UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Psicologia Ana Beatriz Gomes Menezes Vanessa Cristina do Vale Siolari A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS PARENTAIS EM UM CASAL HOMOAFETIVO: UM ESTUDO DE CASO Colégio Salesiano Lins/SP LINS – SP 2013 ANA BEATRIZ GOMES MENEZES VANESSA CRISTINA DO VALE SIOLARI A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS PARENTAIS EM UM CASAL HOMOAFETIVO: UM ESTUDO DE CASO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Psicologia, sob a orientação da Prof. Dr. Maurício Ribeiro de Almeida e a orientação técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni. LINS – SP 2013 ANA BEATRIZ GOMES MENEZES VANESSA CRISTINA DO VALE SIOLARI A ADOÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS PARENTAIS EM UM CASAL HOMOAFETIVO: UM ESTUDO DE CASO Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Auxilium para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Aprovada em: ______/_______/______ Banca Examinadora: Prof, Orientador: Maurício Ribeiro de Almeida. Titulação: Doutor. Programa de Psicologia Social – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Assinatura:___________________________ 1ºProf(a):___________________________________________________________ Titulação:____________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Assinatura:___________________________ 2º Prof(a):___________________________________________________________ Titulação:____________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Assinatura:___________________________ AGRADECIMENTOS Muitos foram os motivos para que eu desanimasse ao longo desta caminhada. Ainda assim com tantos entraves, consegui concluir mais uma conquista em minha vida. É imprescindível o apoio e o incentivo que tive de pessoas muito especiais e que tanto amo, pessoas que estiveram ao meu lado durante a construção deste trabalho e durante todo o curso. Primeiramente, dedico este trabalho a meu companheiro de lutas e vitórias diárias, que sempre pude contar em todos os momentos, me ensinando a ser paciente e a acreditar mais naquilo que traço como metas. Te amo Elton! A sua fé em mim e em minha capacidade me fortalece a cada dia. A minha pequena Sophia, que ao mesmo tempo já se mostra tão grande em suas atitudes, compreendendo os momentos em que não pude dedicar a ela o tempo que me cobrava. Meu maior presente de Deus, minha razão para ter feito tantas escolhas, abrindo mão de tantas outras. Sua luz e a paz que você me trouxe é o que me faz ter forças para correr atrás todos os dias de uma vida melhor para você minha bebê! Aos meus pais Cledineusa e José Antonio, que foram o meu esteio, apoiandome sempre e tornando possível a realização de meu objetivo. Seus ensinamentos e valores me conduziram durante toda a vida, e certamente passarei adiante. A minha irmã Valéria, agradeço pelas palavras diretas e incentivadoras, que sempre me fizeram enxergar as situações de forma mais simples. Em primeiro lugar agradeço a Deus, por estar presente em meu caminho guiando-me e possibilitando fazer escolhas nas quais no final terei a certeza em ter buscado a direção correta. A minha querida irmã Valéria que mesmo estando ocupada com seus estudos, se disponibilizou a prestar assistência no que fosse necessário, lendo o trabalho com o propósito de detectar qualquer erro gramatical. Muito obrigada por tudo. A Ana Beatriz, minha parceira neste trabalho e ao longo destes 5 anos, sua amizade esteve presente desde o início. Obrigada pelo comprometimento e pela confiança em acreditar que juntas poderíamos realizar mais esse desafio. Ao nosso professor e orientador Maurício Ribeiro de Almeida, agradeço pela excelente orientação, pelo ensinamento e dedicação concedidos no auxílio à realização deste Trabalho de Conclusão de Curso, e por sempre acreditar em nosso potencial. A todos os professores do curso de Psicologia, pela dedicação e ensinamentos disponibilizados nas aulas e estágios, cada um de forma especial concorreu para a conclusão desse trabalho e consequentemente para a minha formação profissional. Ao casal homoafetivo que se disponibilizou em conceder as entrevistas, tornando possível a realização do Estudo de Caso. Por fim, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para o sucesso deste trabalho, meu eterno agradecimento. Vanessa Cristina do Vale Siolari AGRADECIMENTOS A longa jornada se encerra, e após cinco anos de estudos dedico esse trabalho de conclusão de curso a todos aqueles que me apoiaram durante esse período. Primeiramente o dedico aos meus pais Albina e Milton que sempre estiveram presentes me apoiando em todos os sentidos e oferecendo os subsídios financeiros com muito esforço para que eu pudesse concluir mais essa etapa em minha vida. Obrigada por tudo pais, principalmente por acreditarem e mim! Amo vocês! Agradeço ao meu futuro marido, Marcel meu maior companheiro de todas as horas que me ajudou muito com toda sua paciência, carinho e dedicação, sempre me acalmando e me deixando mais tranquila e confiante nos momentos mais difíceis. Te amo muito e obrigada por ser quem você é. Agradeço a minha parceira nesse trabalho, Vanessa, por todo comprometimento, companheirismo e seriedade para realização deste estudo, e por toda sua amizade durante esses cinco anos. Ao nosso querido professor e orientador Maurício Ribeiro de Almeida, por toda a dedicação dispensada a nós não só nesse Trabalho de Conclusão de Curso mas, em todos esses anos como o excelente professor que é, sempre confiando em nosso potencial e nos auxiliando em nossa jornada de conhecimento. Agradeço a professora Jovira Maria Sarraceni por nos orientar na elaboração técnica e pelas supervisões necessárias para a sua realização. A todos os professores do curso de Psicologia por todo o conhecimento que nos transmitiram e por toda dedicação para com seus alunos. Por fim, venho agradecer ao casal homoafetivo que se prontificou a adentramos em sua intimidade e em sua história de vida para a realização desse Estudo de Caso. Ana Beatriz Gomes Menezes. RESUMO A família homoafetiva frente às novas possibilidades de configurações familiares recebe maior visibilidade na sociedade atual. Nesse cenário tem-se como interesse analisar essa constituição familiar, pois apesar do preconceito e dos tabus que ainda circulam, essas famílias conquistam cada vez mais seus direitos. Essa pesquisa enfoca os processos subjetivos disparados por esses núcleos familiares. As estratégias metodológicas adotadas neste estudo permitem analisar e compreender a maneira como as famílias homoparentais se formam e como se desenvolvem crianças e adolescentes em seu meio, ou seja, os processos subjetivos presentes nesta forma de adoção. Para o levantamento e a análise dos dados, empregou-se a estratégia metodológica de estudo de caso, sendo retratado um casal homoafetivo do sexo masculino, que adotou quatro filhos, sendo que um dos parceiros vivenciou experiência conjugal heterossexual antes da formação do par conjugal. A pesquisa é de natureza qualitativa e descritiva. Os principais eixos de análise levantaram os seguintes aspectos: a visibilidade do relacionamento homoafetivo; conjugalidade/homoparentalidade; a construção dos laços filiais-paternos; a família e as redes de socialização e as projeções para o futuro. Os dados obtidos nas entrevistas foram analisados com base na teoria psicanalítica, em inter-relação com a teoria de gênero. Os dados obtidos evidenciam que a família homoafetiva em questão, apesar de suas particularidades, não rompe com os valores tidos como tradicionais e esperados em uma família convencional. Isso é observado no que tange aos cuidados básicos e processo educativo que oferecem aos filhos. Os padrões heteronormativos são também incorporados pelos participantes de modo a criar reservas quanto à manifestação de afeto em público por parte do casal. Os dados permitem ainda considerar que a união homoafetiva deve ser compreendida como entidade familiar. Tal observação contribui para que se verifique a necessidade de implementação de políticas públicas destinadas às famílias homoafetivas. Os serviços de saúde e de adoção, por exemplo, devem se qualificar para receber os pedidos de adoção formulado por tais famílias. Os subsídios para as intervenções nessa área podem ser obtidos por meio de pesquisas científicas e mobilização política dos casais homoafetivos. Tão importante quanto reconhecer tais uniões, é permitir a essas pessoas a possibilidade de adotar, tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e do maior interesse da criança. Palavras-Chave: Adoção (criança). União homossexual. Homoparentalidade. ABSTRACT The homoaffective family forward to the new possibilities of family configurations gets bigger visibility in our current society. In this scenery, it has the interest on analyzing its familiar constitution , although there are still prejudices and tabus surrounding it, these same families conquer even more their equal rights. This researching has focuses on subjectives process launched by these traditional family nuclei. The methodological strategies that were adopted in this researching, allow us to analyze and comprehend the way how homoparental families are usually formed and how they develop their children and teenagers in their midst, ie, the subjective process present in this form of adoption. To survey and data analysis, it was used the methodological strategies in the study case, where it is portrayed one homoaffective male couple who had adopted four children, of which one partner has experienced heterosexual marriage before becoming a couple. The researching has as nature the qualitative and descriptive. The main analysis axes were raised by the following aspects: homoaffective relationship visibility; marriage/homoparenthood; the conceptions of paternal roots; the family itself and networks for socialization, as also the future projection. The obtained data during interviews were all analyzed based on the psychoanalytic theory, interrelating with de genre theory. The achieved data makes it clear that homoaffective families in question, although their particularities, does not break with the traditional family values, often held as expected in a conventional family. That's observed in regarding to basic cares and educational process that they offer to their children. Heteronormative patterns are also incorporated by the participants in order to make reservations about the public affections manifestations by the couple. Data achieved also allow to consider that homoaffective union must be comprehended as a familiar entity. Such observation contributes to be verified the public politics implementation necessity designed to homoaffective families. Health and adoption services must be qualified to receive such adoption requests filled in by those families. Subsidies for formulating such interventions can be found by scientifics researches and politic mobilization of homoaffective couple. As important as recognizing such unions, is to allow these same people the posibility of adopting, in view of the human-being dignity, non-discriminating and for the child's best interests. Key-words: Adoption (children). Homossexual Union. Homoparenthood LISTA DE QUADROS Quadro 1: Casais e famílias: uma visão contemporânea.................... 20 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS A.P.G.L: Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas. ECA: Estatuto da criança e adolescente. CNJ: Conselho Nacional de Justiça SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................12 CAPÍTULO I – A FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES....................................15 1 A HISTÓRIA DA FAMÍLIA ..........................................................................15 1.1 Diferentes modos de compreensão da família..............................................20 1.2 A Família contemporânea .............................................................................25 CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES ATUAIS DA PSICANÁLISE E DA TEORIA DE GÊNERO À COMPREENSÃO DA FAMÍLIA..........................................................33 2 A PSICANÁLISE: OS VÍNCULOS E A CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.....33 2.1 A teoria de gênero e as possibilidades de interpretação da família.............37 2.2 Possíveis convergências entre a psicanálise e a teoria de gênero..............41 CAPÍTULO III – ADOÇÃO E CONJUGALIDADE: ASPECTOS JURIDÍCOS, LEGAIS E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA..............................................48 3 UNIÃO HOMOAFETIVA ..............................................................................48 3.1 A legislação e as políticas de adoção...........................................................52 3.2 A adoção por casais do mesmo sexo ..........................................................54 3.3 Desenvolvimento da criança adotiva em famílias homoafetivas .................56 CAPÍTULO IV – METODOLOGIA 4 INTRODUÇÃO.............................................................................................62 4.1 Resultados da pesquisa: análise e discussão dos dados ...........................67 4.2 As origens: História de vida de cada entrevistado e suas famílias de origem ...................................................................................................................68 4.3 A descoberta da homossexualidade ...........................................................72 4.4 Inquietações com a homossexualidade.......................................................70 4.5 Da homossexualidade à homoconjugalidade: visibilidades coincidentes............................................................................................................76 4.6 Relacionamentos heterossexuais ................................................................80 4.7 Formação do casal ......................................................................................82 4.8 Homoparentalidade: adoção como um caminho .........................................86 4.9 Etapas iniciais do processo de integração das crianças com a família...........................................................................................................95 4.10 Rede de socialização ...................................................................................98 4.11 Projeções para o futuro ..............................................................................103 4.12 Parecer final do caso..................................................................................106 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO........................................................................107 CONCLUSÃO.......................................................................................................110 REFERÊNCIAS ...................................................................................................111 APÊNDICES ........................................................................................................119 12 INTRODUÇÃO Durante muito tempo a família foi constituída por união civil e religiosa entre homens e mulheres, tendo como objetivo principal a procriação. Em virtude das formas de desenvolvimento e organização da sociedade, houve modificação na formação da família, que não mais precisa ser unicamente constituída por meio da instituição do casamento. Sendo assim, o conceito de família se ampliou, possibilitando novas formas de configurações familiares. De acordo com Uziel (2009), na atualidade, os modelos de família estão mais diversificados. A família nuclear constitui-se ainda como modelo de família majoritário, porém, a realidade é que cada vez mais têm surgido novos arranjos familiares. Faz-se, então necessário ressignificar os modelos familiares abrangendo suas novas modalidades de relacionamentos, em especial a família formada por casais homoafetivos, com ou sem filhos, que vem tentando ocupar seu espaço e lutando para ter seus direitos assegurados. Deste modo, a sociedade passa por mudanças e cabe ao Direito e a Psicologia entre outras áreas, acompanhá-las visando a proporcionar um maior suporte ao indivíduo e a essas novas famílias. A emergência de novos arranjos familiares, neste contexto de transformações e novos significados, convida a enfatizar as relações homoafetivas concedendo-lhes caráter de visibilidade. A definição de família necessitou ser reelaborada frente às transformações por que passou a sociedade. O padrão clássico dos vínculos familiares não mais se vincula aos paradigmas tradicionais do casamento graças a fatores como a evolução dos costumes, a disseminação dos métodos contraceptivos, o movimento de mulheres e o desenvolvimento da engenharia genética. A família de hoje tem como alicerce a afetividade e deve ser orientada pelos princípios constitucionais. Neste contexto, vislumbra-se a adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais, tema que se mostra cada vez mais presente no cotidiano da sociedade. Observa-se, com certa frequência, a sua abordagem na imprensa escrita e falada e nas discussões acadêmicas. Todavia, trata-se de uma questão bastante polêmica, permeada de preconceitos e, não raras vezes, 13 tratada de forma parcial, e é aqui que reside a importância da desmistificação desta matéria. Não obstante a ausência de ineditismo, a escolha deste tema deve-se, especialmente, a sua extrema relevância social, pois tanto o abandono de crianças em instituições de acolhimento quanto à discriminação por orientação sexual são graves situações verificáveis no cenário brasileiro. Considera-se que o contato com temas ligados à esfera da sexualidade e da adoção, em disciplinas cursadas durante a graduação gerou importantes subsídios e motivação pessoal para a formulação desta pesquisa. Na disciplina de sexualidade humana, por exemplo, pôde-se discutir as questões relacionadas à sexualidade e sua influência nos processos de subjetividade, além de se observar como os processos sócio-históricos e políticos afetam a compreensão da sexualidade contemporânea, criando ideologicamente padrões de normalidade. Na disciplina de psicologia e justiça deparou-se com as questões da adoção e da situação da criança em vulnerabilidade social, bem com as discussões acerca da constituição de vínculos afetivos nos processos adotivos. Ainda, a discussão sobre o sentido mais social que a adoção adquiriu nas sociedades contemporâneas. Além de tais experiências nas disciplinas, as atuações nos estágios curriculares também despertaram interesses para a elaboração desta pesquisa, haja vista que nos atendimentos clínicos e institucionais observou-se a complexidade da formação de vínculos afetivos e as situações paradoxais que ele carrega – principalmente relacionados à confusão de afetos entre pais e filhos e normas préestabelecidas que aprisionam as pessoas em comportamentos e valores rígidos e estereotipados. Assim, sob a influência dos aspectos sociais e da vivência acadêmica durante o período de formação, estabeleceu-se, como objetivo para esta pesquisa a analise dos aspectos psicológicos existentes na constituição de vínculos filio-parentais em um lar homoafetivo. Para tanto, tomou-se por referência o contexto das novas configurações familiares. Portanto o fenômeno da adoção em um lar homoafetivo constituiu-se como objeto desta pesquisa que adotou natureza qualitativa e foi consolidada sob o paradigma da estratégia metodológica de estudo de caso e da entrevista semi-estruturada, para a coleta de dados. 14 O trabalho está organizado em quatro capítulos assim distribuídos: O capítulo I apresenta os aspectos sócio históricos da família ressaltando-se a história e a constituição da família ao longo dos tempos e as transformações em sua estrutura. No capítulo II estão preconizados as contribuições da psicanálise e da teoria de gênero como embasamento teórico para o aprofundamento de temas que afetam a família, como a constituição de vínculos afetivos e o desempenho de papéis sociais. Portanto, a construção dos vínculos afetivos, e o desempenho dos papéis de gênero permitem o diálogo e as convergências entre essas duas teorias. O capítulo III apresenta os aspectos jurídicos e legais da adoção, tendo como foco a adoção por casais do mesmo sexo na contemporaneidade e a legislação concernente à união homoafetiva. O capítulo IV é destinado à metodologia da pesquisa e os resultados da pesquisa, sendo que nele são descritos de modo sistemático o método, as técnicas utilizadas que permitiram a organização do trabalho e o levantamento de dados. Apresentam-se os resultados da pesquisa, seguidos da discussão, proposta de intervenção e por fim, a conclusão do trabalho. 15 CAPÍTULO I A FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES 1 A HISTÓRIA DA FAMÍLIA Para compreender os aspectos psicológicos dos sujeitos oriundos de uma família homoparental é preciso, primeiramente, entender como as famílias se constituem. Faz-se necessário remeter-nos a um breve contexto histórico trazendo alguns conceitos diversos de família, fazendo uma reflexão sobre as mudanças ocorridas em sua estrutura nos últimos séculos e as suas relações com a sociedade. De acordo com Prado (1981), podemos encontrar facilmente a história da família, porém não é nada simples dizer o mesmo da história da instituição familiar. A autora traz a origem do termo família, vindo do latim Famulus que se trata de um conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor. Incluindo-se assim como dependentes esposa e filhos, ocorrendo crescente número das famílias nucleares. Segundo Osório (2002), é possível descrever as diversas estruturas ou modalidades assumidas pela família através dos tempos, mas não defini-la ou determinar algum elemento comum a todas as formas que esse agrupamento humano apresenta. De acordo com o autor, referir-se à família como uma unidade básica de interação social talvez seja a forma mais comum e sintética de enunciá-la; porém não basta para situá-la como agrupamento humano no contexto histórico-evolutivo do processo civilizatório. A família é o primeiro grupo social em que os sujeitos estão inseridos desde o seu nascimento. É uma instituição social presente em qualquer sociedade, apresentando diversas configurações, sendo estas modificadas ao longo da história. Bourdieu (1993 apud UZIEL, 2002, p. 10) define família como “um conjunto de indivíduos aparentemente ligados entre si, seja pela aliança (o casamento), seja pela filiação, mais excepcionalmente (parentesco) e vivendo sob o mesmo teto (coabitação)”. pela adoção 16 De tal modo, entende-se a família como sendo o primeiro e mais importante grupo social, não podendo ser ainda considerada como um sistema simples, estável, seguindo uma construção linear ao longo dos tempos. A família constitui-se como um sistema vivo, ativo, complexo e em constante movimento, que tem a possibilidade de promover a socialização e a sobrevivência de seus membros. É, portanto, responsável pela nutrição, desenvolvimento, proteção, apoio emocional e pela transmissão de valores éticos e culturais, além de ser o primeiro espaço para o exercício da cidadania, assumindo desse modo, funções biológicas, psicológicas e sociais. Prado (1981) estabelece que, é através da família que a criança se integra no mundo adulto, sendo neste meio que aprende a canalizar seus afetos, a avaliar e selecionar suas relações. Toda família, segundo a autora visa primeiramente, reproduzir-se a si própria, podendo transmitir seus hábitos, costumes e valores por sua vez às novas gerações. De acordo com Roudinesco (2003), há três períodos distintos na evolução da família. O primeiro é o da família tida como “tradicional”, sendo esta responsável pela transmissão do patrimônio. Este arranjo familiar era dominado pela autoridade patriarcal, sendo esta autoridade uma adaptação do poder do direito divino, sem possibilidade de modificação. Dessa forma, os pais tinham sob sua responsabilidade a escolha dos casamentos de seus filhos, mesmo em idade precoce, sendo que os filhos não tinham a opção de escolha, tendo que se sujeitar ao que era determinado por seus pais. Em uma segunda fase, situada entre o final de século XVIII até meados do século XX, surge à família dita “moderna”. Esta constituição familiar é baseada no amor romântico, sendo que através do casamento era possível a reciprocidade dos sentimentos e a existência dos desejos carnais. Surge então a divisão do trabalho entre os esposos, com a mulher começando a trabalhar fora do lar. Essa mudança acarretou em uma divisão da atribuição da autoridade sobre a educação das crianças entre os pais e o Estado. Por fim, no século XX, a partir dos anos 60, surge a família “pós-moderna” ou “contemporânea”, aonde a transmissão da autoridade vai se tornando cada vez mais complexa devido à existência das separações, dos divórcios e das famílias reconstruídas. Nesse contexto familiar, as relações têm duração relativa, e o que une principalmente duas 17 pessoas é o interesse em relações de intimidade entre os casais, além da realização sexual. Para Osório (2002), família não é um conceito unívoco, mas uma expressão passível de descrições, sendo possível descrever suas várias estruturas ou modalidades. Dentre tantas variáveis que compõem as famílias atualmente, é difícil encontrarmos algum elemento comum a todas as formas deste agrupamento humano. As relações que configuram a família chamam-se “parentesco”. O parentesco consiste numa relação entre pessoas que se vinculam pelo casamento ou cujas uniões sexuais gerem filhos, sendo marido e mulher parentes, independente de gerarem ou não filhos. Assim, para a maior parte das pessoas a visão de família está relacionada à ideia de casamento e amor, sendo um modelo ideal de instituição universal e histórica. Essa concepção é naturalizada e isso forma um mito que define família como um local sagrado em que seus componentes, pais e filhos vivem em perfeita harmonia, sem problemas. Logo, pensando a família como um sistema em constante transformação tratando-se de um organismo complexo que se altera e que se mantém para permitir sua continuidade e evolução, além de assegurar a possibilidade de construção da identidade de seus membros. Osório (2002) faz menção ao mais antigo código de leis sociais – o Código de Hamurabi – onde dos 252 artigos, 64 são consagrados a regular as relações familiares. O casamento era monogâmico, porém o divórcio era consentido na ausência de filhos. A procriação era tida como elemento central do vínculo matrimonial, tanto que se a mulher fosse estéril, o homem poderia repudia-la. O regime era patriarcal, com o pai tendo o poder total sobre a esposa e os filhos. Entre os antigos egípcios, a união entre irmãos como um casamento perfeito, sendo um privilégio dos faraós. Marido, mulher, concubinas, irmãos, irmãs, parentes e serviçais mantinham relações que se aproximavam do padrão fraternal sem a necessidade de definição da identidade pessoal ou social de cada um. Os laços de parentesco e a herança eram transmitidos pela mãe, em um regime de filiação matrilinear. A mulher tinha um papel preponderante no seio familiar. Em se tratando da Grécia arcaica, “a célula fundamental da sociedade era constituída por todos os que reclamavam um pai 18 comum e praticavam o mesmo culto. Essa seria uma versão primitiva da família extensa” (OSÓRIO, 2002, p. 37). No que se refere à Grécia clássica, a partir do século V a. C., Osório apresenta que é possível encontrar uma estrutura familiar melhor definida, com a supremacia do homem sobre a mulher, com o direito paterno estabelecido e a instituição da propriedade privada transmitida de geração a geração. As esposas sendo absolutamente submissas aos maridos, reclusas nos gineceus, privadas de direitos políticos ou jurídicos. Em Esparta, devido ao culto à eugenia, a mulher tinha aparentemente maior liberdade, sendo possível expor seu corpo. O casamento propendia assegurar a reprodução e, embora a lei exigisse fidelidade da mulher, caso o marido fosse ancião, ele poderia optar pela escolha de um jovem são e vigoroso para fecundar sua mulher e assegurar-lhe uma descendência dotada dos almejados predicados físicos. A união matrimonial tinha a função puramente reprodutora e o amor derivava-se para outras fontes e, assim, floresceram entre os antigos gregos as práticas homossexuais, existindo o amor dos homens adultos pelos adolescentes e o estímulo das mulheres se relacionarem entre si como uma maneira de expressar os sentimentos elevados da condição humana. Na sociedade etrusca, os romanos tinham a mulher no centro familiar. O patriarcado surgiu gradualmente, onde a família passa a se organizar em torno da descendência masculina, sendo os homens os atores principais e centralizavam todas as ações familiares, sociais e políticas, colocando as mulheres como coadjuvantes. Assim, a autoridade do pai sobre os filhos não só podia punir como lhe infringir a pena capital ou transformá-lo em um escravo, tendo este que trabalhar para os outros tendo seu salário retido ou até mesmo podendo ser vendido como escravo, ou, se o filho houvesse cometido qualquer ato ilícito, doando-o à pessoa lesada. Também tinha o direito de abandonar ou matar seus filhos recém-nascidos. As mulheres, por sua vez, estavam sujeitas à autoridade de seu sogro, enquanto esse fosse vivo. Os casamentos eram acertados em função de um dote, da herança e de outras razões patrimoniais. A adoção era uma prática corrente, na maioria dos casos tendo como finalidade dar a condição de pai de família necessária para obter honras públicas ou cargos políticos (OSÓRIO, 2002). 