EDUCAÇÃO AMBIENTAL Formação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania APOSTILA DO CURSO DE CAPACITAÇÃO Abril/2009 O QUE É UM PROBLEMA AMBIENTAL? A CONSTRUÇÃO SOCIAL E ECOLÓGICA DE UM CONCEITO Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira O grande interesse pelas questões ambientais nas últimas décadas fez com que a análise das interferências humanas no meio ambiente saísse da esfera puramente científica para se tornar-se um debate público, onde todos os aspectos do uso do meio ambiente pelo homem têm sido discutidos e mostrados com um interesse cada vez amplo. Somos bombardeados com uma poderosa mídia que nos mostra todos os dias uma incontável série de problemas ambientais dos mais diversos tipos: dos mais graves, como as mudanças climáticas globais aos mais modestos, como uma poda mal feita em uma árvore de rua. Estes “problemas ambientais” invadem a maioria dos ambientes do planeta (mares, atmosfera, solo, águas continentais), muitas vezes de forma irremediável. São ainda considerados problemas ambientais eventos pontuais e de existência relativamente efêmera, como a poluição visual e a sonora (evidentemente para quem não é vizinho de um baile funk, bem entendido!). Estes poucos exemplos mostram que a escala de tempo destes eventos pode ser extremamente variável: de décadas a segundos. Assim como a sua persistência no ambiente. Assim sendo, não parece ser complicada, a uma primeira vista, a definição do conceito “problema ambiental”. Será uma simples questão de bom senso? Aparentemente é óbvio, ainda mais se a ele agregarmos o conceito “poluição”, caracterizado como o efeito que um poluente produz em um ecossistema. Um dicionário define poluente como qualquer substância ou energia que, lançada para o meio, interfere como o funcionamento de parte ou de todo ecossistema. De uma maneira geral estes conceitos dizem respeito às alterações que o homem provoca sobre a superfície do planeta. Tratam-se, portanto de conceitos socialmente aceitos, já que são provenientes da cultura que tomou conta do planeta nos últimos 20 anos e que preconiza a “defesa” do meio ambiente. Esta revolução foi devida em parte ao envolvimento da mídia, que contribuiu para uma inegável transparência no que se relaciona com os assuntos ambientais. A natureza nunca esteve tão em voga, assim como a sua mercantilização. A construção da natureza como algo exterior à sociedade faz parte de algo arraigadamente ligado à cultura ocidental. Para Manuel Castells, a crise ambiental diz respeito à relação entre forças produtivas e relações sociais de produção. Segundo este autor, a problemática ambiental impõe limites entre a sociedade e natureza e entre organização social e produção material. Estes limites não seriam de ordem natural e sim histórica. No entanto, há que se destacar que a transformação do mundo que cerca o homem, adaptando-o à sua sobrevivência, aos seus costumes, à sua estética e à sua cultura não é absolutamente dos dias de hoje. Este processo de transformação do mundo exterior encontra-se no centro de um conceito muito caro à Geografia, à Arquitetura e às Artes – a paisagem. No entanto, sendo um termo polissêmico, o seu conceito apresenta inúmeros significados e representações. Historicamente, paisagem significa cenário. A primeira referência neste sentido remonta ao livro dos Salmos, o qual se refere à beleza da visão total do reino de Salomão, cuja tradução hebraica é noff, etimologicamente relacionada à palavra yafe, que significa beleza. A paisagem surge como uma categoria de análise científica em diversos trabalhos durante os séculos XVIII e XIX, a partir, sobretudo, das análises descritivas de botânicos, biogeógrafos e historiadores naturalistas. Numerosos exemplos vindos de um passado longínquo, como a tragédia da Ilha de Páscoa, o desmatamento na Grécia antiga ou a perda de recursos biológicos da Europa Medieval evidenciam que o processo de mudança ambiental e transformação da paisagem não é absolutamente um fenômeno de hoje. A diferença se dá na escala, no potencial e na dinâmica das mudanças ambientais contemporâneas, sem precedentes na História. Estes legados do passado, tanto aqueles ligados a eventos naturais ou antropogênicos podem repercutir nos ecossistemas, controlar o funcionamento dos mesmos e persistir por centenas a milhares de anos, influenciando a vegetação, a composição de espécies, a