isonomia entre homens e mulheres, com o surgimento do
divórcio e com a proteção dos filhos tidos fora do casamento, este deixou de
ser o fundamento da família, dando lugar a outras formas de entidade familiar,
sendo o caso das uniões homoafetivas.
51
Com o novo conceito de família, Dias (2012) esclarece que as relações
homoafetivas foram inseridas no Direito de Família. Em 5 de maio de 2011, tais
organizações familiares passaram a ser reconhecidas como uma entidade
familiar, tendo os parceiros homossexuais garantido os mesmos direitos e
deveres das famílias tradicionais. Houve desse modo, o entendimento de que a
verdadeira família existe quando de fato há vida em comum de forma contínua,
pública e duradoura. No Estatuto das Famílias, em seu art. 68, encontramos o
respaldo para tal afirmação, uma vez que no texto desse artigo se afirma que
em uniões homoafetivas deve-se assegurar direitos e deveres a exemplo do
casamento, união estável, divórcio, partilha de bens, guarda de filhos, adoção,
alimentos e todos os demais direitos que venham a ser sucessórios. (SILVA,
2012).
De acordo com Uziel (2008) é cada vez mais frequente o número de
cartórios que registram as uniões estáveis de casais do mesmo sexo nos
últimos anos. Ao se oficializar tais uniões, registram-se publicamente vidas em
comum, que têm o afeto como causa.
Vale frisar, que preenchidos os requisitos da relação duradoura, pública
e contínua, não há porque excluir as uniões entre pessoas do mesmo sexo do
rol de configuração familiar, sob pena de violação do princípio da Igualdade.
Portanto, as uniões entre pessoas do mesmo sexo apresentam todas as
características de uma entidade familiar, haja vista que tais relações
estabelecem todos os critérios que acima enunciamos. Sob a perspectiva
desse enfoque, torna-se possível identificar que as convivências conjugais de
homossexuais e as de heterossexuais se distinguem apenas quanto ao fato de
o relacionamento ser perpetrado por pessoas do mesmo sexo ou por pessoas
de sexo distinto, vez que do ponto de vista jurídico e do princípio dos Direitos
Humanos não há desigualdade possível de ser sedimentada.
Essa compreensão moderna sobre o conceito de família encontrou base
jurídica na Resolução n° 175, de 14 de maio de 2013, aprovada pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), na qual o referido órgão proíbe as autoridades
competentes de se recusarem a habilitar, celebrar casamento civil ou de
converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Existindo o não cumprimento da Resolução, o caso poderá ser levado ao juiz
corregedor da comarca para que este determine o cumprimento da medida.
52
Além disso, pode ser aberto um processo administrativo contra o oficial que se
recuse a celebrar ou reverter à união estável em casamento. (COSTA, 2013).
Segundo Silva (2012), tais alterações na legislação se aproximam da
realidade que reflete a sociedade atual, concretizando desta forma os
princípios constitucionais, sobretudo na igualdade e liberdade da pessoa
humana.
Logo, é evidente que todas as entidades familiares necessitam de
proteção, visando ao melhor interesse dos indivíduos independente da
orientação sexual. A proteção da família é mediata, ou seja, no interesse das
necessidades materiais e afetiva dos envolvidos.
Vale ressaltar que a Carta Magna de 1988 preconiza em seu art. 3º, os
Direitos fundamentais da República Federativa do Brasil, no que concernem as
diretrizes a serem cumpridas, dentre elas o referido inc. IV, que preconiza o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer
formas de discriminação. (VIEIRA, 2012).
Além disso, neste tocante, Reis (2012) faz menção ao texto
Constitucional no qual alude em seu art. 5º, os Direitos e Garantias
Fundamentais, ou seja, àqueles indispensáveis à pessoa humana, que
asseguram a todos uma existência digna, livre e igualitária. O direito de
igualdade consiste em afirmar que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, concluindo-se, portanto, que a discriminação de qualquer
caráter fere a condição humana.
Nessa medida, a desigualdade de tratamento entre os relacionamentos
afetivo-conjugais de homossexuais e de heterossexuais não se coaduna com
tais premissas constitucionais.
3.1
A legislação e as práticas adotivas
A adoção tem como principal objetivo proporcionar o melhor para o
desenvolvimento de uma criança. Além disso, favorece a possibilidade de
inserção em uma família. Chaves (2008) atribui como pontos de partida para a
adoção primeiramente, o rompimento dos vínculos da criança com sua família
de origem e as reais motivações e disponibilidade que um adulto possui em ser
pai ou mãe.
53
A adoção foi contemplada de forma mais evidente na legislação
brasileira desde 1916. A adoção foi concebida tomando por referência os
Códigos romanos e franceses em razão de Napoleão Bonaparte, que por
motivos políticos se interessou pelo tema tendo em vista que uma de esposas
era estéril.
De 1916 até 1979 – o segundo Código de Menores a adoção, como
medida jurídica era restritiva, pois estabelecia critérios rígidos e excluía muitos
atores desse processo, quer a própria criança, quer os próprios requerentes à
adoção.
Foi somente com a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), em 1990, que se conseguiu encontrar medidas legais para
garantir direitos a todas as crianças e adolescentes. Tal mudança pode
estimular o interesse por novas práticas de atendimento, pressupondo a
necessidade de implantação e de implementação de políticas públicas que
viessem garantir direitos integrais à crianças e adolescente, bem como à
própria família, quer biológica ou adotiva. Em seu artigo 19, o ECA ressalta que
toda criança ou adolescente tem o direito de conviver em um ambiente familiar,
sendo criada e educada em sua família original e, excepcionalmente, em
família substituta. (ALMEIDA, 2008).
Segundo Weber (1999) existe na atualidade as novas configurações
familiares, criando-se dessa forma novas modalidades, tratando-se da adoção
tardia, quando a criança a vir a ser adotada tiver acima de dois anos de idade;
adoção monoparental, sendo a adoção concedida a pais/mães solteiros/as;
adoções inter-raciais, tendo início de acordo com Weber (2005) na década de
1960, por meio de questionamentos a respeito dos efeitos psicológicos sobre
estas crianças adotadas, utilizando dos argumentos que uma criança quando
não inserida com outras pessoas de sua raça/cor de pele pode ter o
desenvolvimento de sua identidade racial comprometido, ocasionando uma
atitude emocional não condizente com suas origens étnicas, embora pesquisas
venham comprovar que não existir diferença no ajustamento de adoções que
tenham como base a cor de pele de famílias adotivas. E por fim, pode-se fazer
uma descrição da adoção por homossexuais, que consiste na adoção por
pares do mesmo sexo, o que gera ampla discussão e divide a opinião pública
enraizada nos conceitos de uma moralidade construída na sociedade,
54
levantando dúvidas sobre o desenvolvimento satisfatório de uma criança que
venha a ser criada neste meio, embora existam pesquisas que não comprovem
tais equívocos.
Assim sugere Dias:
Identificar os vínculos homoparentais como promíscuos gera a
falsa ideia de que não se trata de um ambiente saudável para o
seu desenvolvimento. Assim, a insistência em rejeitar a
regulamentação da adoção por homossexuais tem por
justificativa indisfarçável preconceito. (2004, p. 125).
Logo, torna-se essencial para que se possa construir uma sociedade
mais justa e igualitária e que respeite as diferenças dos seres humanos,
enfrentar os preconceitos acima de tudo, pois sem dúvida, o que certamente
pode acarretar dano ao desenvolvimento de uma criança está relacionado com
o desamparo, a exclusão, a falta de oportunidade de convivência e
pertencimento a uma família, que esta venha passar ao longo de sua formação
como pessoa.
3.2
A adoção por casais do mesmo sexo
Segundo Torres (2009), o afeto é a razão fundamental que rege as
famílias homoafetivas, não sendo possível considerar impedimento por parte
do ordenamento jurídico brasileiro, embora não se tenha previsão específica
acerca da possibilidade de adoções por pares homossexuais.
Deve-se, então, priorizar a convivência familiar e o direito de ser criado e
educado no seio de uma família substituta, a toda criança ou adolescente que
foi impossibilitado de conviver com sua família originária.
A respeito da adoção por homossexuais, Almeida (2008) argumenta que
embora não consolidada no âmbito da Justiça, tendo em vista que a decisão
fica a critério do juiz que julga o caso. Sem dúvida os consentimentos já
concedidos pela Justiça, como o de duas crianças na Comarca de Catanduva
interior do estado de São Paulo, e outro no estado do Rio Grande do Sul,
colocaram essa modalidade de adoção no campo das possibilidades. Os
primeiros casos de adoção por pessoas do mesmo sexo demonstravam que
embora vivendo como casal, era apenas um dos membros da parceria que
55
figurava como pretendente no processo judicial. Nos últimos cinco anos essa
realidade também se modifica em ritmo mais acelerado, com o pedido de
adoção formulado por ambos os parceiros (ALMEIDA, 2012).
Zambrano (2006) corrobora a opinião de Almeida ao constatar que
apesar da lei não trazer impedimentos à adoção por pessoas do mesmo sexo,
no passado a adoção legal ocorria apenas o pedido individual por apenas um
seus membros mesmo havendo uma parceria conjugal contínua. Acreditava-se
que tal fato ocorria devido à representação que ainda existe fortemente em
torno da família nuclear na sociedade, podendo desta forma trazer como
resultado o temor de um indeferimento ao pedido de adoção por se tratar de
homossexuais vivendo em parceiro, e sendo mais aceitável a condição de
solteiro, ainda que a condição de homossexualidade fosse identificada.
Do mesmo modo, Torres (2009), afirma que não existe nenhum
impedimento na lei brasileira que estabeleça o indeferimento do pedido de
adoção de criança ou adolescente por conta de orientação sexual, tratando-se
assim do respeito ao princípio da igualdade.
Todavia, quando preenchidas todas as exigências legais, é cada vez
mais comum que o juiz em questão fundamente o seu convencimento, com
base na estabilidade da união homossexual, predominando exclusivamente o
bem estar da criança.
Logo, a união homoafetiva quando estabelecida em um convívio durável,
em convivência pública, contínua e com o fundamental intuito de constituição
familiar, devem receber o mesmo tratamento que é atribuído em nosso
ordenamento às uniões estáveis, Torres (2009) abarca que é possível
reconhecer a essas pessoas o direito de adotar em conjunto.
Embora, adoção na atualidade venha a produzir vários avanços,
buscando prevalecer o interesse da criança, independendo da sexualidade de
seus futuros pais/mães, ainda assim, tais progressos não preenchem a lacuna
referente à adoção por homossexuais.
56
3.3
Desenvolvimento da criança adotiva em famílias homoafetivas
De acordo com Laia (2008) a adoção por homossexuais ou em
casamentos homoafetivos, embasa-se no principal argumento de que uma
adoção bem sucedida independe da orientação sexual dos requerentes, pois
deve ter como finalidade garantir a estabilidade e condições favoráveis para o
desenvolvimento de uma criança. Desse modo, podem ser utilizados os
mesmos procedimentos e orientações que guiam qualquer processo de
adoção, para proporcionar não apenas uma ‘casa’ ou a ‘sobrevivência pela
satisfação de suas necessidades’, mas acima de tudo adequá-la a um lar e
uma nova vida na qual possa projetar um projeto de vida.
Assim, equivale dizer que a adoção significa mais do que a busca de
uma família para uma criança e adolescente, ficando para trás à concepção
tradicional que tinha prevalência da busca de uma criança para uma família, a
adoção passa a ter como finalidade a demonstração do melhor interesse da
criança.
Transformações positivas do ponto de vista dos Direitos Humanos têm
sido
alcançadas
nos
últimos
anos,
especificamente
com
relação
à
conjugalidade e parentalidade homossexual. Refletir sobre a pertinência,
significados e consequências de se legalizar as famílias homoparentais, nas
quais pelo menos um dos pais se autodesigna homossexual, reacende a
discussão do quanto o parentesco ainda nos remete à ideia de ‘casamento’ e
de ‘família’ tida como tradicional, na sociedade ocidental contemporânea.
Silva (2008) ressalta que o tema da homoparentalidade apresenta-se de
uma maneira consistente e ao mesmo tempo inovadora, tendo o papel de
demarcar mudanças significativas na família contemporânea, tornando-se de
extrema importância para a adaptação às mais variadas transformações que
expandem a existência da família.
Passos (2005) chama a atenção para os desafios que envolvem o
desejo dos casais homoafetivos em ter filhos. A autora refere que a
impossibilidade dessa união de gerar filhos envolve um trabalho psíquico por
parte do casal, pois ambos precisam elaborar a questão narcísica do abandono
da sua continuidade biológica e a possibilidade de se submeter a agentes
externos para poder gerar filhos. Além disso, a autora diz que a escolha da
57
maneira como esse filho será concebido também envolve um esforço do casal,
pois a impossibilidade de gerar poderá trazer um sentimento de incompletude,
marcada no desejo que é projetado no filho.
Logo, sabe-se que atualmente, os homossexuais dispõem de diferentes
possibilidades para realizar o desejo de constituir uma família, podendo-se
pensar, nas seguintes composições conforme situa Passos (2005, p. 8):
1. A recomposição, na qual um membro do casal traz para sua
relação homossexual o(s) filho(s) de um casamento
heterossexual anterior;
2. A co-parentalidade, em que um dos membros do casal
homossexual gera um filho com um homem ou uma mulher,
não necessariamente homossexual, e este filho passa a fazer
parte do núcleo parental de um dos pais biológicos;
3. Uma terceira forma é a adoção, legalizada ou não, feita pelo
casal;
4. Há ainda a possibilidade da inseminação artificial realizada
com o sêmen de um doador, no caso de um casal de mulheres,
ou de uma mãe substituta, que gera um filho com o sêmen de
um dos parceiros do casal homossexual masculino.
De tal modo, de acordo com Passos (2005), existirá sempre um terceiro
para tornar possível a realização do projeto do casal, mediando o desejo de
conceber tal filho.
Esse outro com o qual os pais convivem e que permanecerá no
imaginário da família, de acordo com a autora:
Se interpõe na formação dos laços afetivos com os filhos de
modos
diferentes,
dependendo
de
como
ele
é
assimilado/elaborado por esses pais. Algumas vezes, o outro
imaginário toma a forma de uma figura que se superpõe aos
pais. Outras vezes, aparece como sombra enigmática que
acompanha e perturba o reconhecimento dos filhos, podendo
ainda ser assimilado como elemento sem o qual a filiação não
existiria. (PASSOS, 2005, p. 9).
É imprescindível que ocorra por meio de um trabalho de luto a admissão
desta falta, permitindo assim que o casal após ter realizado todo trabalho de
elaboração de que ambos são impossibilitados de gerar um filho em conjunto,
possam instaurar a parentalidade em bases mais sólidas. (PASSOS, 2005).
58
No que diz respeito às reservas e incertezas apresentadas sobre a
homoparentalidade, é a própria falta da presença dos dois sexos o fator mais
justificável para a não aceitação desta constituição familiar. Os argumentos
mais utilizados segundo Zambrano (2006) são de que as crianças inseridas
neste contexto cresceriam sem ter referências do masculino e feminino,
sofreriam discriminações e, ao final de tudo, se tornariam homossexuais,
colocando em risco de desaparecimento a própria civilização.
A afirmação de que uma criança não deve conviver com um
homossexual, sob a acusação de que este possa levar uma vida desregrada,
diferente dos padrões normais impostos pela sociedade, e que essa
convivência pode alterar o desenvolvimento psicológico e social da criança não
deve prosperar, uma vez que se fundamenta em suposições preconceituosas.
A orientação sexual não é causa determinante no desenvolvimento de uma
criança, até porque muitos heterossexuais têm vidas atribuladas e desregradas
e seus filhos não adquirem tais características.
Dias
(2004)
cita
que
as
preocupações
levantadas
sobre
o
desenvolvimento de uma criança adotada por pessoas com orientação
homossexual, como a ausência de modelo do gênero masculino e feminino,
pode tornar confusa a identidade sexual e o adotado tornar-se homossexual,
ou o filho ser vítima de desqualificação pelos colegas ou pessoas na rua, são
descartadas, com segurança, por quem se dedica a estudar famílias
homoafetivas com filhos. Segundo a autora, as pesquisas não comprovam
qualquer probabilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta em
crianças que convivam com dois pais ou duas mães, não sendo constatado
também qualquer efeito danoso ao normal desenvolvimento ou à estabilidade
emocional que seja decorrente do convívio em família homoparental.
Nada
justifica a estigmatizada visão de que as relações homoafetivas sejam
promíscuas suscitando a falsa ideia de não tratar-se de um ambiente de
convívio saudável para o desenvolvimento de uma criança, de modo que
insistir na rejeição para que se ocorra à regulamentação da adoção por esta
população tem por fundamento o preconceito.