19 Ainda Osório (2002), destaca as estruturas familiares na Europa préfeudal, dos povos célticos e germânicos, onde entre os celtas existe a igualdade entre os sexos, tendo as mulheres à participação ativa na vida tribal, combatendo ao lado os homens na defesa de suas terras. Mais tarde, sob o domínio do Império Romano, a família celta adota a estrutura patriarcal, mas conservando as mulheres autonomia não encontrada entre outros povos. Nas famílias germânicas a ausência de regras de sucessão e a tendência a não partilhar o patrimônio após a morte do pai contribuíram para a menor rigidez dessa estrutura patriarcal. Chegando à família sob a organização feudal da Idade Média, onde não mais o casamento centralizava a vida familiar e sim a linhagem. A mulher só pertencia à linhagem do marido enquanto este estivesse vivo. Por outro lado, prevalecia a chamada “família abrangente”, que incluía outros parentes. Ao fim da Idade Média, com o nascimento da industrialização, a família nuclear estabelece prevalência, porém a autoridade patriarcal continua sendo externa ao núcleo familiar. Segundo Lévi-Strauss (apud ROUDINESCO, 2003, p. 17), quando questionado acerca das novas formas de organização da família, coloca o seguinte: “O leque das culturas humanas é tão amplo, tão variado (e de manipulação tão fácil) que nele encontramos sem dificuldade argumentos em apoio a qualquer tese” [...]. Prado (1981) aclara que não há transformação numa só direção, as estruturas familiares vão se modificando. Fala-se muito em ‘crise’ da família, porém toda e qualquer mudança ou estado de evolução permanente de qualquer fenômeno social implica uma constante transformação. Ainda Prado, “Seria preciso, para traçar as mudanças históricas da família, conhecer a história de cada modelo familiar” (PRADO, 1981, p. 70). Resumindo, a autora estabelece não ser possível falar em história da família, mas sim na história que passa cada grupo familiar. Por fim, é importante ressaltar que cada família, em seu tempo e ao seu modo, ajuda a construir novas formas de convivência e interação entre seus membros e as gerações futuras, bem como destes com a sociedade em geral. Deste modo, trata-se de um ambiente rico de informações e conhecimento que deve ser cada vez mais pesquisado. 20 1.1 Diferentes modos de compreensão da família Inicialmente, faz-se necessário uma reflexão acerca da concepção histórica de família, podendo visualizá-la em seus diferentes modelos, bem como suas alterações de estrutura e funcionamento, através da apresentação a seguir, de um quadro idealizado por Osório (2002), baseado nos modelos de estruturas familiares proposto pelo historiador Mark Poster em sua Teoria crítica da família, podendo ser acrescentado um quinto modelo, o qual denomina-se como Família da “Aldeia Global” no limiar do século XXI. Quadro 1: Casais e famílias: uma visão contemporânea. Fonte: Osório, 2002, p.45 21 A visualização do quadro permite observar uma visão global da estrutura familiar ao longo da História, sintetizando as constatações apresentadas até aqui, de que sua estrutura e suas funções estão intrinsecamente vinculadas às mudanças. De acordo com Passos (2005), ainda que não se possa falar em uma absoluta falência do sistema patriarcal, é necessário reconhecer que suas leis e noções internas não dão mais conta das demandas relacionais criadas nas sociedades liberais e democráticas, onde os cidadãos estão mais livres em criar e recriar suas experiências de afeto. O declínio do patriarcado tem se mostrado evidente em muitos contextos relacionais, dos quais a família é o mais visível, mas ele permanece ainda com certa força no imaginário social de sociedades ainda frágeis do ponto de vista do favorecimento da expressão livre de seus cidadãos. Isto se verifica não só nas manifestações afetivas, mas na forma como é conduzida, com frequência, a política das relações entre gêneros. Vivemos, assim, muitas contradições: na prática acompanhamos a diversificação dos modelos familiares, mas em tese continuamos, em grande medida, a considerá-los a partir de concepções que se tornam cada vez mais obsoletas (PASSOS, 2005, p. 5). Merece consideração salientar as várias modificações nas constituições familiares, como o crescimento do número de divórcios, separações e recomposições conjugais, devido, muitas vezes, à independência econômica dos cônjuges, a qual facilita a ruptura do vínculo familiar, quando o convívio não é mais fonte de satisfação e de prazer; o pai já não é mais o único que transmite voz de autoridade dentro de uma família; surgimento de organizações familiares alternativas, como os casamentos sucessivos com parceiros distintos e filhos de diferentes uniões; as famílias extensas, nas quais avós e pais coabitam; casais homossexuais adotando filhos legalmente; as chamadas produções independentes aparecem com maior frequência; aparecimento das famílias monoparentais, onde apenas um dos pais está presente e é responsável pelos filhos; o controle da reprodução possibilitando maior liberdade às mulheres; perspectiva de igualdade entre os sexos; a mulher entra no mercado de trabalho, reduzindo o tempo para o cuidado dos filhos; 22 mudança do espaço do homem no convívio familiar, acarretando na distribuição do poder; perda de validade de valores e modelos da tradição, onde o aqui e o agora é o que importa, prevalecendo à busca pela satisfação imediata. Segundo Zambrano (2006), embora a família nuclear, monogâmica, heterossexual e com finalidade procriativa, seja a mais comum em nossa sociedade, após advento do grande número de divórcio, passou a surgir à multiplicação dos novos arranjos familiares que permitiram a construção de novos tipos de aliança, como as famílias de acolhimento, recompostas e monoparentais. Pereira (2012) argumenta que as mudanças relacionadas às constituições familiares são visíveis e pontuais, onde embora os costumes sociais tenham se alterado, a relação de amor não desapareceu, convertendose o modelo contemporâneo de família em associação de duas pessoas, em condições de igualdade sexual, deixando a família de ser um núcleo econômico para se transformar em espaço de companheirismo e de troca de afeto na construção de projetos em comum. Com a aplicação do princípio constitucional da pluralidade das formas de família, instituído com a Constituição de 1988, entrando em compasso com a realidade dos fatos sociais, rompe com o exemplo de que o casamento seria o único instituto gerador e legitimador da família brasileira. Assim sendo, cai-se o mito de que o modelo ideal de família era o da família hierarquizada, patriarcal, impessoal e, obrigatoriamente heterossexual, abrindo espaço à manutenção do vínculo (TORRES, 2009). As uniões conjugais na contemporaneidade, já não tem mais como único objetivo à geração de filhos, busca-se, além do prazer de ambos os envolvidos, uma relação que prevaleça a igualdade na doação de entrega, afeto e cumplicidade. Balen (2012) coloca a família como o fator de segurança, proporcionando apoio, diálogo, acolhimento, solidariedade e calor humano. Tratando-se a família de ser o núcleo formador da pessoa, tornando-se fundamento do sujeito, desenvolvendo nele identidade, autoestima, capacidade de iniciativa, autonomia, senso crítico, confiança, abertura ao outro e acima de tudo disponibilidade à cidadania. 23 De acordo com Torres (2009), os novos arranjos familiares podem ser classificados em três grupos: família conjugal, família parental e a família unipessoal, de tal modo que qualquer tipo de família estará necessariamente estereotipado em um desses grupos. A família conjugal sendo aquela que se institui a partir da relação amorosa, estando presentes, além do afeto, o desejo e o amor sexual. Outra categoria de família segundo autor, que se mostra diante do reconhecimento da pluralidade dos arranjos familiares, é a família parental, “definida como sendo aquela formada por um grupo de pessoas unidas pelos laços de parentesco biológico ou socioafetivo” (p. 83). Tendo como espécie de família parental a monoparental, sendo esta formada por qualquer dos pais e seus descendentes, podendo também ser composta por irmãos que não estão no convívio dos pais e também aquelas compostas por avós e netos. Podendo a família parental estar contida ou pode ser inserida na família conjugal. O mesmo autor apresenta outra natureza de família oriunda da família parental: A família parental inclui entre suas espécies a família socioafetiva; nela pode se inserir a família substituta, cuja origem é a adoção, a tutela ou a guarda. Convém ressaltar que a família parental, advinda da socioafetividade, é amplamente tutelada por nosso ordenamento jurídico, em face da extrema valoração do princípio da pluralidade das formas de família [...] (TORRES, 2009, p. 83). Para finalizar, Torres (2009), cita a família unipessoal, sendo os solteiros por convicção, viúvos ou separados/divorciados sem terem tido filhos, celibatários etc., vivem distante dos demais entes e a eles ligados por consanguinidade ou afetividade. Passos (2005) propõe que as novas maneiras de ser família atualmente sejam meditadas a partir de uma ética que leve em conta as demandas afetivas dos sujeitos nelas envolvidos. Esta ética necessita estar assentada, deste modo, nas mais variadas formas de conjugalidade, parentalidade e filiação que configuram um contexto familiar fundamentado nos laços de afeto. Osório (2002, p. 62) institui que “o modelo emergente nas relações presentes num sistema conjugal pauta-se pelo respeito às vontades individuais e não mais pelo exercício do domínio sobre o (a) parceiro (a)”. 24 Assim, o afeto passa a ser atributo primordial nas novas formas de ser família, existindo a priorização do bem estar de todos seus membros, onde a família segue significando a instituição que gera possibilidades ao ser humano em receber os cuidados básicos e ainda receber referência de valores que serão importantes para a busca da autonomia na vida adulta. As famílias têm passado por processos de mudança e reorganização, seja em relação ao número de filhos, seja em relação às suas estruturas e os modos de expressão de afetos. Diferentes configurações ganham visibilidade, como as famílias constituídas por duas pessoas do mesmo sexo. De acordo com Dias (2004, p. 46): A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade de livre orientação sexual. Tendo assegurado o direito à constituição da família, independente da orientação sexual ou identidade de gênero de seus membros, de forma expressa a família homoafetiva, como entidade familiar, goza da proteção do Estado, abrangendo a todos os direitos assegurados à união heteroafetiva, no âmbito do Direito. “Defendemos, pois, um Estado que faça pacto civilizatório com a diferença e não seja veículo da barbárie que é a intolerância”. (FACHIN, 2012, p. 161). Mencionando Silva, (2008) é necessário compreender melhor essas dinâmicas familiares, sendo um importante passo rumo à construção de uma sociedade mais igualitária, que vive bem com todas as possíveis diferenças. Essas famílias constituem-se como famílias iguais a quaisquer outras. “A diferença está na diferença natural da condição humana: como não há um indivíduo igual a outro, não há uma família igual à outra” (SILVA, 2008, p. 20). Não se pode mais fechar os olhos para os fatos que estão frente à atualidade, às uniões homoafetivas existem e estão se mostrando em prol de reconhecimentos de seus direitos e valores como seres humanos iguais a todos. 25 O reconhecimento dos indivíduos que exibem sexualidades e papéis de gênero que não se enquadram nos padrões heteronormativos produz repercussão significativa no campo de debates sobre a família, pois apontam para a ‘quebra’ de paradigmas que fundam a lógica da família tida como tradicional. 1.2 A Família contemporânea A família apresenta-se em um contínuo processo de transformação, que implicam em constantes mudanças e adaptações. Essas mudanças geram crises, de maior ou menos intensidade. De acordo com Grisard Filho (2003), estamos presenciando o advento da diversidade dos modelos familiares, estamos em uma época de mudanças que não significa o fim do modelo clássico de família da era moderna, mas que também não pode mais ser usado como único paradigma para a sociedade do futuro, agora se elaboram novas e variadas estruturas familiares, saindo da família nuclear e entrando em uma sociedade que sinaliza a pluralidade de novas organizações familiares. A diversidade também é uma característica das sociedades modernas, em que as famílias se tornam espaço de interação entre várias raças, etnias e religiões. Homens e mulheres compartilham funções que antes eram mais precisamente definidos por gênero. Na sociedade ocidental durante séculos a filiação esteve ligada ao patriarcado, sendo o pai o chefe do grupo familiar, onde havia uma relação de poder em que a mulher e os filhos estavam subordinados ao pai. Dentre as várias mudanças ocorridas ao longo dos anos a concepção de família vem se ampliando e modificando-se. Esses novos arranjos abrangem famílias monoparentais, homoparentais, adotivas, recompostas, concubinato, temporárias, produções independentes, e tantas outras. Todos eles foram advindos do reflexo de mudanças na sociedade. De acordo com Bougrab, Deschavanne e Thompson (2007), a família é uma construção social, e a filiação é de ordem da decisão da sociedade e não biológica. As novas formas de família relativizam o principio da filiação, que antes era dado através do casamento e da presunção da paternidade. Ela 26 escapa aos laços de sangue e não tem mais a necessidade de um homem e uma mulher para fazer uma criança. Hoje o desejo da criança e a vontade de ser pai são as expressões dessa filiação. Apesar de a família ser uma instituição cultural, aspectos biológicos, sociais, legais e simbólicos influenciam diretamente em sua construção, porém, ao mudar os valores da sociedade sua configuração consequentemente é alterada. Essas transformações contribuíram para o surgimento de novas formas de relacionamentos, conjugalidades e parentalidades. Segundo Osório (2002, p. 17): O papel conjugal pressupõe a interdependência dos participantes do casal e sua essência radica-se no postulado de que a sobrevivência dos indivíduos que o constituem é facilitada pelo mencionado compartilhamento de tarefas no mútuo preenchimento dos desejos e necessidades de cada um. Cooperação, competição, simbiose, complementaridade e reciprocidade são alguns termos que delimitam o papel conjugal. O papel conjugal não abarca, portanto, as atribuições decorrentes da função reprodutora, que pertencem á esfera do papel parental. A prática de parentalidade refere-se à experiência concreta de se tornar pai e mãe e corresponde às tarefas cotidianas executadas junto ao filho. O papel materno seria aquele relacionado aos cuidados básicos, a nutrição, proteção da prole, acolhimento e função de receptor de angústias existências. O papel paterno seria o de intepor-se entre mãe e filho facilitando o processo de dessimbiotização e, consequentemente, encaminhar a aquisição de identidade da criança ao longo de seu desenvolvimento. (OSÓRIO, 2002). A experiência de parentalidade, por sua vez, corresponde às experiências subjetivas de tornar-se pai e mãe; portanto, está vinculada ao desejo de filho e tem sua base nas interações fantasmáticas entre os pais e a criança. (ALMEIDA 2012, p.69) De acordo com Kehl (2003), no que diz respeito ao masculino e ao feminino é na interdição do incesto e sexuação que se resume o papel que a família deve desempenhar na constituição do sujeito. Dentro desse contexto a 27 família tem o papel de formador, no sentido de preparar as crianças para suas responsabilidades em relação às normas de convívio social. Apesar das transformações dos núcleos familiares prevalece à importância dos cuidados básicos a uma criança e a família ainda é considerada a instituição que permite ao ser humano receber os cuidados básicos e encontrar valores importantes para a busca da autonomia na vida adulta. A importância da família para o desenvolvimento humano é destacada por Osório (2002) por meio de três funções básicas. Embora estudadas separadamente, como estratégia didática, elas não podem ser fragmentadas e ao se associarem dão o tom aos processos subjetivos humanos. Descreve o autor: Poderíamos dividir as funções da família em ‘biológicas’, ‘psicológicas’ e ‘sociais’; tais funções, no entanto, dificilmente podem ser estudadas separadamente, já que estão intimamente relacionadas e confundem-se umas com as outras, quer nas origens como no destino das estruturas familiares ao cargo de progresso civilizatório. (OSORIO, 2002, p.19). A família pode assumir diferentes composições e estruturas. A evolução social determinou a evolução do conceito de família fazendo surgir novos tipos de organizações familiares. De acordo com Cecarelli (2007), um dos grandes debates atuais gira em torno das formas de ligações afetivas entre os sujeitos onde exista ou não, uma forma de exercício de parentalidade que foge dos padrões tradicionais e também as mudanças que afetam diretamente na forma de procriação. Isso deve-se ao fato de que ao pensar em uma definição para a família, muitas pessoas têm em mente o modelo que corresponde ao da família nuclear burguesa composta por pai, mãe e crianças. A partir daí, todas as interpretações passa a serem feitas dentro desse contexto, diante da estrutura proposta por esse modelo e assim sendo, a família que não se enquadrar a essa perspectiva será tratada como diferente. “Pode-se supor que, ao aceitar o modelo de família burguesa como norma e não como um modelo constituído historicamente, aceita-se 28 implicitamente seus valores, regras e padrões emocionais”. (SZYMANSKI, 1995, p.24). Sendo assim, todas as formas de família que se encontrem fora de contexto serão consideradas desestruturadas, e consequentemente responsáveis pelos problemas emocionais e pelos desvios comportamentais dos indivíduos. Seguramente, muitos destes modos de procriação e de filiação sempre existiram. Entretanto, eles eram marginais em relação aos padrões oficiais ou, simplesmente, ignorados como se não estivessem ocorrendo ou, ainda, tratados como uma fatalidade infeliz: crianças criadas por um só genitor – na grande maioria dos casos a mãe. Mas, a partir do momento que os protagonistas desses arranjos passaram a exigir seus direitos de cidadãos provocando visibilidade, começaram a surgir questões que interpelam todo o tecido social. (CECARELLI, 2007, p.92). A sociedade defronta-se com os possíveis perigos dessas novas configurações afetivas, o temor frente à desintegração da família, consequências negativas à estruturação psíquica de crianças adotadas por pessoas do mesmo sexo. A naturalização desse modelo de família torna-o incontestável e leva ao pensamento, comum na nossa cultura, de que uma criança pode ter apenas um pai e uma mãe, juntando na mesma pessoa o fato biológico da procriação, o parentesco, a filiação e os cuidados de criação. Isso acontece porque, ao percebermos "pai" e "mãe" apenas como aqueles que dão a vida à criança, concebemos essa relação como tão "natural" que nem pensamos possa ser ela submetida à lei social. (ZAMBRANO, 2006, p.126). Nossa cultura da grande valor aos aspectos biológicos do parentesco, porém devido a grande variação dos papéis sociais parentais desempenhados nas diferentes culturas ao logo do tempo, pode-se pensar na parentalidade não como um sinônimo de parentesco, o parentesco e a filiação são elementos sociais e não somente aqueles advindos da procriação. 29 É nesse contexto das novas configurações afetivas que surgem as famílias homoafetivas, onde o vínculo afetivo ocorre entre pessoas do mesmo sexo. Recusar chamar de "família" esses arranjos, negar a existência de um vínculo intrafamiliar entre os seus membros (ainda que esses vínculos possam ter um aspecto extremamente polimorfo e variado) e impedir que tenham um estatuto legal, significa "fixar" a família dentro de um formato único, que não corresponde à diversidade de expressões adotadas por ela nas sociedades contemporâneas. (ZAMBRANO, 2006, p. 129). Assim faz-se necessário que a união homoafetiva seja reconhecida como entidade familiar, favorecendo a casais homossexuais os direitos concernentes inclusive ao processo de adoção de uma criança. Consequentemente, podemos considerar que os modos de vida nas famílias contemporâneas vêm se transformando, em um tempo histórico e social, produzindo novas articulações de gênero, onde novos códigos são elaborados. Na atualidade, a partir das diversas tendências apresentadas, notamos que o conceito de “famílias”, em suas múltiplas configurações, está mais próximo da realidade vivenciada contemporaneamente. Desta forma, há um reducionismo significativo se consideramos existir apenas um único modelo ou padrão de família, deixando assim de perceber as particularidades e singularidades de cada arranjo familiar. De acordo com SILVA (2008), as novas configurações familiares colocam em xeque a concepção heterocêntrica da família como única, enfrentando novos e fortes desafios. Uma vez reconhecidas, as novas formas de família ameaçam a cristalização dos modelos anteriores, que até então eram inquebráveis. Gross (2005) define as famílias de hoje como plurais e que se conjugam de acordo com dois modelos: a biparental ou a multiparental. A biparental seria aquela onde dois adultos criam um filho, pais casados, heterossexuais em concubinato, casais homoafetivos ou o lar monoparental. As famílias monoparentais são aquelas formadas por uma pessoa adulta, homem ou mulher, responsável por uma ou mais crianças, ela possui 30 várias origens podendo ser por meio da inseminação artificial, através da adoção, divórcio, morte do cônjuge, entre outras. Já nas famílias multiparentais, de acordo com Gross (2005), mais de duas pessoas criam os filhos, elas agrupam pais biológicos e sociais, um exemplo desse tipo de família são as famílias recompostas. As famílias recompostas são aquelas resultantes de recasamentos em que um dos membros do casal ou os dois têm filhos de relacionamentos anteriores. Podem existir os filhos de um, os filhos de outro ou os filhos de ambos. Nelas, as relações de afeto sobrepõem-se as relações sanguíneas e a vivência em comum são importantes que a biológica. Assim quando uma mulher que já tem filhos se volta a casar, leva para a sua família um novo companheiro ou companheira e uma nova família. As crianças passam a lidar com um padrasto ou madrasta e com a família de origem deste. Se um deles tem por sua vez filhos de uma relação anterior, as crianças de ambos têm de adaptar-se a uma invasão de espaço físico e psicológico e a partilhar afetos e atenções com pessoas diferentes de origens diferentes. A pluriparentalidade parece, por um lado, inevitável, seja por conta dos novos arranjos familiares que se formam com os divórcios e os recasamentos, seja através da circulação das crianças, ou ainda das novas tecnologias reprodutivas, embora a sociedade ainda resista a exergá-las. (UZIEL, 2007, p.52) De acordo com Gross (2005) as famílias multiparentais constituídas pela coparentalidade podem ser diversas de acordo com o grau de implicação da companheira e companheiro dos pais legais. Na multiparentalidade a vida em família acaba por se constituir no seio de uma rede familiar muito mais do que em uma célula. É o lugar da elaboração de um modelo familiar inédito. As famílias homoparentais inscrevem-se dentro dessa pluralidade de modelos familiares, reúnem várias formas e se conjugam também de acordo com os modelos biparental ou multiparental. Ainda conforme Gross (2005), as famílias homoparentais de estrutura biparental são aquelas nas quais as crianças vieram em um contexto homoparental e são criadas por pessoas do mesmo sexo. Um deles teria o “status” de pai legal, perante a lei e o outro seria o pai social. O modo de chegada de uma criança a esse tipo de família se dá através da adoção ou da 31 concepção de um doador conhecido ou desconhecido, ou então, de uma mãe de aluguel. As famílias homoparentais de estrutura multiparental, são aquelas constituídas pela coparentalidade. Podem ser famílias recompostas, onde as crianças nasceram de uma união heterossexual anterior, ou de uma relação em que um homem e uma mulher sem vida conjunta concebem e criam um ou vários filhos. Nesse caso, pode haver várias pessoas além dos pais biológicos que podem também comportar-se como pais, são designados como “pais sociais” ou “copais” diferem-se de padrastos e madrastas que aparecem em um segundo momento na vida das crianças, estes estão presentes antes do nascimento. O termo homoparentalidade foi criado em 1997 pela Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas (A.P.G.L), é um neologismo criado para designar todas as situações familiares onde ao menos um adulto que se autodefine como homossexual é pai ou mãe ao menos de um filho. A emergência da questão da homoparentalidade situa-se no cruzamento de evoluções do olhar lançado a homossexualidade desde há aproximadamente vinte anos, e da transformação do olhar sexual da família. (GROSS, 2005). A união de pessoas do mesmo sexo sempre existiu, porém, principalmente após a sacralização do contexto de família pela igreja católica, as relações homoafetivas passaram a ser alvo de preconceito e repúdio social. A família homoparental não oferece um quadro referência comparativo e seria também impossível este ajuste entre modelos uma vez que as relações homoparentais exigem uma configuração de funções e lugares distinta da parentalidade heterossexual. Segundo Gross (2005) a homoparentalidade vem questionar as definições que a sociedade dá a filiação, a família e a parentalidade. A justificativa usada para manter o homossexual afastado do exercício da parentalidade ancora-se na biologia, compreendendo-se a homossexualidade como algo antinatural, que rompe com o a proliferação da vida através da reprodução entre homem e mulher. Essa inadequação vista pela grande parte da sociedade tem origens culturais e se procura respaldo na natureza, com o intuito de se terem mais garantias de seu cumprimento. 32 A homossexualidade acaba sendo vista como um desvio da natureza, uma condição que o sujeito deve se acostumar visto que não é capaz de fazer uma opção de fato, e todas essas compressões inspiram pena, violência, caridade. Embora encontremos algumas pesquisas que se dedicam à investigação dessas famílias, mostrando o sucesso dos homossexuais no exercício de sua parentalidade, diversos setores sociais insistem em questionar a capacidade dessas pessoas em cuidar de uma criança e oferecer a ela, uma convivência familiar saudável. Mais uma vez entra em cena, o exercício de poder da heteronormatividade, em detrimento da aceitação das diferenças e das múltiplas possibilidades existentes para a manutenção da família. (SILVA, 2008, p.18). Segundo Zambrano (2006), as famílias homoafetivas propõe um modelo alternativo, onde o vínculo se dá entre pessoas do mesmo sexo, incluindo os casos de parentalidade de travestis e transexuais. Essas uniões, apesar de não possuírem a capacidade procriativa, não impedem que seus componentes possam tê-los individualmente. 33 CAPÍTULO II CONTRIBUIÇÕES ATUAIS DA PSICANÁLISE E DA TEORIA DE GÊNERO À COMPREENSÃO DA FAMÍLIA. 