ciclagem de nutrientes, o fluxo da água e o clima. As formas de influência das atividades humanas em fluxos e processos dos ecossistemas e paisagens são múltiplas, existindo um gradiente que vai desde ecossistemas quase naturais e ecossistemas pouco antropizados, até os ecossistemas que são completamente antropogênicos. Considerando que os ecossistemas naturais são condicionados por fatores naturais e por regimes de distúrbios, os ecossistemas com baixa taxa de alterações antrópicas podem sofrer o impacto adicional de novos distúrbios provocados pelo homem em outro tempo. Os solos são o componente do ecossistema com a “memória” mais longa de distúrbios, mas a fauna e a flora igualmente refletem por longo tempo impactos humanos passados. Como cenário, a definição de paisagem torna-se subjetiva. É dependente dos sentidos, o que para alguns significa distinção não apenas através da visão, como também do olfato, dos conceitos pré-concebidos, valores, cultura, posição social, religião, crenças, gênero, enfim, do arcabouço cognitivo de cada um. Para alguns autores, essa delimitação espacial pode ser feita “até onde a vista alcança”. Para outros, a delimitação se dá em função da freqüência de ocorrência de determinados elementos, ou padrões fisionômicos que regem uma “área terrestre heterogênea, composta por um conjunto de ecossistemas que interagem e se repetem de forma similar através da paisagem”. Sauer (1998) define a mesma como uma forma da terra na qual não ocorre apenas uma modelagem física, mas sim uma associação desta aos processos culturais da sua transformação. Com isso observa-se uma preocupação em compreender a paisagem a partir da interação entre processos naturais e humanos (sociais, econômicos, culturais, políticos etc.), decorrendo assim numa interpretação de história ambiental daquela paisagem. Tomando-se os conceitos de poluição acima discutidos e o de paisagem, observas-se que não é grande a diferença entre os mesmos. O ser humano é essencialmente produtor de paisagem, isto é, imprime a sua marca à transformação do ambiente que o cerca. Esta não é feita de maneira alguma de modo inócuo: a transformação da paisagem significa alteração em todos os seus parâmetros, sejam eles de composição, de estrutura e de funcionalidade dos ecossistemas. Ou seja, a ação dos seres humanos sobre o ambiente que os cerca não é feita de maneira supranatural. Ela imprime marcas, altera padrões, modifica o meio. Em certa medida, como qualquer outra espécie biológica o faz. O que a sociedade moderna faz é a ideologização das questões ligadas à relação sociedade x natureza em favor grupos dominantes. Para tanto, serve-se de uma ideologia que imputa uma culpa coletiva a danos provocados por minorias. A atual crise ambiental é alicerçada historicamente e se deu, em termos de dominação, com um grau de sofisticação nunca visto: os países do norte (que chegaram a um patamar de crescimento econômico e de sofisticação de vida) colocam-se à disposição dos países do sul para auxiliar na administração de seus recursos ambientais. Sabe-se, no entanto, que parte muito considerável da crise ambiental pela qual o planeta atravessa se deve justamente à atividade econômica dos países do norte. Haja vista as mudanças climáticas globais. Este quadro de dominação e de contradições é em grande parte responsável pelo estádio atual de mercantilização da natureza. Em função da apropriação dos recursos naturais, tudo tem um preço e uma possibilidade de compra. Até mesmo o direito de emitir CO2 para a atmosfera pode ser comprado pelas chamadas commodities de carbono. O mercado de água mineral engarrafada é crescente entre as grandes empresas multinacionais como a Coca-Cola, Nestlé e a Pepsi. Na construção social de um problema ambiental, muitos gaps ocorrem. De uma maneira geral a mídia apresenta apenas parte do problema ou seleciona aspectos mais glamourosos dos mesmos. É clássica na mídia a atenção que determinadas espécies “com grife” recebem, como o mico-leão-dourado ou determinadas espécies de orquídeas em detrimento de outras sem atributos especiais. Outras vezes é bastante patente o chamado “interesse social”. É quando um determinado projeto causador de impacto severo recebe uma absolvição ecológica. Barragens, usinas atômicas e plantas petrolíferas são frequentemente contempladas com essas benesses. No processo de negociação ecológica