Tal visão é compartilhada de modo similar por Uziel (2008), quando
afirma que lentamente estão sendo combatidos os principais argumentos
contrários a parentalidade de homossexuais, sendo as afirmações de que uma
59
criança criada e educada em uma família homoafetiva, estaria mais exposta a
abuso sexual por se tratar da criação por dois homens, pelo risco da
exacerbação de uma sexualidade incontrolável e que existiria confusão em sua
identificação sexual, confusão dos papéis de identificação para a criança e
ainda, que poderia ocorrer prejuízos em seu desenvolvimento global e
socialização, estariam aos poucos perdendo forças.
Em relação a tais aspectos, Castro (2008, p. 24) salienta que:
Se confunde sexualidade com função parental, como se a
orientação sexual das figuras parentais fosse determinante na
orientação sexual dos filhos. A função parental não está
contida no sexo, e, sim, na forma como os adultos que estão
no lugar de cuidadores lidam com as questões de poder e
hierarquia no relacionamento com os filhos, com as questões
relativas a problemas disciplinares, de controle de
comportamento e de tomada de decisões. As atitudes que
compõem a função parental são responsividade que favorece a
individualidade e a auto-afirmação por meio de apoio e
aquiescência, exigência que nada mais é do que atitude de
supervisão e de disciplina para com os filhos. Essas atitudes
não estão relacionadas ao sexo das pessoas.
Nessa direção, Silva (2008) afirma que embora existam pesquisas que
se destinam a investigar as famílias homoparentais revelando sucesso de
homossexuais no exercício de sua parentalidade, vários setores sociais
persistem em questionar a capacidade destas pessoas em estar cuidando de
uma criança, oferecendo a mesma uma convivência saudável nesta família.
“Mais uma vez entra, em cena, o exercício de poder da heteronormatividade,
em detrimento da aceitação das diferenças e das múltiplas possibilidades
existentes para a manutenção da família” (p. 18). Os atributos de negação que
se estabelecem frente às famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo
são de ordem social, jurídica e política, como sempre ocorreu em todas as
circunstâncias que exigiam mudanças na instituição família, como é o exemplo
do estatuto do divórcio e a existência de pais/mães solteiros nos anos de 1970
e 1980.
A fim de comprovar a ausência de problemas às crianças ou
adolescentes adotados por homossexuais, em função da orientação sexual dos
pais, é possível trazer alguns dados relevantes. Patterson (1997 apud GROSS,
2003), em levantamento contendo mais de 200 estudos, todos norte-
60
americanos) iniciados na década de 60, com enfoque em estudos voltados
para a saúde mental de gays e lésbicas; aptidão para parentalidade; a
identidade sexual das crianças, desenvolvimento, relações sociais; risco de
abuso sexual; obteve como conclusão que não há nenhuma diferença entre
crianças criadas em famílias homoparentais comparadas a outras, sendo que
suas condutas não variam fundamentalmente da população em geral.
Logo, é evidente que não se trata unicamente de negar a parentalidade
a homossexuais pelo fato de temer o que poderá vir acontecer com crianças
inseridas neste contexto familiar, deste modo assim como situa Laia (2008),
torna-se mais preferível lidar com o conhecido, com o já esperado, do que
enfrentar o que é da ordem do imprevisto.
Nazaré (2008), afirma ser a favor da adoção de crianças por pessoas do
mesmo sexo, pois segundo a autora marginalizar esta união sob base de
qualquer tipo de discriminação, constitui violação do direito à vida, aos
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, de tal forma que
convivam em sólida base afetivo-familiar, posto ser o afeto a razão fundante
dessas famílias homoafetivas, adquirindo contornos sociais.
Está prescrito no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente que, a
adoção ocorrerá quando de fato existir reais vantagens para quem venha ser
adotado, desta maneira, não havendo impedimentos no que se refere a
homossexuais adotar em lei, entende-se que a inclusão de uma criança ou
adolescente a uma família constituída por pessoas do mesmo sexo traria mais
benefícios do que se esta permanecesse deixada muitas vezes a própria sorte
em instituições ou até mesmo nas ruas. (TORRES, 2009).
Igualmente, alude Dias (2004), quando versa a respeito da autorização
ou impedimento por parte da lei, ao negar juridicidade às relações
homoafetivas, colocando que independente da orientação sexual dos
adotantes, o que deve prevalecer é o melhor interesse da criança ou
adolescente que venha a ser adotado. A homoafetividade pode ser associada à
adoção desde que exista de fato uma relação familiar duradoura e leal, regrada
pelo afeto e cuidados mútuos, caracterizando-se com ideais que constituem
uma união estável, sendo possível compreender que não existe motivo legítimo
para retirar de uma criança a possibilidade de viver com uma família.
61
Roudinesco (2003) coloca que a família está passando por várias
modificações e segundo os pessimistas corre o risco de a civilização de ser
devorada por estas ‘desordens’, mas ainda assim apresenta-se como o único
valor ao qual ninguém quer renunciar, sendo sonhada, desejada e acima de
tudo amada por indivíduos de todas as idades, de todas as condições e de
todas as orientações sexuais.
Deste modo, frisa-se novamente que não há pesquisas que indiquem
prejuízo ou dano à criança adotada por pessoa ou casal de orientação
homossexual que estejam ligados diretamente à orientação sexual de seus
pais. O abandono, a falta de oportunidade, de convivência e pertencimento a
uma família, o preconceito, a exclusão é que geram danos à pessoa, muitas
vezes irreparáveis.
É importante finalizar, destacando que para que se chegue a uma
sociedade que respeite as diferenças e se torne mais igualitária na garantia de
direitos é preciso primeiramente enfrentar os preconceitos ainda vigentes.
62
CAPÍTULO IV
METODOLOGIA
4
INTRODUÇÃO
A etimologia da palavra metodologia remete a ideia de escolha, de
caminho percorrido e de instrumentos próprios para abordar e compreender
uma realidade, um fato, um fenômeno social, psicológico. A metodologia
qualitativa ocupa lugar central no interior das teorias sociais, sendo que a visão
social de mundo se veicula a uma determinada teoria. O contexto da
metodologia inclui simultaneamente a teoria, o método, os instrumentos de
operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do
pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade para
o fato investigado). A metodologia é muito mais do que a mera aplicação de
técnicas. Ela inclui as concepções teóricas de uma da abordagem, devendo
articular-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos
sobre a realidade. A despeito de tais requisitos a criatividade do pesquisador
conforme indicado mostra-se importante na condução de uma pesquisa.
(MINAYO, 2010).
A pesquisa aqui descrita foi apoiada na metodologia de Estudo de Caso
junto a um casal homoafetivo do sexo masculino, que adotou um grupo de
irmãos. Um dos parceiros tinha vivenciado a experiência heterossexual antes
da formação do par conjugal. Optou-se pelo estudo de caso, pois tal
procedimento permitiu conhecer mais profundamente os processos subjetivos
presentes na adoção de crianças por casais homoafetivos. O estudo de caso
se aplica quando o pesquisador tem o interesse de observar a ocorrência do
fenômeno no campo social e não discuti-lo apenas do ponto de vista da teoria.
Evidentemente, a teoria dialogará com o levantamento dos dados empíricos (os
dados coletados no campo, observáveis na realidade) e na interpretação dos
63
mesmos, mas o enfoque aqui é a construção da pesquisa com base em uma
realidade delimitada.
O emprego de tal metodologia permitiu conhecer a história de uma
família de configuração homoafetiva, suas expectativas, bem como o impacto
da adoção na realidade familiar e as implicações concernentes ao
desenvolvimento das crianças apontados pelos pais.
O estudo de caso é considerado uma estratégia metodológica
importante para temas complexos tendo em vista que permite a análise de um
fenômeno de modo amplo e profundo. Segundo Yin (2010, p.22):
Em geral o estudo de caso é indicado quando a- As questões
‘como’ e ‘por quê’ são propostas; b- O investigador tem pouco
controle sobre os eventos; c- O enfoque está sobre um
fenômeno contemporâneo no contexto da vida real.
De acordo com Yin (2010) a clara necessidade pelos estudos de caso
surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos. Ou seja, o
estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características
holísticas e significativas dos eventos da vida real.
Para Gil (2009, p. 5):
Como delineamento de pesquisa, o estudo de caso, assim
como o experimento e o levantamento, indica princípios e
regras a serem observados ao longo de todo processo de
investigação. Mesmo sem apresentar a rigidez dos
experimentos e dos levantamentos, os estudos de caso
envolvem as etapas de formulação e delimitação do problema,
da seleção da amostra, da determinação dos procedimentos
para coleta e analise de dados, bem como dos modelos para
sua interpretação.
Gil (2009) defende que o estudo de caso pode ser considerado como um
delineamento no qual são utilizados vários métodos ou técnicas de coleta de
dados, englobando, por exemplo, a observação, a entrevista e a análise de
documentos.
Sendo assim, o estudo de caso como estratégia de pesquisa
compreende um método que abarca uma complexidade de aspectos – com a
lógica de planejamento incorporando abordagens específicas à coleta e análise
64
de dados. Nesse sentido, não é nem uma tática para a coleta de dados nem
meramente uma característica do planejamento em si, mas uma estratégia de
pesquisa abrangente. (YIN, 2010).
Ventura (2007) afirma que descrever e caracterizar estudos de caso não
é uma tarefa fácil, pois os mesmos são usados de maneiras diferentes, com
abordagens quantitativas e qualitativas, não só na prática educacional, mas
também como modalidade de pesquisa, e com aplicação em muitos campos do
conhecimento, principalmente na área da medicina, da psicologia e em outras
áreas da saúde.
(...) os estudos de caso se destacam como um valioso recurso
não apenas para a execução de pesquisas cientificas, mas
também para o desenvolvimento de práticas – sejam elas
clínicas, organizacionais, educacionais ou de qualquer tipo –
em Psicologia. (Sanches, Santos, 2005, p.119).
Com base em tais pressupostos elegeu-se o recurso de Estudo Caso
como estratégia metodológica para se observar e analisar os fenômenos
presentes na experiência subjetiva da adoção neste estudo. Minayo (2004,
p.101) descreve que: “A investigação qualitativa requer como atitudes
fundamentais a abertura, a flexibilidade, a capacidade de observação e de
interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos”
[...].
Apoiando-nos em Minayo, entendemos que a pesquisa qualitativa se
mostra adequada aos nossos objetivos, tendo em vista que podem gerar
condições facilitadoras para a aplicação das entrevistas e compreensão
aprofundada do fenômeno investigado.
Abordar este tema moveu nossos interesses, diante da necessidade de
compreender as transformações dos modelos de família. No que concerne à
homoparentalidade surgiu à expectativa de analisar essa constituição família,
pois apesar do preconceito e dos tabus que ainda afetam o tema e os atores
envolvidos nesses arranjos familiares, cabe à psicologia a tarefa de lidar com
as questões da subjetividade e do desenvolvimento humano. Para tanto, devese buscar a superação de conceitos pré-estabelecidos que definem a família,
para que se possa encontrar ferramentas para analisar e compreender a
maneira como as famílias homoparentais se formam e como as crianças e
65
adolescentes são criadas nesse meio. Conforme dados da literatura, são
elementos decisivos para a criação dos filhos o funcionamento da família e não
como ela está constituída (WEBER, 2005).
Portanto, entendemos como relevante entrar em contato com a
concepção de família e criação dos filhos mantidos pelos próprios atores que
compõem uma organização familiar homoafetiva.
O eixo principal da pesquisa foi investigar se uma família homoafetiva
pode, de fato, ser considerada uma instituição familiar efetiva, tal como os
outros arranjos familiares, no que se refere as funções de cuidado e
socialização de seus membros.
Nesse contexto analisou-se a função dos filhos na dinâmica conjugal,
bem como o nível de organização dos pais adotivos para garantir o bem-estar
das crianças.
Portanto, esta pesquisa busca compreender, se a orientação sexual dos
pais interfere nos cuidados ministrados aos filhos e se adoção, mesmo que
efetuada por duas pessoas do mesmo sexo, pode ajudar a criança a superar as
situações de abandono vivenciadas na família biológica, permitindo enfrentar
sofrimentos, ressignificar a história de vida e reconstruir um projeto de vida que
lhe permita adquirir maturidade e maior independência na vida adulta.
Com tais propósitos, busca-se contribuir para melhor compreensão dos
pais e filhos por adoção e ainda levantar dados para a construção de
metodologias que atendam as necessidades dessas configurações familiares.
Para a realização da coleta de dados utilizamos um roteiro de entrevista
semi-estruturado, visando responder aos objetivos propostos por esta
pesquisa.
Tais entrevistas foram organizadas para levantar informações de acordo
com os objetivos já traçados. Nesse sentido foram formuladas questões que
permitiram identificar primeiramente as histórias individuais de cada parceiro
antes da vida conjugal, a conjugalidade homoafetiva e a formação do par,
identificando os motivos principais que os levaram a optar pela adoção; a
construção dos laços filiais e paternos, a partir do momento em que as crianças
passaram a morar com os mesmos. Levantou-se também o processo de
formação de vínculos entre os mesmos; a família e as redes de socialização e,
66
por fim, a projeção da família para o futuro, seus planos e expectativas em
relação à vida do casal e dos filhos.
De acordo com Minayo (2004), o roteiro de entrevista visa a apreender o
ponto de vista dos atores sociais previstos nos objetivos da pesquisa, contendo
esse roteiro poucas questões, sendo um instrumento que possibilita
proporcionar finalidade na conversa, sendo o facilitador de abertura, de
ampliação e de aprofundamento da comunicação.
De acordo com Gil (2009), a entrevista é uma técnica eficiente para
obtenção de dados acerca dos mais diversos aspectos da vida social. Aplica-se
praticamente a todos os segmentos populacionais e, quando bem conduzida,
possibilita o esclarecimento até mesmo de fatores inconscientes que
determinam o comportamento humano. Trata-se também de uma técnica
flexível, pois, possibilita esclarecer o significado das perguntas e adaptar-se
facilmente as pessoas e as circunstâncias em que é realizada.
Ainda sobre a entrevista semi-estruturada, Minayo (2000), salienta que
tal instrumento é considerado uma técnica que combina perguntas fechadas e
abertas, em que os entrevistados têm a possibilidade de discorrer sobre o tema
em questão, não necessitando ficarem presos às questões formuladas.
A entrevista foi divida em seis temas, assim concebidos: a origem dos
legados: As histórias individuais de cada parceiro antes da vida conjugal; A
conjugalidade homoafetiva - A formação do par conjugal: a visibilidade do
relacionamento homoafetivo; conjugalidade/homoparentalidade; a construção
dos laços filiais e paternos; A família e as redes de socialização (família
extensa, escola) e as Projeções para o futuro. Tais temas totalizaram vinte e
duas questões, as quais funcionaram como norteadores da conversa.
(APÊNDICE B).
Antes do início da coleta de dados a pesquisa foi submetida ao Comitê
de Ética. Após o cumprimento dessas exigências a realização das entrevistas
foi apresentada ao casal o termo de consentimento livre esclarecido, a fim de
expressarem sua concordância às entrevistas, bem como entender sua
finalidade.
O grupo familiar é composto por dois pais e quatro crianças com idades
entre (16, 14, 9 e 5 anos). As entrevistas foram realizadas com os pais, uma
vez que dispúnhamos de técnicas especificas para abordá-las, sendo que a
67
abordagem das crianças não se caracterizou como objeto de estudo de nossa
investigação.
A princípio, o Sr. Netuno foi procurado por uma das alunas a fim de
esclarecer a proposta da pesquisa e informar sobre a participação dele e do
companheiro no presente trabalho. Desde então, foi mantido contato com os
participantes por telefone para a confirmação no estudo, o que ocorreu no
terceiro contato telefônico.
A abordagem dos participantes foi agendada no local de trabalho do
casal, tratando-se de um salão de beleza, de acordo com o horário e dia em
que os mesmos se encontravam disponíveis, pois não dispunham de tempo
suficiente para entrevistas em dias consecutivas, dando dessa forma
preferência por realizá-la em um mesmo dia. Ambos mencionaram que
somente concederiam a entrevista por se tratar de uma pesquisa acadêmica,
pois haviam mudado de cidade, recorrendo a uma cidade menor, pelo fato de
estarem exaustos segundo eles, pela procura incessante da mídia em divulgar
a originalidade da família.
O casal autorizou a gravação das entrevistas, sendo esclarecido que tal
procedimento garantiria a fidedignidade dos relatos e evitaria, portando,
distorção de suas falas. Embora as entrevistas tenham sido efetuadas em local
de trabalho, foi possível uma adequação das alunas em tal ambiente, que se
dedicaram em conduzi-las de modo a coletar os dados necessários e obter tais
informações sem interferências negativas nesse processo.