2 A PSICANÁLISE: OS VÍNCULOS E A CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA O termo vínculo tem sido usado, muitas vezes, como sinônimo de relação. Na psicanálise tradicional, com ênfase na psique individual, vincular-se ou relacionar-se se refere mais a conteúdos ou objetos internos, o que permite denominar mundo e/ou espaço psíquico intrasubjetivo. Segundo Benghozi (2010, p.16): O vínculo de filiação diz respeito, em nível vertical e diacrônico, aos antecedentes – pais, avós... até a figura do ancestral – e aos descendentes – filhos, netos e até mesmo os ainda não nascidos da filiação. Ainda ressalta que o vínculo de filiação diz respeito ao vínculo de aliança conjugal, da mesma forma como qualquer vínculo que determine o pertencimento a algum grupo, como instituição ou comunidade. O vínculo social é psíquico de afiliação e apoia-se na realidade sociológica de inserção no espaço grupal e social. (BENGHOZI, 2010). Nos dias atuais existem inúmeras formas de famílias, a família moderna já não possui mais o casamento como fator crucial, mas se estabelece mediante a escolha amorosa na busca da realização da sexualidade e da paixão. É sob a influência dessas mudanças que se pode verificar diferentes tipos de vínculos surgirem em diferentes configurações familiares. A preservação da liberdade de escolha e o direito de assumir os próprios desejos geraram a possibilidade de transitar de uma estrutura de vida para outra que pareça mais atrativa e gratificante. Essas mudanças cunharam um perfil diferenciado para albergar, no conceito de família, os vínculos distanciados da estrutura convencional imposta por uma sociedade conservadora, que reconhecia somente a união de um homem e uma mulher sacralizadas pelos laços do matrimônio. (DIAS, 2003, p.270). Historicamente, a psicanálise ao estudar as relações de objeto, ou seja, a maneira como cada indivíduo se relaciona com outro criou um constructo 34 chamado vínculo. A Psicanálise incorporou as noções que mostram o papel do outro no pensamento e nas sensações de cada indivíduo. A Teoria da Vinculação baseia-se em um modelo de desenvolvimento emocional que postula a ligação da mãe e do bebê, ela fundamenta um modelo das relações futuras do sujeito que promove expectativas e assunções acerca dele próprio e dos outros, suscetíveis a influenciar a competência social e o desenvolvimento emocional do individuo ao longo da vida. Bowlby (1977) com frequência afirmava que a vinculação era uma característica emocional que acompanha os seres humanos ao longo da vida. (RIBEIRO & SOUZA, 2002) A teoria dos vínculos afetivos proposta por Bowlby contribuiu para a compreensão da origem do desenvolvimento e dos padrões de relacionamento que se estabelecem ao longo de todo o desenvolvimento, dando particular valor à primeira relação que a criança estabelece na infância com as figuras de apego. A pessoa mais próxima da criança assume geralmente o papel dessa figura na medida em que proporciona segurança e a proteção necessárias à criança. Constitui-se como base segura, em que o bebê parte para explorar e descobrir o mundo, mas regressa a procura de conforto e segurança quando se sente ameaçado ou em perigo. A partir das interações repetidas com a figura de vinculação a criança vai desenvolvendo conhecimentos e expectativas sobre o modo como essa figura responde e é acessível aos seus pedidos de proximidade e proteção. Esta informação é progressivamente organizada em modelos internos dinâmicos, que são representações generalizadas do self, das figuras de vinculação e das relações. (PACHECO, COSTA, & FIGUEIREDO, 2003). Os comportamentos envolvidos nessa relação entre a mãe ou o cuidador e a criança podem ser caracterizados como comportamentos de procura de proximidade no intuito de obter segurança. Ou seja, reações inerentes ao desconforto da separação com a figura de apego, obtêm-se o prazer do reencontro com esta ou ainda, a orientação do comportamento da criança perante o cuidador. Para que este sistema de relações seja ativado ou desativado pela criança seria necessário que este se desenvolvesse a partir das primeiras experiências com as figuras de vinculação, as quais por sua vez, terão grandes influências na criação dos modelos internos da criança, modelos 35 estes de orientarão no intuito de estabelecer os futuros laços relacionais. (ABREU, 2005). Segundo Fonagy (1999), muitos psicanalistas referem que a Teoria Vincular é reducionista, mecanicista, não dinâmica e que renuncia as pulsões inconscientes. Este aporte teórico parece ter esquecido o importante papel das emoções na condição humana, como os afetos experienciados pelo ego, que envolvem a socialização e as formas de prazer do corpo físico da criança. Em tal argumentação, a teoria vincular parece ignorar as vulnerabilidades biológicas em detrimento das ligadas ao comportamento dos cuidadores. Há também a alegação de que reduziu as considerações etiológicas a uma variável simples que seria a capacidade da criança fazer a vinculação e reagir à perda. Em contrapartida, Bowlby descreve o modelo psicanalítico como aquele em que o desenvolvimento ocorre apenas numa via de uma faixa ao longo da qual pode haver paragens. Assim, a patologia seria explicada como sendo o resultado de fixações em, e regressões a, determinado estágio de desenvolvimento. Considera no seu modelo existirem vários caminhos para o desenvolvimento, identificando uma via principal que deriva de várias ramificações. (FONAGY, 1999). O papel constituinte dos vínculos não se deve somente a uma pessoa, mas a todo o passado da humanidade. Ou seja, não é somente a família que nos antecede que tem influência sobre o nosso comportamento, pois os antepassados também contribuem para a formação da subjetividade do indivíduo. Segundo Moguillansky e Nussbaum (2011, p.48): Entre as gerações circulam desejos, ideais, significados, proibições e prescrições, transmitem-se e se repetem caminhos que vêm dos antepassados mais distantes, que se tornam determinantes do modo como se constitui a individualidade dentro da trama familiar que a precede e, por sua vez, prefigura à que a sucede. Nessa lógica dos vínculos vemos que o afeto passou a ser o elemento identificador das novas identidades familiares e esse sentimento serve de parâmetro para a definição dos vínculos parentais que levam ao surgimento da família eudemonista, que busca a realização plena de seus membros, 36 caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, a consideração e o respeito mútuos entre os membros que a compõe, independente do vínculo biológico. Buscando o direito a felicidade como núcleo formador do sujeito (DIAS, 2003). Assim, a família é o locus e a instituição que assume responsabilidade pelo desenvolvimento do individuo até sua individualização, e ainda pelo papel da transmissão cultural e de agente processador das mudanças inerentes às mudanças da humanidade. Tais funções permitem aos sujeitos adaptação as condições de vida em certo tempo e lugar, uma vez que o sujeito é constituído e constituinte do meio que o cerca. E nessas circunstâncias vinculares inconscientes entre o mundo interno e externo, psico-socio-cultural se da à subjetivação do individuo. As reflexões desenvolvidas no campo da clínica vincular enfatizam o caráter multidimensional de constituição do sujeito: não apenas sujeito do próprio inconsciente, mas também sujeito social, sujeito história seu mundo interno, constituídas ao longo de sua história singular, sujeito dos vínculos. O foco de atenção recai aqui sobre o sujeito que ganha existência e se dá a conhecer na presença de outro sujeito, ou de outros sujeitos, com que estabelece vínculos que não se reduzem à repetição de formas de relação de objeto existentes em seu mundo interno, constituídas ao longo de sua história singular. (MANDELBAUM, 2008, p.87). É possível tentar estabelecer a família como um grupo cujos vínculos entre seus membros se formam no afeto recíproco, independentemente da consanguinidade, em que cada um desempenha sua função com o objetivo de ajudar aos demais, propiciando o desenvolvimento da personalidade e da potencialidade de cada um dos seus participantes, na busca da felicidade, estendendo-se à coletividade, no desempenho de sua função social. Para o esclarecimento do vínculo de parentalidade, basta identificar quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem permitir a realidade biológica, presumida, legal ou genética. Também a situação familiar dos pais em nada influência na definição da parentalidade, pois família, como afirma Lacan, não é um grupo natural, mas um grupo cultural, e não se constitui apenas por um homem, mulher e filhos, conforme bem esclarece Rodrigo da Cunha Pereira: a família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente. Assim, 37 nada significa ter um ou mais pais, eles do mesmo ou de sexos diferentes. (DIAS, 2003, p.275) O sentimento de pertencer a uma família envolve afeto, liberdade, reciprocidade, histórias compartilhadas, enfim, aspectos inerentes à condição do ser humano que abarcam questões conscientes e inconscientes. 2.1 A teoria de gênero e as possibilidades de interpretação da família Junto ao desenvolvimento histórico da família ao longo dos anos é possível encontrar relações de gênero incorporadas a essa estrutura social. Na família patriarcal, monogâmica, por exemplo, a responsabilidade de produção e arrecadação de dinheiro era da figura masculina, o homem era o controlador do ambiente familiar. Conforme a consolidação da família e suas transformações pode-se observar que foi construída e modificada de acordo com interesses de uma determinada sociedade. Ao tratar da família não basta olhar apenas para sua formação, mas é preciso observar os vários elementos que afetam sua estrutura e dinâmica. Com tal ênfase, torna-se necessário discutir os papéis sociais que atuam em uma organização familiar e como as questões de gênero a afetam. Gênero abrange identidade e estende à experiência subjetiva de pertencer a um grupo, seja ele de homens ou de mulheres que pratiquem comportamentos, atitudes ou traços de personalidade designados em uma sociedade como femininos ou masculinos, em alguma cultura ou período histórico. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010). De acordo com Louro (1996), a definição de gênero seria aquela que: Não pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto o sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito feminino ou masculino (...) não se trata mais de focalizar apenas as mulheres como objeto de estudo, mas, sim os processos de formação da feminilidade e da masculinidade, ou os sujeitos femininos e masculinos. O conceito parece acenar também imediatamente para a ideia de relação: os sujeitos se reproduzem em relação e na relação. (LOURO, 1996, p.9-10). 38 A distinção entre sexo e gênero consiste em que o primeiro corresponde ao aspecto biológico, aquele relacionado à reprodução entre homens e mulheres, enquanto o gênero faz referência aos significados socialmente construídos. O gênero seria então, uma categoria social imposta sobre a subjetividade e corpos sexuais. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010). A visão de gênero como uma construção cultural e histórica implica em que se considere o sistema social de gênero, ou seja, o conjunto de categorias e arranjos simbólicos através dos quais a sociedade transforma um macho em homem e uma fêmea em mulher, em como transforma a biologia sexual em produto de atividade humana, fazendo com que diferentes papéis sociais sejam pré-definidos e implementados como algo não naturalizado, mas sim construído socialmente. (STREY, 2001 apud SIMIONATO e OLIVEIRA, 2003). A discussão sobre o gênero, como diz Louro (1996), não é somente uma discussão provinda do biológico, é uma discussão política e social, vinculada ao processo de desenvolvimento da sociedade capitalista e da cultura capitalista. Ao se falar das novas concepções de família é necessário que se entenda que a concepção familiar muda de acordo com a história, isso se deve ao fato da família ser o resultado de relações sociais presentes na sociedade que acompanha a sua transformação, modificando acordos, interesses e necessidades momentâneas. Butler (2003) apresenta a questão dos “gêneros inteligíveis” denominando aqueles que instituem e mantêm relações de coerência e continuidades entre sexo, prática sexual e desejo. Para ela, os homens homossexuais escapariam à matriz de normas e gêneros coerentes, aquelas ligadas a uma heterossexualidade compulsória. A autora discute que em outro contexto alguns tipos de identidades não podem existir, e neste contexto pode aparecer o desejo de um homem homossexual manifestar o desejo de exercer a paternidade. (PELÚCIO, 2004). Segundo Spargo, (2006) no imaginário social, a homossexualidade é identificada como uma incoerência entre gênero (construção social) e um corpo (o sexo biológico), que foi e ainda é considerada doença física e/ou mental, a partir do argumento que compreende uma prática sexual que fere o principio ético da preservação da espécie. 39 Os debates sobre gênero e sexualidade têm inicio há mais de meio século, com intensos debates acerca de argumentos sociais e biológicos que procuram explicar os gêneros. Os Estudos Gays e Lésbicos mais convencionais aparecem, para debater as novas formas de sexualidades, que procuram ressaltar que gays e lésbicas são também cidadãos de primeira categoria e possuem direitos civis e políticos como os heterossexuais. Historicamente, verifica-se que a partir dos anos 90, surgem os estudos Queer como tentativa de abarcar outras questões que os Estudos Gays e Lésbicos não abarcavam, tais como a desconstrução de padrões e mudança social, além de incorporar outras especificidades de orientação sexual e identidade de gênero. (SANTOS, 2005). A subjetividade homossexual e as relações homoafetivas não estão de acordo com o conceito de masculinidade e heterossexualidade, os sujeitos homossexuais não são validados pela sociedade como modelos de aprendizagem e socialização, prevalece ainda, a cultura patriarcal. (MONTEIRO; PIMENTEL. 2010. p.5). A palavra Queer, que significa torto, estranho, que não cabe em lugar nenhum, foi cunhada pelos movimentos políticos como uma estratégia de contestação por pessoas e movimentos a partir do final da década de 1980 pela sociedade norte americana, para criticar os padrões heteronormativos, que produziam preconceito e discriminação às pessoas discordantes de tais normas. Sob os efeitos desses dispositivos de sexualidade, verificamos que os processos de subjetivação dos gêneros incluem os seguintes conceitos: corporeidade, liberdade, autoestima, auto-conceito positivo, aceitação social, cognição, sentimentos, sexualidade, trabalho, privacidade obtida através da aquisição ou usufruto de um espaço físico que permite vivenciar a intimidade, amigos, família consanguínea. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010). Essa forma de análise e crítica às normas acaba rompendo a perspectiva reducionista que enquadra o homossexual no limite da sexualidade e nega que a expressão plena: a imaginação, criação, possibilidade de assumir cargos de poder e a comunicabilidade sejam reconhecidas como dimensões da subjetividade, e contribuição para a transformação social e ética dos lugares 40 em que vivemos. Desta maneira, podemos entender que o homem homossexual pode vivenciar projetos de vida semelhantes ao do homem heterossexual, como por exemplo, a paternidade. (MONTEIRO; PIMENTEL, 2010). A questão da paternidade e maternidade ultimamente vêm sofrendo um deslocamento do âmbito privado para questão de interesse público, pois na assunção de seus papéis os genitores não devem limitar seus encargos ao aspecto material. Alimentar o corpo, mas também cuidar da alma, da moral, da psique e principalmente da delegação de amparo aos filhos. (PEREIRA; SILVA, 2006). A importância do reconhecimento legal e social desses relacionamentos pode ajudar a reduzir a discriminação, aumentar a estabilidade dos relacionamentos e levar a uma melhora da saúde física e mental (KING e BARTLETT, 2006 apud, NUMAN, 2007, p.50). O movimento homossexual denuncia a heterossexualidade compulsória em contraposição à defesa da homossexualidade, na qual gays e lésbicas podem ser aceitos a partir do momento que assumem as normas e convenções culturais do modelo heterorreprodutivo, defendendo aqueles e aquelas que são considerados estranhos e anormais por deslocarem esse gênero do seu “natural”. (MISKOLCI, 2012). Na perspectiva queer, a ideia seria trazer ao discurso as experiências do estigma e da humilhação social daquelas pessoas que são frequentemente xingadas, humilhadas por causa da sua normatividade de gênero. Isso tudo com o objetivo de modificar os aspectos da educação e que ainda impõem, compulsoriamente, as identidades. (MISKOLCI, 2012, p.17). Para Miskolci (2012, p. 42), “a sociedade possui expectativas com relação ao gênero e a um estilo de vida que mantêm a heterossexualidade como um modelo inquestionável pra todos/as”, por isso se compreende muitas vezes a busca de casais homoafetivos adotarem um padrão heterossexual para seus relacionamentos. Miskolci ainda conclui sobre essa questão: Isso é a clara expressão da vigência da heteronormatividade, dentro da qual uma relação só é reconhecida se seguir o antigo modelo do casal heterossexual reprodutivo. A demanda recente pelo casamento gay, adoção de crianças e 41 reconhecimento dessas relações como modelo familiar corroboram esse novo momento histórico marcado mais pela heteronormatividade de que pela heterossexualidade compulsória. (MISKOLCI, 2012, p.42). Sobre as famílias homoparentais Grossi (2003) afirma que elas não seguem o modelo heterossexual de famílias, pois não são reconhecidos como pais e mães “verdadeiros”, como nos processos de inseminação artificial ou adoção que é geralmente realizada por apenas uma das partes do casal. Seguindo a literatura internacional sobre a temática no campo das relações de aliança, a filiação de pais e gays e mães lésbicas se mostram diferentes das relações heterossexuais, uma vez que os companheiros dos ‘verdadeiros’ pais e mães têm um lugar socialmente reconhecido. (GROSSI, 2003. p.278). Tal singularidade suscita discussões sendo que os debates são de extrema importância uma vez que colocam em cheque questões a respeito das instituições tradicionais, ampliando o campo de visão para os sujeitos que ainda se encontram excluídos da sociedade. No entanto, este é um processo lento, mas que se mostra frutífero frente a um grande sistema simbólico que cercam as constelações familiares. 2.2 Possíveis convergências entre a psicanálise e a teoria de gênero Diante da possibilidade de crianças serem criadas por pais do mesmo sexo, a ideia, mesmo que imaginária, de que a função fálica tenha que ser exercida pelo pai do sexo masculino, vem sofrendo questionamentos. Essas mudanças requerem que preceitos psicanalíticos sejam repensados diante das novas realidades da família. O jogo da triangulação edipiana, no qual a identificação com o igual exigia a presença do diferente, perde a sua força. O processamento psíquico dos desejos dos pais parece ganhar mais relevância no jogo entre iguais, podendo ser associado ao reordenamento que a criança faz do material percebido. Desta forma, o filho adquire cada vez mais um estatuto de ordenador de suas origens, herança esta criada em um ambiente no qual a pessoa se reconhece como autora de sua própria história. (PASSOS, 2005). 42 De acordo com Levy (2011), as novas formas de parentalidade decorrentes dos avanços tecnológicos no campo da procriação medicamente assistida, tendem a suscitar uma revisão de conceitos psicanalíticos até então inquestionáveis, em que a procriação não precisando necessariamente da atividade sexual entre um homem e uma mulher, atinge os parâmetros que organizavam a família permitindo novos modos de subjetivação. Essas novas formas de construção familiar, de acordo com a autora: Levantam dúvidas e dentre elas questiona-se se o exercício das funções parentais deve estar vinculado ao gênero dos pais ou se qualquer sujeito em uma relação homoafetiva pode exercê-las. Discute-se se a lei paterna ausente impediria os filhos de aceder ao conhecimento simbólico da diferença entre os sexos. (LEVY, 2011, p. 8). Referendando a Psicanálise, Zambrano (2008), argumenta se tratar de uma das disciplinas mais solicitadas pela sociedade para o debate sobre as novas configurações familiares. Tal apelo funciona como um chamado à ordem, mais explicitamente à ‘ordem simbólica’, terreno sobre o qual a psicanálise presta importantes contribuições. Dor (1989 apud LEVY, 2011, p. 8) sugere em artigo de sua autoria que “a noção de pai é um operador simbólico a-histórico, universal, que não remete exclusivamente à existência de um pai encarnado”. De tal modo, entende-se não ser necessário que haja um homem (sexo masculino) para que exista um pai. Contudo, ressalta que os diferentes protagonistas levados a ocupar posições específicas na configuração edípica não são elementos indiferentemente substituíveis entre si. Levy (2011) considera que um pai pode vir a ser representado por uma mãe, e uma mãe pode vir a ser representada por um pai, sendo tais dispositivos imaginários, logo, não terão a dimensão simbólica que lhes é referida. Valorizada essa questão da diferença dos sexos, defende-se a ideia de que a criança carece ter pessoas de sexos diferentes, caso contrário sua trajetória edípica poderia ser prejudicada, ocasionando um prejuízo simbólico. Segundo Zambrano (2006), os conceitos da Psicanálise deveriam ser interpretados como funções e não como o sexo biológico dos sujeitos. Sabe-se da importância da criança ter acesso às duas funções (masculina e feminina), 43 mas estas não precisam estar associadas ao sexo biológico daqueles/as que a acercam. Um casal formado por homossexuais, tanto a função psíquica materna sendo aquela que está mais próxima da criança, responsável por ensinar a linguagem e por cuidar e proteger com mais intensidade, quanto à paterna sendo a função que limita a proximidade da criança com a mãe e tem o papel de determinar limites e interdições, podem estar ou não presentes, ocorrendo também no interior de famílias compostas por casais heterossexuais. Portanto, com tais ensinamentos, argumenta-se que as funções de parentesco são mais simbólicas do que biológicas. A construção do Édipo se baseia na função exercida por uma pessoa e não ao sexo biológico que ela apresenta. Rotemberg (2010 apud LEVY, 2011) aponta que a função paterna de um pai de família, é percebida pela criança não como objeto real, mas aos modos representacionais com ela o captura. O cerne do debate não está na homossexualidade ou na heterossexualidade, mas no reconhecimento da alteridade, na capacidade do adulto de renunciar ao gozo tanto erótico como narcisista. Segundo Levy (2011) na psicanálise freudiana, a sexualidade passa a mirar o prazer e não a reprodução, não se restringindo ao primado genital; também não afirma que a natureza do objeto seja necessariamente heterossexual. Desse modo, Freud se torna “revolucionário ao postular que a pulsão sexual não tem um objeto específico, único ou pré-determinado biologicamente”, (LEVY, 2011, p. 3). Portanto, não é possível falar de natureza humana no terreno da sexualidade, nem que há um único modo de vivê-la, escapando-se a qualquer tentativa de normalização. Ceccarelli (2002) refere-se ao Édipo como um período em que o sujeito se dá conta de que está excluído de uma relação. Nesse período da infância a dificuldade está relacionada a uma bissexualidade constitucional e ao caráter triangular da relação edipiana, não havendo nada que indique que o caráter triangular deva ocorrer com duas pessoas de sexo diferente. O que vai diferenciar as crianças criadas por um casal do mesmo sexo das outras é o que diferencia os seres humanos entre si: a particularidade do 44 trajeto identificatório e as escolhas de objetos de cada um. Tal argumento também é defendido por Ceccarelli (2007 apud LEVY, 2011), pois para ele, Freud mais valoriza os caminhos da pulsão e as escolhas de objeto que levam à construção do Eu do que necessariamente os protagonistas da cena edípica. Segundo o autor, para a psicanálise, cada sujeito vem marcado por identificações sucessivas e pelo imaginário sexual da sociedade na qual está inserido; assim sendo, importa a singularidade da história de cada um na origem de sua solução edípica. Assim, não haveria uma forma única e normativa de resolver o drama edípico. Ceccarelli (2010) sugere que o Nome do Pai, como articulador não deve limitar as possibilidades de subjetivação, ainda que haja a necessidade de algo que organize e que separe a célula narcísica mãe-filho. Essa é uma condição fundamental para a constituição de um sujeito, porém atribuir tal função chamando a isto Nome do Pai ou função paterna é um reflexo do patriarcado. De acordo com Butler (2003) o complexo de Édipo adquire uma diversidade de formas sociais e culturais não sendo possível, pensar a sexualidade a partir dos parâmetros da conjugalidade, da família e do parentesco. A psicanálise, para ela necessita repensar o complexo edípico sem que esteja totalmente vinculado o parentesco normativo heterossexual, tratando-se do pai como genitor do sexo masculino e figura fundamental para a função simbólica. Sugere que os psicanalistas procurem reavaliar suas noções de cultura, para que assim possam compreender a vida psíquica das famílias homoafetivas, buscando entendimento em questões como: “as formas de diferenciação de gênero que ocorrem para a criança quando a heterossexualidade não é a pressuposição do complexo de Édipo” (p. 257). O que se chama de atributos da paternidade e da maternidade não necessita da presença de um homem e de uma mulher. A realidade biológica de quem gera e cria uma criança não é um aspecto primordial para a edificação da subjetividade humana. Esta construção está muito mais articulada à constituição psíquica daqueles que cuidam da criança, de como eles lidam e se posicionam em relação à sua própria sexualidade, à fantasia que têm de ser pai e/ou mãe e, ao lugar que a criança, adotiva ou não, ocupa no mundo psíquico dos pais. 45 Passos (2005) aclara que não existe relevância se a triangulação é constituída por dois homens e um filho ou por duas mulheres e uma filha, a circulação dos afetos acontece numa circunstância em que a identificação entre os pais e os filhos não exige mais os contornos de antes. Zambrano (2006, p. 135), destaca que do ponto de vista da psicanálise: Considera-se necessária a presença de um “terceiro” para a separação psíquica entre mãe e filho, uma das atribuições da chamada “função paterna”. Entretanto, nas discussões sobre famílias nas quais os pais são do mesmo sexo, há uma confusão entre o entendimento do que seja a função psíquica cumprida pelo “terceiro” e a sua nomeação como “paterna”. Tanto nos casais gays quanto lésbicos, a função de “terceiro” pode ser exercida pelo parceiro/a do pai/mãe. Ao ser ele/ela o “objeto de desejo” do pai/mãe, introduz-se na fusão mãe-filho inicial, mostrando ao filho a existência de um “outro” desejado e, com isso, inaugura a alteridade. Consequentemente, compreende-se como sendo mais importante a descoberta da existência de outra pessoa, que não ele/ela, por quem o pai/mãe sente desejo. Para o filho, não importaria o sexo da pessoa pra a qual o desejo do pai/mãe estaria direcionado. Em síntese, Passos (2005) aponta que de um modo geral, ainda buscamos compreender as diferentes modalidades de família a partir das premissas históricas do patriarcado. A homoparentalidade não foge a esta regra e, nesse sentido, se torna difícil, o debate que se estabelece em relação à suas especificidades e seu potencial de subjetivação, em que é evidente sua condenação, por não oferecer um quadro referencial que seja compatível com o instituído pelo modelo patriarcal. “As relações homoparentais exigem uma configuração de funções e lugares distinta da parentalidade heterossexual” (PASSOS, 2005, p. 4). Sobre essa nova família, Roudinesco (2003, p. 155) afirma: De agora em diante esta não será mais vista apenas como uma estrutura do parentesco que restaura a autoridade derrotada do pai, ou sintetizando a passagem da natureza à cultura através dos interditos e das funções simbólicas, mas como um lugar de poder descentralizado e de múltiplas aparências. Em lugar da definição de uma essência espiritual, biológica ou antropológica da família, fundada no gênero e no sexo ou nas leis do parentesco, e em lugar daquela, existencial, induzida pelo mito edipiano, foi instituída outra, 46 horizontal e múltipla, inventada pelo individualismo moderno [...]