encontra-se muitas vezes o uso de subterfúgios jurídicos como as medidas compensatórias e mitigadoras. Atribui-se um valor a um dano ambiental e este é “compensado“ com investimentos em outras áreas. Mediante uma boa publicidade, o poluidor passa à condição de benfeitor do meio ambiente. Tais medidas compensatórias ou mitigadoras dos problemas ambientais baseiam-se frequentemente na ideologia de mercantilização da natureza. Os ciclos biológicos e os geoquímicos apresentam complexidades em suas relações que, além de serem desconhecidos em seus desdobramentos mais profundos, não podem ser simplesmente substituídos por empreendimentos ecológicos. Ter uma imagem pública associada ao cuidado com o meio ambiente é uma poderosa ferramenta de marketing. Todos gostam de meio ambiente. Visto isoladamente, isto é fora do contexto de exploração do mesmo, sua imagem é “pura” e não se mistura necessariamente aos conflitos sociais que muitas vezes encontram-se por trás dos mesmos. Ou seja, investimento em meio ambiente é lucro certo para a imagem das empresas. A educação ambiental é um ponto de destaque e frequente fonte de investimentos maciços por parte de atividades poluidoras. Em muitos casos trata-se de uma mascarada intenção de imputação de culpa às vítimas de alterações ecológicas. O discurso da educação ambiental muitas vezes é patrocinado no sentido de levar a população a ações de curto horizonte (“desligue a torneira enquanto escova os dentes...”) para escamotear danos graves, muitas vezes irremediáveis à sociedade e ao ambiente em geral. Trata-se de exemplos da prática da chamada “ética indolor”: não atinge o cerne das questões. Experiências recentes em projetos de Educação Ambiental têm assumido os mais diversos contornos, seja no que se refere aos seus conteúdos, às formas de implantação ou ainda, à inserção social onde as mesmas ocorrem. Esta pluralidade é ainda mais patente no que se refere aos conteúdos, que podem variar de uma mera transmissão de conhecimentos ecológicos à construção de saberes críticos e com resultantes concretas sobre a realidade na qual se pretende operar. Em uma concepção histórica, a relação homem-natureza não é definida pela natureza ou pela razão, mas é uma construção social e política da sociedade, a expressão de escolhas. O processo educativo deve ser considerado na perspectiva da formação humana plena: superação da alienação, da exploração do homem pelo homem e da sobrexploração da natureza. Nesta concepção, as espécies, os ecossistemas e a paisagem não são vistos como simples bases ou mercadorias ligadas a processos produtivos, mas portadores de valores intrínsecos. Por este viés, a busca do equilíbrio para a ação educativa é entre o simbólico e o efetivo, entre razão e emoção e entre o local e o global. Por esta ótica, a Educação Ambiental tem o relevante papel da permanente reelaboração comunitária destes valores, sejam eles éticos ou ambientais. Com o grande progresso tecnológico que alcançamos, é inegável que vivemos diante de um momento em que é possível fazer escolhas e correlacionar forças, no sentido de se atingir outra situação, que não seja o atual estado de degradação progressiva dos recursos naturais. Convém lembrar que o mesmo radical grego que dá origem à palavra Ecologia (oikos) também forma Economia (“as normas da casa”). Apesar de se tratar de uma ciência que trata dos fenômenos relativos à produção, distribuição, acumulação e consumo de bens materiais, sua relação com a Ecologia é muito maior que o simples uso do mesmo radical no nome. Distribuição de renda, procura do lucro máximo, desigualdades sociais, consumismo, desperdício, aumento de população, poluição, desmatamento, desaparecimento de espécies. Qual a relação destes problemas ambientais com a distribuição, acumulação e consumo dos bens materiais? Referências Bibliográficas CASTELS, M. Urban crisis, political processes and urban theory. Madrid: Ed. Concepción. HISSA, C.E.V. Saberes ambientais: desafios para o conhecimento disciplinar. Belo Horizonte: Ed. UFMG. DIEGUES, A.C. et al. Os Saberes Tradicionais e a Biodiversidade no Brasil. São Paulo: NUPAUB/USP. 2000, 189 p. NAVEH, Z. What is holistic landscape ecology? A conceptual introduction. Landscape and Urban Planning, 2000, v. 50, p. 7-26. SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP. 2006 WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.