Optou-se por referir-se ao casal por meio de nomes mitológicos, porém
esses nomes foram escolhidos aleatoriamente do mundo/mitologia grega, não
tendo correspondência entre tais nomes e o tipo psicológico dos personagens
aos quais eram identificados. Este recurso foi utilizado para melhor
compreensão da história apresentadas e dar maior fluidez ao texto, mantendo
ao mesmo tempo a privacidade e o sigilo da entrevista.
4.1
Resultados da pesquisa: análise e discussão dos dados
Após a audição e a transcrição das entrevistas realizadas com o casal,
pôde-se fazer uma leitura detalhada, com a finalidade de sistematizar e
categorizar os dados advindos dos relatos dos participantes. Efetuadas as
68
contextualizações necessárias iniciou-se a análise dos conteúdos obtidos das
entrevistas que serviram para elucidar os objetivos traçados neste estudo.
Os eixos apresentados a seguir retratam a história de vida de cada
parceiro em sua família de origem, bem como a formação do par conjugal até a
inserção das crianças à família analisada. Com embasamento em tais aspectos
passamos a descrever os eixos e os fragmentos que viabilizaram o
aprofundamento do caso em tela.
4.2
As origens: História de vida de cada entrevistado em suas famílias de
origem.
Os momentos iniciais das entrevistas abriu espaço para que os
participantes pudessem falar de suas vivências em suas famílias de origem.
Acerca de tais experiências destacaram o convívio e as lembranças marcantes
do período da infância e da adolescência.
Foi possível observar na fala de Júpiter, uma infância humilde, porém
não se identificou conflitos ou problemas específicos relacionados à interação
com seus pais. Embora tenha tido que trabalhar precocemente na roça, por
volta dos 13 anos para auxiliar nas despesas da casa e ajudar na criação dos
irmãos mais novos. Júpiter relata que é filho de lavradores, possuindo 14
irmãos: seis do sexo masculino e oito do sexo feminino. Segundo ele, todos
tiveram os mesmos ensinamentos, pois tinham o mesmo afeto, educação e
atenção dos pais.
Seguem as falas que denotam tais percepções:
Tenho 14 irmãos e o único que saiu ‘gay’ deles foi eu, e
esse negócio
que hoje a psicologia fala que o
comportamento homoafetivo ou de gay é por causa da
educação de pai e mãe, eu discordo porque em 15
pessoas na minha família todos tiveram tratamento igual e
a educação, do jeito que foi para mim foi igual (para os
demais irmãos).
Júpiter.
69
A fala de Júpiter aponta para uma visão naturalizante da orientação
sexual, ou seja, ele compreende que o indivíduo já nasce com desejos voltados
à pessoa do mesmo sexo, e o que se vive com os pais na primeira infância
nada interfere na sexualidade de uma pessoa. Além disso, parece ter uma
visão um tanto reducionista de como algumas abordagens da psicologia
entende a constituição psíquica de uma pessoa a partir da dinâmica relacional
na primeira infância Ainda sobre essa questão, entrevistado assim se
posiciona:
Então eu não vejo diferença, porque meu pai nunca foi de
me dar boneca, nunca foi de me dar presentes de menina,
a minha mãe nunca foi grudada demais comigo, nunca foi
de passar a mão demais na minha cabeça, nunca foi de
me poupar e meu pai também nunca foi nenhum grude
comigo. Então, tem muita coisa hoje da psicologia que eu
discordo, porque hoje, a psicologia prefere falar que a
mãe da muita “moleza” pro filho, o pai mimou demais o
filho e a mãe ou o pai fizeram o filho virar aquilo, e o
homoafetivo pra mim é uma coisa que já vem da pessoa.
Antes de ser gay eu já nasci gay, eu já comecei a crescer
com o desenvolvimento gay, não é por causa das minhas
irmãs, não!
Júpiter.
As falas de Netuno a respeito da homossexualidade vem confirmar o
que fora dito por Júpiter, afirmando que o homossexual já nasce
predeterminado a ter sentimentos e afetos pelo ser de igual sexo. Sobre o
tema, o entrevistado assim se manifesta:
A maioria das coisas que ele (Júpiter) falou ai está
certinho, que a gente já nasce assim (homossexual)
entendeu? Eu acho que nasce! Pode ter pessoas que
descobrem, ou descobrem e fica ‘incubado’, ‘reguardado’
para ele, não vive, não vai ser feliz, não vai ter coragem
70
de assumir nada né, mas eu acho que já nasce mesmo
assim, esse sentimento maior pelo outro, sabe?
Netuno.
Sobre
tal
questão
considera-se
importante,
retomar
alguns
apontamentos sobre a constituição do Complexo de Édipo. O modelo clássico
da manifestação do complexo de Édipo, ou seja, que coloca como necessário a
presença de um terceiro, instalando a figura do pai como fundamental para
promover a saúde psíquica e assim inserir os filhos em uma ordem simbólica,
está em revisão frente às novas constituições de família. Sobre tal questão
Levy (2011), nos faz refletir que a ordem familiar que se instala nas novas
formas de parentalidade não se estabelece necessariamente na diferença
sexual. Segundo a autora, após o achado de Freud a respeito do complexo
edipiano e do declínio da família patriarcal, a família tem sido a cada dia
reinventada. É certo que a psicanálise ratifica a necessidade de contenção das
pulsões nos primeiros anos da infância, e, portanto, que a criança possa
experienciar relações de amor e ódio nos relacionamentos com suas figuras
parentais, e encontrar um caminho mais saudável e menos danoso para
direcionar sua energia psíquica. Com as mudanças nos modelos de família,
não se desmerece a função continente das figuras parentais, mas atrelá-las
somente a figura do homem e da mulher pode restringi-la a um único modelo
de família – a burguesa, que foi encontrada em um momento histórico, muito
embora tenham existido outras estruturas familiares em diferentes épocas.
Assim, não se pode considera-la como universal e hegemônico.
Dias (2004) coloca a homossexualidade apresentada pela Psicologia
como não sendo hereditária, nem mesmo uma escolha consciente ou
deliberada, como se costuma afirmar, ou seja, que se instala por volta dos 3 ou
4 anos de idade, quando se estabelece uma suposta essência de uma
identidade sexual na personalidade de um indivíduo, a qual determinará sua
orientação sexual.
Netuno quando questionado sobre vivências em sua família de origem,
procura manter o foco na origem de seu comportamento homossexual,
parecendo entender que a pergunta visa identificar a causa de sua
homossexualidade, não trazendo outros dados que pudessem revelar a
71
especificidades de suas relações na infância. As perguntas iniciais visavam o
levantamento de suas experiências em suas famílias de origem, mas as
respostas parecem indicar o quanto são fortemente marcados pela questão da
orientação sexual, e de como ela pode estar ou não associada à estrutura
familiar.
Resgatar a história de vida de cada entrevistado surgiu com o propósito
de tornar mais compreensível à constituição psíquica de cada membro inserido
neste contexto familiar homoafetivo, auxiliando-nos desta forma a ter maior
clareza referente a afetos e vínculos que puderam estar presentes em cada
ambiente de origem, podendo assim observar como se instalou todo o
processo que envolveu a adoção das crianças, possíveis transmissões
psíquicas de uma geração a outra e, consequentemente, a repercussão de tais
experiências no exercício da parentalidade.
Outro aspecto observado foi quanto à espontaneidade do casal. Este se
mostrou à vontade durante o decorrer das entrevistas, não apresentando
qualquer tipo de receio frente às questões abordadas ou constrangimento pelo
fato da entrevista ser gravada.
É interessante ressaltar que embora os entrevistados estejam inseridos
em um contexto que possivelmente seria necessário se construir como um
modelo original de família em razão de se tratar de duas pessoas do mesmo
sexo não se observou estratégias mais específicas nesse sentido. Ou seja, o
grupo familiar em tela, não rompe com os valores associados aos arranjos
familiares. Tais aspectos foram identificados no que tange a uma formação
familiar convencional, como, por exemplo, a necessidade de união, de afeto, de
proteção, de companheirismo e de dedicação mútua.
Embora
Júpiter
tenha
vivenciado
uma
infância
com
algumas
dificuldades, ainda assim procura transmitir aos filhos os ensinamentos e os
valores que obteve em seu núcleo familiar de origem. Isso se reflete em ir ao
trabalho muito cedo, levar as crianças para o salão, recompensa-las com
pequenas gratificações, enfim, adotar os mesmos procedimentos que teve a
oportunidade de observar nos seus pais, ou seja, a recompensa somente se
atinge depois de muito esforço.
Júpiter sempre precisou auxiliar nos cuidados com os irmãos mais
novos, tendo para si responsabilidades que de certa forma não lhe cabiam.
72
Neste sentido, desempenhar função e papel já vivenciados suscita o desejo em
ter um filho e assim dar continuidade aos seus legados e, assim poder
perpetuá-los. Júpiter desempenha papéis e funções em sua família atual que
coincidem com suas atribuições já vividas em seu grupo de origem. Observa-se
que ele personifica figura de maior autoridade à frente da criação dos filhos,
parecendo reatualizar funções de cuidados e de proteção que exercitou no
grupo familiar de origem.
Netuno, por sua vez, mostra-se como figura complementar a figura de
autoridade do companheiro. Este valida a maneira com que Júpiter conduz a
educação das crianças, cabendo a ele desempenhar o papel de provisão
afetiva aos filhos.
4.3
A descoberta da homossexualidade
Em seu relato, Júpiter informa que desde criança, por volta dos 8 anos
de idade já havia notado certa sensibilidade em sua maneira de ser e de se
comportar, evidenciando em sua fala confusão entre performance de gênero e
orientação sexual. Isso se observa no momento em que relata que na sua
infância procurava vestir-se como as irmãs.
Eu pegava batom, brincava com o batom delas (irmãs),
colocava os tamancos no pé (...), colocava vestido, tudo
escondido. Então isso ai é uma coisa que na realidade, a
gente já vai sabendo que é.
Júpiter.
Sobre sua descoberta a respeito da homossexualidade, Netuno retrata:
Ai, eu acho que é como o Júpiter falou: desde pequeno,
com quatro, cinco, seis anos. As lembranças são poucas
(descoberta da homossexualidade), mas é daí para cá
mesmo. Não adianta, era uma coisa assim que a gente
não sabe o que é.
Netuno.
73
4.4
Inquietações com a homossexualidade
Na fase da adolescência, começa para Júpiter um aparente incômodo a
cerca de sua orientação sexual. Seu relato indica que embora o desejo por
pessoas do mesmo sexo estivesse ganhando forças, nesta fase se sentiu
impotente frente a tal desejo, vivenciando confusão interna, em razão de não
aceitar em si próprio tais manifestações. As falas de Júpiter denotam tal
sentimento
Eu era muito revoltado, muito revoltado mesmo que eu
próprio notava minha diferença. Uma diferença onde eu
era a primeira pessoa a existir o preconceito dentro de
mim.
Júpiter.
Compreende-se que as pessoas que conviviam próximas a Júpiter
observavam sua inquietação, embora não conseguissem explicitar de fato o
assunto. Em suas falas Júpiter revela como isso fora trazido por sua mãe:
A minha mãe às vezes me olhava e falava: “meu filho não
sei o que te falta, pra que você tem tanta revolta dentro de
você”.
Júpiter.
Em seus relatos Júpiter revela que sua sexualidade se mostra como algo
que não pode ser revelado, o que lhe promove autocensura dessa realidade
interna o que o leva a uma associação apressada em relacionar orientação
sexual à revolta.
Em alguns casos quando notada a homossexualidade, esta pode ter
uma valência negativa ao indivíduo, pois o leva a uma auto-responsabilização
por todas as dificuldades que venha a encontrar pela frente.
De acordo com Nunan (2007) existe com frequência a oscilação por
parte do homossexual entre o assumir-se homossexual e possivelmente ter
74
que lidar com a rejeição, discriminação e marginalização, ou manter segredo
sobre sua orientação sexual, suportando todo o isolamento e as dificuldades
em levar uma vida dupla, escondendo seus sentimentos ou lidando com a falta
de apoio necessário para suportar as dificuldades.
Para Júpiter não compartilhar com os familiares a orientação
homossexual, lhe gerava culpa, e era como se estivesse sendo totalmente
desonesto com eles. Sentia a necessidade de se revelar e contar que de fato
sentia-se atraído por outros homens, muito embora imaginasse que tal
revelação pudesse trazer maiores sofrimentos, pois de tal forma passaria por
preconceitos e certamente de início teria que lidar com os embates que tal
revelação causaria no meio familiar.
O que faltava em mim era a verdade, a honestidade, na
minha cabeça eu estava sendo desonesto com meus
familiares.
Júpiter.
Muitas vezes minha família me pegava chorando e
ninguém entendia o porquê. E eu sabia o motivo, que eu
estava escondendo, a minha farsa enganando alguém e
isso me machucou muito no meu passado.
Júpiter.
A fala do entrevistado revela sofrimento por esconder sua maneira de
sentir e vivenciar seus afetos, que habitam apenas na sombra de seus próprios
desejos. O medo da rejeição o leva a aversão de si próprio, pois o coloca frente
a uma possível desaprovação alheia, levando-o a ocultar seus sentimentos.
Esse dado nos faz indagar que se a verdade ou transparência em
relação aos desejos sexuais existiria em relação aos heterossexuais.
Certamente essa transparência se mostra bastante difícil e independentemente
da orientação sexual necessitamos preservar nossa individualidade sendo que
nem sempre seremos compreendidos em nossos desejos mais secretos.
Tamanha responsabilidade em revelar seus desejos, apenas por ser
75
homossexual, parece ser uma armadilha em que as pessoas são facilmente
capturadas levando-as a sentimentos de angústia e desqualificação.
Depois fui crescendo, trabalhando na roça, 14 anos eu já
estava trabalhando na roça no meio de um monte de
gente ignorante, acordava cedo e falava: “essa vida não é
pra mim e não vai ser pra mim!” Todo o dia com o mesmo
objetivo. Com quinze anos fiz um curso de garçom,
detestei também. Voltei para o mesmo estilo de trabalho,
na usina, no meio das pessoas ignorantes. Sempre
escondendo ao máximo o verdadeiro desejo que eu
sentia, o meu desejo era masculino, eu sentia atração por
homem.
Júpiter.
É evidente que a ocupação profissional de uma pessoa não condiz com
sua orientação sexual, a pessoa pode gostar e ter prazer naquilo que faz
independente das imposições atribuídas a cada gênero. O entrevistado mostrase pouco à vontade em sua ocupação profissional. A impressão que se tem é
que ele se percebe em outro mundo. Ele relata que ao estar no meio de
pessoas ignorantes, não teria condições de demonstrar sua orientação sexual,
o que seria facilitado caso exercesse uma função mais feminina e condizente
com sua ideia sobre o papel de um homossexual.
Eu acho que assim, as pessoas às vezes não são
(homossexuais), mas se tornam, porque, o motivo que ele
falou (Júpiter.), a gente vive ali escondido, querendo
tentar viver uma vida como dizem que é o certo, a gente
nunca sabe o que é certo e o que é errado, não tem como
né. Você vai se julgar, mas tem pessoas que vivem pior
que você e que vive uma vida hetero e casados.
Netuno.
76
No meu caso foi assim, ia vivendo bem, mas me iludindo
com esse sentimento.
Netuno.
A fala de Netuno no faz pensar em uma possível contradição, uma vez
que desde o início das entrevistas afirma que uma pessoa nasce homossexual.
Embora tenha tido relacionamento conjugal heterossexual, quais argumentos o
levaram a engajar-se em um relacionamento heterossexual já que tinha a
convicção de que sentia-se atraído na verdade por pessoa do mesmo sexo? É
interessante observar em sua fala que falhando na tentativa de levar uma vida
correta, no caso uma vida heterossexual, uma pessoa poderá se tornar
homossexual.
4.5 Da homossexualidade à Homoconjugalidade: visibilidades coincidentes.
Em seu relato, Netuno informa que a relação do casal só foi descoberta
pela família após certo tempo convivendo em seus meios abrindo espaço para
se observar como a realidade acaba por passar despercebido ou até mesmo
invisível para os que convivem diante de tal evento.
A veracidade dos fatos passa a existir em meio a um conflito familiar e
embora tenha trazido algumas desordens em seu convívio, a relação foi aceita
rapidamente pelos familiares, logo estava estabelecido um vínculo entre os
indivíduos deste grupo extenso, pois já coexistiam em meio ao silêncio da
realidade havia alguns anos, conforme expõe Netuno:
Descobriram (a família) depois que a gente já estava junto
por sete anos, como sócios, porque nós já estamos juntos
há vinte e um. A S. (filha mais nova de Netuno.) tinha
quatro aninhos. Só descobriram porque uma irmã do
Júpiter contou lá, sabe, falou que ela sabia porque ele
vivia comigo mas a mãe não, e ai numa briga, pois ela
engravidou de um homem, que ela não era casada e ai a
mãe caiu em cima dela, ai ela falou: “a mãe tem que olhar
muito mais coisa em volta da sua casa, eu pelo menos
77
estou com um homem, e ele vive com o Netuno” ai falou,
desmembrou tudo na hora do pega. Ai contou para a mãe
dele, ela ficou arrasada, mas ela já gostava de mim
porque já eram sete anos juntos. Mas ai todo mundo
aceitou a gente numa boa, a minha família também, foi
depois de sete anos que a gente contou, porque ai abriu
tudo.