. Fica evidente que em qualquer tipo de constituição familiar, torna-se necessário ressaltar, que o casal e cada um dos membros ocupam funções individualmente, desempenhando junto à criança papel importante por inscrevê-la e a eles próprios em uma cadeia simbólica. Os primórdios dessa função surgem quando o filho é apenas um desejo e continua quando a criança nasce. “Há um processamento psíquico dos laços produzidos a partir de investimentos constituídos pelas representações e afetos que circulam reciprocamente entre os membros de uma inter-relação” (PASSOS, 2005, p. 9). Essas funções, produzidas no contexto das novas concepções de família, permitem um espaço no qual se presume a não diferenciação sexual no triângulo familiar. Ainda segundo a autora, não se pode pensar nesta triangulação por meio das referências fundadas na hegemonia do poder paterno, nem tampouco no princípio de gênero e de diferenciação sexual. Em um contexto no qual as referências da família patriarcal se enfraquecem, pode se destacar o princípio do reconhecimento, não como compensação pelo enfraquecimento das identificações no modelo edipiano clássico, mas um princípio fundamental do processo de filiação. As novas configurações familiares mostram que o padrão de família fundamentado no casamento e na heterossexualidade não pode ser destacado como sendo o único a promover a saúde psíquica de crianças e a inseri-las na ordem simbólica. O pai não é mais o agente exclusivo de promoção da alteridade, numa época em que o conceito de pluriparentalidade recebe lugar, em que a existência de terceiros fora do âmbito do casal parental cooperam nos processos identificatórios (LEVY, 2011). Muitas dessas propostas constatam a urgente necessidade de uma releitura do complexo de Édipo, considerando-se os elementos que dele continuam invariáveis e incluindo-se as permanentes transformações sociais e culturais que atravessam e plasmam o sujeito contemporâneo. O debate sobre a homoparentalidade, deste modo, contribui para repensar o modelo de família tradicional e para reatualizar conceitos básicos da psicanálise com a modernidade. 47 Se, por um lado as novas organizações familiares modificam a forma de manifestação do Édipo e alteram de certa maneira alguns conflitos humanos, por outro, é preciso ressaltar que não existem estudos que demonstrem modificações na sexualidade, agora entendida como manifestação das opções sexuais, em crianças criadas em diferentes formas familiares. 48 CAPÍTULO III ADOÇÃO E CONJUGALIDADE: ASPECTOS JURÍDICOS, LEGAIS E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA. 3 UNIÃO HOMOAFETIVA Inicialmente, é oportuno mencionar que as pessoas independentemente da orientação sexual, buscam na atualidade o bem-estar e a qualidade de seus vínculos afetivos. Dessa forma, o afeto tem se tornado o elemento norteador dos relacionamentos e um importante requisito para a constituição das famílias contemporâneas, deixando esta de ter como função central a procriação e a manutenção dos bens. Diante dessas novas configurações, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo ganha visibilidade, apesar de ainda enfrentar dificuldades de aceitação como o preconceito social. Torres (2009, p. 87) conceitua a homossexualidade da seguinte forma: É um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Nos argumentos de Torres (2009), encontram-se apontamentos de que as relações entre pessoas do mesmo sexo encontram-se inseridas do âmbito jurídico familiar em atenção ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, não havendo ensejo para sua exclusão. As uniões homoafetivas, construídas sobre alicerces estáveis, permitem vínculos mais duradouros entre seus membros, enquadram-se às características atribuídas pela regulação jurídica da família, fundamentada na Constituição de 1988. Portanto, concisamente, o Direito de Família vem reconhecer cada vez mais as relações dos seres humanos, superando-se o 49 pressuposto de que somente há organização familiar com ela atinge finalidade reprodutiva (RIOS, 2007). De acordo com Zambrano (2006), a existência de famílias homoparentais perdura por um considerável lapso temporal na realidade social, como evidência a quantidade de pesquisas feitas sobre elas há trinta anos, carecendo apenas de reconhecimento legal. A abdicação em chamar de “família” esses arranjos e negar a existência de um vínculo intrafamiliar entre os seus membros (ainda que esses vínculos possam ter um aspecto extremamente polimorfo e variado) seria o mesmo que colocar a família dentro de um formato único, que de certo modo não vem a corresponder com a diversidade de expressões que ela adotou nas sociedades contemporâneas. O reconhecimento das relações homoafetivas como entidades familiares, tornou-se possível por meio do princípio jurídico da afetividade, apontado na Carta Magna de 1988. Para tanto, deve ser comprovada a afetividade, a estabilidade e a ostensividade, sendo tais atributos indispensáveis no reconhecimento de uma entidade familiar. De posse de argumentos semelhantes, Carvalho (2012), ressalta que após a Constituição de 88, a família tida como patriarcal e fundada exclusivamente nas tradições matrimoniais, alcança condições positivas no sentido de permitir a buscar a felicidade para todos os membros do grupo familiar. Nesse sentido o princípio da afetividade se inclui como valorização do amor e a possibilidade de manutenção dos vínculos afetivos existentes. Tais perspectivas auxiliam no encontro de um novo valor jurídico, pois altera concepções ultrapassadas e, suscita a possibilidade do encontro de relações mais harmoniosas por parte de todos os integrantes da família. Segundo Fachin (2012) o tradicional modelo familiar, abre espaço para um novo contexto de família – propiciar afeto entre as pessoas envolvidas em uma constelação familiar. O autor sintetiza sua visão sobre a família contemporânea a partir dos seguintes apontamentos: Não seria exagero afirmar que, naquele passo, a família era limitada a representar uma aquarela de tonalidades e cores morais e sociais, em lugar de ser uma tela – como agora é – 50 policrômica para o desenho do sentimento e do afeto. (FACHIN, 2012, p. 160). Destarte, as relações homoafetivas, com a utilização da analogia e dos Princípios do Direito, devem ser equiparadas às uniões estáveis e consideradas entidades familiares. Por conseguinte, apesar dessa evolução, ocorre que as uniões entre pessoas do mesmo sexo deparam-se com resistência por parte da doutrina e jurisprudência, que, num primeiro momento, fundamentavam a proteção das uniões homoafetivas no Direito do Trabalho, como se fossem relações trabalhistas, a dar ensejo a uma indenização por serviços domésticos prestados. Posteriormente, no Direito Comercial-Obrigacional, comparando-as com a sociedade de fato, mas adiante, fundamentaram-se no princípio do enriquecimento ilícito, deixando de lado, o essencial para o Direito de Família a afetividade. Silva (2012) declara que na atualidade não se faz necessário à existência de homem e mulher, pai e mãe para haver a constituição de uma família. Segundo o autor é imprescindível somente que existam indivíduos independente de suas sexualidades, ligados pelo afeto, compartilhando intimamente suas vidas, dividindo os fins e os meios de vivência, convivência e sobrevivência. Para tanto, é de fundamental importância que se estabeleça a correta compreensão do Direito de Família moderno, que preconiza que valores e concepções mudam ou se influência em razão da realidade socioeconômica, pois o que embasa a mudança deve estar vinculado à ética, à cidadania, ao afeto, ao cuidado, à solidariedade, à inclusão social, à dignidade e à igualdade. (TORRES, 2009). Logo, o Direito de Família está atrelado à noção de afeto e interesses comuns, independentemente do sexo biológico ou orientação sexual dos parceiros. Com a isonomia entre homens e mulheres, com o surgimento do divórcio e com a proteção dos filhos tidos fora do casamento, este deixou de ser o fundamento da família, dando lugar a outras formas de entidade familiar, sendo o caso das uniões homoafetivas. 51 Com o novo conceito de família, Dias (2012) esclarece que as relações homoafetivas foram inseridas no Direito de Família. Em 5 de maio de 2011, tais organizações familiares passaram a ser reconhecidas como uma entidade familiar, tendo os parceiros homossexuais garantido os mesmos direitos e deveres das famílias tradicionais. Houve desse modo, o entendimento de que a verdadeira família existe quando de fato há vida em comum de forma contínua, pública e duradoura. No Estatuto das Famílias, em seu art. 68, encontramos o respaldo para tal afirmação, uma vez que no texto desse artigo se afirma que em uniões homoafetivas deve-se assegurar direitos e deveres a exemplo do casamento, união estável, divórcio, partilha de bens, guarda de filhos, adoção, alimentos e todos os demais direitos que venham a ser sucessórios. (SILVA, 2012). De acordo com Uziel (2008) é cada vez mais frequente o número de cartórios que registram as uniões estáveis de casais do mesmo sexo nos últimos anos. Ao se oficializar tais uniões, registram-se publicamente vidas em comum, que têm o afeto como causa. Vale frisar, que preenchidos os requisitos da relação duradoura, pública e contínua, não há porque excluir as uniões entre pessoas do mesmo sexo do rol de configuração familiar, sob pena de violação do princípio da Igualdade. Portanto, as uniões entre pessoas do mesmo sexo apresentam todas as características de uma entidade familiar, haja vista que tais relações estabelecem todos os critérios que acima enunciamos. Sob a perspectiva desse enfoque, torna-se possível identificar que as convivências conjugais de homossexuais e as de heterossexuais se distinguem apenas quanto ao fato de o relacionamento ser perpetrado por pessoas do mesmo sexo ou por pessoas de sexo distinto, vez que do ponto de vista jurídico e do princípio dos Direitos Humanos não há desigualdade possível de ser sedimentada. Essa compreensão moderna sobre o conceito de família encontrou base jurídica na Resolução n° 175, de 14 de maio de 2013, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na qual o referido órgão proíbe as autoridades competentes de se recusarem a habilitar, celebrar casamento civil ou de converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Existindo o não cumprimento da Resolução, o caso poderá ser levado ao juiz corregedor da comarca para que este determine o cumprimento da medida. 52 Além disso, pode ser aberto um processo administrativo contra o oficial que se recuse a celebrar ou reverter à união estável em casamento. (COSTA, 2013). Segundo Silva (2012), tais alterações na legislação se aproximam da realidade que reflete a sociedade atual, concretizando desta forma os princípios constitucionais, sobretudo na igualdade e liberdade da pessoa humana. Logo, é evidente que todas as entidades familiares necessitam de proteção, visando ao melhor interesse dos indivíduos independente da orientação sexual. A proteção da família é mediata, ou seja, no interesse das necessidades materiais e afetiva dos envolvidos. Vale ressaltar que a Carta Magna de 1988 preconiza em seu art. 3º, os Direitos fundamentais da República Federativa do Brasil, no que concernem as diretrizes a serem cumpridas, dentre elas o referido inc. IV, que preconiza o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer formas de discriminação. (VIEIRA, 2012). Além disso, neste tocante, Reis (2012) faz menção ao texto Constitucional no qual alude em seu art. 5º, os Direitos e Garantias Fundamentais, ou seja, àqueles indispensáveis à pessoa humana, que asseguram a todos uma existência digna, livre e igualitária. O direito de igualdade consiste em afirmar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, concluindo-se, portanto, que a discriminação de qualquer caráter fere a condição humana. Nessa medida, a desigualdade de tratamento entre os relacionamentos afetivo-conjugais de homossexuais e de heterossexuais não se coaduna com tais premissas constitucionais. 3.1 A legislação e as práticas adotivas A adoção tem como principal objetivo proporcionar o melhor para o desenvolvimento de uma criança. Além disso, favorece a possibilidade de inserção em uma família. Chaves (2008) atribui como pontos de partida para a adoção primeiramente, o rompimento dos vínculos da criança com sua família de origem e as reais motivações e disponibilidade que um adulto possui em ser pai ou mãe. 53 A adoção foi contemplada de forma mais evidente na legislação brasileira desde 1916. A adoção foi concebida tomando por referência os Códigos romanos e franceses em razão de Napoleão Bonaparte, que por motivos políticos se interessou pelo tema tendo em vista que uma de esposas era estéril. De 1916 até 1979 – o segundo Código de Menores a adoção, como medida jurídica era restritiva, pois estabelecia critérios rígidos e excluía muitos atores desse processo, quer a própria criança, quer os próprios requerentes à adoção. Foi somente com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, que se conseguiu encontrar medidas legais para garantir direitos a todas as crianças e adolescentes. Tal mudança pode estimular o interesse por novas práticas de atendimento, pressupondo a necessidade de implantação e de implementação de políticas públicas que viessem garantir direitos integrais à crianças e adolescente, bem como à própria família, quer biológica ou adotiva. Em seu artigo 19, o ECA ressalta que toda criança ou adolescente tem o direito de conviver em um ambiente familiar, sendo criada e educada em sua família original e, excepcionalmente, em família substituta. (ALMEIDA, 2008). Segundo Weber (1999) existe na atualidade as novas configurações familiares, criando-se dessa forma novas modalidades, tratando-se da adoção tardia, quando a criança a vir a ser adotada tiver acima de dois anos de idade; adoção monoparental, sendo a adoção concedida a pais/mães solteiros/as; adoções inter-raciais, tendo início de acordo com Weber (2005) na década de 1960, por meio de questionamentos a respeito dos efeitos psicológicos sobre estas crianças adotadas, utilizando dos argumentos que uma criança quando não inserida com outras pessoas de sua raça/cor de pele pode ter o desenvolvimento de sua identidade racial comprometido, ocasionando uma atitude emocional não condizente com suas origens étnicas, embora pesquisas venham comprovar que não existir diferença no ajustamento de adoções que tenham como base a cor de pele de famílias adotivas. E por fim, pode-se fazer uma descrição da adoção por homossexuais, que consiste na adoção por pares do mesmo sexo, o que gera ampla discussão e divide a opinião pública enraizada nos conceitos de uma moralidade construída na sociedade, 54 levantando dúvidas sobre o desenvolvimento satisfatório de uma criança que venha a ser criada neste meio, embora existam pesquisas que não comprovem tais equívocos. Assim sugere Dias: Identificar os vínculos homoparentais como promíscuos gera a falsa ideia de que não se trata de um ambiente saudável para o seu desenvolvimento. Assim, a insistência em rejeitar a regulamentação da adoção por homossexuais tem por justificativa indisfarçável preconceito. (2004, p. 125). Logo, torna-se essencial para que se possa construir uma sociedade mais justa e igualitária e que respeite as diferenças dos seres humanos, enfrentar os preconceitos acima de tudo, pois sem dúvida, o que certamente pode acarretar dano ao desenvolvimento de uma criança está relacionado com o desamparo, a exclusão, a falta de oportunidade de convivência e pertencimento a uma família, que esta venha passar ao longo de sua formação como pessoa. 3.2 A adoção por casais do mesmo sexo Segundo Torres (2009), o afeto é a razão fundamental que rege as famílias homoafetivas, não sendo possível considerar impedimento por parte do ordenamento jurídico brasileiro, embora não se tenha previsão específica acerca da possibilidade de adoções por pares homossexuais. Deve-se, então, priorizar a convivência familiar e o direito de ser criado e educado no seio de uma família substituta, a toda criança ou adolescente que foi impossibilitado de conviver com sua família originária. A respeito da adoção por homossexuais, Almeida (2008) argumenta que embora não consolidada no âmbito da Justiça, tendo em vista que a decisão fica a critério do juiz que julga o caso. Sem dúvida os consentimentos já concedidos pela Justiça, como o de duas crianças na Comarca de Catanduva interior do estado de São Paulo, e outro no estado do Rio Grande do Sul, colocaram essa modalidade de adoção no campo das possibilidades. Os primeiros casos de adoção por pessoas do mesmo sexo demonstravam que embora vivendo como casal, era apenas um dos membros da parceria que 55 figurava como pretendente no processo judicial. Nos últimos cinco anos essa realidade também se modifica em ritmo mais acelerado, com o pedido de adoção formulado por ambos os parceiros (ALMEIDA, 2012). Zambrano (2006) corrobora a opinião de Almeida ao constatar que apesar da lei não trazer impedimentos à adoção por pessoas do mesmo sexo, no passado a adoção legal ocorria apenas o pedido individual por apenas um seus membros mesmo havendo uma parceria conjugal contínua. Acreditava-se que tal fato ocorria devido à representação que ainda existe fortemente em torno da família nuclear na sociedade, podendo desta forma trazer como resultado o temor de um indeferimento ao pedido de adoção por se tratar de homossexuais vivendo em parceiro, e sendo mais aceitável a condição de solteiro, ainda que a condição de homossexualidade fosse identificada. Do mesmo modo, Torres (2009), afirma que não existe nenhum impedimento na lei brasileira que estabeleça o indeferimento do pedido de adoção de criança ou adolescente por conta de orientação sexual, tratando-se assim do respeito ao princípio da igualdade. Todavia, quando preenchidas todas as exigências legais, é cada vez mais comum que o juiz em questão fundamente o seu convencimento, com base na estabilidade da união homossexual, predominando exclusivamente o bem estar da criança. Logo, a união homoafetiva quando estabelecida em um convívio durável, em convivência pública, contínua e com o fundamental intuito de constituição familiar, devem receber o mesmo tratamento que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, Torres (2009) abarca que é possível reconhecer a essas pessoas o direito de adotar em conjunto. Embora, adoção na atualidade venha a produzir vários avanços, buscando prevalecer o interesse da criança, independendo da sexualidade de seus futuros pais/mães, ainda assim, tais progressos não preenchem a lacuna referente à adoção por homossexuais. 56 3.3 Desenvolvimento da criança adotiva em famílias homoafetivas De acordo com Laia (2008) a adoção por homossexuais ou em casamentos homoafetivos, embasa-se no principal argumento de que uma adoção bem sucedida independe da orientação sexual dos requerentes, pois deve ter como finalidade garantir a estabilidade e condições favoráveis para o desenvolvimento de uma criança. Desse modo, podem ser utilizados os mesmos procedimentos e orientações que guiam qualquer processo de adoção, para proporcionar não apenas uma ‘casa’ ou a ‘sobrevivência pela satisfação de suas necessidades’, mas acima de tudo adequá-la a um lar e uma nova vida na qual possa projetar um projeto de vida. Assim, equivale dizer que a adoção significa mais do que a busca de uma família para uma criança e adolescente, ficando para trás à concepção tradicional que tinha prevalência da busca de uma criança para uma família, a adoção passa a ter como finalidade a demonstração do melhor interesse da criança. Transformações positivas do ponto de vista dos Direitos Humanos têm sido alcançadas nos últimos anos, especificamente com relação à conjugalidade e parentalidade homossexual. Refletir sobre a pertinência, significados e consequências de se legalizar as famílias homoparentais, nas quais pelo menos um dos pais se autodesigna homossexual, reacende a discussão do quanto o parentesco ainda nos remete à ideia de ‘casamento’ e de ‘família’ tida como tradicional, na sociedade ocidental contemporânea. Silva (2008) ressalta que o tema da homoparentalidade apresenta-se de uma maneira consistente e ao mesmo tempo inovadora, tendo o papel de demarcar mudanças significativas na família contemporânea, tornando-se de extrema importância para a adaptação às mais variadas transformações que expandem a existência da família. Passos (2005) chama a atenção para os desafios que envolvem o desejo dos casais homoafetivos em ter filhos. A autora refere que a impossibilidade dessa união de gerar filhos envolve um trabalho psíquico por parte do casal, pois ambos precisam elaborar a questão narcísica do abandono da sua continuidade biológica e a possibilidade de se submeter a agentes externos para poder gerar filhos. Além disso, a autora diz que a escolha da 57 maneira como esse filho será concebido também envolve um esforço do casal, pois a impossibilidade de gerar poderá trazer um sentimento de incompletude, marcada no desejo que é projetado no filho. Logo, sabe-se que atualmente, os homossexuais dispõem de diferentes possibilidades para realizar o desejo de constituir uma família, podendo-se pensar, nas seguintes composições conforme situa Passos (2005, p. 8): 1. A recomposição, na qual um membro do casal traz para sua relação homossexual o(s) filho(s) de um casamento heterossexual anterior; 2. A co-parentalidade, em que um dos membros do casal homossexual gera um filho com um homem ou uma mulher, não necessariamente homossexual, e este filho passa a fazer parte do núcleo parental de um dos pais biológicos; 3. Uma terceira forma é a adoção, legalizada ou não, feita pelo casal; 4. Há ainda a possibilidade da inseminação artificial realizada com o sêmen de um doador, no caso de um casal de mulheres, ou de uma mãe substituta, que gera um filho com o sêmen de um dos parceiros do casal homossexual masculino. De tal modo, de acordo com Passos (2005), existirá sempre um terceiro para tornar possível a realização do projeto do casal, mediando o desejo de conceber tal filho. Esse outro com o qual os pais convivem e que permanecerá no imaginário da família, de acordo com a autora: Se interpõe na formação dos laços afetivos com os filhos de modos diferentes, dependendo de como ele é assimilado/elaborado por esses pais. Algumas vezes, o outro imaginário toma a forma de uma figura que se superpõe aos pais. Outras vezes, aparece como sombra enigmática que acompanha e perturba o reconhecimento dos filhos, podendo ainda ser assimilado como elemento sem o qual a filiação não existiria. (PASSOS, 2005, p. 9). É imprescindível que ocorra por meio de um trabalho de luto a admissão desta falta, permitindo assim que o casal após ter realizado todo trabalho de elaboração de que ambos são impossibilitados de gerar um filho em conjunto, possam instaurar a parentalidade em bases mais sólidas. (PASSOS, 2005). 58 No que diz respeito às reservas e incertezas apresentadas sobre a homoparentalidade, é a própria falta da presença dos dois sexos o fator mais justificável para a não aceitação desta constituição familiar. Os argumentos mais utilizados segundo Zambrano (2006) são de que as crianças inseridas neste contexto cresceriam sem ter referências do masculino e feminino, sofreriam discriminações e, ao final de tudo, se tornariam homossexuais, colocando em risco de desaparecimento a própria civilização. A afirmação de que uma criança não deve conviver com um homossexual, sob a acusação de que este possa levar uma vida desregrada, diferente dos padrões normais impostos pela sociedade, e que essa convivência pode alterar o desenvolvimento psicológico e social da criança não deve prosperar, uma vez que se fundamenta em suposições preconceituosas. A orientação sexual não é causa determinante no desenvolvimento de uma criança, até porque muitos heterossexuais têm vidas atribuladas e desregradas e seus filhos não adquirem tais características. Dias (2004) cita que as preocupações levantadas sobre o desenvolvimento de uma criança adotada por pessoas com orientação homossexual, como a ausência de modelo do gênero masculino e feminino, pode tornar confusa a identidade sexual e o adotado tornar-se homossexual, ou o filho ser vítima de desqualificação pelos colegas ou pessoas na rua, são descartadas, com segurança, por quem se dedica a estudar famílias homoafetivas com filhos. Segundo a autora, as pesquisas não comprovam qualquer probabilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta em crianças que convivam com dois pais ou duas mães, não sendo constatado também qualquer efeito danoso ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional que seja decorrente do convívio em família homoparental. Nada justifica a estigmatizada visão de que as relações homoafetivas sejam promíscuas suscitando a falsa ideia de não tratar-se de um ambiente de convívio saudável para o desenvolvimento de uma criança, de modo que insistir na rejeição para que se ocorra à regulamentação da adoção por esta população tem por fundamento o preconceito. Tal visão é compartilhada de modo similar por Uziel (2008), quando afirma que lentamente estão sendo combatidos os principais argumentos contrários a parentalidade de homossexuais, sendo as afirmações de que uma 59 criança criada e educada em uma família homoafetiva, estaria mais exposta a abuso sexual por se tratar da criação por dois homens, pelo risco da exacerbação de uma sexualidade incontrolável e que existiria confusão em sua identificação sexual, confusão dos papéis de identificação para a criança e ainda, que poderia ocorrer prejuízos em seu desenvolvimento global e socialização, estariam aos poucos perdendo forças. Em relação a tais aspectos, Castro (2008, p. 24) salienta que: Se confunde sexualidade com função parental, como se a orientação sexual das figuras parentais fosse determinante na orientação sexual dos filhos. A função parental não está contida no sexo, e, sim, na forma como os adultos que estão no lugar de cuidadores lidam com as questões de poder e hierarquia no relacionamento com os filhos, com as questões relativas a problemas disciplinares, de controle de comportamento e de tomada de decisões. As atitudes que compõem a função parental são responsividade que favorece a individualidade e a auto-afirmação por meio de apoio e aquiescência, exigência que nada mais é do que atitude de supervisão e de disciplina para com os filhos. Essas atitudes não estão relacionadas ao sexo das pessoas. Nessa direção, Silva (2008) afirma que embora existam pesquisas que se destinam a investigar as famílias homoparentais revelando sucesso de homossexuais no exercício de sua parentalidade, vários setores sociais persistem em questionar a capacidade destas pessoas em estar cuidando de uma criança, oferecendo a mesma uma convivência saudável nesta família. “Mais uma vez entra, em cena, o exercício de poder da heteronormatividade, em detrimento da aceitação das diferenças e das múltiplas possibilidades existentes para a manutenção da família” (p. 18). Os atributos de negação que se estabelecem frente às famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo são de ordem social, jurídica e política, como sempre ocorreu em todas as circunstâncias que exigiam mudanças na instituição família, como é o exemplo do estatuto do divórcio e a existência de pais/mães solteiros nos anos de 1970 e 1980. A fim de comprovar a ausência de problemas às crianças ou adolescentes adotados por homossexuais, em função da orientação sexual dos pais, é possível trazer alguns dados relevantes. Patterson (1997 apud GROSS, 2003), em levantamento contendo mais de 200 estudos, todos norte- 60 americanos) iniciados na década de 60, com enfoque em estudos voltados para a saúde mental de gays e lésbicas; aptidão para parentalidade; a identidade sexual das crianças, desenvolvimento, relações sociais; risco de abuso sexual; obteve como conclusão que não há nenhuma diferença entre crianças criadas em famílias homoparentais comparadas a outras, sendo que suas condutas não variam fundamentalmente da população em geral. Logo, é evidente que não se trata unicamente de negar a parentalidade a homossexuais pelo fato de temer o que poderá vir acontecer com crianças inseridas neste contexto familiar, deste modo assim como situa Laia (2008), torna-se mais preferível lidar com o conhecido, com o já esperado, do que enfrentar o que é da ordem do imprevisto. Nazaré (2008), afirma ser a favor da adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo, pois segundo a autora marginalizar esta união sob base de qualquer tipo de discriminação, constitui violação do direito à vida, aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, de tal forma que convivam em sólida base afetivo-familiar, posto ser o afeto a razão fundante dessas famílias homoafetivas, adquirindo contornos sociais. Está prescrito no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente que, a adoção ocorrerá quando de fato existir reais vantagens para quem venha ser adotado, desta maneira, não havendo impedimentos no que se refere a homossexuais adotar em lei, entende-se que a inclusão de uma criança ou adolescente a uma família constituída por pessoas do mesmo sexo traria mais benefícios do que se esta permanecesse deixada muitas vezes a própria sorte em instituições ou até mesmo nas ruas. (TORRES, 2009). Igualmente, alude Dias (2004), quando versa a respeito da autorização ou impedimento por parte da lei, ao negar juridicidade às relações homoafetivas, colocando que independente da orientação sexual dos adotantes, o que deve prevalecer é o melhor interesse da criança ou adolescente que venha a ser adotado. A homoafetividade pode ser associada à adoção desde que exista de fato uma relação familiar duradoura e leal, regrada pelo afeto e cuidados mútuos, caracterizando-se com ideais que constituem uma união estável, sendo possível compreender que não existe motivo legítimo para retirar de uma criança a possibilidade de viver com uma família. 