A evaporação da água numa perspectiva de ciclo

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A EVAPORAÇÃO DA ÁGUA NUMA PERSPECTIVA DE CICLO HIDROLÓGICO
Mário Talaia e Ana Coelho
Departamento de Física, Universidade de Aveiro,
3810-193, Aveiro, Portugal
Contacto: [email protected]
RESUMO
A Educação em Ciências constitui uma componente essencial da formação básica e
secundária dos cidadãos, na qual o trabalho prático e experimental se assume como uma
dimensão fundamental, de elevado valor formativo, estruturante na construção de uma cultura
científica, indispensável ao cidadão do século XXI.
Neste trabalho consideramos um problema, num contexto CTSA, relativo à aplicação de um
balanço energético para o cálculo da evaporação de uma superfície livre de água, contida
numa tina de evaporação a céu aberto.
1. Introdução
A Terra “nasceu” há mais de 4,5 milhões de anos sob uma “boa” estrela, o Sol. Este criou
condições para que aparecessem as primeiras algas, organismos pluricelulares…
Durante todo este tempo, a Terra foi iluminada e aquecida pelo Sol, fazendo com que certas
camadas de ar se movimentassem e os ventos soprassem, as águas juntaram-se para formarem
nuvens, as águas correram pelas montanhas, voltando um dia ao mar, saciando a cede dos
animais e das plantas no seu trajecto.
Os oceanos e os mares foram aquecidos pelo Sol…
A Terra foi envolvida por uma camada atmosférica que contribuiu para que a temperatura
média do planeta permitisse a existência de vida [COSTA et al. (2003) e MACIEL et al.
(2003)]. Estes são alguns dos aspectos que condicionam o tema da Unidade 1 da Física do 10º
ano, cujas sub unidades são: Energia – do Sol para a Terra; A energia no
aquecimento/arrefecimento de sistemas…
Num contexto global estudam-se os fenómenos de aquecimento do quotidiano, começando-se
pelo estudo do aquecimento do Terra, evidenciando o papel essencial da radiação Solar e em
seguida a compreensão da Lei da conservação de Energia.
O aquecimento da Terra é abordado de forma a fazer um balanço energético, evidenciando as
contribuições de energia recebida e libertada para o espaço, de forma a concluir que “a
energia recebida é igual à energia libertada”, não valorizando os processos físicos
envolvidos.
Por exemplo, neste contexto a Lei de Stefan-Boltzmann é aplicada ao planeta Terra
considerando-o como corpo negro. A potência irradiada pelo Sol por unidade de área e
interceptada pelo disco Terra permite avaliar e estimar a energia emitida pela superfície
esférica Terra ou seja a temperatura efectiva.
Seguidamente aborda-se a energia no aquecimento e arrefecimento de sistemas, onde se
calcula a energia necessária para um sistema alterar a sua temperatura. Adicionalmente
também se aborda a energia necessária Q, para criar condições de mudança de fase, como por
exemplo, a indicada pela expressão Q = mL , onde L representa o calor de transformação e m
a massa. A expressão pode ser também escrita na forma Q′ = ρLh , em que Q′ representa a
energia fornecida por unidade de área, ρ a massa volúmica do líquido (note-se que o
interesse deste trabalho esta focalizado na avaliação da energia necessária por unidade de área
para evaporar uma espessura de coluna de água) e h a coluna de água evaporada em unidades
de comprimento.
Normalmente, os manuais escolares não relacionam a energia recebida e absorvida pela
superfície evaporante (por exemplo, radiação incidente, radiação reflectida) com os
fenómenos de mudança de fase que nela ocorrem.
Infelizmente, a abordagem é considerada como típica e segmentada de conceitos. Cabe aos
professores de Física quebrar algumas das barreiras existentes e começar a relacionar os
conteúdos numa perspectiva de dinâmica CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e
Ambiente). Esta estratégia tornará o estudo da Física mais atraente e não temos dúvidas que
motivará o estudante. O estudante deixa de ser apenas um receptor de informação mas passa a
ter intervenção activa na interpretação física dos processos físicos e proporcionará a aquisição
de outras competências.
O balanço energético que intervêm no processo de evaporação deve dar atenção a outros
factores condicionantes, tais como o albedo, acção do vento, pressão parcial de vapor,
temperatura do ar, humidade relativa do ar, insolação registada diária e insolação máxima
diária.
Nestes termos, surge este trabalho como contribuição para o estudo da evaporação. A
evaporação como braço que liga o ciclo hidrológico está a ser condicionado pelas alterações
climáticas. Assim, e atendendo aos novos programas, é crucial estudar os fenómenos que nos
rodeiam numa perspectiva CTSA, dando assim um passo em frente no que se refere a
contextualizar expressões e relacionar os diferentes conceitos, para uma completa
compreensão dos fenómenos e proporcionar ao estudante uma real, suave e motivadora
aprendizagem.