Netuno
É de grande importância a existência de redes afetivas para que o
homossexual possa compartilhar seus conflitos e inseguranças, de maneira
que tenha a possibilidade de lidar com seus próprios desejos. Ao revelar-se
para alguém que o compreenda a pessoa pode expor o que de fato sente. A
relevância desse apoio pode ser verificada no relato trazido por Júpiter.
Com dezessete para dezoito fui fazer o curso para
cabeleireiro, e fazendo esse curso conheci a primeira
pessoa que eu me abri, falei que eu era homossexual, foi
para o E. que era um dos meus melhores amigos que eu
tinha na época que fiz o curso de garçom, me identifiquei
muito com ele, eu me abri com ele, que eu era gay e
disfarçava. Ele se abriu, também era gay, aquele dia
parecia que eu estava tirando, naquela época, como eu
era da roça, mexia com cana, eu sempre falava que
estava tirando uma ‘tonelada de cana de cima da minha
costa’, por que foi o dia mais leve da minha vida por eu
estar me abrindo pra ele.
Júpiter.
O entrevistado conviveu com aparente sofrimento em razão do esforço
para não transparecer sua orientação sexual. No momento em que pôde abrirse com alguém libertou-se de um “peso”. Tal peso tem associação com todo o
segredo que por anos havia sido recusado. Ao assumir para outra pessoa
78
acaba assumindo para si próprio, conseguindo resgatar a “verdade”, sobre
seus desejos sexuais.
Depois ele apresentou algumas pessoas pra mim e
acabei pela primeira vez tendo relacionamentos e que não
deram certo, eu achei o homossexualismo assim...
ninguém querendo compromisso com ninguém e
esse
não era o estilo de vida que eu queria, eu queria família
eu não queria sexo.
Júpiter.
O que eu acho que é preocupante hoje é a modinha, por
que tem muitas pessoas que não são gays, mas estão
achando bonito, e virou moda ser gay (...) isso envolve
sentimento.
Júpiter.
Ainda é muito presente o preconceito quando o assunto está em torno
dos homossexuais, existindo receio por parte desta minoria de pessoas em
manifestar tal identidade, e pensar em toda essa situação como meios para
que se possa aderir uma moda, moda esta em que não se tem benefícios
algum, e como fora retratado ao longo da vida do entrevistado, tendo que
conviver com o silêncio, não deixando vir à tona sua sexualidade para não ter
que lidar com o isolamento, é pouco provável que alguém almeje vivenciar uma
moda envolvida com tantas discriminações.
E o tempo foi passando e fui olhando, analisando os gays,
essas pessoas hoje com um, amanhã com outro e depois
com outro, ficava e não passava nem telefone, se
passava era o telefone errado.
Júpiter.
A sociedade como sempre marginalizou a homossexualidade, sendo
encontrada ainda a ideia de promiscuidade, estando
estas pessoas
desconectadas de qualquer tipo de sentimento e longe de estar à procura de
79
concretizar afetos estáveis e duradouros. Existe a idealização da família, sendo
esta totalmente desconectada de sexo, como se o sexo não fizesse parte de
uma relação afetiva qualquer.
A maneira como o entrevistado observava os homossexuais, retrata a
imagem de pessoas jovens, que tendem a ter na atualidade tal comportamento
tido como mais liberal independente de orientação sexual.
Foi aonde que eu resolvi também não ser gay mais, ai eu
falei: “essa vida não é pra mim”, ai eu cai numa igreja de
“crente” na assembleia de deus, fui começar a ser
temente a deus, mas completamente depressivo, porque
se falar que religião arruma a vida de alguém, não
arruma, principalmente a parte da sexualidade da pessoa,
isso não arruma mesmo. Não existe ex-gay, ex-travesti,
ex-viado, o termo que a pessoa quiser usar, não existe
esse ex, porque ele pode fugir, pode conseguir fugir só
que o interno dele vai ter sempre aquele vazio. E eu tinha
esse vazio dentro de mim.
Júpiter.
Encontrando-se desiludido com os relacionamentos homossexuais e
com posturas que não coincidiam com seus valores, o entrevistado passa a
procurar na religião uma estratégia para tentar reverter sua sexualidade, como
se procurasse encontrar na palavra de Deus uma espécie de cura para a
homossexualidade.
Mesmo tendo lidado com o sofrimento por tanto tempo pelo fato de ter
se ocultado, talvez tenha criado tantas fantasias em torno de sua
homossexualidade, com ideais para constituir uma família, que quando chega o
momento de ser feliz, pois segundo ele o que lhe faltava para alcançar tal
felicidade era se assumir, passa novamente a querer negar seus desejos
levando mais uma vez uma vida que não retrata o que de fato ele quer pra si.
80
4.6 Relacionamentos heterossexuais
Dias (2004), coloca que muitos homossexuais assumem uma dupla
personalidade e tendem desta forma levar uma vida clandestina, ocultando sua
verdadeira identidade sexual, casando-se e tendo filhos em relacionamentos
heterossexuais em vários casos para fugir de possíveis discriminações se de
fato assumissem-se homossexuais, ocasionando, portanto ao fracasso de tal
união.
Os argumentos utilizados pelos entrevistados para explicar
os
relacionamentos heterossexuais que puderam estar envolvidos antes da
formação do par homoafetivo, trazem uma tentativa de ocultar o que de fato
procuravam para suas vidas, no caso o interesse por pessoas do mesmo sexo,
porém buscar estabelecer algo mais sólido naquilo que certa forma é o aceito
pela sociedade torna-se a opção para que se estabeleça a tentativa de
constituir uma família encontrando assim a felicidade tão almejada, tal
observação é entendida na fala de Netuno:
Eu mesmo casei, tive dois casamentos, tive dois filhos no
primeiro casamento que para mim foi a melhor coisa do
mundo, e do segundo casamento mais uma filha.
Casamento hétero. Tentando ser uma família, ser feliz. E
do nada, ele foi trabalhar comigo eu já estava vivendo o
segundo casamento, porque coisa boa já não estava. Eu
tinha aceitado viver com uma mulher, e fui tentando, fui
vivendo. E ele foi trabalhar para mim e em poucos dias
nós já estávamos assim, como diz, apaixonados. E ai
descobri que era isso mesmo, sabe. Ai me separei.
Netuno.
Neste momento de seu relato, é possível identificar a transição de sua
vivência heterossexual, constituída sob alicerces mais conservadores, onde
pôde se encontrar em fases de sua vida integrado em casamentos
heteroafetivos, possibilitando a experiência de manter o envolvimento a ponto
81
de ter tido filhos em ambos os relacionamentos conjugais, tratando-se da
passagem de toda essa vivência para envolver-se afetivamente em
relacionamento homossexual.
Pode-se cogitar analisando as falas acima, se de fato toda sua
experiência vivida em ambos os relacionamentos heterossexuais tenha sido
apenas uma tentativa de buscar a felicidade, ou se de alguma maneira não
houve qualquer tipo de desejo em estar inserido em tal convívio, pois nota-se
que Netuno consecutivamente obteve relação com mulheres afetivamente e
sexualmente, diferente de Júpiter que em seu relato a respeito de suas
vivências heterossexuais, retrata que nunca sentiu desejo em estar com uma
mulher.
Júpiter procura justificar suas tentativas em relações heterossexuais
como forma de fugir do preconceito de seus familiares, acreditando que se o
vissem com uma mulher conseguiria camuflar seus verdadeiros desejos, sob
tal fase de sua vida o entrevistado elucida:
Arrumei várias namoradinhas também, meninas. Arrumei
várias para namorar e disfarçar. (...) por que eu tive
relacionamentos com meninas e nunca tive sexo, transa,
nada. Mas chegava aos seis meses de namoro, por mais
que eu corria, elas praticamente se ofereciam né, porque
elas queriam algo mais, e algo mais que eu não podia
oferecer.
E se de fato ocorreu o desejo por qualquer um deles em estar em
relacionamento heterossexual, podemos pensar que estes sentimentos não
precisariam estar abolidos ou serem de certo modo rejeitados, pois fazem parte
da própria historia individual de cada ser humano, que em certa fase de sua
vida escolheu vivenciar seus desejos sentindo-se livre para elaborar
plenamente seu futuro.
Entretanto, o relato de Júpiter diferente de seu parceiro, denota uma
fuga daquilo que se fosse divulgado certamente seria condenado por seu meio
de convívio, procurando se estabelecer em relacionamentos que serviam de
82
fachada para ocultar o que ele de fato era, não precisando assim se mostrar
como integrante de seus próprios anseios.
Conforme apregoa Saraiva (2007), o homossexual passa a se envolver
em relações heterossexuais com o intuito de querer buscar ou deixar
transparecer a normalidade exigida pelas questões sociais a sua volta.
Tratando-se também de uma maneira que o possibilite reprimir fantasias e
desejos vividos e que antes de serem assumidos eram tidos como intrigantes.
Deste modo, observa-se no que foi exposto por Netuno que estar
inserido em relacionamentos heterossexuais anteriores a união homoafetiva
com o parceiro, trouxe-lhe experiências e consequências positivas para sua
trajetória de vida, como podemos constatar em sua fala seguinte:
Mas foi muito bom porque tive dois filhos no primeiro
casamento, uma filha no segundo, e com ele quatro.
Tenho mais filhos que as mulheres né (risos).
A união do casal torna-se mais concreta quando de fato são inseridos os
filhos neste contexto, originando a parentalidade inicialmente por via da
heterossexualidade e consequentemente parece haver a necessidade de que a
parentalidade se estabeleça também pela homossexualidade advinda por meio
da adoção das crianças.
4.7
Formação do casal
A união entre o casal sucedeu-se rapidamente, sobretudo não se
identifica conflitos ou problemas que puderam ser acentuados na formação
deste par conjugal, embora observado algumas peculiaridades, Netuno e
Júpiter assim descrevem o início do relacionamento e os primeiros anos de
vida em comum como casal:
O Netuno estava precisando de gente para trabalhar,
quando fui trabalhar era para eu ser empregado dele e
acabei virando sócio dele.
Júpiter.
83
Os entrevistados colocam que tiveram os primeiros contatos em função
do trabalho de um deles com o salão de beleza, Netuno necessitava de um
funcionário para auxiliá-lo e repentinamente a presença de Júpiter trouxe um
interesse inovador para ambos.
Netuno estava casado com sua segunda esposa no momento em que
conhece Júpiter, e o anúncio de que estava envolvido com uma pessoa do
mesmo sexo se dá em meio a uma discussão sobre sua relação heterossexual,
dizendo a atual mulher que sua escolha seria pela homossexualidade.
Eu estava com essa outra mulher mãe da minha filha ai
ela falou: “não isso não pode ficar assim, a gente vai fazer
até uma DR”. Foi na DR, ai eu falei: “não! vou ficar com
ele”. Foi assim, em um mês, dois meses fomos morar
juntos.
Netuno.
A respeito dos primeiros anos de vida como casal Júpiter relata que
houve momentos tensos no início, assim como exposto nas falas abaixo:
Foi com bastante turbulência, porque nos primeiros anos
o Netuno já tinha saído do casamento dele, a ex-mulher
dele sempre deixou a filha morar conosco. Para o Netuno
foi muito bom, pra mim também não foi ruim, porque eu
sempre gostei muito de criança.
Júpiter.
É possível refletir observando a fala do entrevistado, que embora tenhase criado vínculos com os filhos biológicos do parceiro, a presença dos
mesmos seria como se Netuno ainda estivesse envolvido em relacionamentos
passados, talvez por ter ocorrido em certa ocasião uma traição do parceiro com
a ex-esposa,
e o fato da filha convivendo com o casal traria também a
presença e lembranças da mãe para a atual relação.
84
Pode-se ressalvar também que Júpiter pudesse ter se sentido
incomodado, pois iniciava-se uma relação com tão pouco tempo de convívio
conforme trazido pelos entrevistados, que talvez foi criado uma fantasia sobre
estar casado, sobre a elaboração de ter seus próprios filhos, e ter a presença
constante da filha biológica do companheiro tenha desconstruído todo seu
imaginário que vinha instalando em seus ideais de família.
É interessante notar nos relatos do casal, que mesmo após a união
conjugal homossexual, tiveram influências de relacionamentos heterossexuais
em suas vidas, no qual Netuno em um deslize como sugere Júpiter teve uma
filha biológica com a ex-esposa.
A outra ex-mulher sempre deu muito trabalho. Eu procurei
sempre mudar muito, mudar bastante mesmo (de cidade)
para estar sempre fugindo dela. Ela tinha como entrar, se
infiltrar e querer comandar. Ela não desistia.
Netuno.
Ela não desistia, onde a gente estava ela sempre
arrumava um jeito ou outro, descobria telefone (...) deu
muito trabalho, tanto é que eu estou com o Netuno há 21
anos, a menina dele hoje tem 18, foi de um deslize e eu
sempre perdoei ele porque não foi persistência dele,
sempre foi persistência dela.
Júpiter.
Ela queria morar com nós, junto com nós dois, propôs até
isso.
Netuno.
Então teve muitas coisas assim, coisas ruins né. Mas
graças a Deus que hoje superou tudo, ela segue a vida
dela, segue bem e nós seguimos a nossa.
Júpiter.
85
Podemos aqui relembrar alguns posicionamentos dos entrevistados
referentes à naturalização de sua homossexualidade, explicando não ter havido
desejos quando estiveram envolvidos com pessoas de outro sexo, sendo
apenas uma investida pela procura da felicidade. É interessante observar a
atitude de Netuno frente a tal conduta, pois como ele mesmo havia concordado
logo no início das entrevistas com seu parceiro que se nasce homossexual,
embora segundo ele algumas pessoas venham descobrir mais tarde ou não
tenham coragem de se assumir tendo desejos por outro homem, podemos
dizer que Netuno teve tal coragem, pois terminou um casamento heterossexual
para vivenciar seus desejos e afetos, sendo assim é possível que se crie a
improbabilidade diante de tais afirmações.
Embora, algumas pesquisas trazidas por Nunan (2007) coloquem a
questão da monogamia de casais homossexuais masculinos, como tendo
influência na socialização de papel de gênero, ou seja:
(...) A socialização de gênero na nossa cultura ensina os
homens a serem mais interessados em sexo e em variedade
sexual do que as mulheres. Por outro lado, para muitas
mulheres, independente de sua orientação sexual, sexo e amor
estão intimamente ligados (...). Os gays seriam capazes de
separar amor e sexo e, portanto, de desfrutar de sexo casual
sem envolvimento emocional (ALMEIDA NETO, 1999 apud
NUNAN 2003). Estas características do comportamento do
homossexual masculino se devem, assim, não à sua
orientação sexual, mas às diferenças existentes entre homens
e mulheres (Nunan, 2007, p. 59).
Neste sentido, Nunan (2007) propõe com levantamentos oriundos de tais
pesquisas, que apesar dos casais formados por pessoas do mesmo sexo
buscar acima de tudo uma relação estável, entende-se que o sexo quando
acontece fora da relação conjugal acaba sendo visto como um complemento
para o relacionamento e não necessariamente um substituto.
A respeito da relação dos filhos biológicos de Netuno com seu
companheiro se consolidou de maneira satisfatória tanto para as crianças como
pra Júpiter que demonstra ter sentimentos positivos em relação a estes.
86
Os filhos do Netuno, os biológicos, o menino chegou a
morar com a gente, a menina...seguem a vida deles
também, fazemos o que podemos por eles. E eu sempre
vi os filhos biológicos do Netuno como se fizessem parte
também da minha família, porque querendo ou não a
menina do Netuno tinha quatro anos, o filho tinha dois
anos, então sempre fez parte também da minha vida.
Júpiter.
Hoje tem 25 e 23. Temos um relacionamento muito bom,
meus filhos biológicos gostam muito dele (Júpiter).
Netuno.
Observa-se que apesar da originalidade os vínculos se organizam e se
mantêm nesta família.
4.8
Homoparentalidade: adoção como um caminho.
O anseio em adotar uma criança se consolidou por meio do desejo de
um dos entrevistados em ser chamado de pai por uma criança, pois embora
seu parceiro já tivesse filhos biológicos que haviam mantido convivência com o
casal, Júpiter almejava seus próprios filhos.