61 Roudinesco (2003) coloca que a família está passando por várias modificações e segundo os pessimistas corre o risco de a civilização de ser devorada por estas ‘desordens’, mas ainda assim apresenta-se como o único valor ao qual ninguém quer renunciar, sendo sonhada, desejada e acima de tudo amada por indivíduos de todas as idades, de todas as condições e de todas as orientações sexuais. Deste modo, frisa-se novamente que não há pesquisas que indiquem prejuízo ou dano à criança adotada por pessoa ou casal de orientação homossexual que estejam ligados diretamente à orientação sexual de seus pais. O abandono, a falta de oportunidade, de convivência e pertencimento a uma família, o preconceito, a exclusão é que geram danos à pessoa, muitas vezes irreparáveis. É importante finalizar, destacando que para que se chegue a uma sociedade que respeite as diferenças e se torne mais igualitária na garantia de direitos é preciso primeiramente enfrentar os preconceitos ainda vigentes. 62 CAPÍTULO IV METODOLOGIA 4 INTRODUÇÃO A etimologia da palavra metodologia remete a ideia de escolha, de caminho percorrido e de instrumentos próprios para abordar e compreender uma realidade, um fato, um fenômeno social, psicológico. A metodologia qualitativa ocupa lugar central no interior das teorias sociais, sendo que a visão social de mundo se veicula a uma determinada teoria. O contexto da metodologia inclui simultaneamente a teoria, o método, os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade para o fato investigado). A metodologia é muito mais do que a mera aplicação de técnicas. Ela inclui as concepções teóricas de uma da abordagem, devendo articular-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade. A despeito de tais requisitos a criatividade do pesquisador conforme indicado mostra-se importante na condução de uma pesquisa. (MINAYO, 2010). A pesquisa aqui descrita foi apoiada na metodologia de Estudo de Caso junto a um casal homoafetivo do sexo masculino, que adotou um grupo de irmãos. Um dos parceiros tinha vivenciado a experiência heterossexual antes da formação do par conjugal. Optou-se pelo estudo de caso, pois tal procedimento permitiu conhecer mais profundamente os processos subjetivos presentes na adoção de crianças por casais homoafetivos. O estudo de caso se aplica quando o pesquisador tem o interesse de observar a ocorrência do fenômeno no campo social e não discuti-lo apenas do ponto de vista da teoria. Evidentemente, a teoria dialogará com o levantamento dos dados empíricos (os dados coletados no campo, observáveis na realidade) e na interpretação dos 63 mesmos, mas o enfoque aqui é a construção da pesquisa com base em uma realidade delimitada. O emprego de tal metodologia permitiu conhecer a história de uma família de configuração homoafetiva, suas expectativas, bem como o impacto da adoção na realidade familiar e as implicações concernentes ao desenvolvimento das crianças apontados pelos pais. O estudo de caso é considerado uma estratégia metodológica importante para temas complexos tendo em vista que permite a análise de um fenômeno de modo amplo e profundo. Segundo Yin (2010, p.22): Em geral o estudo de caso é indicado quando a- As questões ‘como’ e ‘por quê’ são propostas; b- O investigador tem pouco controle sobre os eventos; c- O enfoque está sobre um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real. De acordo com Yin (2010) a clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos. Ou seja, o estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real. Para Gil (2009, p. 5): Como delineamento de pesquisa, o estudo de caso, assim como o experimento e o levantamento, indica princípios e regras a serem observados ao longo de todo processo de investigação. Mesmo sem apresentar a rigidez dos experimentos e dos levantamentos, os estudos de caso envolvem as etapas de formulação e delimitação do problema, da seleção da amostra, da determinação dos procedimentos para coleta e analise de dados, bem como dos modelos para sua interpretação. Gil (2009) defende que o estudo de caso pode ser considerado como um delineamento no qual são utilizados vários métodos ou técnicas de coleta de dados, englobando, por exemplo, a observação, a entrevista e a análise de documentos. Sendo assim, o estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um método que abarca uma complexidade de aspectos – com a lógica de planejamento incorporando abordagens específicas à coleta e análise 64 de dados. Nesse sentido, não é nem uma tática para a coleta de dados nem meramente uma característica do planejamento em si, mas uma estratégia de pesquisa abrangente. (YIN, 2010). Ventura (2007) afirma que descrever e caracterizar estudos de caso não é uma tarefa fácil, pois os mesmos são usados de maneiras diferentes, com abordagens quantitativas e qualitativas, não só na prática educacional, mas também como modalidade de pesquisa, e com aplicação em muitos campos do conhecimento, principalmente na área da medicina, da psicologia e em outras áreas da saúde. (...) os estudos de caso se destacam como um valioso recurso não apenas para a execução de pesquisas cientificas, mas também para o desenvolvimento de práticas – sejam elas clínicas, organizacionais, educacionais ou de qualquer tipo – em Psicologia. (Sanches, Santos, 2005, p.119). Com base em tais pressupostos elegeu-se o recurso de Estudo Caso como estratégia metodológica para se observar e analisar os fenômenos presentes na experiência subjetiva da adoção neste estudo. Minayo (2004, p.101) descreve que: “A investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a flexibilidade, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos” [...]. Apoiando-nos em Minayo, entendemos que a pesquisa qualitativa se mostra adequada aos nossos objetivos, tendo em vista que podem gerar condições facilitadoras para a aplicação das entrevistas e compreensão aprofundada do fenômeno investigado. Abordar este tema moveu nossos interesses, diante da necessidade de compreender as transformações dos modelos de família. No que concerne à homoparentalidade surgiu à expectativa de analisar essa constituição família, pois apesar do preconceito e dos tabus que ainda afetam o tema e os atores envolvidos nesses arranjos familiares, cabe à psicologia a tarefa de lidar com as questões da subjetividade e do desenvolvimento humano. Para tanto, devese buscar a superação de conceitos pré-estabelecidos que definem a família, para que se possa encontrar ferramentas para analisar e compreender a maneira como as famílias homoparentais se formam e como as crianças e 65 adolescentes são criadas nesse meio. Conforme dados da literatura, são elementos decisivos para a criação dos filhos o funcionamento da família e não como ela está constituída (WEBER, 2005). Portanto, entendemos como relevante entrar em contato com a concepção de família e criação dos filhos mantidos pelos próprios atores que compõem uma organização familiar homoafetiva. O eixo principal da pesquisa foi investigar se uma família homoafetiva pode, de fato, ser considerada uma instituição familiar efetiva, tal como os outros arranjos familiares, no que se refere as funções de cuidado e socialização de seus membros. Nesse contexto analisou-se a função dos filhos na dinâmica conjugal, bem como o nível de organização dos pais adotivos para garantir o bem-estar das crianças. Portanto, esta pesquisa busca compreender, se a orientação sexual dos pais interfere nos cuidados ministrados aos filhos e se adoção, mesmo que efetuada por duas pessoas do mesmo sexo, pode ajudar a criança a superar as situações de abandono vivenciadas na família biológica, permitindo enfrentar sofrimentos, ressignificar a história de vida e reconstruir um projeto de vida que lhe permita adquirir maturidade e maior independência na vida adulta. Com tais propósitos, busca-se contribuir para melhor compreensão dos pais e filhos por adoção e ainda levantar dados para a construção de metodologias que atendam as necessidades dessas configurações familiares. Para a realização da coleta de dados utilizamos um roteiro de entrevista semi-estruturado, visando responder aos objetivos propostos por esta pesquisa. Tais entrevistas foram organizadas para levantar informações de acordo com os objetivos já traçados. Nesse sentido foram formuladas questões que permitiram identificar primeiramente as histórias individuais de cada parceiro antes da vida conjugal, a conjugalidade homoafetiva e a formação do par, identificando os motivos principais que os levaram a optar pela adoção; a construção dos laços filiais e paternos, a partir do momento em que as crianças passaram a morar com os mesmos. Levantou-se também o processo de formação de vínculos entre os mesmos; a família e as redes de socialização e, 66 por fim, a projeção da família para o futuro, seus planos e expectativas em relação à vida do casal e dos filhos. De acordo com Minayo (2004), o roteiro de entrevista visa a apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos nos objetivos da pesquisa, contendo esse roteiro poucas questões, sendo um instrumento que possibilita proporcionar finalidade na conversa, sendo o facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação. De acordo com Gil (2009), a entrevista é uma técnica eficiente para obtenção de dados acerca dos mais diversos aspectos da vida social. Aplica-se praticamente a todos os segmentos populacionais e, quando bem conduzida, possibilita o esclarecimento até mesmo de fatores inconscientes que determinam o comportamento humano. Trata-se também de uma técnica flexível, pois, possibilita esclarecer o significado das perguntas e adaptar-se facilmente as pessoas e as circunstâncias em que é realizada. Ainda sobre a entrevista semi-estruturada, Minayo (2000), salienta que tal instrumento é considerado uma técnica que combina perguntas fechadas e abertas, em que os entrevistados têm a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão, não necessitando ficarem presos às questões formuladas. A entrevista foi divida em seis temas, assim concebidos: a origem dos legados: As histórias individuais de cada parceiro antes da vida conjugal; A conjugalidade homoafetiva - A formação do par conjugal: a visibilidade do relacionamento homoafetivo; conjugalidade/homoparentalidade; a construção dos laços filiais e paternos; A família e as redes de socialização (família extensa, escola) e as Projeções para o futuro. Tais temas totalizaram vinte e duas questões, as quais funcionaram como norteadores da conversa. (APÊNDICE B). Antes do início da coleta de dados a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética. Após o cumprimento dessas exigências a realização das entrevistas foi apresentada ao casal o termo de consentimento livre esclarecido, a fim de expressarem sua concordância às entrevistas, bem como entender sua finalidade. O grupo familiar é composto por dois pais e quatro crianças com idades entre (16, 14, 9 e 5 anos). As entrevistas foram realizadas com os pais, uma vez que dispúnhamos de técnicas especificas para abordá-las, sendo que a 67 abordagem das crianças não se caracterizou como objeto de estudo de nossa investigação. A princípio, o Sr. Netuno foi procurado por uma das alunas a fim de esclarecer a proposta da pesquisa e informar sobre a participação dele e do companheiro no presente trabalho. Desde então, foi mantido contato com os participantes por telefone para a confirmação no estudo, o que ocorreu no terceiro contato telefônico. A abordagem dos participantes foi agendada no local de trabalho do casal, tratando-se de um salão de beleza, de acordo com o horário e dia em que os mesmos se encontravam disponíveis, pois não dispunham de tempo suficiente para entrevistas em dias consecutivas, dando dessa forma preferência por realizá-la em um mesmo dia. Ambos mencionaram que somente concederiam a entrevista por se tratar de uma pesquisa acadêmica, pois haviam mudado de cidade, recorrendo a uma cidade menor, pelo fato de estarem exaustos segundo eles, pela procura incessante da mídia em divulgar a originalidade da família. O casal autorizou a gravação das entrevistas, sendo esclarecido que tal procedimento garantiria a fidedignidade dos relatos e evitaria, portando, distorção de suas falas. Embora as entrevistas tenham sido efetuadas em local de trabalho, foi possível uma adequação das alunas em tal ambiente, que se dedicaram em conduzi-las de modo a coletar os dados necessários e obter tais informações sem interferências negativas nesse processo. Optou-se por referir-se ao casal por meio de nomes mitológicos, porém esses nomes foram escolhidos aleatoriamente do mundo/mitologia grega, não tendo correspondência entre tais nomes e o tipo psicológico dos personagens aos quais eram identificados. Este recurso foi utilizado para melhor compreensão da história apresentadas e dar maior fluidez ao texto, mantendo ao mesmo tempo a privacidade e o sigilo da entrevista. 4.1 Resultados da pesquisa: análise e discussão dos dados Após a audição e a transcrição das entrevistas realizadas com o casal, pôde-se fazer uma leitura detalhada, com a finalidade de sistematizar e categorizar os dados advindos dos relatos dos participantes. Efetuadas as 68 contextualizações necessárias iniciou-se a análise dos conteúdos obtidos das entrevistas que serviram para elucidar os objetivos traçados neste estudo. Os eixos apresentados a seguir retratam a história de vida de cada parceiro em sua família de origem, bem como a formação do par conjugal até a inserção das crianças à família analisada. Com embasamento em tais aspectos passamos a descrever os eixos e os fragmentos que viabilizaram o aprofundamento do caso em tela. 4.2 As origens: História de vida de cada entrevistado em suas famílias de origem. Os momentos iniciais das entrevistas abriu espaço para que os participantes pudessem falar de suas vivências em suas famílias de origem. Acerca de tais experiências destacaram o convívio e as lembranças marcantes do período da infância e da adolescência. Foi possível observar na fala de Júpiter, uma infância humilde, porém não se identificou conflitos ou problemas específicos relacionados à interação com seus pais. Embora tenha tido que trabalhar precocemente na roça, por volta dos 13 anos para auxiliar nas despesas da casa e ajudar na criação dos irmãos mais novos. Júpiter relata que é filho de lavradores, possuindo 14 irmãos: seis do sexo masculino e oito do sexo feminino. Segundo ele, todos tiveram os mesmos ensinamentos, pois tinham o mesmo afeto, educação e atenção dos pais. Seguem as falas que denotam tais percepções: Tenho 14 irmãos e o único que saiu ‘gay’ deles foi eu, e esse negócio que hoje a psicologia fala que o comportamento homoafetivo ou de gay é por causa da educação de pai e mãe, eu discordo porque em 15 pessoas na minha família todos tiveram tratamento igual e a educação, do jeito que foi para mim foi igual (para os demais irmãos). Júpiter. 69 A fala de Júpiter aponta para uma visão naturalizante da orientação sexual, ou seja, ele compreende que o indivíduo já nasce com desejos voltados à pessoa do mesmo sexo, e o que se vive com os pais na primeira infância nada interfere na sexualidade de uma pessoa. Além disso, parece ter uma visão um tanto reducionista de como algumas abordagens da psicologia entende a constituição psíquica de uma pessoa a partir da dinâmica relacional na primeira infância Ainda sobre essa questão, entrevistado assim se posiciona: Então eu não vejo diferença, porque meu pai nunca foi de me dar boneca, nunca foi de me dar presentes de menina, a minha mãe nunca foi grudada demais comigo, nunca foi de passar a mão demais na minha cabeça, nunca foi de me poupar e meu pai também nunca foi nenhum grude comigo. Então, tem muita coisa hoje da psicologia que eu discordo, porque hoje, a psicologia prefere falar que a mãe da muita “moleza” pro filho, o pai mimou demais o filho e a mãe ou o pai fizeram o filho virar aquilo, e o homoafetivo pra mim é uma coisa que já vem da pessoa. Antes de ser gay eu já nasci gay, eu já comecei a crescer com o desenvolvimento gay, não é por causa das minhas irmãs, não! Júpiter. As falas de Netuno a respeito da homossexualidade vem confirmar o que fora dito por Júpiter, afirmando que o homossexual já nasce predeterminado a ter sentimentos e afetos pelo ser de igual sexo. Sobre o tema, o entrevistado assim se manifesta: A maioria das coisas que ele (Júpiter) falou ai está certinho, que a gente já nasce assim (homossexual) entendeu? Eu acho que nasce! Pode ter pessoas que descobrem, ou descobrem e fica ‘incubado’, ‘reguardado’ para ele, não vive, não vai ser feliz, não vai ter coragem 70 de assumir nada né, mas eu acho que já nasce mesmo assim, esse sentimento maior pelo outro, sabe? Netuno. Sobre tal questão considera-se importante, retomar alguns apontamentos sobre a constituição do Complexo de Édipo. O modelo clássico da manifestação do complexo de Édipo, ou seja, que coloca como necessário a presença de um terceiro, instalando a figura do pai como fundamental para promover a saúde psíquica e assim inserir os filhos em uma ordem simbólica, está em revisão frente às novas constituições de família. Sobre tal questão Levy (2011), nos faz refletir que a ordem familiar que se instala nas novas formas de parentalidade não se estabelece necessariamente na diferença sexual. Segundo a autora, após o achado de Freud a respeito do complexo edipiano e do declínio da família patriarcal, a família tem sido a cada dia reinventada. É certo que a psicanálise ratifica a necessidade de contenção das pulsões nos primeiros anos da infância, e, portanto, que a criança possa experienciar relações de amor e ódio nos relacionamentos com suas figuras parentais, e encontrar um caminho mais saudável e menos danoso para direcionar sua energia psíquica. Com as mudanças nos modelos de família, não se desmerece a função continente das figuras parentais, mas atrelá-las somente a figura do homem e da mulher pode restringi-la a um único modelo de família – a burguesa, que foi encontrada em um momento histórico, muito embora tenham existido outras estruturas familiares em diferentes épocas. Assim, não se pode considera-la como universal e hegemônico. Dias (2004) coloca a homossexualidade apresentada pela Psicologia como não sendo hereditária, nem mesmo uma escolha consciente ou deliberada, como se costuma afirmar, ou seja, que se instala por volta dos 3 ou 4 anos de idade, quando se estabelece uma suposta essência de uma identidade sexual na personalidade de um indivíduo, a qual determinará sua orientação sexual. Netuno quando questionado sobre vivências em sua família de origem, procura manter o foco na origem de seu comportamento homossexual, parecendo entender que a pergunta visa identificar a causa de sua homossexualidade, não trazendo outros dados que pudessem revelar a 71 especificidades de suas relações na infância. As perguntas iniciais visavam o levantamento de suas experiências em suas famílias de origem, mas as respostas parecem indicar o quanto são fortemente marcados pela questão da orientação sexual, e de como ela pode estar ou não associada à estrutura familiar. Resgatar a história de vida de cada entrevistado surgiu com o propósito de tornar mais compreensível à constituição psíquica de cada membro inserido neste contexto familiar homoafetivo, auxiliando-nos desta forma a ter maior clareza referente a afetos e vínculos que puderam estar presentes em cada ambiente de origem, podendo assim observar como se instalou todo o processo que envolveu a adoção das crianças, possíveis transmissões psíquicas de uma geração a outra e, consequentemente, a repercussão de tais experiências no exercício da parentalidade. Outro aspecto observado foi quanto à espontaneidade do casal. Este se mostrou à vontade durante o decorrer das entrevistas, não apresentando qualquer tipo de receio frente às questões abordadas ou constrangimento pelo fato da entrevista ser gravada. É interessante ressaltar que embora os entrevistados estejam inseridos em um contexto que possivelmente seria necessário se construir como um modelo original de família em razão de se tratar de duas pessoas do mesmo sexo não se observou estratégias mais específicas nesse sentido. Ou seja, o grupo familiar em tela, não rompe com os valores associados aos arranjos familiares. Tais aspectos foram identificados no que tange a uma formação familiar convencional, como, por exemplo, a necessidade de união, de afeto, de proteção, de companheirismo e de dedicação mútua. Embora Júpiter tenha vivenciado uma infância com algumas dificuldades, ainda assim procura transmitir aos filhos os ensinamentos e os valores que obteve em seu núcleo familiar de origem. Isso se reflete em ir ao trabalho muito cedo, levar as crianças para o salão, recompensa-las com pequenas gratificações, enfim, adotar os mesmos procedimentos que teve a oportunidade de observar nos seus pais, ou seja, a recompensa somente se atinge depois de muito esforço. Júpiter sempre precisou auxiliar nos cuidados com os irmãos mais novos, tendo para si responsabilidades que de certa forma não lhe cabiam. 72 Neste sentido, desempenhar função e papel já vivenciados suscita o desejo em ter um filho e assim dar continuidade aos seus legados e, assim poder perpetuá-los. Júpiter desempenha papéis e funções em sua família atual que coincidem com suas atribuições já vividas em seu grupo de origem. Observa-se que ele personifica figura de maior autoridade à frente da criação dos filhos, parecendo reatualizar funções de cuidados e de proteção que exercitou no grupo familiar de origem. Netuno, por sua vez, mostra-se como figura complementar a figura de autoridade do companheiro. Este valida a maneira com que Júpiter conduz a educação das crianças, cabendo a ele desempenhar o papel de provisão afetiva aos filhos. 4.3 A descoberta da homossexualidade Em seu relato, Júpiter informa que desde criança, por volta dos 8 anos de idade já havia notado certa sensibilidade em sua maneira de ser e de se comportar, evidenciando em sua fala confusão entre performance de gênero e orientação sexual. Isso se observa no momento em que relata que na sua infância procurava vestir-se como as irmãs. Eu pegava batom, brincava com o batom delas (irmãs), colocava os tamancos no pé (...), colocava vestido, tudo escondido. Então isso ai é uma coisa que na realidade, a gente já vai sabendo que é. Júpiter. Sobre sua descoberta a respeito da homossexualidade, Netuno retrata: Ai, eu acho que é como o Júpiter falou: desde pequeno, com quatro, cinco, seis anos. As lembranças são poucas (descoberta da homossexualidade), mas é daí para cá mesmo. Não adianta, era uma coisa assim que a gente não sabe o que é. Netuno. 73 4.4 Inquietações com a homossexualidade Na fase da adolescência, começa para Júpiter um aparente incômodo a cerca de sua orientação sexual. Seu relato indica que embora o desejo por pessoas do mesmo sexo estivesse ganhando forças, nesta fase se sentiu impotente frente a tal desejo, vivenciando confusão interna, em razão de não aceitar em si próprio tais manifestações. As falas de Júpiter denotam tal sentimento Eu era muito revoltado, muito revoltado mesmo que eu próprio notava minha diferença. Uma diferença onde eu era a primeira pessoa a existir o preconceito dentro de mim. Júpiter. Compreende-se que as pessoas que conviviam próximas a Júpiter observavam sua inquietação, embora não conseguissem explicitar de fato o assunto. Em suas falas Júpiter revela como isso fora trazido por sua mãe: A minha mãe às vezes me olhava e falava: “meu filho não sei o que te falta, pra que você tem tanta revolta dentro de você”. Júpiter. Em seus relatos Júpiter revela que sua sexualidade se mostra como algo que não pode ser revelado, o que lhe promove autocensura dessa realidade interna o que o leva a uma associação apressada em relacionar orientação sexual à revolta. Em alguns casos quando notada a homossexualidade, esta pode ter uma valência negativa ao indivíduo, pois o leva a uma auto-responsabilização por todas as dificuldades que venha a encontrar pela frente. De acordo com Nunan (2007) existe com frequência a oscilação por parte do homossexual entre o assumir-se homossexual e possivelmente ter 74 que lidar com a rejeição, discriminação e marginalização, ou manter segredo sobre sua orientação sexual, suportando todo o isolamento e as dificuldades em levar uma vida dupla, escondendo seus sentimentos ou lidando com a falta de apoio necessário para suportar as dificuldades. Para Júpiter não compartilhar com os familiares a orientação homossexual, lhe gerava culpa, e era como se estivesse sendo totalmente desonesto com eles. Sentia a necessidade de se revelar e contar que de fato sentia-se atraído por outros homens, muito embora imaginasse que tal revelação pudesse trazer maiores sofrimentos, pois de tal forma passaria por preconceitos e certamente de início teria que lidar com os embates que tal revelação causaria no meio familiar. O que faltava em mim era a verdade, a honestidade, na minha cabeça eu estava sendo desonesto com meus familiares. Júpiter. Muitas vezes minha família me pegava chorando e ninguém entendia o porquê. E eu sabia o motivo, que eu estava escondendo, a minha farsa enganando alguém e isso me machucou muito no meu passado. Júpiter. A fala do entrevistado revela sofrimento por esconder sua maneira de sentir e vivenciar seus afetos, que habitam apenas na sombra de seus próprios desejos. O medo da rejeição o leva a aversão de si próprio, pois o coloca frente a uma possível desaprovação alheia, levando-o a ocultar seus sentimentos. Esse dado nos faz indagar que se a verdade ou transparência em relação aos desejos sexuais existiria em relação aos heterossexuais. Certamente essa transparência se mostra bastante difícil e independentemente da orientação sexual necessitamos preservar nossa individualidade sendo que nem sempre seremos compreendidos em nossos desejos mais secretos. Tamanha responsabilidade em revelar seus desejos, apenas por ser 75 homossexual, parece ser uma armadilha em que as pessoas são facilmente capturadas levando-as a sentimentos de angústia e desqualificação. Depois fui crescendo, trabalhando na roça, 14 anos eu já estava trabalhando na roça no meio de um monte de gente ignorante, acordava cedo e falava: “essa vida não é pra mim e não vai ser pra mim!” Todo o dia com o mesmo objetivo. Com quinze anos fiz um curso de garçom, detestei também. Voltei para o mesmo estilo de trabalho, na usina, no meio das pessoas ignorantes. Sempre escondendo ao máximo o verdadeiro desejo que eu sentia, o meu desejo era masculino, eu sentia atração por homem. Júpiter. É evidente que a ocupação profissional de uma pessoa não condiz com sua orientação sexual, a pessoa pode gostar e ter prazer naquilo que faz independente das imposições atribuídas a cada gênero. O entrevistado mostrase pouco à vontade em sua ocupação profissional. A impressão que se tem é que ele se percebe em outro mundo. Ele relata que ao estar no meio de pessoas ignorantes, não teria condições de demonstrar sua orientação sexual, o que seria facilitado caso exercesse uma função mais feminina e condizente com sua ideia sobre o papel de um homossexual. Eu acho que assim, as pessoas às vezes não são (homossexuais), mas se tornam, porque, o motivo que ele falou (Júpiter.), a gente vive ali escondido, querendo tentar viver uma vida como dizem que é o certo, a gente nunca sabe o que é certo e o que é errado, não tem como né. Você vai se julgar, mas tem pessoas que vivem pior que você e que vive uma vida hetero e casados. Netuno. 