Seguem as falas de Netuno que revelam tais expectativas:
E nós morávamos numa chácara, fizemos uma casa
grande e tinha um monte de quarto e o Júpiter tinha um
sonho de ser pai, de ser chamado de pai, eu já tinha os
filhos mais ele não tinha quem o chamasse de pai... E ele
falava tanto que queria um filho para ele, e ai a gente foi
em abrigos procurando uma criança, porque a gente tinha
uma casa vazia. (...) a casa foi ficando vazia e ele
(Júpiter) falava: ‘a gente precisa arrumar uma criança pelo
amor de deus’ ai fomos vendo.
87
Aqui se observa a necessidade de um dos membros do casal em
realizar-se como pai. Observa-se que a realização do desejo parental parece
fortalecer o pacto conjugal. Júpiter manifesta o desejo de ter filhos e, mesmo
demonstrando grande afeto pelos filhos do parceiro, necessita dos próprios
filhos para satisfazer seu ideal de parentalidade. Netuno, apesar de já ter
vivenciado a experiência da paternidade em relacionamentos heterossexuais
compreende a necessidade do companheiro e engaja-se facilmente em tal
desejo.
Ao visitar o abrigo pela primeira vez o casal teve contato com dois
irmãos do sexo masculino e pensaram em adotá-los, porém, os mesmos ainda
não haviam sido destituídos dos pais biológicos, não sendo possível adotá-los
naquele momento. Conheceram posteriormente duas irmãs, sendo estas irmãs
dos quatro filhos que vieram a adotar no abrigo. A princípio possuíam outra
ideia e outro perfil em relação aos futuros filhos adotivos, pois gostariam de
adotar no máximo até duas crianças.
Em todo processo de constituição da parentalidade encontramos nos
pais os anseios e expectativas em torno da criança “imaginada”. Essa
característica pode ser observada tanto nos pais biológicos quanto nos pais
adotivos. Tal condição os coloca na tarefa de acomodar expectativas em
relação à criança “imaginada” e à criança “real”. Os pais adotivos podem se
defrontar com uma tarefa mais árdua no sentido de absorver as diferenças em
relação àquilo que esperavam de seu filho, em função das características
peculiares à situação de adoção. Fatores como a falta de vínculo genético, a
impossibilidade de ter acompanhado a criança desde o seu nascimento, as
fantasias em relação às características de seus pais biológicos, as diferenças
étnicas, entre outros, podem dificultar tal acomodação (LEVY, 2011;
BENGHOZI, 2010).
Assim sendo, existe a necessidade de reelaboração da criança
imaginada por parte dos pais quando se defrontam com a realidade que lhe
aparece e diante disso, quanto maior for a flexibilidade destes, maior o grau de
aceitação da criança real (WEBER, 2001).
88
Ai a gente estava nesse abrigo e estávamos conversando
e tinha uma menina de nove anos, uma de oito, um de
cinco e outra de três, tudo irmãos, quatro crianças. E na
verdade nós procurávamos outro tipo, uma outra criança,
foram as crianças que gostaram da gente na conversa.
Netuno.
A princípio assustados com a ideia de adotarem quatro crianças,
tentaram esclarecer a elas as dificuldades da adoção de todos os irmãos e
convencê-las de uma possível separação. Segundo Netuno, seu parceiro
Júpiter disse as crianças:
Mas eu também tenho quinze irmãos e nenhum está junto
porque a gente vai se separando, nós vamos se casando...”
E conversando com a menina, falando para a cabeça dela
abrir, sabe assim né, mas nunca pensou em adotá-los, eles
não, porque é quatro né. E nós achávamos que não tinha
que separar, e fomos embora.
Netuno.
Segundo Netuno, a menina mais velha mandou uma carta ao juiz
dizendo que gostaria de morar com o casal, pois tinha gostado deles e aceitava
se separar dos irmãos, pois, haviam pessoas interessadas em adotar os dois
mais novos. Logo em seguida o juiz mandou a eles uma intimação indagando
se havia o interesse em adotar os quatro irmãos.
Segundo o Artigo 28 do ECA, parágrafo 4:
§ 4o Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela
ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a
comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que
justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa,
procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento
definitivo dos vínculos fraternais.
89
Mais recentemente, com a promulgação da Lei Nacional de Adoção
12010/2009, foi ratificado o princípio do não desmembramento do grupo de
irmãos biológicos no momento de uma adoção.
Sendo assim, na época do acolhimento, o juiz levando em conta o artigo
28 do ECA deu preferência para que o casal adotasse todos os irmãos. Em
audiência Netuno, com o consentimento do companheiro, optou por levar uma
de suas ex-esposas, para que ela ficasse com uma das crianças, assim eles
teriam melhores condições para ficar com as outras três, mas o juiz não
concordou. Diante de tal condição, Júpiter resolveu ficar com as quatro
crianças.
Quem ia ficar com os três fica com os quatro, porque meu
pai teve quinze filhos, trabalhou na roça e criou os quinze,
se eu não criar os quatro eu estou pronto para morrer”.
Júpiter.
A princípio o casal assustou-se diante da possibilidade de adotarem
quatro crianças diante das dificuldades financeiras e responsabilidades,
tentando, primeiramente explicar as mais velhas o fato de existir a possibilidade
separação, pois, tinham objetivado adotar somente duas crianças. Porém,
mostraram-se sensíveis a necessidade da manutenção do vínculo afetivo entre
os irmãos, e procurando alternativas para manterem todos unidos, levaram a
ex-esposa de um deles para adotar uma criança.
Observamos que na experiência de acolhimento das crianças Júpiter
reatualiza suas próprias experiências vividas no grupo familiar de origem. Ao
afirmar que na família de origem o pai criou quinze filhos, este parece tomar
como referência a experiência de seu genitor, tomando para si a
responsabilidade
de
dar
a
palavra
final
sobre
o
acolhimento
e
a
responsabilidade de assumir um grupo grande de filhos. Tais aspectos
psíquicos podem ser observados no momento do nascimento ou da adoção
dos filhos, tendo em vista que, segundo Levy (2011) os conteúdos
fantasmáticos dos pais em suas famílias de origem reaparecem em uma nova
experiência e propiciam material psíquico para que os legados sejam
transmitidos entre as gerações.
90
De modo geral, foi possível observar que o casal não teve maiores
dificuldades para assumir as crianças com fins de adoção, tendo em vista que
o juiz acabou facilitando a liberação das crianças ao referido grupo familiar.
Segundo Júpiter o magistrado entrou em contato com o casal após receber a
carta da menina mais velha:
Ligou e disse que se nós quiséssemos adotar os quatro
irmãos, que ele nunca fez isso, mais iria fazer pela
primeira vez, no mesmo dia marcaria uma audiência para
nós, arrumava advogado e tudo.
Júpiter.
Ao entrarem em contato com o histórico familiar das crianças,
verbalizaram uma sensação horrível, a principio.
A sensação de imediato assim é horrível, porque a
primeira coisa que eles te dão na adoção tardia você já
vai pegar o histórico, tudo o que as crianças passaram,
conversaram com psicólogo, assistente social o pessoal
do fórum. Desde muito pequeninhos tiveram muitas
tragédias na vida, um histórico muito pesado.
Júpiter.
O casal comparou o dia que passaram no fórum lendo o histórico das
crianças a uma gestação bem complicada, pois eram quatro crianças com
histórias semelhantes com informações sobre maus tratos e isso, os chocaram
de imediato e posteriormente geraram sentimentos de compaixão, proteção e
cuidados que podem ser identificados na fala de Júpiter:
Então foi um dia assim, que eu sai de casa e a hora que
eu cheguei naquele fórum eu já cheguei apaixonado, mas
quando eu fui ler o histórico eu já estava amando assim
de sofrer mesmo pelos quatro, porque foram coisas muito
horríveis, muito pesadas que só libera para quem vai
91
adotar e só após da adoção mesmo né, da guarda
provisória a hora que você retira a criança do abrigo,
então não tem como você não amar, não tem como você
não se apaixonar, não tem como você não querer cuidar e
proteger.
Júpiter
Segundo eles, o juiz os incentivou a não se sensibilizarem demais pelo
histórico das crianças e pensar nelas como se estivessem nascendo
novamente a partir daquele dia, para os levarem ao salão e mostrar o que era o
trabalho a eles, pois a mãe biológica colocava os mais velhos para roubarem.
O medo das origens, por ser tratar de algo muitas vezes desconhecido,
pode gerar angústias aos adotantes, fazendo com que estes passem a
fantasiar na possibilidade da criança ser ameaçadora à família (VARGAS,
1998).
É necessário avaliar a motivação do casal e os aspectos inconscientes
que mobilizam o desejo de adoção. Muitas vezes, esses motivos não são o que
aparentam e a motivação pode ser desconhecida até mesmo pelos próprios
candidatos. A inflexibilidade quanto ao perfil da criança desejada pode
acobertar resistências relacionadas à ideia da adoção. Sendo assim, uma
maior flexibilidade no perfil e capacidade de encarar a realidade colabora para
que os pais não precisem se agarrar desesperadamente a fantasias, ou nutram
algum medo imaginário de que repentinamente os vínculos com o filho adotivo
podem ser rompidos sem uma causa aparente.
Muitas vezes, o medo e a insegurança apresentados pelos pais adotivos
diante das dificuldades escondem preconceitos que podem estar atrapalhando
a construção do vínculo entre adotante e adotado. É necessário que haja uma
desconstrução dos estereótipos e preconceitos presentes na sociedade
relativos à criança adotiva para que esta possa ser incluída na família e na
sociedade de forma integral (WEBER, 2001).
Observamos ainda, que com o casal em tela a ideia de compaixão com
o histórico das crianças favoreceu a formação do vínculo.
O papel desempenhado pelo juiz do caso foi interessante, pois estimulou
a adoção não por piedade, uma vez que deu enfoque ao presente e as
92
necessidades das crianças terem uma família. Salienta-se, porém, a
importância de não se criar uma super-expectativa em torno da adoção, no
caso em tela – promover um novo nascimento. Haveria aí um risco de se
pensar que a experiência bem-sucedida do presente aniquilaria experiências
difíceis do passado? Essa ideia pode gerar algumas dificuldades nas fases de
adaptação de uma criança no lar adotivo e até mesmo propiciar devoluções de
crianças que apresentam adaptações insatisfatórias, responsabilizando-se
apenas ao filho adotivo por tal fracasso dada a grande idealização das crianças
e a altas expectativas depositadas no adotado que sob essa perspectiva
deveria integrar-se ao novo lar rejeitando as experiências anteriores. Ao se
confrontarem com a situação real e com a impossibilidade de anular o passado
destes poderá haver a desistência da adoção por não conseguirem lidar com
as particularidades e eventuais dificuldades na formação de vínculos afetivos
com uma criança.
Há uma tendência de identificar a adoção como um fenômeno natural de
acolhimento. No entanto, apesar de usarem termos em relação à “gestação” e
ao “nascimento” das crianças adotadas na família, ela chegou por um caminho
diferente do usual. Para que as famílias possam construir uma visão mais
favorável em relação à adoção, é preciso que se assumam as especificidades
do processo e que estas sejam trabalhadas junto aos adotantes. É preciso que
os requerentes estejam conscientes de que a criança adotada possuirá dois
casais parentais e trará uma história anterior a adoção que não pode ser
negada (BENGHOZI, 2010).
Sobre o dia da adoção, Netuno e Júpiter. explicam:
O cartório lá, eu não sei, eles fazem teste de paciência
também, nós entramos oito da manhã e saímos quase
seis.
Júpiter complementa:
Aquilo me marcou tanto, porque assim: eu sabia que eu
estava pegando um menino e três meninas, mas eu não
sabia tamanho, idade, nada.
93
Pelo o que foi verbalizado o casal somente conheceu as outras duas
crianças mais novas após terem formalizado o pedido de adoção. Essa pode
ser uma situação de risco dado à imprevisibilidade do resultado do encontro
entre os pretendentes e as crianças, essa situação imprevista, pode levar a um
resultado insatisfatório e ocasionar na pior situação a devolução de uma
criança, após seu acolhimento com fins de adoção. No caso dos participantes,
eles manifestaram o interesse em adotar dois meninos, mas em razão do grupo
de irmãos se viram incentivados a adotar os outros dois irmãos. Supõe que
uma mudança de posição exige cautela, devendo-se conceder um tempo maior
para que os requerentes possam amadurecer tal mudança e refletir sobre as
consequências futuras em suas vidas. Portanto, compreende-se que lidar com
tais variáveis se faz necessário, sob o risco de graves problemas futuros e
mesmo de devolução de crianças em razão do despreparo para lidar com a
situação apresentada. Tal imediatismo no encaminhamento de uma criança a
um lar adotivo pode levar a um atropelamento de fases durante a fase de
aproximação e estágio de convivência, tal como demonstrou Vargas (1998) em
sua pesquisa sobre adoção tardia.
Na fase de adaptação de uma adoção existem alguns obstáculos que
devem ser superados pelos requerentes em um processo de adoção. A
construção da identidade parental, por exemplo, exige do casal um processo
de identificação com o filho real, o que torna necessário abrir mão do filho
fantasmaticamente
idealizado.
Essa
pode
ser
uma
dos
primeiros
enfrentamentos a ser encarados pelos requerentes no momento do
acolhimento.
Segundo Diniz (2001), a família a ser formada é uma fantasia fortemente
idealizada, principalmente pelas meninas, que evolui à medida que se cresce e
amadurece. Dessa forma, este projeto, que se torna realista e realizável com o
tempo, acaba sendo sempre idealizado, necessitando de uma negociação
entre a realidade e a fantasia.
Segundo Júpiter ao conversar com um dos meninos pela primeira vez ao
telefone este perguntou quando iria buscá-lo no lar, ele respondeu da seguinte
forma:
94
Filho, o pai ta indo daqui a pouquinho te buscar, o pai te
promete, pode ficar com as coisas suas arrumadas ai que
você nunca mais vai voltar ai.
No momento em que descreve esta interação com a criança Júpiter ficou
muito emocionado, contando ter sido está a primeira vez que foi chamado de
pai ou autodenominou-se como pai:
Mas foi muito gostoso porque assim, foi a primeira vez
que alguém me chamou de pai, você entendeu?
Espontâneo, sem eu estar perto, sem eu mandar, sem eu
pedir.
Este fragmento da entrevista revela a convicção do entrevistado em
exercer a parentalidade. A questão da homoafetividade nesse sentido, não
influenciou negativamente em sua concepção. A convicção é tanta que se
observa um grau de paradoxalidade em sua narrativa, uma vez que, é ele
quem se autodenomina pai da criança. Compreende-se que esse processo é
de extrema importância no momento de vinculação entre pais e filhos, uma vez
que são os dados que dão segurança para que as crianças possam se inserir
no núcleo familiar e condições para identificarem como podem se nomear
nesse novo sistema que se forma. Esse dado se diferencia de outro dado
encontrado por Almeida (2012), pois em seu estudo observou que após um ano
de convivência com os requerentes à adoção se sentiam um tanto inseguros
em se autodenominar como pais dos filhos, tanto é que as próprias crianças
perguntam quando os pais quando eles irão chama-los de filhos. No caso em
tela, mesmo antes do acolhimento Júpiter já se anunciava como pai da criança
quando estabeleceu um contato com ela por telefone. Sabe-se que a introjeção
das imagos filio-parentais é um processo lento e com inúmeras nuanças,
porém, no caso analisado, pode-se verificar a predisposição do entrevistado
em assumir o papel paterno.
95
4.9
A adoção: etapas iniciais do processo de integração das crianças
na família
Em relação aos primeiros cuidados com as crianças, os entrevistados
afirmam que encontraram algumas dificuldades, a saber: em relação à
alimentação houve necessidade de ajustes, pois as crianças não comiam de
tudo e tiveram que se adaptar gradativamente. Os problemas iniciais no que se
refere à incorporação do padrão alimentar na família foram superados.
A princípio tiveram ajuda de babás e empregadas:
Eu tive uma babá e empregada, mas hoje mesmo não
tem nenhuma empregada em casa. Cada vez que eu
tinha empregada sempre saia uma, entrava outra, e é
difícil porque as empregadas hoje elas tem os defeitos né,
da forma que foram criadas também e isso passa para os
filhos também, então eu achava muito difícil. Que nem, a
última que eu tive eu não entendia porque eu pegava no
pé das crianças por causa da mentira, que eu falo que eu
não aceito mentira e sempre eles mentiam, ou omitiam
algumas coisas e era a própria baba que era desse jeito
também. Então agora graças a Deus não tem empregada,
a gente consegue se virar.
Júpiter
Nessa fala podemos observar que o casal prefere cuidar pessoalmente
da educação dos filhos sem a influência de terceiros, fato que nos dias de hoje
é esperado dada à rotina de trabalho dos pais. Pode-se inferir que nesta
reação do casal também podem aparecer aspectos inconscientes acerca do
medo de que revelem certas dificuldades para cuidar dos filhos, quando
permitem a ajuda de terceiros nesses cuidados. Tal realidade poderia insinuar
ou ratificar que dois homens, que formam um casal, são deficitários para o
desempenho das tarefas concernentes aos cuidados básicos e educação, pois
tradicionalmente tais funções estão ligadas ao universo feminino e a
96
maternagem. Em nossa concepção é como se os entrevistados tivessem a
necessidade de mostrar que são capazes de oferecer todas as condições
necessárias aos cuidados e educação dos filhos sem o auxilio de outra pessoa.
Tal constatação pode revelar que inconscientemente os entrevistados nutrem
uma auto-cobrança exagerada no sentido de mostrar que estão aptos e
capazes para cuidar sozinhos dos filhos. Segundo Levy (2011) tal condição
remete a necessidade de se distinguir entre as práticas de parentalidade e as
vivências de parentalidade. Ou seja, a vivência está associada ao material
psíquico herdado pelos pais em suas famílias de origem e à necessidade de
continuidade dos legados dos dois núcleos familiares por meios das gerações
sucessoras. A prática de parentalidade, por sua vez, está ligada a experiências
dos cuidados básicos dos pais com os filhos. Nesse aspecto, cada sociedade
estabelece parâmetros para que tais cuidados sejam ministrados em um dado
grupo familiar, tendo ainda, a forte influência dos papéis de gênero masculino e
feminino nos cuidados dos filhos.
A família de ambos acharam uma “loucura” o fato de terem adotado
quatro crianças, principalmente por já levarem uma vida estável e tranquila,
mas não tiveram maiores problemas em relação a isso, como Netuno conta:
Mas depois todos eles amam as crianças, até a
pequenina, que todos eles mudaram os nomes né, que
podia nascer de novo, só que nós deixamos um nome e
mandamos escolher outro, a pequenina, pois o nome da
mãe dele.
As crianças não demonstraram dificuldades para lidar com o fato de
terem dois pais. Segundo os entrevistados, as crianças foram avisadas que
eles viviam como um casal. Ainda quando elas estavam no abrigo, foi-lhes
explicado tal condição. Assim quando elas os viram pela primeira vez
afirmaram que já sabiam que eles eram namorados. Essa reação de
naturalidade deixou o casal surpreso e indicou a aparente naturalidade com
que lidavam com o assunto:
97
Você acredita? Porque na verdade o preconceito não ta
nas crianças, o preconceito é dos adultos, os adultos é
que faz esse preconceito.
Netuno
As crianças os tratavam por pais desde o início da convivência, porém
como os dois respondiam ao mesmo tempo sem que conseguissem identificar
que era chamado. Devido a essa peculiaridade, surgiu a dificuldade para
identificá-los o que os levaram a optar pelo uso do prenome de cada um,
seguido da palavra pai, ou seja, - pai Netuno e pai Júpiter. Segundo o relato
dos entrevistados as próprias crianças que escolheram a forma de chamá-los.
Disseram que o relacionamento deles para com as crianças sempre foi
de forma aberta, porém, afirmaram não demonstrar afeto (troca de carícias)
entre eles diante das crianças, sendo que também não achavam certo que
casais se beijassem na rua. Quando presenciam uma situação dessas perto
das crianças mostra para elas que tal comportamento é errado.
Pode-se observar que os efeitos da homofobia atravessam as relações
afetivas do casal bem como os valores que nutrem acerca das expressões
afetivas. A expulsão dos afetos em um relacionamento e, ao que tudo indica de
uma relação homoafetiva (ZAMBRANO, 2010; ALMEIDA, 2012) pode de modo
inconsciente tornar mais digna no campo das relações sociais, dando-lhe um
caráter de maior legitimidade face aos mitos e estereótipos de que uma relação
homoafetiva apresenta promiscuidade e instabilidades. Frente a tal concepção
discriminatória, os entrevistados parecem se defender de tais implicações,
temendo ser acusados de que a originalidade deste modelo de conjugalidade
possa afetar negativamente os filhos. Assim, é melhor que os afetos não sejam
expressos, sendo que a conjugalidade encontra espaço apenas na privacidade
absoluta. É necessário, ao fazer essa observação, pensar que o casal também
é atingido direta ou indiretamente pelas manifestações do preconceito e da
homofobia que estão presentes na sociedade, e isso reflete diretamente no
modo como construíram a identidade de casal e a forma que procuram passar
tais valores aos filhos.
98
A convivência entre os entrevistados e os filhos perdura há sete anos, ao
serem indagados sobre o grau de satisfação na dinâmica filio-parental
ressaltam:
Muito amor, muito amor. Ele ainda não pode falar nada
porque ele não teve filho biológico, mas ele fala que ele
ama meus filhos né, porque já foi desde os dois anos né?
Mas eu que tenho, se eu te falar a verdade o amor as
vezes é muito maior, é um amor louco, louco, louco.
Netuno
A fala de Netuno revela um amor incondicional. O aspecto da
incondicionalidade parece estar atrelado às próprias peculiaridades da adoção,
a saber: dar uma nova história de vida aos filhos, sem buscar compensações
imediatas e o princípio da reparação. O fato de que a adoção sela o pacto
conjugal e permite aos participantes o sentido de fazer uma família.
Encontramos por vezes uma identificação de um dos pais adotivos ou de
ambos com o filho que passou por uma situação de abandono. Quando
crianças, eles próprios se sentiram abandonados, em função dos desencontros
com suas famílias de origem. Ao acolherem os próprios filhos, dando-lhes um
lar, sentem-se como se estivessem recuperando a criança carente que eles
próprios vivenciaram no passado (LEVY, 2011).
4.10
Rede de socialização
Segundo o casal as crianças o apresentam e os tratam da mesma forma
como fazem em casa, o chamam de Pai Netuno e Pai Júpiter, sendo muito
apegadas, pois ficam sempre por perto fazendo carinho.
Sobre a forma como conduzem a educação dos filhos, Júpiter coloca:
A educação assim que eu passo para a criança e os
valores eu tenho que mostrar para eles sempre que a
nossa vida não é fácil, toda nossa vida é de luta, de
bastante trabalho, respeito ao próximo é tudo, então eu
passo muito isso. Porque se eu deixar meus filhos a
99
vontade, eles não vão respeitar também o próximo,
mesmo com dois pais. Tem muitos pais hoje que
acreditam demais nos filhos e esse é um grande erro
porque as crianças estão podendo demais porque não
tem comando dentro de casa. Comando que eu falo é um
comando mesmo, quem é pai e mãe tem que ser sempre
próximo do filho, mas ao mesmo tempo sempre distante.
Próximo para estar observando tudo o que está ali perto
de você, mas distante para você observar o que se passa
na cabeça dele quando ele esta distante, na hora que ele
está na escola o que ele está aprendendo e não é você
estar seguindo, não é nada disso, você tem que ver o que
ele está falando, como ele esta agindo.
Nessa fala nota-se uma possível supervigilância dos pais na educação e
no comportamento que os filhos apresentam. Uma educação muito rígida, em
que
necessário
sempre
estar
muito
próximo
aos
pensamentos
e
comportamentos da criança. Possivelmente isso pode revelar o quanto o casal
deseja mostrar-se como pais efetivos e totalmente cumpridores de suas
responsabilidades parentais, talvez pelo fato de temer críticas sociais, pois não
apresentam um modelo tradicional de família. A auto cobrança se eleva em
razão de tal percepção.
O que se percebe na fala dos entrevistados é que há na sociedade uma
dificuldade para educar os filhos, uma vez que os pais têm dificuldade para
colocar limites e apresentarem uma autoridade firme que possa ajudar as
crianças a superar também as dificuldades que enfrentaram em suas histórias
de vida incorporadas no período em que viveram com suas famílias de origem.
Esse um importante desafio da denominada adoção tardia, pois conforme
salienta Vargas (1998), há de se permitir que as crianças elaborem um novo
projeto de vida na família adotiva, sem que tenham que necessariamente negar
a outra história. Fica para nós a importância de que os pais possam oferecer
um continente afetivo no sentido de que as crianças adotivas, possam elaborar
suas histórias de vida, para deste modo recompor seus planos e poder de
projetar e desenvolver uma crença na nova família. .
100
Na hora de estabelecer as regras o casal se posiciona da seguinte
forma:
Os dois..., mas o Júpiter é bem mais forte assim né, o
Júpiter é mais rígido... Eu acho que eu virei vô sabe, falo
sempre isso, porque eu já tive os meus e eles já estão
grandões, eu falo que eu virei vô, não é porque eu passo
mão não, eu também não tiro a autoridade do Júpiter de
jeito nenhum, mas tem coisa que o Júpiter puxa e eu fico
meio assim, sem eles verem né, falo: “Menos, menos”
para ele né, mas ele cobra mesmo e ele está certinho.
Netuno.
Podemos observar nesse momento a tentativa da reprodução dos
modelos tradicionais de família pelo casal, a questão do gênero e divisões dos
papéis parentais no interior da dinâmica familiar no que concerne aos cuidados
dos filhos e exercício de autoridade, ou seja, a um reservado a continência
afetiva e ao outro, o papel educativo e do exercício de uma autoridade mais
forte. O complexo de Édipo também está presente nas relações homoafetivas,
apesar deste se expressar com contornos específicos. Nesse sentido um
encarna um papel mais maternal, acolhedor para com as crianças, enquanto o
outro pai se mostra como castrador, interventor e detentor da ordem do grupo,
enfim aquele que representa a interdição do gozo e a aceitação do limite, tal
como encontrado por Zambrano (2008) e Almeida (2012) em suas pesquisas.
Para os entrevistados a entrada dos filhos na escola foi tranquila, pois a
diretora se propôs a explicar a situação para todos da escola e ameaçou
(destaque nosso) os alunos que por ventura realizassem algum tipo de
brincadeira ou demonstrasse preconceito. O casal também informa que não
atende as convocações da escola nem participa conjuntamente de algumas
atividades, como, por exemplo, ir à reunião, pois dizem que não se sentem a
vontade, assim preferem dividir tais responsabilidades:
Nós vamos nas reuniões, só não vamos os dois né, nós
também temos que saber como entrar em todos os
ambientes, você entendeu? Então só o Júpiter que vai ou
101
então eu vou com as duas meninas e ele com os outros
dois.
Netuno
Ao que tudo indica a recente visibilidade jurídica para as famílias
homoafetivas ainda não repercutiu de modo mais efetivo nas relações sociais.
Com o passar do tempo acredita-se que tais iniciativas se tornem mais comuns
e despertem menos estranhamento nas pessoas e comunidade em geral.
Nesse sentido acreditamos que o papel das redes de socialização como
escola, igrejas, associações de moradores, de esportes e de lazer são de
fundamental importância para apoiar tais famílias e construir junto com as
mesmas estratégias para que a visibilidade do grupo seja possível e de modo a
evitar maiores conflitos.
Sobre o preconceito, Júpiter coloca sua opinião:
Eu acho que a escola hoje está muito mudada, mudou
muito porque depois que surgiu o bulling, a homofobia, o
que vem agora é de cima, não é de baixo, o de baixo
ajuda a resolver esses tabus mas desde que a justiça
começa a olhar todos os lados então a gente pode dizer
assim que o nosso lado está muito bem resolvido hoje
porque o preconceito meio que acabou, o povo tem
medo... (grifo nosso)
Nessa fala temos duas possíveis contradições dos entrevistados,
primeiro lugar, seria a postura da direção da escola que parece lidar com a
questão do preconceito de forma autoritária, impondo aos demais alunos à
aceitação dos modelos diferentes de família sem apresentar uma proposta
mais ampla de debate a cerca das questões da diversidade e das novas
formações familiares em seu contexto. Em segundo lugar, há uma postura
defensiva de um dos participantes ao compreender que o preconceito deixou
de existir, ou está enfraquecido devido ao fato de existirem leis que proíbem a
discriminação e por não se falar aberta, bem como por não ser falar mais
abertamente das questões que envolvem o tema. Em nossa concepção tal
102
interpretação, não instrumentaliza os entrevistados a se expressarem mais
abertamente como um casal, muito menos a participarem conjuntamente das
atividades que envolvem a vida escolar dos filhos. O relacionamento desse
modo tende a ficar no campo da invisibilidade frente ao entorno social
Na sequência deste tema na entrevista Netuno coloca sua opinião,
dizendo, diferentemente de seu companheiro, que ainda há sim o preconceito:
Na verdade nunca acabou, mas melhorou, porque
preconceito tem da loira, da gorda, do preto, do doente,
de tudo, preconceito existe.
Verbalizaram que os filhos não são vítimas de preconceito na escola, e
somente uma vez houve uma situação com a filha mais nova que acharam
engraçado, pois uma criança a chamou de louca por ela ter dois pais e não ter
uma mãe.
Tem uma coisa que achei engraçado, olha como a cabeça
da criança é limpa e como os pais colocam muito
preconceito nos filhos.
A minha pequenininha, ela estava na escola, isso já foi
aqui na cidade onde moramos mesmo, ela estava na
escola e uma menininha chegou nela e falou assim: “É
verdade que você tem dois pais?. Ai a ela falou assim: “É
verdade, eu tenho dois pais”
- “Você não tem mãe?”
- “Não, eu não tenho mãe”
A menininha saiu dando risada e falou que ela estava
louca.
Ela acha que ela deveria ter um pai e uma mãe, não
acreditou, e ficou nisso.
Júpiter
É fato que lidar com humor diante de uma situação adersa é muito mais
interessante, diferentemente do drama que se torna desgastante e muita vezes
103
não a possibilidade de enfrentamento mais criativos para a situação.
Considera-se importante registrar aqui, que não observamos nos conteúdos da
entrevista uma estratégia por parte dos entrevistados em aprofundar tal
questão com os filhos. Se a criança ou o adolescente traz temas polêmicos
para dentro de casa, se torna também importante utilizar dessa confiança da
criança para colocar o assunto em discussão. Ser louco por se ter uma família
diferente parece ser bastante impreciso e despropositado, tendo em vista que o
que se espera de uma família é um funcionamento saudável, sendo que a
estrutura em si não revela se ela dispõe de condições importantes para
oferecer saúde mental importante para seus membros, tal com vimos ao longo
de nosso trabalho por meio das concepções de diferentes autores. POSTER
(1979); OSÓRIO (2002); LEVY (2011); PASSOS (2005); PATTERSON (1997);
UZIEL (2008); ZAMBRANO (2008); ALMEIDA (2012).
4.11
Projeções para o futuro
O casal, em seu relato, acredita que não teve dificuldades frente à
adoção das crianças, uma vez que, segundo eles, foram escolhidos por elas,
mas creem que para a maioria dos casais homoafetivos a adoção deve ser
difícil.
Levantaram como dificuldades, a falta de estrutura encontrada nos locais
públicos, citou como exemplo a dificuldade que encontraria se a criança mais
nova ainda fizesse o uso de fraldas, como eles fariam para trocá-la em um
shopping ou qualquer outro estabelecimento público se não houvesse uma
mulher presente para leva-la ao fraldario. Acreditam que as novas leis estão
sim melhorando a situação dos casais homoafetivos, mas concordam também
que ainda há muita coisa para melhorar.
Quando indagados sobre o que pensam da orientação sexual dos filhos
Netuno responde:
A orientação sexual eu acho assim: a gente já nasce do
jeito que tem que nascer esse negócio de que virou
depois, nada..., já era desde pequeno. E se acaso algum
deles, como eu tenho os três biológicos também, são
104
normais, mas se um dia eles achou e descobriu que era
um homossexual tanto a menina quanto o menino eu
acho que não tem nada a ver, e convivência com nós,
também por nós sermos homossexuais, se fosse assim os
três meus seriam também tudo homossexuais, não tem
nada a ver também, é como uma pessoa viver com você,
por exemplo, você é uma Psicóloga não é? Não é porque
você é que seu filho vai ter que ser, não é assim? E assim
também é com o homossexualismo, não é porque eu sou
que eles vão ser.
Diante desse relato é possível observar que Netuno ao se referir aos
filhos na condição de aparente heterossexualidade os consideram como
normais, entendendo a partir disso que na condição de homossexuais
poderiam ser vistos como diferentes dos demais. Essa é uma contradição que
os coloca diante da introjeção de prováveis preconceitos em relação à
orientação sexual. Mais uma vez é possível identificar uma visão naturalizada
acerca da orientação sexual, conforme já destacado em nossas análises
iniciais.
Sobre o futuro da família a médio e longo prazo Júpiter diz:
(desejamos)... Uma família grande, final de ano a casa
sempre foi cheia e bastante netos, mas não sei se vou ser
igual a todos os avós, eu não quero ser um avô coruja, eu
não quero me apegar demais eu tenho medo de sofrer,
porque a gente sofre muito né? Quanto mais você ama
mais sofre, mas o Netuno fala que não tem como não
amar, se apegar se apaixonar.