76 No meu caso foi assim, ia vivendo bem, mas me iludindo com esse sentimento. Netuno. A fala de Netuno no faz pensar em uma possível contradição, uma vez que desde o início das entrevistas afirma que uma pessoa nasce homossexual. Embora tenha tido relacionamento conjugal heterossexual, quais argumentos o levaram a engajar-se em um relacionamento heterossexual já que tinha a convicção de que sentia-se atraído na verdade por pessoa do mesmo sexo? É interessante observar em sua fala que falhando na tentativa de levar uma vida correta, no caso uma vida heterossexual, uma pessoa poderá se tornar homossexual. 4.5 Da homossexualidade à Homoconjugalidade: visibilidades coincidentes. Em seu relato, Netuno informa que a relação do casal só foi descoberta pela família após certo tempo convivendo em seus meios abrindo espaço para se observar como a realidade acaba por passar despercebido ou até mesmo invisível para os que convivem diante de tal evento. A veracidade dos fatos passa a existir em meio a um conflito familiar e embora tenha trazido algumas desordens em seu convívio, a relação foi aceita rapidamente pelos familiares, logo estava estabelecido um vínculo entre os indivíduos deste grupo extenso, pois já coexistiam em meio ao silêncio da realidade havia alguns anos, conforme expõe Netuno: Descobriram (a família) depois que a gente já estava junto por sete anos, como sócios, porque nós já estamos juntos há vinte e um. A S. (filha mais nova de Netuno.) tinha quatro aninhos. Só descobriram porque uma irmã do Júpiter contou lá, sabe, falou que ela sabia porque ele vivia comigo mas a mãe não, e ai numa briga, pois ela engravidou de um homem, que ela não era casada e ai a mãe caiu em cima dela, ai ela falou: “a mãe tem que olhar muito mais coisa em volta da sua casa, eu pelo menos 77 estou com um homem, e ele vive com o Netuno” ai falou, desmembrou tudo na hora do pega. Ai contou para a mãe dele, ela ficou arrasada, mas ela já gostava de mim porque já eram sete anos juntos. Mas ai todo mundo aceitou a gente numa boa, a minha família também, foi depois de sete anos que a gente contou, porque ai abriu tudo. Netuno É de grande importância a existência de redes afetivas para que o homossexual possa compartilhar seus conflitos e inseguranças, de maneira que tenha a possibilidade de lidar com seus próprios desejos. Ao revelar-se para alguém que o compreenda a pessoa pode expor o que de fato sente. A relevância desse apoio pode ser verificada no relato trazido por Júpiter. Com dezessete para dezoito fui fazer o curso para cabeleireiro, e fazendo esse curso conheci a primeira pessoa que eu me abri, falei que eu era homossexual, foi para o E. que era um dos meus melhores amigos que eu tinha na época que fiz o curso de garçom, me identifiquei muito com ele, eu me abri com ele, que eu era gay e disfarçava. Ele se abriu, também era gay, aquele dia parecia que eu estava tirando, naquela época, como eu era da roça, mexia com cana, eu sempre falava que estava tirando uma ‘tonelada de cana de cima da minha costa’, por que foi o dia mais leve da minha vida por eu estar me abrindo pra ele. Júpiter. O entrevistado conviveu com aparente sofrimento em razão do esforço para não transparecer sua orientação sexual. No momento em que pôde abrirse com alguém libertou-se de um “peso”. Tal peso tem associação com todo o segredo que por anos havia sido recusado. Ao assumir para outra pessoa 78 acaba assumindo para si próprio, conseguindo resgatar a “verdade”, sobre seus desejos sexuais. Depois ele apresentou algumas pessoas pra mim e acabei pela primeira vez tendo relacionamentos e que não deram certo, eu achei o homossexualismo assim... ninguém querendo compromisso com ninguém e esse não era o estilo de vida que eu queria, eu queria família eu não queria sexo. Júpiter. O que eu acho que é preocupante hoje é a modinha, por que tem muitas pessoas que não são gays, mas estão achando bonito, e virou moda ser gay (...) isso envolve sentimento. Júpiter. Ainda é muito presente o preconceito quando o assunto está em torno dos homossexuais, existindo receio por parte desta minoria de pessoas em manifestar tal identidade, e pensar em toda essa situação como meios para que se possa aderir uma moda, moda esta em que não se tem benefícios algum, e como fora retratado ao longo da vida do entrevistado, tendo que conviver com o silêncio, não deixando vir à tona sua sexualidade para não ter que lidar com o isolamento, é pouco provável que alguém almeje vivenciar uma moda envolvida com tantas discriminações. E o tempo foi passando e fui olhando, analisando os gays, essas pessoas hoje com um, amanhã com outro e depois com outro, ficava e não passava nem telefone, se passava era o telefone errado. Júpiter. A sociedade como sempre marginalizou a homossexualidade, sendo encontrada ainda a ideia de promiscuidade, estando estas pessoas desconectadas de qualquer tipo de sentimento e longe de estar à procura de 79 concretizar afetos estáveis e duradouros. Existe a idealização da família, sendo esta totalmente desconectada de sexo, como se o sexo não fizesse parte de uma relação afetiva qualquer. A maneira como o entrevistado observava os homossexuais, retrata a imagem de pessoas jovens, que tendem a ter na atualidade tal comportamento tido como mais liberal independente de orientação sexual. Foi aonde que eu resolvi também não ser gay mais, ai eu falei: “essa vida não é pra mim”, ai eu cai numa igreja de “crente” na assembleia de deus, fui começar a ser temente a deus, mas completamente depressivo, porque se falar que religião arruma a vida de alguém, não arruma, principalmente a parte da sexualidade da pessoa, isso não arruma mesmo. Não existe ex-gay, ex-travesti, ex-viado, o termo que a pessoa quiser usar, não existe esse ex, porque ele pode fugir, pode conseguir fugir só que o interno dele vai ter sempre aquele vazio. E eu tinha esse vazio dentro de mim. Júpiter. Encontrando-se desiludido com os relacionamentos homossexuais e com posturas que não coincidiam com seus valores, o entrevistado passa a procurar na religião uma estratégia para tentar reverter sua sexualidade, como se procurasse encontrar na palavra de Deus uma espécie de cura para a homossexualidade. Mesmo tendo lidado com o sofrimento por tanto tempo pelo fato de ter se ocultado, talvez tenha criado tantas fantasias em torno de sua homossexualidade, com ideais para constituir uma família, que quando chega o momento de ser feliz, pois segundo ele o que lhe faltava para alcançar tal felicidade era se assumir, passa novamente a querer negar seus desejos levando mais uma vez uma vida que não retrata o que de fato ele quer pra si. 80 4.6 Relacionamentos heterossexuais Dias (2004), coloca que muitos homossexuais assumem uma dupla personalidade e tendem desta forma levar uma vida clandestina, ocultando sua verdadeira identidade sexual, casando-se e tendo filhos em relacionamentos heterossexuais em vários casos para fugir de possíveis discriminações se de fato assumissem-se homossexuais, ocasionando, portanto ao fracasso de tal união. Os argumentos utilizados pelos entrevistados para explicar os relacionamentos heterossexuais que puderam estar envolvidos antes da formação do par homoafetivo, trazem uma tentativa de ocultar o que de fato procuravam para suas vidas, no caso o interesse por pessoas do mesmo sexo, porém buscar estabelecer algo mais sólido naquilo que certa forma é o aceito pela sociedade torna-se a opção para que se estabeleça a tentativa de constituir uma família encontrando assim a felicidade tão almejada, tal observação é entendida na fala de Netuno: Eu mesmo casei, tive dois casamentos, tive dois filhos no primeiro casamento que para mim foi a melhor coisa do mundo, e do segundo casamento mais uma filha. Casamento hétero. Tentando ser uma família, ser feliz. E do nada, ele foi trabalhar comigo eu já estava vivendo o segundo casamento, porque coisa boa já não estava. Eu tinha aceitado viver com uma mulher, e fui tentando, fui vivendo. E ele foi trabalhar para mim e em poucos dias nós já estávamos assim, como diz, apaixonados. E ai descobri que era isso mesmo, sabe. Ai me separei. Netuno. Neste momento de seu relato, é possível identificar a transição de sua vivência heterossexual, constituída sob alicerces mais conservadores, onde pôde se encontrar em fases de sua vida integrado em casamentos heteroafetivos, possibilitando a experiência de manter o envolvimento a ponto 81 de ter tido filhos em ambos os relacionamentos conjugais, tratando-se da passagem de toda essa vivência para envolver-se afetivamente em relacionamento homossexual. Pode-se cogitar analisando as falas acima, se de fato toda sua experiência vivida em ambos os relacionamentos heterossexuais tenha sido apenas uma tentativa de buscar a felicidade, ou se de alguma maneira não houve qualquer tipo de desejo em estar inserido em tal convívio, pois nota-se que Netuno consecutivamente obteve relação com mulheres afetivamente e sexualmente, diferente de Júpiter que em seu relato a respeito de suas vivências heterossexuais, retrata que nunca sentiu desejo em estar com uma mulher. Júpiter procura justificar suas tentativas em relações heterossexuais como forma de fugir do preconceito de seus familiares, acreditando que se o vissem com uma mulher conseguiria camuflar seus verdadeiros desejos, sob tal fase de sua vida o entrevistado elucida: Arrumei várias namoradinhas também, meninas. Arrumei várias para namorar e disfarçar. (...) por que eu tive relacionamentos com meninas e nunca tive sexo, transa, nada. Mas chegava aos seis meses de namoro, por mais que eu corria, elas praticamente se ofereciam né, porque elas queriam algo mais, e algo mais que eu não podia oferecer. E se de fato ocorreu o desejo por qualquer um deles em estar em relacionamento heterossexual, podemos pensar que estes sentimentos não precisariam estar abolidos ou serem de certo modo rejeitados, pois fazem parte da própria historia individual de cada ser humano, que em certa fase de sua vida escolheu vivenciar seus desejos sentindo-se livre para elaborar plenamente seu futuro. Entretanto, o relato de Júpiter diferente de seu parceiro, denota uma fuga daquilo que se fosse divulgado certamente seria condenado por seu meio de convívio, procurando se estabelecer em relacionamentos que serviam de 82 fachada para ocultar o que ele de fato era, não precisando assim se mostrar como integrante de seus próprios anseios. Conforme apregoa Saraiva (2007), o homossexual passa a se envolver em relações heterossexuais com o intuito de querer buscar ou deixar transparecer a normalidade exigida pelas questões sociais a sua volta. Tratando-se também de uma maneira que o possibilite reprimir fantasias e desejos vividos e que antes de serem assumidos eram tidos como intrigantes. Deste modo, observa-se no que foi exposto por Netuno que estar inserido em relacionamentos heterossexuais anteriores a união homoafetiva com o parceiro, trouxe-lhe experiências e consequências positivas para sua trajetória de vida, como podemos constatar em sua fala seguinte: Mas foi muito bom porque tive dois filhos no primeiro casamento, uma filha no segundo, e com ele quatro. Tenho mais filhos que as mulheres né (risos). A união do casal torna-se mais concreta quando de fato são inseridos os filhos neste contexto, originando a parentalidade inicialmente por via da heterossexualidade e consequentemente parece haver a necessidade de que a parentalidade se estabeleça também pela homossexualidade advinda por meio da adoção das crianças. 4.7 Formação do casal A união entre o casal sucedeu-se rapidamente, sobretudo não se identifica conflitos ou problemas que puderam ser acentuados na formação deste par conjugal, embora observado algumas peculiaridades, Netuno e Júpiter assim descrevem o início do relacionamento e os primeiros anos de vida em comum como casal: O Netuno estava precisando de gente para trabalhar, quando fui trabalhar era para eu ser empregado dele e acabei virando sócio dele. Júpiter. 83 Os entrevistados colocam que tiveram os primeiros contatos em função do trabalho de um deles com o salão de beleza, Netuno necessitava de um funcionário para auxiliá-lo e repentinamente a presença de Júpiter trouxe um interesse inovador para ambos. Netuno estava casado com sua segunda esposa no momento em que conhece Júpiter, e o anúncio de que estava envolvido com uma pessoa do mesmo sexo se dá em meio a uma discussão sobre sua relação heterossexual, dizendo a atual mulher que sua escolha seria pela homossexualidade. Eu estava com essa outra mulher mãe da minha filha ai ela falou: “não isso não pode ficar assim, a gente vai fazer até uma DR”. Foi na DR, ai eu falei: “não! vou ficar com ele”. Foi assim, em um mês, dois meses fomos morar juntos. Netuno. A respeito dos primeiros anos de vida como casal Júpiter relata que houve momentos tensos no início, assim como exposto nas falas abaixo: Foi com bastante turbulência, porque nos primeiros anos o Netuno já tinha saído do casamento dele, a ex-mulher dele sempre deixou a filha morar conosco. Para o Netuno foi muito bom, pra mim também não foi ruim, porque eu sempre gostei muito de criança. Júpiter. É possível refletir observando a fala do entrevistado, que embora tenhase criado vínculos com os filhos biológicos do parceiro, a presença dos mesmos seria como se Netuno ainda estivesse envolvido em relacionamentos passados, talvez por ter ocorrido em certa ocasião uma traição do parceiro com a ex-esposa, e o fato da filha convivendo com o casal traria também a presença e lembranças da mãe para a atual relação. 84 Pode-se ressalvar também que Júpiter pudesse ter se sentido incomodado, pois iniciava-se uma relação com tão pouco tempo de convívio conforme trazido pelos entrevistados, que talvez foi criado uma fantasia sobre estar casado, sobre a elaboração de ter seus próprios filhos, e ter a presença constante da filha biológica do companheiro tenha desconstruído todo seu imaginário que vinha instalando em seus ideais de família. É interessante notar nos relatos do casal, que mesmo após a união conjugal homossexual, tiveram influências de relacionamentos heterossexuais em suas vidas, no qual Netuno em um deslize como sugere Júpiter teve uma filha biológica com a ex-esposa. A outra ex-mulher sempre deu muito trabalho. Eu procurei sempre mudar muito, mudar bastante mesmo (de cidade) para estar sempre fugindo dela. Ela tinha como entrar, se infiltrar e querer comandar. Ela não desistia. Netuno. Ela não desistia, onde a gente estava ela sempre arrumava um jeito ou outro, descobria telefone (...) deu muito trabalho, tanto é que eu estou com o Netuno há 21 anos, a menina dele hoje tem 18, foi de um deslize e eu sempre perdoei ele porque não foi persistência dele, sempre foi persistência dela. Júpiter. Ela queria morar com nós, junto com nós dois, propôs até isso. Netuno. Então teve muitas coisas assim, coisas ruins né. Mas graças a Deus que hoje superou tudo, ela segue a vida dela, segue bem e nós seguimos a nossa. Júpiter. 85 Podemos aqui relembrar alguns posicionamentos dos entrevistados referentes à naturalização de sua homossexualidade, explicando não ter havido desejos quando estiveram envolvidos com pessoas de outro sexo, sendo apenas uma investida pela procura da felicidade. É interessante observar a atitude de Netuno frente a tal conduta, pois como ele mesmo havia concordado logo no início das entrevistas com seu parceiro que se nasce homossexual, embora segundo ele algumas pessoas venham descobrir mais tarde ou não tenham coragem de se assumir tendo desejos por outro homem, podemos dizer que Netuno teve tal coragem, pois terminou um casamento heterossexual para vivenciar seus desejos e afetos, sendo assim é possível que se crie a improbabilidade diante de tais afirmações. Embora, algumas pesquisas trazidas por Nunan (2007) coloquem a questão da monogamia de casais homossexuais masculinos, como tendo influência na socialização de papel de gênero, ou seja: (...) A socialização de gênero na nossa cultura ensina os homens a serem mais interessados em sexo e em variedade sexual do que as mulheres. Por outro lado, para muitas mulheres, independente de sua orientação sexual, sexo e amor estão intimamente ligados (...). Os gays seriam capazes de separar amor e sexo e, portanto, de desfrutar de sexo casual sem envolvimento emocional (ALMEIDA NETO, 1999 apud NUNAN 2003). Estas características do comportamento do homossexual masculino se devem, assim, não à sua orientação sexual, mas às diferenças existentes entre homens e mulheres (Nunan, 2007, p. 59). Neste sentido, Nunan (2007) propõe com levantamentos oriundos de tais pesquisas, que apesar dos casais formados por pessoas do mesmo sexo buscar acima de tudo uma relação estável, entende-se que o sexo quando acontece fora da relação conjugal acaba sendo visto como um complemento para o relacionamento e não necessariamente um substituto. A respeito da relação dos filhos biológicos de Netuno com seu companheiro se consolidou de maneira satisfatória tanto para as crianças como pra Júpiter que demonstra ter sentimentos positivos em relação a estes. 86 Os filhos do Netuno, os biológicos, o menino chegou a morar com a gente, a menina...seguem a vida deles também, fazemos o que podemos por eles. E eu sempre vi os filhos biológicos do Netuno como se fizessem parte também da minha família, porque querendo ou não a menina do Netuno tinha quatro anos, o filho tinha dois anos, então sempre fez parte também da minha vida. Júpiter. Hoje tem 25 e 23. Temos um relacionamento muito bom, meus filhos biológicos gostam muito dele (Júpiter). Netuno. Observa-se que apesar da originalidade os vínculos se organizam e se mantêm nesta família. 4.8 Homoparentalidade: adoção como um caminho. O anseio em adotar uma criança se consolidou por meio do desejo de um dos entrevistados em ser chamado de pai por uma criança, pois embora seu parceiro já tivesse filhos biológicos que haviam mantido convivência com o casal, Júpiter almejava seus próprios filhos. Seguem as falas de Netuno que revelam tais expectativas: E nós morávamos numa chácara, fizemos uma casa grande e tinha um monte de quarto e o Júpiter tinha um sonho de ser pai, de ser chamado de pai, eu já tinha os filhos mais ele não tinha quem o chamasse de pai... E ele falava tanto que queria um filho para ele, e ai a gente foi em abrigos procurando uma criança, porque a gente tinha uma casa vazia. (...) a casa foi ficando vazia e ele (Júpiter) falava: ‘a gente precisa arrumar uma criança pelo amor de deus’ ai fomos vendo. 87 Aqui se observa a necessidade de um dos membros do casal em realizar-se como pai. Observa-se que a realização do desejo parental parece fortalecer o pacto conjugal. Júpiter manifesta o desejo de ter filhos e, mesmo demonstrando grande afeto pelos filhos do parceiro, necessita dos próprios filhos para satisfazer seu ideal de parentalidade. Netuno, apesar de já ter vivenciado a experiência da paternidade em relacionamentos heterossexuais compreende a necessidade do companheiro e engaja-se facilmente em tal desejo. Ao visitar o abrigo pela primeira vez o casal teve contato com dois irmãos do sexo masculino e pensaram em adotá-los, porém, os mesmos ainda não haviam sido destituídos dos pais biológicos, não sendo possível adotá-los naquele momento. Conheceram posteriormente duas irmãs, sendo estas irmãs dos quatro filhos que vieram a adotar no abrigo. A princípio possuíam outra ideia e outro perfil em relação aos futuros filhos adotivos, pois gostariam de adotar no máximo até duas crianças. Em todo processo de constituição da parentalidade encontramos nos pais os anseios e expectativas em torno da criança “imaginada”. Essa característica pode ser observada tanto nos pais biológicos quanto nos pais adotivos. Tal condição os coloca na tarefa de acomodar expectativas em relação à criança “imaginada” e à criança “real”. Os pais adotivos podem se defrontar com uma tarefa mais árdua no sentido de absorver as diferenças em relação àquilo que esperavam de seu filho, em função das características peculiares à situação de adoção. Fatores como a falta de vínculo genético, a impossibilidade de ter acompanhado a criança desde o seu nascimento, as fantasias em relação às características de seus pais biológicos, as diferenças étnicas, entre outros, podem dificultar tal acomodação (LEVY, 2011; BENGHOZI, 2010). Assim sendo, existe a necessidade de reelaboração da criança imaginada por parte dos pais quando se defrontam com a realidade que lhe aparece e diante disso, quanto maior for a flexibilidade destes, maior o grau de aceitação da criança real (WEBER, 2001). 88 Ai a gente estava nesse abrigo e estávamos conversando e tinha uma menina de nove anos, uma de oito, um de cinco e outra de três, tudo irmãos, quatro crianças. E na verdade nós procurávamos outro tipo, uma outra criança, foram as crianças que gostaram da gente na conversa. Netuno. A princípio assustados com a ideia de adotarem quatro crianças, tentaram esclarecer a elas as dificuldades da adoção de todos os irmãos e convencê-las de uma possível separação. Segundo Netuno, seu parceiro Júpiter disse as crianças: Mas eu também tenho quinze irmãos e nenhum está junto porque a gente vai se separando, nós vamos se casando...” E conversando com a menina, falando para a cabeça dela abrir, sabe assim né, mas nunca pensou em adotá-los, eles não, porque é quatro né. E nós achávamos que não tinha que separar, e fomos embora. Netuno. Segundo Netuno, a menina mais velha mandou uma carta ao juiz dizendo que gostaria de morar com o casal, pois tinha gostado deles e aceitava se separar dos irmãos, pois, haviam pessoas interessadas em adotar os dois mais novos. Logo em seguida o juiz mandou a eles uma intimação indagando se havia o interesse em adotar os quatro irmãos. Segundo o Artigo 28 do ECA, parágrafo 4: § 4o Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. 89 Mais recentemente, com a promulgação da Lei Nacional de Adoção 12010/2009, foi ratificado o princípio do não desmembramento do grupo de irmãos biológicos no momento de uma adoção. Sendo assim, na época do acolhimento, o juiz levando em conta o artigo 28 do ECA deu preferência para que o casal adotasse todos os irmãos. Em audiência Netuno, com o consentimento do companheiro, optou por levar uma de suas ex-esposas, para que ela ficasse com uma das crianças, assim eles teriam melhores condições para ficar com as outras três, mas o juiz não concordou. Diante de tal condição, Júpiter resolveu ficar com as quatro crianças. Quem ia ficar com os três fica com os quatro, porque meu pai teve quinze filhos, trabalhou na roça e criou os quinze, se eu não criar os quatro eu estou pronto para morrer”. Júpiter. A princípio o casal assustou-se diante da possibilidade de adotarem quatro crianças diante das dificuldades financeiras e responsabilidades, tentando, primeiramente explicar as mais velhas o fato de existir a possibilidade separação, pois, tinham objetivado adotar somente duas crianças. Porém, mostraram-se sensíveis a necessidade da manutenção do vínculo afetivo entre os irmãos, e procurando alternativas para manterem todos unidos, levaram a ex-esposa de um deles para adotar uma criança. Observamos que na experiência de acolhimento das crianças Júpiter reatualiza suas próprias experiências vividas no grupo familiar de origem. Ao afirmar que na família de origem o pai criou quinze filhos, este parece tomar como referência a experiência de seu genitor, tomando para si a responsabilidade de dar a palavra final sobre o acolhimento e a responsabilidade de assumir um grupo grande de filhos. Tais aspectos psíquicos podem ser observados no momento do nascimento ou da adoção dos filhos, tendo em vista que, segundo Levy (2011) os conteúdos fantasmáticos dos pais em suas famílias de origem reaparecem em uma nova experiência e propiciam material psíquico para que os legados sejam transmitidos entre as gerações. 