A riqueza dos afetos remete às dificuldades humanas em saber qual é a
medida certa para a manifestação dos sentimentos. Esta parece ser a ideia de
Júpiter. Novamente parece vir à dimensão do afeto e autoridade. Como amar
de modo eficaz, acolhedor e protetor, sem que se perca a função de autoridade
se sem que se lide com frustrações e perdas. Parece que se tem qualquer
105
resposta segura em relação a esse desafio, quer seja uma adoção efetivada
por uma família hetero ou homossexual. Conforme afirma Bowbly, em sua
clássica obra Cuidados Maternos e Saúde Mental (1988), os pais adotivos
estarão preparados para as suas funções se estiverem preparados para correr
riscos, assim como fazem os pais biológicos. Finalizando a entrevista foi
perguntado ao casal o que falariam ou o que gostariam de transmitir aos outros
casais homossexuais que desejam adotar. Júpiter assim se colocou:
O que eu falo para os casais homoafetivos que têm
vontade de adotar, eu acho que deve ir à luta, não
desistir, fazer todos os meios legais por dentro certinho da
lei, quando adotar nunca ter vergonha de buscar ajuda,
um exemplo: eu tive as minhas dificuldades com meus
filhos, então buscar ajuda com assistente social da onde
fez a adoção, se foi uma adoção tardia, ajuda com
psicólogo, porque quando eu adotei com as dificuldades
da vida eu achei que as vezes eu nem ia dar conta (...).”.
Então é assim, eu falo para todos os casais, ser pai, ser
mãe, ser mãe e mãe ou ser pai e pai é uma tarefa que
não é fácil, é difícil porque a gente tem que ter uma
firmeza e as vezes a dor é mais em nós do que nos filhos
porque é uma dor de amor também. Eu se não tivesse os
quatro com certeza eu estaria correndo atrás hoje para
adotar, também. E agora tenho os quatro, sou feliz, faço
tudo por eles, o que eles precisarem de mim.
4.12
Parecer final do caso
106
De acordo com os fragmentos do estudo de caso verifica-se a
necessidade de uma rede de apoio bem organizada para receber as demandas
de adoção das famílias homoafetivas. Júpiter destaca que a instituição
judiciária tem papel fundamental, uma vez que os casais homoafetivos devem
agir com base na lei e evitar atitudes e comportamentos ilícitos. Tal postura
revela que se pode confiar nas instituições legais, não sendo necessário criar
estratégias para burlar a lei. No passado alguns expedientes nesse sentido
foram criados, até mesmo em razão da falta de visibilidade e de amparo legal.
Tais circunstâncias se modificam paulatinamente e revelam a necessidade de
um encontro mais promissor entre prováveis candidatos à adoção e as crianças
acolhidas em instituições e toda a rede de apoio que lida com os diferentes
aspectos da adoção. Nesse sentido, o novo paradigma – encontrar famílias
para crianças que necessitam de um lar, pode se tornar realidade, quando
casais homoafetivos podem concretizar o ideal de filhos e de família, e as
crianças possam encontrar novos lares.
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
107
Os dados da pesquisa indicam que embora o grupo familiar analisado
apresente originalidade em seu modo de estruturação, ou seja, é composto por
dois homens que se unem mantendo laços conjugais, suas condições para
assumir e cuidar de filhos não se diferenciam dos padrões de família
heterossexual.
A família estudada permitiu-nos comprovar o que as pesquisas sobre
esse tema revelam – o funcionamento das famílias homoafetivas não revelam
prejuízos para o desenvolvimento ou socialização de crianças criadas por
pessoas do mesmo sexo. Apesar de tal constatação, o direito à adoção no
campo jurídico não está totalmente consolidado. As eventuais dificuldades
ainda são influenciadas por posições de preconceito e discriminação que se
alojam na sociedade contemporânea.
A falta de regulamentação jurídica para estas formas de adoção colocam
os eventuais casais homoafetivos, candidatos à adoção, na dependência da
interpretação da lei por parte dos operadores de Direito – juízes e promotores,
pois eles podem negar tal consentimento, em razão da falta de explicitação de
tal aspecto na doutrina jurídica. Assim, considera-se importante a intensificação
do debate nos meios jurídicos, o que poderia ser proposto por órgãos
específicos como Escola Superior da Magistratura e mesmo ações mais
pontuais do Conselho Nacional de Justiça que poderia criar estratégias para o
envolvimento dos juízes nesse debate. Além disso, se torna importante o
estudo do tema – adoção, em suas diferentes vertentes, com destaque para o
tema adoção por homossexuais no período de formação (Direito), tendo em
vista que poderá oportunizar aos diferentes profissionais que atuarão na área
jurídica o contato com o tema.
A sociedade em suas diferentes áreas poderia se beneficiar com a
intensificação desse debate, pois a discussão das novas configurações de
família e de parentalidade ajuda a fortalecer o paradigma social da adoção,
qual seja, - encontrar uma família para uma criança que necessita de um lar.
Nessa perspectiva pode ser inserida a discussão das adoções por casais
homoafetivos. Tais discussões poderia ocorrer em comunidades organizadas,
tanto na área da saúde como área da assistência social, sendo implementadas
em âmbito Federal, Estadual e Municipal.
108
Destaque especial pode ser dado à área da educação, pois conforme
observado nesta pesquisa à escola tem um papel especial no enfrentamento
do preconceito, sendo que ele não é erradicado apenas com medidas
punitivas. É por meio do ambiente escolar que as crianças adotadas passam a
integrar a comunidade a que pertence os pais adotivos. Desse modo, a família
estará em contato direito com a direção, professores e outros grupos familiares.
Portanto, entende-se que, dar visibilidade à adoção, e em especial à adoção
por famílias homoafetivas se torna indispensável. Tais intervenções podem se
iniciar com o debate sobre os diferentes modelos de família que fazem parte da
sociedade contemporânea, além do debate sobre o princípio dos Direitos e da
Dignidade Humana. Salienta-se que tais intervenções deveriam ocorrer de
modo gradativo e envolver todos os atores que fazem parte do universo
educacional: famílias, funcionários, professores, direção entre outros.
Atenta-se também, para a importância de elaboração de novas
pesquisas científicas, de cunho psicossocial que tenham como proposta a
compreensão dos fatores motivacionais e as condições para que uma família
homoafetiva demonstre sua funcionalidade. A falta de legitimidade para as
vocações adotivas de candidatos homossexuais tende a fazer com que
crianças percam a chance de adoção e permaneçam em instituições de
acolhimento até a maioridade, sem que possam contar com um projeto de vida
mais organizado que lhe favoreça cuidado, proteção, contenção, enfim, os
princípios básicos que pais podem ofertar aos seus filhos.
Tais observações ratificam a necessidade de implementação de políticas
públicas dedicadas ao amparo das famílias homoafetivas que desejam
adoção. Além do já ressaltado, esse apoio pode também ser viabilizado pelos
grupos de apoio à adoção que desenvolvam trabalhos que possibilitem trocas
de experiências entre homossexuais solteiros e casais homoafetivos que já
contam com a experiência adotiva e àqueles que ainda pretendem adotar.
Estes debates e experiências podem ocorrer no âmbito do Poder Judiciário, no
momento dos cursos de preparação à adoção exigidos dos futuros candidatos,
conforme prevê a lei Nacional de Adoção.
No que concerne à Psicologia, entendemos a necessidade de
fortalecimento dos princípios da resolução 1/99 que regulamentam a atuação
do Psicólogo nas questões da Sexualidade. É indispensável basear a atuação
109
do profissional psicólogo em princípios éticos e técnicos para lidar com a
diversidade, temas discutidos nesta pesquisa quando se trata das questões da
orientação sexual e do exercício da parentalidade.
Consideramos ainda que, se os serviços de adoção nas áreas da saúde,
da educação e do Poder Judiciário, estiverem mais qualificados para
receberem
as
demandas
de
adoção
apresentadas
pelos
candidatos
homossexuais poderá aumentar o número de famílias pretendentes à adoção,
sendo que elas poderão contar com serviços mais eficientes para dirimir
dúvidas e enfrentar desafios que promovam condições de saúde mental tanto
para os pais como para os filhos que seguem a trajetória da adoção.
CONCLUSÃO
110
Este trabalho apresentou como escopo o estudo de caso de uma família
homoafetiva que embora apresente suas particularidades, não se encontram
procedimentos em suas condutas frente à manutenção da família que se difere
de qualquer outro arranjo familiar.
Cabe lembrar que a sociedade está em constante mudança, e a família
vem apresentando cada vez mais diferentes formas de organização, de modo
que ficar alheio a esse processo seria negar o incontestável, de que a família
independente da sexualidade de seus integrantes torna-se como sempre foi o
alicerce para o desenvolvimento e construção da imagem de cada um fazendo
parte de um grupo.
De acordo com as análises compreendidas acerca da abordagem
psicanalítica, a família em questão apresenta comportamentos em sua
dinâmica que se aproximam dos esperados em uma família convencional,
estabelecendo funções que se adéquam neste meio criando o consenso e as
medidas para que se instalem regras e condutas baseadas nos valores tidos
como fundamentais para a existência e o adequado desenvolvimento de uma
família.
Considera-se que esta pesquisa atendeu-se ao proposto, de buscar
identificar e analisar os aspectos psicológicos presentes na constituição da
família homoafetiva após experiência de adoção das crianças, tomando-se por
referência o contexto das novas configurações familiares, confirmando o
apresentado na parte teórica a respeito do processo de adaptação e
desenvolvimento das crianças inseridas nesta família, onde contata-se que a
família homoafetiva pode ser considerada uma instituição familiar efetiva, tal
como os outros arranjos familiares existentes, de modo que dentre tais funções
foi possível encontrar na família estudada toda a proteção e socialização
esperada para a criação das crianças que passaram a viver com o casal.
Desta forma sugere-se que os resultados obtidos permitam que novos
pesquisadores tenham o interesse de tratá-lo em novas pesquisas referentes à
homoparentalidade, conferindo-se a sociedade uma melhor compreensão do
assunto abordado.
Assim finalizando a explanação, o estudo sobre esta família homoafetiva
demonstrou que não é a orientação sexual dos pais/mães que determina uma
111
boa parentalidade, mas sim suas capacidades de cuidar e ter relacionamentos
de qualidade com seus filhos.
REFERÊNCIAS
112
ABREU, N. Teoria do Apego – Fundamentos, pesquisas e implicações
clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2005.
ALMEIDA, M. R. A adoção por homossexuais: um caminho para o
exercício da parentalidade. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas.
Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p.
______________. Os processos subjetivos no acolhimento e na adoção de
crianças por casal homoafetivo: um estudo de caso. 2012. Tese (Doutorado
em Psicologia). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São
Paulo.
BALEN, F. C.V. A Família. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e
o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 112-114.
BENGHOZI, P. Malhagem, filiação e afiliação. Psicanálise dos vínculos:
casal, família, grupo, insituição e campo social. São Paulo, Vetor, 2010.
BOUGRAB, J; DESCHAVANNE, E.; THOMPSON, C. L´homoparentalité:
réflexions sur le mariage et l´adoption. Paris: La documentation française,
2007.
BOWLBY, J. Cuidados Maternos e Saúde Mental. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1988
____________. Formação e rompimento de vínculos afetivos. In: Formação
e rompimento de laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes; 1997.
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio
de Janeiro, Civilização Brasiliense, 2003. 236 p.
_________. O parentesco é sempre tido como heterossexual. 2003.
Cadernos Pagu (21) 2003, pp. 219-260.
CARVALHO, D. M. Intervenção o Ministério Público no Direito de Família:
entre o público e o privado. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o
público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 75-87
CASTRO, M. C. A. A adoção em famílias homoafetivas. In: Cartilha Adoção:
113
um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília,
CFP, 2008. 52p.
CECCARELLI, P. R. Configurações Edípicas da Contemporaneidade:
Reflexões sobre as novas formas de filiação. In: Pulsional Revista de
Psicanálise, São Paulo, ano XV, 161, 88-98, set. 2002. Disponível:
<http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=213> Acesso em 02/07/2013
_____________. Novas configurações familiares: mitos e verdades. Jornal
de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 89-102, Jun. 2007. Disponível em:
http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=172. Acesso em: 09 mai. 2013.
_____________. Psicanálise, Sexo e Gênero: Algumas Reflexões. In
Diversidades: Dimensões de Gênero e sexualidade Rial, C.; Pedro, J.; Arende,
S. (Org.) Florianópolis: Ed. Mulheres, 269-285, 2010. Disponível:
<http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=1483> Acesso em 02/07/2013.
CHAVES, V. P. Adoção e homossexualidade. In: Cartilha Adoção: um direito
de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008.
52p.
COSTA, C. A. R. CNJ legisla com resolução sobre casamento gay. Revista
Consultor Jurídico, 30 de maio de 2013. Disponível em:<
http://www.conjur.com.br/2013-mai-30/cezar-augusto-resolucao-cnj-casamentogay-tentativa-legislar>. Acesso em: 06 Ago. 2013.
DIAS, M. B. A invisibilidade das uniões homoafetivas. 2010. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/a_invisibilidade_das_uni%F5es_ho
moafetiva.pdf>. Acesso em: 08 Ago. 2013.
__________. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2004.
___________. Paternidade homoparental. In: GROENINGA, G.; CUNHA, R.
(org). Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. Rio
de Janeiro: Imago, 2003. p. 269-275.
___________. Um Estatuto para a Diversidade Sexual. In: PEREIRA, R. C.
(org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM,
2012. p. 176-192.
114
DINIZ, J.S. A Adoção como vivência Afetiva - IN Freire, Fernando Abandono
e Adoção. p 67 - 76, Curitiba: Vicentina Gráfica e Editora, 2001
Estatuto da criança e adolescente. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.
Disponível em: http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/eca_l8069.pdf
Acesso: setembro de 2013
FACHIN, L. E. Famílias – entre o Público e o Privado. In: PEREIRA, R. C.
(org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM,
2012. p. 158-169.
FONAGY, P. Psychoanalytic Theory from the Viewpoint of Attachment and
Theory and Research. In J. Cassidy, & P. Shaver, Handobook of Attachment:
Theory, Research and Clinical Applications. New York: Guilford Press. 1999.
GIL. A. C. Estudo de caso: fundamentação científica subsídios para coleta
e análise de dados como redigir relatório. São Paulo: Atlas, 2009
GRISARD FILHO, W. Famílias reconstituídas: breve introdução ao seu
estudo. In: GROENINGA, G.; CUNHA, R. (org). Direito de família e
psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
p.255-275.
GROSS, M. Que sais-je? L’ homoparentalité. 2 ed. Paris: PUF, 2005.
GROSSI, M. P. Gênero e parentesco: famílias gays e lésbicas no Brasil. In:
Cadernos Pagu, n.21, p. 261-280, 2003.
KEHL, M.R. Em defesa da família tentacular. In: GROENINGA, G.; CUNHA,
R. (org). Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia.
Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 255-275.
LAIA. S. A adoção por pessoas homossexuais e em casamentos
homoafetivos: uma perspectiva psicanalítica. In: Cartilha Adoção: um direito
de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008.
52p.
LEVY, L. A Psicanálise E A Homoparentalidade. Cadernos de Psicanálise -
115
SPCRJ, v. 27, n.30, 2011.
LOURO, G. L. Nas redes do conceito de gênero. In LOPES M.J.M., MEYER
D. e WALDOW V.R. (orgs) Gênero e Saúde. Artes Médicas, Porto Alegre, 1996.
MANDELBAUM, B. Psicanálise da família. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2008.
MINAYO, M. C. D. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. (Coleção temas sociais).
______________. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 7 ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2004.
MOGUILLANSKY, R.; NUSSBAUM, S. Psicanálise vincular – teoria e clínica.
Vol1: Fundamentos teóricos e abordagem clinica do casal e da família.
Tradução: Sandra M. Dolinsky e Marta D. Claudino. São Paulo: Zagodoni
Editora, 2011.
MONTEIRO, E; PIMENTEL, A. A paternidade e homossexualidade: relato de
dois casos em Ulianópolis/PA. Fazendo Gênero 9. Diásporas, Diversidades,
Deslocamentos. 23 a 26 de agosto de 2010. Disponível em:
<http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278291584_ARQUIVO_
FENOMENOLOGIAEXISTENCIALDAPATERNIDADEHOMOSSEXUAL.pdf>.
Acesso em: 07/07/2013
MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. In: Série
Cadernos da Diversidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora – Universidade
Federal de Ouro Preto, 2012.
NAZARÉ, F. Aspectos jurídicos com relação à adoção por pais
homossexuais. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho
Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p.
NUNAN, A. Influência do preconceito internalizado na conjugalidade
homossexual masculina. In: GROSSI, M. P.; UZIEL, A. P.; MELLO. L. (orgs.).
Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de
Janeiro: Garamond, 2007. p. 47-67.
OSÓRIO, L. C. Casais e famílias: uma visão contemporânea. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
116
PACHECO, A., COSTA, R., & FIGUEIREDO, B. Estilo de Vinculação.
Qualidade da Relação com Figuras Significativas e da Aliança Terapêutica e
Sintomatologia Psicopatológica: Estudo Exploratório com Mães Adolescentes,
3, Nº1, 35-59, 2203.
PASSOS, M. C. Homoparentalidade: uma entre outras formas de ser
família. Psicologia. Clínica. Rio de Janeiro, v.17, n.2, 2005.
PELÚCIO, L. M. Travestis, a (re) construção do feminino: gênero, corpo e
sexualidade em um espaço ambíguo. Rev. Anthropológicas, ano 8, v.15, p. 123154, 2004.
PEREIRA, R. C. (Org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre:
Magister/IBDFAM, 2012. Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo
Horizonte, MG.
______________. Nem só de pão vive o
estado.Brasília. v.12, n.3, p. 669-682, set/dez 2006.
homem.
Sociedade
e
PRADO, D. O que é família. São Paulo: Brasiliense, 1981. Coleção primeiros
passos; 50.
REIS. T. Avanços e Desafios para os Direitos Humanos da Comunidade
LGBT no Brasil. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o
privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 370-384.
RIBEIRO, J. & SOUZA, M. Vinculação e comportamentos de saúde: Estudo
exploratório de uma escala de avaliação da vinculação em adolescentes.
Análise Psicológicam 1 (xx), p. 67-75, 2002.
RIOS, R. R. Uniões Homossexuais: adaptar-se ao direito de família ou
transformá-lo? Por uma nova modalidade de comunidade familiar. In: GROSSI,
M.; UZIEL, A. P.; MELLO, L. (orgs.). Conjugalidades, parentalidades e
identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p.
109-129.
ROUDINESCO, E. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 2003.
117
SANCHES. P.; SANTOS. M. Considerações gerais e orientações práticas
acerca do emprego de estudos de caso na pesquisa cientifica em
psicologia. Interações, São Paulo, v. 10, n. 20, dez. 2005. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141329072005000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 11 set. 2013
SANTOS, A.C. Heteroqueers contra a heteronormatividade: Notas para uma
teoria queer inclusiva. Comunicação apresentada no congresso
Heteronormativity: A Fruitful Concept?, Trondheim, Noruega, 2005.
SARAIVA. E. Encontros amorosos, desejos ressignificados: sobre a
experiência do assumir-se gay na vida de homens casados e pais de família.
In: GROSSI, M. P.; UZIEL, A. P.; MELLO. L. (orgs.). Conjugalidades,
parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro:
Garamond, 2007. p. 69-88.
SILVA, J. R. P. A parentalidade de cara nova: quando os homossexuais se
decidem por filhos. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho
Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p.
SILVA, P. L. O Estatuto das Famílias no Direito Comparado. . In: PEREIRA,
R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre:
Magister/IBDFAM, 2012. p. 259-282
SIMIONATO, M. A. W.; OLIVEIRA, R. G. Funções e transformações da
família ao longo da história. Anais do I Encontro Paranaense de
Psicopedagogia
–
ABPppr
–
nov.
2003.
Disponível
em:
<www.abpp.com.br/abppprnorte/pdf/a07Simionato03.pdf>. Acesso em: ago
2013.
SPARGO, T. Foucault e a teoria queer. Rio de Janeiro: Ed. UFJF, 2006. 67 p.
SZYMANSKI, H. Teorias e “Teorias” de famílias. In: A família contemporânea
em debate. CARVALHO, M. (org.). São Paulo: EDUC, 1995. p. 23-27.
TORRES, A. F. Adoção nas relações homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009.
UZIEL, A. P. Conjugalidade, parentalidade e homossexualidade: rimas
possíveis. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federeal
de Psicologia, Brasília, CFP, 2008. p. 13-16.
118
___________. Família e homossexualidade: novas questões, velhos
problemas. 2002. 183 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de
Campinas,
Campinas,
2002.
Disponível
em:
<http://www.nigs.ufsc.br/site/docrede/UZIEL.pdf>. Acesso em: 05 maio. 2013.
___________. Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro: Garamond,
2007.
____________. Homossexualidade e Formação Familiar no Brasil
Contemporâneo. Revista Latino Americana em Estudo Familiar, São Paulo,
v.1,
s/n,
jan./dez.
2009.
Disponível
em:<
http://revlatinofamilia.ucaldas.edu.co/downloads/Rlef1_6.pdf>. Acesso em: 01
mar. 2011.
VARGAS, M. M. Adoção Tardia: Possível a criança sonhada. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 1998.
VENTURA, M.O Estudo de Caso como Modalidade de Pesquisa. Pedagogia
médica.
Rev
SOCERJ.
2007;
20(5):383-386.
Disponível
em:
http://www.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/o_estudo_de_caso_como_moda
lidade_de_pesquisa.pdf Acesso: 22/08/2013
VIEIRA, T. R. Direito à Identidade de Gênero, Redesignações Identitárias e
o Estatuto da Diversidade Sexual. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o
público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 359-369.
YIN.R.K. Estudo de caso: Planejamento e métodos. 4ºEd. Porto Alegre:
Bookman, 2010.
WEBER, L. N. D. Pais e filhos por adoção no Brasil, Curitiba: Juruá, 2005,
274 p.
_____________. Aspectos psicológicos da adoção. Curitiba: Juruá, 1999.
ZAMBRANO, E. “Nós também somos família”: Estudo sobre a parentalidade
homossexual, travesti e transexual. 2008. Tese (Doutorado em Antropologia
Social) – Instituto de Filosofia e ciências Humanas, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
119
_________. et al. O direito à homoparentalidade – Cartilha sobre as famílias
constituídas por pais homossexuais. Porto Alegre: Instituto de Acesso à Justiça,
2006.
Disponível
em:
<http://www.4shared.com/office/V8CRgXUn/O_Direito__Homoparentalidade_.html> Acesso em: 20/11/2012.
____________. Parentalidades impensáveis: pais/mães homossexuais,
travestis e transexuais. Horizonte Antropológico. v.12 n.26 Porto
Alegre jul./dez. 2006
120
APÊNDICES
APÊNDICE A
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP / UniSALESIANO
(Resolução nº 01 de 13/06/98 – CNS)
121
TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE OU RESPONSÁVEL LEGAL
1. Nome do Paciente:
Documento de Identidade nº
Sexo:
Data de Nascimento:
Endereço:
Cidade:
Telefone:
U.F.
CEP:
1. Responsável Legal:
Documento de Identidade nº
Sexo:
Data de Nascimento:
Endereço:
Cidade:
U.F.
Natureza (grau de parentesco, tutor, curador, etc.):
II – DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA
1. Título do protocolo de pesquisa:
A adoção como possibilidade de construção de papéis parentais em um
casal homoafetivo: um estudo de caso.
2. Pesquisador responsável:
Maurício Ribeiro de Almeida
Cargo/função:
Inscr.Cons.Regional:
Unidade ou Departamento do Solicitante:
Docente
06/43802
Curso de Psicologia
3. Avaliação do risco da pesquisa: (probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como
conseqüência imediata ou tardia do estudo).
SEM RISCO
RISCO MÍNIMO
RISCO MÉDIO
RISCO MAIOR
3. Justificativa e os objetivos da pesquisa (explicitar):
Objetivo Geral:
Analisar os aspectos psicológicos presentes na constituição da família
homoafetiva após experiência de adoção de crianças, tomando-se por referência
o contexto das novas configurações familiares.
122
Objetivos Específicos:
- Identificar os aspectos psicológicos desencadeados na formação de um
casal homoafetivo, após os parceiros terem vivenciado parceria conjugal
heterossexual em relacionamento anterior;
- Verificar como se deu o processo de acolhimento e adoção por parte do
casal e as repercussões geradas para a parceria homoafetiva;
- Levantar, por meio da visão dos pais, o processo de adaptação e
desenvolvimento
das
crianças
inseridas
nesta
família
de
configuração
homoafetiva;
- Identificar as possíveis estratégias empregadas no enfrentamento do
preconceito e as expectativas futuras mantidas pelo casal no que concerne à
parceria amorosa e ao futuro dos filhos.
Justificativa:
Abordar este tema passou a interessar, diante da possibilidade de melhor
compreender as transformações dos modelos de família. No que concerne à
homoparentalidade surgiu o interesse de analisar essa constituição família, pois
apesar do preconceito e dos tabus que ainda circulam o assunto e os atores
envolvidos nesses arranjos familiares cabe à psicologia a tarefa de lidar com as
questões da subjetividade e do desenvolvimento humano. Para tanto, deve-se
buscar a superação de conceitos pré-estabelecidos, para que se possa encontrar
ferramentas para analisar e compreender a maneira como as famílias
homoparentais se formam e as crianças e adolescentes são criadas nesse meio.
Conforme dados da literatura, são elementos decisivos para a criação dos filhos o
modo como a família funciona e não como ela está constituída (WEBER, 2001).
Assim, entendemos como relevante entrar em contato com a concepção
de família e criação dos filhos mantidos pelos próprios atores que compõem a
estrutura familiar homoafetiva.
Deste modo, o eixo principal desta pesquisa é investigar se uma família
homoafetiva pode, de fato, ser considerada uma instituição familiar efetiva, tal
como os outros arranjos familiares, no que se refere as funções de cuidado e
socialização de seus membros.
123
Nesse contexto será analisada a função dos filhos na dinâmica conjugal,
bem como o nível de organização do casal para garantir o bem-estar das
crianças.
Portanto esta pesquisa buscará compreender, se a orientação sexual dos
pais interfere nos cuidados ministrados aos filhos e se adoção, mesmo efetuada
por duas pessoas do mesmo sexo, pode ajudar a criança a superar as situações
de abandono vivenciados na família biológica, permitindo superar sofrimentos
ressignificar a história de vida e reconstruir um projeto de vida que lhe permita
adquirir maturidade e maior independência na vida adulta.
Referência Bibliográfica
WEBER, L. N. D. Pais e filhos por adoção no Brasil, Curitiba: Juruá, 2001, 274
p.
5. Procedimentos que serão utilizados e propósitos, incluindo a identificação dos
procedimentos que são experimentais: (explicita).
O trabalho será realizado a partir de um Estudo de Caso, de um casal
homoafetivo do sexo masculino, que adotou crianças, sendo que um dos
parceiros tinha vivenciado experiência heterossexual antes da formação do par
conjugal.
Será realizada uma pesquisa descritiva qualitativa que, visa observar e
analisar os fenômenos presentes na experiência subjetiva da adoção.
Para a realização da coleta de dados será utilizado um roteiro de
entrevistas semi- estruturado, visando responder aos objetivos propostos por esta
pesquisa, no qual serão formuladas questões que permitirão aos entrevistados
expor a respeito da vivência heterossexual antes da constituição da família
homoafetiva, e se a experiência da adoção por parte destes deu-se como
elemento
fortalecedor
dos
laços
conjugais
permitindo
a
vivência
da
homoparentalidade entre os parceiros, buscando como resultados verificar como
a família homoafetiva se constitui e quais as suas condições para assumir os
cuidados e a socialização de crianças.
Desta forma, espera-se com tal pesquisa, conhecer a história de uma
família homoafetiva, seus propósitos, e o impacto da adoção para realidade desta
família e as implicações para o desenvolvimento das crianças relatados pelos
124
pais.
6. Desconfortos e riscos esperados: (explicitar)
Não se aplica
7. Benefícios que poderão ser obtidos: (explicitar)
Não se aplica
8. Procedimentos alternativos que possam ser vantajosos para o indivíduo: (explicitar)
Não se aplica
9. Duração da pesquisa:
A partir da aprovação do Comitê de Ética, a duração da pesquisa será de
aproximadamente três meses.
10. Aprovação do Protocolo de pesquisa pelo Comitê de Ética para análise de projetos de
pesquisa em
/
/
III - EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO PACIENTE OU SEU
REPRESENTANTE LEGAL
1. Recebi esclarecimentos sobre a garantia de resposta a qualquer pergunta, a qualquer dúvida
acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros assuntos relacionados com a pesquisa e o
tratamento do indivíduo.
2. Recebi esclarecimentos sobre a liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e
deixar de participar no estudo, sem que isto traga prejuízo à continuação de meu tratamento.
3. Recebi esclarecimento sobre o compromisso de que minha identificação se manterá
confidencial tanto quanto a informação relacionada com a minha privacidade.
4. Recebi esclarecimento sobre a disposição e o compromisso de receber informações obtidas
durante o estudo, quando solicitadas, ainda que possa afetar minha vontade de continuar
participando da pesquisa.
5. Recebi esclarecimento sobre a disponibilidade de assistência no caso de complicações e danos
decorrentes da pesquisa.
Observações complementares.
IV – CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
125
Declaro que, após ter sido convenientemente esclarecido(a) pelo pesquisador,
conforme registro nos itens 1 a 6 do inciso III, consinto em participar, na
qualidade de paciente, do Projeto de Pesquisa referido no inciso II.
________________________________
Assinatura
Local,
____________________________________
Testemunha
Nome .....:
Endereço.:
Telefone .:
R.G. .......:
____________________________________
Testemunha
Nome .....:
Endereço.:
Telefone .:
R.G. .......:
APÊNDICE B – Roteiro de estudo de caso
/
/
.
126
TEMA: As Origens: os legados. As histórias individuais de cada parceiro
antes da vida conjugal.
1-
Falem-nos sobre a vivência familiar de cada um em suas famílias
de origem. Citem as lembranças marcantes do período da infância e da
adolescência.
2-
Em qual momento perceberam a orientação homossexual?
Gostaríamos que falassem de suas experiências.
3-
Qual foi a reação de seus familiares quando perceberam que não
apresentavam
comportamento
heterossexual?
Como
ficou
o
relacionamento com seus pais e outros que conviviam com o grupo
familiar?
4-
Atualmente como se relacionam com suas famílias de origem?
TEMA: A Conjugalidade Homoafetiva - A formação do par conjugal: a
visibilidade do relacionamento homoafetivo.
1-
Qual é a história do casal? Como se conheceram e em que
momento decidiram morar juntos?
2-
Antes de assumirem o relacionamento homoafetivo (como casal),
vocês tiveram relacionamentos heterossexuais? Como foram essas
experiências?
3-
Conseguem identificar quais são as diferenças entre um
relacionamento heterossexual e homossexual? Ou seja, estar casado ou
relacionar-se afetivamente com um homem ou uma mulher?
4-
Como foram os primeiros anos de vida em comum (como casal)?
127
5-
Existem interferências de ex-companheiras/os no relacionamento
atual de vocês? Tiveram filhos de relacionamentos anteriores? Qual é a
formação de relacionamento que estabelece com eles?
TEMA: CONJUGALIDADE/HOMOPARENTALIDADE
1-
Como surgiu a ideia de serem pais? Tinham alguma ideia a
respeito do perfil da criança que esperavam adotar, como por exemplo:
cor de pele, sexo, idade?
2-
No momento em que vocês decidiram pela adoção, quais foram
as sensações e sentimentos que tiveram?
TEMA: A Construção dos laços filiais e paternos
1-
O que pensaram e como agiram nos cuidados das crianças?
(tiveram as dúvidas mais frequentes e como lidaram com elas)?
2-
Quando as crianças passaram a morar com vocês como elas os
chamavam (forma de tratamento)? Qual foi a reação delas perante a
realidade do casal, ou seja, ser constituído por dois homens? Como é
tratada essa questão atualmente?
3- Há quanto tempo as crianças moram com vocês? Como foram
esses anos de convivência? Atualmente o que sentem em relação a
essas crianças?
TEMA: A família e as redes de socialização (família extensa, escola)
1- Como as crianças apresentam vocês para as demais pessoas,
por exemplo, como elas os chamam em público?
128
2- Como conduzem a educação das crianças? O que pretendem
transmitir a elas?
3- Como foi a entrada das crianças na escola?
4- Houve
alguma
situação
de
preconceito
social/familiar
ou
institucional em relação à experiência de adoção? Como agiram a
esse respeito?
TEMA: Projeções para o futuro
1- Na opinião de vocês, quais fatores dificultam e quais favorecem a
adoção por homossexuais? O que pensam para o futuro, no que que
se refere a vida do casal e a dos filhos?
2- O que pensam sobre a orientação sexual dos filhos?
3- O que pensam sobre o futuro, a médio e longo prazo?
4- O que falariam aos outros casais homossexuais que desejam
adotar?
Download