90 De modo geral, foi possível observar que o casal não teve maiores dificuldades para assumir as crianças com fins de adoção, tendo em vista que o juiz acabou facilitando a liberação das crianças ao referido grupo familiar. Segundo Júpiter o magistrado entrou em contato com o casal após receber a carta da menina mais velha: Ligou e disse que se nós quiséssemos adotar os quatro irmãos, que ele nunca fez isso, mais iria fazer pela primeira vez, no mesmo dia marcaria uma audiência para nós, arrumava advogado e tudo. Júpiter. Ao entrarem em contato com o histórico familiar das crianças, verbalizaram uma sensação horrível, a principio. A sensação de imediato assim é horrível, porque a primeira coisa que eles te dão na adoção tardia você já vai pegar o histórico, tudo o que as crianças passaram, conversaram com psicólogo, assistente social o pessoal do fórum. Desde muito pequeninhos tiveram muitas tragédias na vida, um histórico muito pesado. Júpiter. O casal comparou o dia que passaram no fórum lendo o histórico das crianças a uma gestação bem complicada, pois eram quatro crianças com histórias semelhantes com informações sobre maus tratos e isso, os chocaram de imediato e posteriormente geraram sentimentos de compaixão, proteção e cuidados que podem ser identificados na fala de Júpiter: Então foi um dia assim, que eu sai de casa e a hora que eu cheguei naquele fórum eu já cheguei apaixonado, mas quando eu fui ler o histórico eu já estava amando assim de sofrer mesmo pelos quatro, porque foram coisas muito horríveis, muito pesadas que só libera para quem vai 91 adotar e só após da adoção mesmo né, da guarda provisória a hora que você retira a criança do abrigo, então não tem como você não amar, não tem como você não se apaixonar, não tem como você não querer cuidar e proteger. Júpiter Segundo eles, o juiz os incentivou a não se sensibilizarem demais pelo histórico das crianças e pensar nelas como se estivessem nascendo novamente a partir daquele dia, para os levarem ao salão e mostrar o que era o trabalho a eles, pois a mãe biológica colocava os mais velhos para roubarem. O medo das origens, por ser tratar de algo muitas vezes desconhecido, pode gerar angústias aos adotantes, fazendo com que estes passem a fantasiar na possibilidade da criança ser ameaçadora à família (VARGAS, 1998). É necessário avaliar a motivação do casal e os aspectos inconscientes que mobilizam o desejo de adoção. Muitas vezes, esses motivos não são o que aparentam e a motivação pode ser desconhecida até mesmo pelos próprios candidatos. A inflexibilidade quanto ao perfil da criança desejada pode acobertar resistências relacionadas à ideia da adoção. Sendo assim, uma maior flexibilidade no perfil e capacidade de encarar a realidade colabora para que os pais não precisem se agarrar desesperadamente a fantasias, ou nutram algum medo imaginário de que repentinamente os vínculos com o filho adotivo podem ser rompidos sem uma causa aparente. Muitas vezes, o medo e a insegurança apresentados pelos pais adotivos diante das dificuldades escondem preconceitos que podem estar atrapalhando a construção do vínculo entre adotante e adotado. É necessário que haja uma desconstrução dos estereótipos e preconceitos presentes na sociedade relativos à criança adotiva para que esta possa ser incluída na família e na sociedade de forma integral (WEBER, 2001). Observamos ainda, que com o casal em tela a ideia de compaixão com o histórico das crianças favoreceu a formação do vínculo. O papel desempenhado pelo juiz do caso foi interessante, pois estimulou a adoção não por piedade, uma vez que deu enfoque ao presente e as 92 necessidades das crianças terem uma família. Salienta-se, porém, a importância de não se criar uma super-expectativa em torno da adoção, no caso em tela – promover um novo nascimento. Haveria aí um risco de se pensar que a experiência bem-sucedida do presente aniquilaria experiências difíceis do passado? Essa ideia pode gerar algumas dificuldades nas fases de adaptação de uma criança no lar adotivo e até mesmo propiciar devoluções de crianças que apresentam adaptações insatisfatórias, responsabilizando-se apenas ao filho adotivo por tal fracasso dada a grande idealização das crianças e a altas expectativas depositadas no adotado que sob essa perspectiva deveria integrar-se ao novo lar rejeitando as experiências anteriores. Ao se confrontarem com a situação real e com a impossibilidade de anular o passado destes poderá haver a desistência da adoção por não conseguirem lidar com as particularidades e eventuais dificuldades na formação de vínculos afetivos com uma criança. Há uma tendência de identificar a adoção como um fenômeno natural de acolhimento. No entanto, apesar de usarem termos em relação à “gestação” e ao “nascimento” das crianças adotadas na família, ela chegou por um caminho diferente do usual. Para que as famílias possam construir uma visão mais favorável em relação à adoção, é preciso que se assumam as especificidades do processo e que estas sejam trabalhadas junto aos adotantes. É preciso que os requerentes estejam conscientes de que a criança adotada possuirá dois casais parentais e trará uma história anterior a adoção que não pode ser negada (BENGHOZI, 2010). Sobre o dia da adoção, Netuno e Júpiter. explicam: O cartório lá, eu não sei, eles fazem teste de paciência também, nós entramos oito da manhã e saímos quase seis. Júpiter complementa: Aquilo me marcou tanto, porque assim: eu sabia que eu estava pegando um menino e três meninas, mas eu não sabia tamanho, idade, nada. 93 Pelo o que foi verbalizado o casal somente conheceu as outras duas crianças mais novas após terem formalizado o pedido de adoção. Essa pode ser uma situação de risco dado à imprevisibilidade do resultado do encontro entre os pretendentes e as crianças, essa situação imprevista, pode levar a um resultado insatisfatório e ocasionar na pior situação a devolução de uma criança, após seu acolhimento com fins de adoção. No caso dos participantes, eles manifestaram o interesse em adotar dois meninos, mas em razão do grupo de irmãos se viram incentivados a adotar os outros dois irmãos. Supõe que uma mudança de posição exige cautela, devendo-se conceder um tempo maior para que os requerentes possam amadurecer tal mudança e refletir sobre as consequências futuras em suas vidas. Portanto, compreende-se que lidar com tais variáveis se faz necessário, sob o risco de graves problemas futuros e mesmo de devolução de crianças em razão do despreparo para lidar com a situação apresentada. Tal imediatismo no encaminhamento de uma criança a um lar adotivo pode levar a um atropelamento de fases durante a fase de aproximação e estágio de convivência, tal como demonstrou Vargas (1998) em sua pesquisa sobre adoção tardia. Na fase de adaptação de uma adoção existem alguns obstáculos que devem ser superados pelos requerentes em um processo de adoção. A construção da identidade parental, por exemplo, exige do casal um processo de identificação com o filho real, o que torna necessário abrir mão do filho fantasmaticamente idealizado. Essa pode ser uma dos primeiros enfrentamentos a ser encarados pelos requerentes no momento do acolhimento. Segundo Diniz (2001), a família a ser formada é uma fantasia fortemente idealizada, principalmente pelas meninas, que evolui à medida que se cresce e amadurece. Dessa forma, este projeto, que se torna realista e realizável com o tempo, acaba sendo sempre idealizado, necessitando de uma negociação entre a realidade e a fantasia. Segundo Júpiter ao conversar com um dos meninos pela primeira vez ao telefone este perguntou quando iria buscá-lo no lar, ele respondeu da seguinte forma: 94 Filho, o pai ta indo daqui a pouquinho te buscar, o pai te promete, pode ficar com as coisas suas arrumadas ai que você nunca mais vai voltar ai. No momento em que descreve esta interação com a criança Júpiter ficou muito emocionado, contando ter sido está a primeira vez que foi chamado de pai ou autodenominou-se como pai: Mas foi muito gostoso porque assim, foi a primeira vez que alguém me chamou de pai, você entendeu? Espontâneo, sem eu estar perto, sem eu mandar, sem eu pedir. Este fragmento da entrevista revela a convicção do entrevistado em exercer a parentalidade. A questão da homoafetividade nesse sentido, não influenciou negativamente em sua concepção. A convicção é tanta que se observa um grau de paradoxalidade em sua narrativa, uma vez que, é ele quem se autodenomina pai da criança. Compreende-se que esse processo é de extrema importância no momento de vinculação entre pais e filhos, uma vez que são os dados que dão segurança para que as crianças possam se inserir no núcleo familiar e condições para identificarem como podem se nomear nesse novo sistema que se forma. Esse dado se diferencia de outro dado encontrado por Almeida (2012), pois em seu estudo observou que após um ano de convivência com os requerentes à adoção se sentiam um tanto inseguros em se autodenominar como pais dos filhos, tanto é que as próprias crianças perguntam quando os pais quando eles irão chama-los de filhos. No caso em tela, mesmo antes do acolhimento Júpiter já se anunciava como pai da criança quando estabeleceu um contato com ela por telefone. Sabe-se que a introjeção das imagos filio-parentais é um processo lento e com inúmeras nuanças, porém, no caso analisado, pode-se verificar a predisposição do entrevistado em assumir o papel paterno. 95 4.9 A adoção: etapas iniciais do processo de integração das crianças na família Em relação aos primeiros cuidados com as crianças, os entrevistados afirmam que encontraram algumas dificuldades, a saber: em relação à alimentação houve necessidade de ajustes, pois as crianças não comiam de tudo e tiveram que se adaptar gradativamente. Os problemas iniciais no que se refere à incorporação do padrão alimentar na família foram superados. A princípio tiveram ajuda de babás e empregadas: Eu tive uma babá e empregada, mas hoje mesmo não tem nenhuma empregada em casa. Cada vez que eu tinha empregada sempre saia uma, entrava outra, e é difícil porque as empregadas hoje elas tem os defeitos né, da forma que foram criadas também e isso passa para os filhos também, então eu achava muito difícil. Que nem, a última que eu tive eu não entendia porque eu pegava no pé das crianças por causa da mentira, que eu falo que eu não aceito mentira e sempre eles mentiam, ou omitiam algumas coisas e era a própria baba que era desse jeito também. Então agora graças a Deus não tem empregada, a gente consegue se virar. Júpiter Nessa fala podemos observar que o casal prefere cuidar pessoalmente da educação dos filhos sem a influência de terceiros, fato que nos dias de hoje é esperado dada à rotina de trabalho dos pais. Pode-se inferir que nesta reação do casal também podem aparecer aspectos inconscientes acerca do medo de que revelem certas dificuldades para cuidar dos filhos, quando permitem a ajuda de terceiros nesses cuidados. Tal realidade poderia insinuar ou ratificar que dois homens, que formam um casal, são deficitários para o desempenho das tarefas concernentes aos cuidados básicos e educação, pois tradicionalmente tais funções estão ligadas ao universo feminino e a 96 maternagem. Em nossa concepção é como se os entrevistados tivessem a necessidade de mostrar que são capazes de oferecer todas as condições necessárias aos cuidados e educação dos filhos sem o auxilio de outra pessoa. Tal constatação pode revelar que inconscientemente os entrevistados nutrem uma auto-cobrança exagerada no sentido de mostrar que estão aptos e capazes para cuidar sozinhos dos filhos. Segundo Levy (2011) tal condição remete a necessidade de se distinguir entre as práticas de parentalidade e as vivências de parentalidade. Ou seja, a vivência está associada ao material psíquico herdado pelos pais em suas famílias de origem e à necessidade de continuidade dos legados dos dois núcleos familiares por meios das gerações sucessoras. A prática de parentalidade, por sua vez, está ligada a experiências dos cuidados básicos dos pais com os filhos. Nesse aspecto, cada sociedade estabelece parâmetros para que tais cuidados sejam ministrados em um dado grupo familiar, tendo ainda, a forte influência dos papéis de gênero masculino e feminino nos cuidados dos filhos. A família de ambos acharam uma “loucura” o fato de terem adotado quatro crianças, principalmente por já levarem uma vida estável e tranquila, mas não tiveram maiores problemas em relação a isso, como Netuno conta: Mas depois todos eles amam as crianças, até a pequenina, que todos eles mudaram os nomes né, que podia nascer de novo, só que nós deixamos um nome e mandamos escolher outro, a pequenina, pois o nome da mãe dele. As crianças não demonstraram dificuldades para lidar com o fato de terem dois pais. Segundo os entrevistados, as crianças foram avisadas que eles viviam como um casal. Ainda quando elas estavam no abrigo, foi-lhes explicado tal condição. Assim quando elas os viram pela primeira vez afirmaram que já sabiam que eles eram namorados. Essa reação de naturalidade deixou o casal surpreso e indicou a aparente naturalidade com que lidavam com o assunto: 97 Você acredita? Porque na verdade o preconceito não ta nas crianças, o preconceito é dos adultos, os adultos é que faz esse preconceito. Netuno As crianças os tratavam por pais desde o início da convivência, porém como os dois respondiam ao mesmo tempo sem que conseguissem identificar que era chamado. Devido a essa peculiaridade, surgiu a dificuldade para identificá-los o que os levaram a optar pelo uso do prenome de cada um, seguido da palavra pai, ou seja, - pai Netuno e pai Júpiter. Segundo o relato dos entrevistados as próprias crianças que escolheram a forma de chamá-los. Disseram que o relacionamento deles para com as crianças sempre foi de forma aberta, porém, afirmaram não demonstrar afeto (troca de carícias) entre eles diante das crianças, sendo que também não achavam certo que casais se beijassem na rua. Quando presenciam uma situação dessas perto das crianças mostra para elas que tal comportamento é errado. Pode-se observar que os efeitos da homofobia atravessam as relações afetivas do casal bem como os valores que nutrem acerca das expressões afetivas. A expulsão dos afetos em um relacionamento e, ao que tudo indica de uma relação homoafetiva (ZAMBRANO, 2010; ALMEIDA, 2012) pode de modo inconsciente tornar mais digna no campo das relações sociais, dando-lhe um caráter de maior legitimidade face aos mitos e estereótipos de que uma relação homoafetiva apresenta promiscuidade e instabilidades. Frente a tal concepção discriminatória, os entrevistados parecem se defender de tais implicações, temendo ser acusados de que a originalidade deste modelo de conjugalidade possa afetar negativamente os filhos. Assim, é melhor que os afetos não sejam expressos, sendo que a conjugalidade encontra espaço apenas na privacidade absoluta. É necessário, ao fazer essa observação, pensar que o casal também é atingido direta ou indiretamente pelas manifestações do preconceito e da homofobia que estão presentes na sociedade, e isso reflete diretamente no modo como construíram a identidade de casal e a forma que procuram passar tais valores aos filhos. 98 A convivência entre os entrevistados e os filhos perdura há sete anos, ao serem indagados sobre o grau de satisfação na dinâmica filio-parental ressaltam: Muito amor, muito amor. Ele ainda não pode falar nada porque ele não teve filho biológico, mas ele fala que ele ama meus filhos né, porque já foi desde os dois anos né? Mas eu que tenho, se eu te falar a verdade o amor as vezes é muito maior, é um amor louco, louco, louco. Netuno A fala de Netuno revela um amor incondicional. O aspecto da incondicionalidade parece estar atrelado às próprias peculiaridades da adoção, a saber: dar uma nova história de vida aos filhos, sem buscar compensações imediatas e o princípio da reparação. O fato de que a adoção sela o pacto conjugal e permite aos participantes o sentido de fazer uma família. Encontramos por vezes uma identificação de um dos pais adotivos ou de ambos com o filho que passou por uma situação de abandono. Quando crianças, eles próprios se sentiram abandonados, em função dos desencontros com suas famílias de origem. Ao acolherem os próprios filhos, dando-lhes um lar, sentem-se como se estivessem recuperando a criança carente que eles próprios vivenciaram no passado (LEVY, 2011). 4.10 Rede de socialização Segundo o casal as crianças o apresentam e os tratam da mesma forma como fazem em casa, o chamam de Pai Netuno e Pai Júpiter, sendo muito apegadas, pois ficam sempre por perto fazendo carinho. Sobre a forma como conduzem a educação dos filhos, Júpiter coloca: A educação assim que eu passo para a criança e os valores eu tenho que mostrar para eles sempre que a nossa vida não é fácil, toda nossa vida é de luta, de bastante trabalho, respeito ao próximo é tudo, então eu passo muito isso. Porque se eu deixar meus filhos a 99 vontade, eles não vão respeitar também o próximo, mesmo com dois pais. Tem muitos pais hoje que acreditam demais nos filhos e esse é um grande erro porque as crianças estão podendo demais porque não tem comando dentro de casa. Comando que eu falo é um comando mesmo, quem é pai e mãe tem que ser sempre próximo do filho, mas ao mesmo tempo sempre distante. Próximo para estar observando tudo o que está ali perto de você, mas distante para você observar o que se passa na cabeça dele quando ele esta distante, na hora que ele está na escola o que ele está aprendendo e não é você estar seguindo, não é nada disso, você tem que ver o que ele está falando, como ele esta agindo. Nessa fala nota-se uma possível supervigilância dos pais na educação e no comportamento que os filhos apresentam. Uma educação muito rígida, em que necessário sempre estar muito próximo aos pensamentos e comportamentos da criança. Possivelmente isso pode revelar o quanto o casal deseja mostrar-se como pais efetivos e totalmente cumpridores de suas responsabilidades parentais, talvez pelo fato de temer críticas sociais, pois não apresentam um modelo tradicional de família. A auto cobrança se eleva em razão de tal percepção. O que se percebe na fala dos entrevistados é que há na sociedade uma dificuldade para educar os filhos, uma vez que os pais têm dificuldade para colocar limites e apresentarem uma autoridade firme que possa ajudar as crianças a superar também as dificuldades que enfrentaram em suas histórias de vida incorporadas no período em que viveram com suas famílias de origem. Esse um importante desafio da denominada adoção tardia, pois conforme salienta Vargas (1998), há de se permitir que as crianças elaborem um novo projeto de vida na família adotiva, sem que tenham que necessariamente negar a outra história. Fica para nós a importância de que os pais possam oferecer um continente afetivo no sentido de que as crianças adotivas, possam elaborar suas histórias de vida, para deste modo recompor seus planos e poder de projetar e desenvolver uma crença na nova família. . 100 Na hora de estabelecer as regras o casal se posiciona da seguinte forma: Os dois..., mas o Júpiter é bem mais forte assim né, o Júpiter é mais rígido... Eu acho que eu virei vô sabe, falo sempre isso, porque eu já tive os meus e eles já estão grandões, eu falo que eu virei vô, não é porque eu passo mão não, eu também não tiro a autoridade do Júpiter de jeito nenhum, mas tem coisa que o Júpiter puxa e eu fico meio assim, sem eles verem né, falo: “Menos, menos” para ele né, mas ele cobra mesmo e ele está certinho. Netuno. Podemos observar nesse momento a tentativa da reprodução dos modelos tradicionais de família pelo casal, a questão do gênero e divisões dos papéis parentais no interior da dinâmica familiar no que concerne aos cuidados dos filhos e exercício de autoridade, ou seja, a um reservado a continência afetiva e ao outro, o papel educativo e do exercício de uma autoridade mais forte. O complexo de Édipo também está presente nas relações homoafetivas, apesar deste se expressar com contornos específicos. Nesse sentido um encarna um papel mais maternal, acolhedor para com as crianças, enquanto o outro pai se mostra como castrador, interventor e detentor da ordem do grupo, enfim aquele que representa a interdição do gozo e a aceitação do limite, tal como encontrado por Zambrano (2008) e Almeida (2012) em suas pesquisas. Para os entrevistados a entrada dos filhos na escola foi tranquila, pois a diretora se propôs a explicar a situação para todos da escola e ameaçou (destaque nosso) os alunos que por ventura realizassem algum tipo de brincadeira ou demonstrasse preconceito. O casal também informa que não atende as convocações da escola nem participa conjuntamente de algumas atividades, como, por exemplo, ir à reunião, pois dizem que não se sentem a vontade, assim preferem dividir tais responsabilidades: Nós vamos nas reuniões, só não vamos os dois né, nós também temos que saber como entrar em todos os ambientes, você entendeu? Então só o Júpiter que vai ou 101 então eu vou com as duas meninas e ele com os outros dois. Netuno Ao que tudo indica a recente visibilidade jurídica para as famílias homoafetivas ainda não repercutiu de modo mais efetivo nas relações sociais. Com o passar do tempo acredita-se que tais iniciativas se tornem mais comuns e despertem menos estranhamento nas pessoas e comunidade em geral. Nesse sentido acreditamos que o papel das redes de socialização como escola, igrejas, associações de moradores, de esportes e de lazer são de fundamental importância para apoiar tais famílias e construir junto com as mesmas estratégias para que a visibilidade do grupo seja possível e de modo a evitar maiores conflitos. Sobre o preconceito, Júpiter coloca sua opinião: Eu acho que a escola hoje está muito mudada, mudou muito porque depois que surgiu o bulling, a homofobia, o que vem agora é de cima, não é de baixo, o de baixo ajuda a resolver esses tabus mas desde que a justiça começa a olhar todos os lados então a gente pode dizer assim que o nosso lado está muito bem resolvido hoje porque o preconceito meio que acabou, o povo tem medo... (grifo nosso) Nessa fala temos duas possíveis contradições dos entrevistados, primeiro lugar, seria a postura da direção da escola que parece lidar com a questão do preconceito de forma autoritária, impondo aos demais alunos à aceitação dos modelos diferentes de família sem apresentar uma proposta mais ampla de debate a cerca das questões da diversidade e das novas formações familiares em seu contexto. Em segundo lugar, há uma postura defensiva de um dos participantes ao compreender que o preconceito deixou de existir, ou está enfraquecido devido ao fato de existirem leis que proíbem a discriminação e por não se falar aberta, bem como por não ser falar mais abertamente das questões que envolvem o tema. Em nossa concepção tal 102 interpretação, não instrumentaliza os entrevistados a se expressarem mais abertamente como um casal, muito menos a participarem conjuntamente das atividades que envolvem a vida escolar dos filhos. O relacionamento desse modo tende a ficar no campo da invisibilidade frente ao entorno social Na sequência deste tema na entrevista Netuno coloca sua opinião, dizendo, diferentemente de seu companheiro, que ainda há sim o preconceito: Na verdade nunca acabou, mas melhorou, porque preconceito tem da loira, da gorda, do preto, do doente, de tudo, preconceito existe. Verbalizaram que os filhos não são vítimas de preconceito na escola, e somente uma vez houve uma situação com a filha mais nova que acharam engraçado, pois uma criança a chamou de louca por ela ter dois pais e não ter uma mãe. Tem uma coisa que achei engraçado, olha como a cabeça da criança é limpa e como os pais colocam muito preconceito nos filhos. A minha pequenininha, ela estava na escola, isso já foi aqui na cidade onde moramos mesmo, ela estava na escola e uma menininha chegou nela e falou assim: “É verdade que você tem dois pais?. Ai a ela falou assim: “É verdade, eu tenho dois pais” - “Você não tem mãe?” - “Não, eu não tenho mãe” A menininha saiu dando risada e falou que ela estava louca. Ela acha que ela deveria ter um pai e uma mãe, não acreditou, e ficou nisso. Júpiter É fato que lidar com humor diante de uma situação adersa é muito mais interessante, diferentemente do drama que se torna desgastante e muita vezes 103 não a possibilidade de enfrentamento mais criativos para a situação. Considera-se importante registrar aqui, que não observamos nos conteúdos da entrevista uma estratégia por parte dos entrevistados em aprofundar tal questão com os filhos. Se a criança ou o adolescente traz temas polêmicos para dentro de casa, se torna também importante utilizar dessa confiança da criança para colocar o assunto em discussão. Ser louco por se ter uma família diferente parece ser bastante impreciso e despropositado, tendo em vista que o que se espera de uma família é um funcionamento saudável, sendo que a estrutura em si não revela se ela dispõe de condições importantes para oferecer saúde mental importante para seus membros, tal com vimos ao longo de nosso trabalho por meio das concepções de diferentes autores. POSTER (1979); OSÓRIO (2002); LEVY (2011); PASSOS (2005); PATTERSON (1997); UZIEL (2008); ZAMBRANO (2008); ALMEIDA (2012). 4.11 Projeções para o futuro O casal, em seu relato, acredita que não teve dificuldades frente à adoção das crianças, uma vez que, segundo eles, foram escolhidos por elas, mas creem que para a maioria dos casais homoafetivos a adoção deve ser difícil. Levantaram como dificuldades, a falta de estrutura encontrada nos locais públicos, citou como exemplo a dificuldade que encontraria se a criança mais nova ainda fizesse o uso de fraldas, como eles fariam para trocá-la em um shopping ou qualquer outro estabelecimento público se não houvesse uma mulher presente para leva-la ao fraldario. Acreditam que as novas leis estão sim melhorando a situação dos casais homoafetivos, mas concordam também que ainda há muita coisa para melhorar. Quando indagados sobre o que pensam da orientação sexual dos filhos Netuno responde: A orientação sexual eu acho assim: a gente já nasce do jeito que tem que nascer esse negócio de que virou depois, nada..., já era desde pequeno. E se acaso algum deles, como eu tenho os três biológicos também, são 104 normais, mas se um dia eles achou e descobriu que era um homossexual tanto a menina quanto o menino eu acho que não tem nada a ver, e convivência com nós, também por nós sermos homossexuais, se fosse assim os três meus seriam também tudo homossexuais, não tem nada a ver também, é como uma pessoa viver com você, por exemplo, você é uma Psicóloga não é? Não é porque você é que seu filho vai ter que ser, não é assim? E assim também é com o homossexualismo, não é porque eu sou que eles vão ser. Diante desse relato é possível observar que Netuno ao se referir aos filhos na condição de aparente heterossexualidade os consideram como normais, entendendo a partir disso que na condição de homossexuais poderiam ser vistos como diferentes dos demais. Essa é uma contradição que os coloca diante da introjeção de prováveis preconceitos em relação à orientação sexual. Mais uma vez é possível identificar uma visão naturalizada acerca da orientação sexual, conforme já destacado em nossas análises iniciais. Sobre o futuro da família a médio e longo prazo Júpiter diz: (desejamos)... Uma família grande, final de ano a casa sempre foi cheia e bastante netos, mas não sei se vou ser igual a todos os avós, eu não quero ser um avô coruja, eu não quero me apegar demais eu tenho medo de sofrer, porque a gente sofre muito né? Quanto mais você ama mais sofre, mas o Netuno fala que não tem como não amar, se apegar se apaixonar. A riqueza dos afetos remete às dificuldades humanas em saber qual é a medida certa para a manifestação dos sentimentos. Esta parece ser a ideia de Júpiter. Novamente parece vir à dimensão do afeto e autoridade. Como amar de modo eficaz, acolhedor e protetor, sem que se perca a função de autoridade se sem que se lide com frustrações e perdas. Parece que se tem qualquer 105 resposta segura em relação a esse desafio, quer seja uma adoção efetivada por uma família hetero ou homossexual. Conforme afirma Bowbly, em sua clássica obra Cuidados Maternos e Saúde Mental (1988), os pais adotivos estarão preparados para as suas funções se estiverem preparados para correr riscos, assim como fazem os pais biológicos. Finalizando a entrevista foi perguntado ao casal o que falariam ou o que gostariam de transmitir aos outros casais homossexuais que desejam adotar. Júpiter assim se colocou: O que eu falo para os casais homoafetivos que têm vontade de adotar, eu acho que deve ir à luta, não desistir, fazer todos os meios legais por dentro certinho da lei, quando adotar nunca ter vergonha de buscar ajuda, um exemplo: eu tive as minhas dificuldades com meus filhos, então buscar ajuda com assistente social da onde fez a adoção, se foi uma adoção tardia, ajuda com psicólogo, porque quando eu adotei com as dificuldades da vida eu achei que as vezes eu nem ia dar conta (...).”. Então é assim, eu falo para todos os casais, ser pai, ser mãe, ser mãe e mãe ou ser pai e pai é uma tarefa que não é fácil, é difícil porque a gente tem que ter uma firmeza e as vezes a dor é mais em nós do que nos filhos porque é uma dor de amor também. Eu se não tivesse os quatro com certeza eu estaria correndo atrás hoje para adotar, também. E agora tenho os quatro, sou feliz, faço tudo por eles, o que eles precisarem de mim. 4.12 Parecer final do caso 106 De acordo com os fragmentos do estudo de caso verifica-se a necessidade de uma rede de apoio bem organizada para receber as demandas de adoção das famílias homoafetivas. Júpiter destaca que a instituição judiciária tem papel fundamental, uma vez que os casais homoafetivos devem agir com base na lei e evitar atitudes e comportamentos ilícitos. Tal postura revela que se pode confiar nas instituições legais, não sendo necessário criar estratégias para burlar a lei. No passado alguns expedientes nesse sentido foram criados, até mesmo em razão da falta de visibilidade e de amparo legal. Tais circunstâncias se modificam paulatinamente e revelam a necessidade de um encontro mais promissor entre prováveis candidatos à adoção e as crianças acolhidas em instituições e toda a rede de apoio que lida com os diferentes aspectos da adoção. Nesse sentido, o novo paradigma – encontrar famílias para crianças que necessitam de um lar, pode se tornar realidade, quando casais homoafetivos podem concretizar o ideal de filhos e de família, e as crianças possam encontrar novos lares. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 107 Os dados da pesquisa indicam que embora o grupo familiar analisado apresente originalidade em seu modo de estruturação, ou seja, é composto por dois homens que se unem mantendo laços conjugais, suas condições para assumir e cuidar de filhos não se diferenciam dos padrões de família heterossexual. A família estudada permitiu-nos comprovar o que as pesquisas sobre esse tema revelam – o funcionamento das famílias homoafetivas não revelam prejuízos para o desenvolvimento ou socialização de crianças criadas por pessoas do mesmo sexo. Apesar de tal constatação, o direito à adoção no campo jurídico não está totalmente consolidado. As eventuais dificuldades ainda são influenciadas por posições de preconceito e discriminação que se alojam na sociedade contemporânea. A falta de regulamentação jurídica para estas formas de adoção colocam os eventuais casais homoafetivos, candidatos à adoção, na dependência da interpretação da lei por parte dos operadores de Direito – juízes e promotores, pois eles podem negar tal consentimento, em razão da falta de explicitação de tal aspecto na doutrina jurídica. Assim, considera-se importante a intensificação do debate nos meios jurídicos, o que poderia ser proposto por órgãos específicos como Escola Superior da Magistratura e mesmo ações mais pontuais do Conselho Nacional de Justiça que poderia criar estratégias para o envolvimento dos juízes nesse debate. Além disso, se torna importante o estudo do tema – adoção, em suas diferentes vertentes, com destaque para o tema adoção por homossexuais no período de formação (Direito), tendo em vista que poderá oportunizar aos diferentes profissionais que atuarão na área jurídica o contato com o tema. A sociedade em suas diferentes áreas poderia se beneficiar com a intensificação desse debate, pois a discussão das novas configurações de família e de parentalidade ajuda a fortalecer o paradigma social da adoção, qual seja, - encontrar uma família para uma criança que necessita de um lar. Nessa perspectiva pode ser inserida a discussão das adoções por casais homoafetivos. Tais discussões poderia ocorrer em comunidades organizadas, tanto na área da saúde como área da assistência social, sendo implementadas em âmbito Federal, Estadual e Municipal. 108 Destaque especial pode ser dado à área da educação, pois conforme observado nesta pesquisa à escola tem um papel especial no enfrentamento do preconceito, sendo que ele não é erradicado apenas com medidas punitivas. É por meio do ambiente escolar que as crianças adotadas passam a integrar a comunidade a que pertence os pais adotivos. Desse modo, a família estará em contato direito com a direção, professores e outros grupos familiares. Portanto, entende-se que, dar visibilidade à adoção, e em especial à adoção por famílias homoafetivas se torna indispensável. Tais intervenções podem se iniciar com o debate sobre os diferentes modelos de família que fazem parte da sociedade contemporânea, além do debate sobre o princípio dos Direitos e da Dignidade Humana. Salienta-se que tais intervenções deveriam ocorrer de modo gradativo e envolver todos os atores que fazem parte do universo educacional: famílias, funcionários, professores, direção entre outros. Atenta-se também, para a importância de elaboração de novas pesquisas científicas, de cunho psicossocial que tenham como proposta a compreensão dos fatores motivacionais e as condições para que uma família homoafetiva demonstre sua funcionalidade. A falta de legitimidade para as vocações adotivas de candidatos homossexuais tende a fazer com que crianças percam a chance de adoção e permaneçam em instituições de acolhimento até a maioridade, sem que possam contar com um projeto de vida mais organizado que lhe favoreça cuidado, proteção, contenção, enfim, os princípios básicos que pais podem ofertar aos seus filhos. Tais observações ratificam a necessidade de implementação de políticas públicas dedicadas ao amparo das famílias homoafetivas que desejam adoção. Além do já ressaltado, esse apoio pode também ser viabilizado pelos grupos de apoio à adoção que desenvolvam trabalhos que possibilitem trocas de experiências entre homossexuais solteiros e casais homoafetivos que já contam com a experiência adotiva e àqueles que ainda pretendem adotar. Estes debates e experiências podem ocorrer no âmbito do Poder Judiciário, no momento dos cursos de preparação à adoção exigidos dos futuros candidatos, conforme prevê a lei Nacional de Adoção. No que concerne à Psicologia, entendemos a necessidade de fortalecimento dos princípios da resolução 1/99 que regulamentam a atuação do Psicólogo nas questões da Sexualidade. É indispensável basear a atuação 109 do profissional psicólogo em princípios éticos e técnicos para lidar com a diversidade, temas discutidos nesta pesquisa quando se trata das questões da orientação sexual e do exercício da parentalidade. Consideramos ainda que, se os serviços de adoção nas áreas da saúde, da educação e do Poder Judiciário, estiverem mais qualificados para receberem as demandas de adoção apresentadas pelos candidatos homossexuais poderá aumentar o número de famílias pretendentes à adoção, sendo que elas poderão contar com serviços mais eficientes para dirimir dúvidas e enfrentar desafios que promovam condições de saúde mental tanto para os pais como para os filhos que seguem a trajetória da adoção. CONCLUSÃO 110 Este trabalho apresentou como escopo o estudo de caso de uma família homoafetiva que embora apresente suas particularidades, não se encontram procedimentos em suas condutas frente à manutenção da família que se difere de qualquer outro arranjo familiar. Cabe lembrar que a sociedade está em constante mudança, e a família vem apresentando cada vez mais diferentes formas de organização, de modo que ficar alheio a esse processo seria negar o incontestável, de que a família independente da sexualidade de seus integrantes torna-se como sempre foi o alicerce para o desenvolvimento e construção da imagem de cada um fazendo parte de um grupo. De acordo com as análises compreendidas acerca da abordagem psicanalítica, a família em questão apresenta comportamentos em sua dinâmica que se aproximam dos esperados em uma família convencional, estabelecendo funções que se adéquam neste meio criando o consenso e as medidas para que se instalem regras e condutas baseadas nos valores tidos como fundamentais para a existência e o adequado desenvolvimento de uma família. Considera-se que esta pesquisa atendeu-se ao proposto, de buscar identificar e analisar os aspectos psicológicos presentes na constituição da família homoafetiva após experiência de adoção das crianças, tomando-se por referência o contexto das novas configurações familiares, confirmando o apresentado na parte teórica a respeito do processo de adaptação e desenvolvimento das crianças inseridas nesta família, onde contata-se que a família homoafetiva pode ser considerada uma instituição familiar efetiva, tal como os outros arranjos familiares existentes, de modo que dentre tais funções foi possível encontrar na família estudada toda a proteção e socialização esperada para a criação das crianças que passaram a viver com o casal. Desta forma sugere-se que os resultados obtidos permitam que novos pesquisadores tenham o interesse de tratá-lo em novas pesquisas referentes à homoparentalidade, conferindo-se a sociedade uma melhor compreensão do assunto abordado. Assim finalizando a explanação, o estudo sobre esta família homoafetiva demonstrou que não é a orientação sexual dos pais/mães que determina uma 111 boa parentalidade, mas sim suas capacidades de cuidar e ter relacionamentos de qualidade com seus filhos. REFERÊNCIAS 112 ABREU, N. Teoria do Apego – Fundamentos, pesquisas e implicações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2005. ALMEIDA, M. R. A adoção por homossexuais: um caminho para o exercício da parentalidade. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p. ______________. Os processos subjetivos no acolhimento e na adoção de crianças por casal homoafetivo: um estudo de caso. 2012. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo. BALEN, F. C.V. A Família. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 112-114. BENGHOZI, P. Malhagem, filiação e afiliação. Psicanálise dos vínculos: casal, família, grupo, insituição e campo social. São Paulo, Vetor, 2010. BOUGRAB, J; DESCHAVANNE, E.; THOMPSON, C. L´homoparentalité: réflexions sur le mariage et l´adoption. Paris: La documentation française, 2007. BOWLBY, J. Cuidados Maternos e Saúde Mental. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988 ____________. Formação e rompimento de vínculos afetivos. In: Formação e rompimento de laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes; 1997. BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasiliense, 2003. 236 p. _________. O parentesco é sempre tido como heterossexual. 2003. Cadernos Pagu (21) 2003, pp. 219-260. CARVALHO, D. M. Intervenção o Ministério Público no Direito de Família: entre o público e o privado. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 75-87 CASTRO, M. C. A. A adoção em famílias homoafetivas. In: Cartilha Adoção: 113 um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p. CECCARELLI, P. R. Configurações Edípicas da Contemporaneidade: Reflexões sobre as novas formas de filiação. In: Pulsional Revista de Psicanálise, São Paulo, ano XV, 161, 88-98, set. 2002. Disponível: <http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=213> Acesso em 02/07/2013 _____________. Novas configurações familiares: mitos e verdades. Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 89-102, Jun. 2007. Disponível em: http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=172. Acesso em: 09 mai. 2013. _____________. Psicanálise, Sexo e Gênero: Algumas Reflexões. In Diversidades: Dimensões de Gênero e sexualidade Rial, C.; Pedro, J.; Arende, S. (Org.) Florianópolis: Ed. Mulheres, 269-285, 2010. Disponível: <http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=1483> Acesso em 02/07/2013. CHAVES, V. P. Adoção e homossexualidade. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p. COSTA, C. A. R. CNJ legisla com resolução sobre casamento gay. Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2013. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2013-mai-30/cezar-augusto-resolucao-cnj-casamentogay-tentativa-legislar>. Acesso em: 06 Ago. 2013. DIAS, M. B. A invisibilidade das uniões homoafetivas. 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/a_invisibilidade_das_uni%F5es_ho moafetiva.pdf>. Acesso em: 08 Ago. 2013. __________. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. ___________. Paternidade homoparental. In: GROENINGA, G.; CUNHA, R. (org). Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 269-275. ___________. Um Estatuto para a Diversidade Sexual. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 176-192. 114 DINIZ, J.S. A Adoção como vivência Afetiva - IN Freire, Fernando Abandono e Adoção. p 67 - 76, Curitiba: Vicentina Gráfica e Editora, 2001 Estatuto da criança e adolescente. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Disponível em: http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/eca_l8069.pdf Acesso: setembro de 2013 FACHIN, L. E. Famílias – entre o Público e o Privado. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 158-169. FONAGY, P. Psychoanalytic Theory from the Viewpoint of Attachment and Theory and Research. In J. Cassidy, & P. Shaver, Handobook of Attachment: Theory, Research and Clinical Applications. New York: Guilford Press. 1999. GIL. A. C. Estudo de caso: fundamentação científica subsídios para coleta e análise de dados como redigir relatório. São Paulo: Atlas, 2009 GRISARD FILHO, W. Famílias reconstituídas: breve introdução ao seu estudo. In: GROENINGA, G.; CUNHA, R. (org). Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p.255-275. GROSS, M. Que sais-je? L’ homoparentalité. 2 ed. Paris: PUF, 2005. GROSSI, M. P. Gênero e parentesco: famílias gays e lésbicas no Brasil. In: Cadernos Pagu, n.21, p. 261-280, 2003. KEHL, M.R. Em defesa da família tentacular. In: GROENINGA, G.; CUNHA, R. (org). Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 255-275. LAIA. S. A adoção por pessoas homossexuais e em casamentos homoafetivos: uma perspectiva psicanalítica. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p. LEVY, L. A Psicanálise E A Homoparentalidade. Cadernos de Psicanálise - 115 SPCRJ, v. 27, n.30, 2011. LOURO, G. L. Nas redes do conceito de gênero. In LOPES M.J.M., MEYER D. e WALDOW V.R. (orgs) Gênero e Saúde. Artes Médicas, Porto Alegre, 1996. MANDELBAUM, B. Psicanálise da família. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. MINAYO, M. C. D. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. (Coleção temas sociais). ______________. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7 ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2004. MOGUILLANSKY, R.; NUSSBAUM, S. Psicanálise vincular – teoria e clínica. Vol1: Fundamentos teóricos e abordagem clinica do casal e da família. Tradução: Sandra M. Dolinsky e Marta D. Claudino. São Paulo: Zagodoni Editora, 2011. MONTEIRO, E; PIMENTEL, A. A paternidade e homossexualidade: relato de dois casos em Ulianópolis/PA. Fazendo Gênero 9. Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. 23 a 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278291584_ARQUIVO_ FENOMENOLOGIAEXISTENCIALDAPATERNIDADEHOMOSSEXUAL.pdf>. Acesso em: 07/07/2013 MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. In: Série Cadernos da Diversidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora – Universidade Federal de Ouro Preto, 2012. NAZARÉ, F. Aspectos jurídicos com relação à adoção por pais homossexuais. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p. NUNAN, A. Influência do preconceito internalizado na conjugalidade homossexual masculina. In: GROSSI, M. P.; UZIEL, A. P.; MELLO. L. (orgs.). Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p. 47-67. OSÓRIO, L. C. Casais e famílias: uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artmed, 2002. 116 PACHECO, A., COSTA, R., & FIGUEIREDO, B. Estilo de Vinculação. Qualidade da Relação com Figuras Significativas e da Aliança Terapêutica e Sintomatologia Psicopatológica: Estudo Exploratório com Mães Adolescentes, 3, Nº1, 35-59, 2203. PASSOS, M. C. Homoparentalidade: uma entre outras formas de ser família. Psicologia. Clínica. Rio de Janeiro, v.17, n.2, 2005. PELÚCIO, L. M. Travestis, a (re) construção do feminino: gênero, corpo e sexualidade em um espaço ambíguo. Rev. Anthropológicas, ano 8, v.15, p. 123154, 2004. PEREIRA, R. C. (Org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte, MG. ______________. Nem só de pão vive o estado.Brasília. v.12, n.3, p. 669-682, set/dez 2006. homem. Sociedade e PRADO, D. O que é família. São Paulo: Brasiliense, 1981. Coleção primeiros passos; 50. REIS. T. Avanços e Desafios para os Direitos Humanos da Comunidade LGBT no Brasil. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 370-384. RIBEIRO, J. & SOUZA, M. Vinculação e comportamentos de saúde: Estudo exploratório de uma escala de avaliação da vinculação em adolescentes. Análise Psicológicam 1 (xx), p. 67-75, 2002. RIOS, R. R. Uniões Homossexuais: adaptar-se ao direito de família ou transformá-lo? Por uma nova modalidade de comunidade familiar. In: GROSSI, M.; UZIEL, A. P.; MELLO, L. (orgs.). Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p. 109-129. ROUDINESCO, E. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003. 117 SANCHES. P.; SANTOS. M. Considerações gerais e orientações práticas acerca do emprego de estudos de caso na pesquisa cientifica em psicologia. Interações, São Paulo, v. 10, n. 20, dez. 2005. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141329072005000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 11 set. 2013 SANTOS, A.C. Heteroqueers contra a heteronormatividade: Notas para uma teoria queer inclusiva. Comunicação apresentada no congresso Heteronormativity: A Fruitful Concept?, Trondheim, Noruega, 2005. SARAIVA. E. Encontros amorosos, desejos ressignificados: sobre a experiência do assumir-se gay na vida de homens casados e pais de família. In: GROSSI, M. P.; UZIEL, A. P.; MELLO. L. (orgs.). Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p. 69-88. SILVA, J. R. P. A parentalidade de cara nova: quando os homossexuais se decidem por filhos. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2008. 52p. SILVA, P. L. O Estatuto das Famílias no Direito Comparado. . In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 259-282 SIMIONATO, M. A. W.; OLIVEIRA, R. G. Funções e transformações da família ao longo da história. Anais do I Encontro Paranaense de Psicopedagogia – ABPppr – nov. 2003. Disponível em: <www.abpp.com.br/abppprnorte/pdf/a07Simionato03.pdf>. Acesso em: ago 2013. SPARGO, T. Foucault e a teoria queer. Rio de Janeiro: Ed. UFJF, 2006. 67 p. SZYMANSKI, H. Teorias e “Teorias” de famílias. In: A família contemporânea em debate. CARVALHO, M. (org.). São Paulo: EDUC, 1995. p. 23-27. TORRES, A. F. Adoção nas relações homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009. UZIEL, A. P. Conjugalidade, parentalidade e homossexualidade: rimas possíveis. In: Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federeal de Psicologia, Brasília, CFP, 2008. p. 13-16. 118 ___________. Família e homossexualidade: novas questões, velhos problemas. 2002. 183 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. Disponível em: <http://www.nigs.ufsc.br/site/docrede/UZIEL.pdf>. Acesso em: 05 maio. 2013. ___________. Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. ____________. Homossexualidade e Formação Familiar no Brasil Contemporâneo. Revista Latino Americana em Estudo Familiar, São Paulo, v.1, s/n, jan./dez. 2009. Disponível em:< http://revlatinofamilia.ucaldas.edu.co/downloads/Rlef1_6.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2011. VARGAS, M. M. Adoção Tardia: Possível a criança sonhada. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. VENTURA, M.O Estudo de Caso como Modalidade de Pesquisa. Pedagogia médica. Rev SOCERJ. 2007; 20(5):383-386. Disponível em: http://www.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/o_estudo_de_caso_como_moda lidade_de_pesquisa.pdf Acesso: 22/08/2013 VIEIRA, T. R. Direito à Identidade de Gênero, Redesignações Identitárias e o Estatuto da Diversidade Sexual. In: PEREIRA, R. C. (org.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012. p. 359-369. YIN.R.K. Estudo de caso: Planejamento e métodos. 4ºEd. Porto Alegre: Bookman, 2010. WEBER, L. N. D. Pais e filhos por adoção no Brasil, Curitiba: Juruá, 2005, 274 p. _____________. Aspectos psicológicos da adoção. Curitiba: Juruá, 1999. ZAMBRANO, E. “Nós também somos família”: Estudo sobre a parentalidade homossexual, travesti e transexual. 2008. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 119 _________. et al. O direito à homoparentalidade – Cartilha sobre as famílias constituídas por pais homossexuais. Porto Alegre: Instituto de Acesso à Justiça, 2006. Disponível em: <http://www.4shared.com/office/V8CRgXUn/O_Direito__Homoparentalidade_.html> Acesso em: 20/11/2012. ____________. Parentalidades impensáveis: pais/mães homossexuais, travestis e transexuais. Horizonte Antropológico. v.12 n.26 Porto Alegre jul./dez. 2006 120 APÊNDICES APÊNDICE A COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP / UniSALESIANO (Resolução nº 01 de 13/06/98 – CNS) 121 TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE OU RESPONSÁVEL LEGAL 1. Nome do Paciente: Documento de Identidade nº Sexo: Data de Nascimento: Endereço: Cidade: Telefone: U.F. CEP: 1. Responsável Legal: Documento de Identidade nº Sexo: Data de Nascimento: Endereço: Cidade: U.F. Natureza (grau de parentesco, tutor, curador, etc.): II – DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA 1. Título do protocolo de pesquisa: A adoção como possibilidade de construção de papéis parentais em um casal homoafetivo: um estudo de caso. 2. Pesquisador responsável: Maurício Ribeiro de Almeida Cargo/função: Inscr.Cons.Regional: Unidade ou Departamento do Solicitante: Docente 06/43802 Curso de Psicologia 3. Avaliação do risco da pesquisa: (probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como conseqüência imediata ou tardia do estudo). SEM RISCO RISCO MÍNIMO RISCO MÉDIO RISCO MAIOR 3. Justificativa e os objetivos da pesquisa (explicitar): Objetivo Geral: Analisar os aspectos psicológicos presentes na constituição da família homoafetiva após experiência de adoção de crianças, tomando-se por referência o contexto das novas configurações familiares. 122 Objetivos Específicos: - Identificar os aspectos psicológicos desencadeados na formação de um casal homoafetivo, após os parceiros terem vivenciado parceria conjugal heterossexual em relacionamento anterior; - Verificar como se deu o processo de acolhimento e adoção por parte do casal e as repercussões geradas para a parceria homoafetiva; - Levantar, por meio da visão dos pais, o processo de adaptação e desenvolvimento das crianças inseridas nesta família de configuração homoafetiva; - Identificar as possíveis estratégias empregadas no enfrentamento do preconceito e as expectativas futuras mantidas pelo casal no que concerne à parceria amorosa e ao futuro dos filhos. Justificativa: Abordar este tema passou a interessar, diante da possibilidade de melhor compreender as transformações dos modelos de família. No que concerne à homoparentalidade surgiu o interesse de analisar essa constituição família, pois apesar do preconceito e dos tabus que ainda circulam o assunto e os atores envolvidos nesses arranjos familiares cabe à psicologia a tarefa de lidar com as questões da subjetividade e do desenvolvimento humano. Para tanto, deve-se buscar a superação de conceitos pré-estabelecidos, para que se possa encontrar ferramentas para analisar e compreender a maneira como as famílias homoparentais se formam e as crianças e adolescentes são criadas nesse meio. Conforme dados da literatura, são elementos decisivos para a criação dos filhos o modo como a família funciona e não como ela está constituída (WEBER, 2001). Assim, entendemos como relevante entrar em contato com a concepção de família e criação dos filhos mantidos pelos próprios atores que compõem a estrutura familiar homoafetiva. Deste modo, o eixo principal desta pesquisa é investigar se uma família homoafetiva pode, de fato, ser considerada uma instituição familiar efetiva, tal como os outros arranjos familiares, no que se refere as funções de cuidado e socialização de seus membros. 123 Nesse contexto será analisada a função dos filhos na dinâmica conjugal, bem como o nível de organização do casal para garantir o bem-estar das crianças. Portanto esta pesquisa buscará compreender, se a orientação sexual dos pais interfere nos cuidados ministrados aos filhos e se adoção, mesmo efetuada por duas pessoas do mesmo sexo, pode ajudar a criança a superar as situações de abandono vivenciados na família biológica, permitindo superar sofrimentos ressignificar a história de vida e reconstruir um projeto de vida que lhe permita adquirir maturidade e maior independência na vida adulta. Referência Bibliográfica WEBER, L. N. D. Pais e filhos por adoção no Brasil, Curitiba: Juruá, 2001, 274 p. 5. Procedimentos que serão utilizados e propósitos, incluindo a identificação dos procedimentos que são experimentais: (explicita). O trabalho será realizado a partir de um Estudo de Caso, de um casal homoafetivo do sexo masculino, que adotou crianças, sendo que um dos parceiros tinha vivenciado experiência heterossexual antes da formação do par conjugal. Será realizada uma pesquisa descritiva qualitativa que, visa observar e analisar os fenômenos presentes na experiência subjetiva da adoção. Para a realização da coleta de dados será utilizado um roteiro de entrevistas semi- estruturado, visando responder aos objetivos propostos por esta pesquisa, no qual serão formuladas questões que permitirão aos entrevistados expor a respeito da vivência heterossexual antes da constituição da família homoafetiva, e se a experiência da adoção por parte destes deu-se como elemento fortalecedor dos laços conjugais permitindo a vivência da homoparentalidade entre os parceiros, buscando como resultados verificar como a família homoafetiva se constitui e quais as suas condições para assumir os cuidados e a socialização de crianças. Desta forma, espera-se com tal pesquisa, conhecer a história de uma família homoafetiva, seus propósitos, e o impacto da adoção para realidade desta família e as implicações para o desenvolvimento das crianças relatados pelos 124 pais. 6. Desconfortos e riscos esperados: (explicitar) Não se aplica 7. Benefícios que poderão ser obtidos: (explicitar) Não se aplica 8. Procedimentos alternativos que possam ser vantajosos para o indivíduo: (explicitar) Não se aplica 9. Duração da pesquisa: A partir da aprovação do Comitê de Ética, a duração da pesquisa será de aproximadamente três meses. 10. Aprovação do Protocolo de pesquisa pelo Comitê de Ética para análise de projetos de pesquisa em / / III - EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO PACIENTE OU SEU REPRESENTANTE LEGAL 1. Recebi esclarecimentos sobre a garantia de resposta a qualquer pergunta, a qualquer dúvida acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros assuntos relacionados com a pesquisa e o tratamento do indivíduo. 2. Recebi esclarecimentos sobre a liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar no estudo, sem que isto traga prejuízo à continuação de meu tratamento. 3. Recebi esclarecimento sobre o compromisso de que minha identificação se manterá confidencial tanto quanto a informação relacionada com a minha privacidade. 4. Recebi esclarecimento sobre a disposição e o compromisso de receber informações obtidas durante o estudo, quando solicitadas, ainda que possa afetar minha vontade de continuar participando da pesquisa. 5. Recebi esclarecimento sobre a disponibilidade de assistência no caso de complicações e danos decorrentes da pesquisa. Observações complementares. IV – CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO 125 Declaro que, após ter sido convenientemente esclarecido(a) pelo pesquisador, conforme registro nos itens 1 a 6 do inciso III, consinto em participar, na qualidade de paciente, do Projeto de Pesquisa referido no inciso II. ________________________________ Assinatura Local, ____________________________________ Testemunha Nome .....: Endereço.: Telefone .: R.G. .......: ____________________________________ Testemunha Nome .....: Endereço.: Telefone .: R.G. .......: APÊNDICE B – Roteiro de estudo de caso / / . 126 TEMA: As Origens: os legados. As histórias individuais de cada parceiro antes da vida conjugal. 1- Falem-nos sobre a vivência familiar de cada um em suas famílias de origem. Citem as lembranças marcantes do período da infância e da adolescência. 2- Em qual momento perceberam a orientação homossexual? Gostaríamos que falassem de suas experiências. 3- Qual foi a reação de seus familiares quando perceberam que não apresentavam comportamento heterossexual? Como ficou o relacionamento com seus pais e outros que conviviam com o grupo familiar? 4- Atualmente como se relacionam com suas famílias de origem? TEMA: A Conjugalidade Homoafetiva - A formação do par conjugal: a visibilidade do relacionamento homoafetivo. 1- Qual é a história do casal? Como se conheceram e em que momento decidiram morar juntos? 2- Antes de assumirem o relacionamento homoafetivo (como casal), vocês tiveram relacionamentos heterossexuais? Como foram essas experiências? 3- Conseguem identificar quais são as diferenças entre um relacionamento heterossexual e homossexual? Ou seja, estar casado ou relacionar-se afetivamente com um homem ou uma mulher? 4- Como foram os primeiros anos de vida em comum (como casal)? 127 5- Existem interferências de ex-companheiras/os no relacionamento atual de vocês? Tiveram filhos de relacionamentos anteriores? Qual é a formação de relacionamento que estabelece com eles? TEMA: CONJUGALIDADE/HOMOPARENTALIDADE 1- Como surgiu a ideia de serem pais? Tinham alguma ideia a respeito do perfil da criança que esperavam adotar, como por exemplo: cor de pele, sexo, idade? 2- No momento em que vocês decidiram pela adoção, quais foram as sensações e sentimentos que tiveram? TEMA: A Construção dos laços filiais e paternos 1- O que pensaram e como agiram nos cuidados das crianças? (tiveram as dúvidas mais frequentes e como lidaram com elas)? 2- Quando as crianças passaram a morar com vocês como elas os chamavam (forma de tratamento)? Qual foi a reação delas perante a realidade do casal, ou seja, ser constituído por dois homens? Como é tratada essa questão atualmente? 3- Há quanto tempo as crianças moram com vocês? Como foram esses anos de convivência? Atualmente o que sentem em relação a essas crianças? TEMA: A família e as redes de socialização (família extensa, escola) 1- Como as crianças apresentam vocês para as demais pessoas, por exemplo, como elas os chamam em público? 128 2- Como conduzem a educação das crianças? O que pretendem transmitir a elas? 3- Como foi a entrada das crianças na escola? 4- Houve alguma situação de preconceito social/familiar ou institucional em relação à experiência de adoção? Como agiram a esse respeito? TEMA: Projeções para o futuro 1- Na opinião de vocês, quais fatores dificultam e quais favorecem a adoção por homossexuais? O que pensam para o futuro, no que que se refere a vida do casal e a dos filhos? 2- O que pensam sobre a orientação sexual dos filhos? 3- O que pensam sobre o futuro, a médio e longo prazo? 4- O que falariam aos outros casais homossexuais que desejam adotar?