2. Teoria / modelo desenvolvido
A água é a substancia mais comum à superfície da Terra e é base de toda a vida. A água
existente no planeta encontra-se em permanente circulação e esta circulação é designada por
ciclo da água ou ciclo hidrológico. A evaporação constitui uma das partes essenciais do ciclo
hidrológico, uma vez que redistribui a água e a energia entre a superfície da terra e a
atmosfera. Assim, a evaporação, como elemento importante no planeamento de várias
actividades, permite, por exemplo, o estudo da estimativa do conteúdo de água no solo e
também das implicações no rendimento das culturas de uma região. Uma questão central pode
ser colocada: “Será que a partir de dados meteorológicos registados numa estação
meteorológica, é possível estimar a evaporação de uma superfície livre de água?”
Um dos processos mais usados para estimar a evaporação é a partir da utilização de tinas
evaporimétricas constituídas por reservatórios de água, expostos a céu aberto às condições
atmosféricas.
A radiação solar é o factor mais importante para o ciclo hidrológico, pois é a fonte de energia
que origina e mantém o ciclo. A radiação solar tem a responsabilidade de permitir que as
moléculas de água possam adquirir suficiente energia cinética para vencer a tensão superficial
e libertarem-se da superfície do líquido. A passagem das moléculas de água, da vizinhança da
superfície de água para a atmosfera, é controlada pela diferença de tensão de vapor (pressão
exercida pelo vapor em determinado volume) entre a camada da superfície de água e a
atmosfera. Adicionalmente, o vento pode deslocar a camada adjacente de ar saturado
favorecendo a evaporação da linha de água.
A literatura da especialidade mostra que existem inúmeros métodos para estimar a evaporação
de uma superfície livre, ver por exemplo, LENCASTRE e FRANCO (1992).
O método, que vamos desenvolver e adoptar, denominado balanço energético avalia fluxos
energéticos nomeadamente da radiação solar, da energia armazenada, das trocas de energia
entre a água e atmosfera, das trocas de energia entre a água e o solo e da energia gasta na
evaporação.
Nestas circunstancias, a equação geral do balanço energético pode ser escrita da seguinte
forma
Qs − Qsr − Qlw − Qh − Qe − Qve = 0
(1)
em que Qs representa a radiação solar incidente ou radiação global, Qsr a radiação solar
reflectida, Qlw a radiação da massa de água para a atmosfera sob a forma de ondas longas, Qh
a energia transferida sob a forma de calor da massa de água para a atmosfera por efeitos de
turbulência, Qe a energia utilizada na evaporação e Qve a energia cedida pela massa de água
através da água evaporada.
A radiação útil, Qn , do ponto de vista de evaporação, é dada por Qs − Qsr − Qlw . Nestes
termos a expressão (1) passa reduz-se a
Qn − Qh − Qe − Qve = 0
(2)
A radiação solar incidente ou radiação global, resulta da aplicação da formula de Angström,
n⎞
⎛
Qs = I 0 ⎜ 0.29 cos λ + 0.52 ⎟ , em que I 0 representa a radiação solar média recebida num
N⎠
⎝
plano horizontal no limite da atmosfera, n número de horas de insolação registadas pelo
heliógrafo e N o número máximo de horas possíveis com Sol.
A radiação solar reflectida é calculada a partir de Qsr = αQs , em que α indica o albedo da
superfície (o valor típico aceite para a água é 0.06)
A energia perdida para a atmosfera pode ser avaliada a partir da expressão de Chang, dada por
[
]
n⎞
⎛
Qlw = σT 4 0.56 − 0.08 Ues (T ) ⎜ 0.1 + 0.9 ⎟ , em que σ representa a constante de Boltzmann
N⎠
⎝
(=1.17×10-7 cal.cm-2.K-4.dia-1), T a temperatura média do ar, U a humidade relativa do ar e
e s (T ) a pressão parcial de vapor de água (em hPa) à temperatura T.
Em alternativa, a radiação útil, Qn pode ser obtida a partir da Qs (radiação solar incidente ou
radiação global) utilização de uma expressão empírica desenvolvida para cada região de
estudo (neste caso Aveiro, cujas coordenadas geográficas são: latitude 40º 39’ 18’’ N e
longitude 8º 39’ 09 W), por se considerar uma adaptação à lei de Szeicz.
Para a região de Aveiro, a investigação realizada para um conjunto de dados anual registado,
permitiu aos autores deduzir a expressão Qn = (Qs − 40) cal.cm-2.dia-1. Esta expressão,
conforme se mostra mais adiante (Resultados e sua Análise) corrige a primeira aproximação
da estimativa de evaporação mensal e fornece um excelente acordo aos pontos registados
experimentalmente da evaporação.
O cálculo da energia transferida por trocas turbulentas com a atmosfera, é obtido através da
⎡
⎤
p(T − Tw )
expressão Qh = Qe ⎢0.66
⎥ , em que p representa a pressão atmosférica
1000(es (T ) − es (Tw )) ⎦
⎣
(hPa), Qe a quantidade de energia gasta na evaporação, Tw a temperatura do termómetro
molhado e e s (Tw ) a pressão parcial de vapor à temperatura Tw .
Sabemos que a energia gasta na evaporação é dada pelo produto entre a massa de água
evaporada e o calor de transformação. Assim sendo, a energia por unidade de superfície é
calculada a partir da expressão
Qe = ρLh
(3)
em que L = 590 cal.g-1 representa o calor de transformação para a água, ρ a massa volúmica
da água e h a altura ou espessura da coluna de água evaporada no processo.
Adicionalmente, o valor da energia retirada da tina pela água evaporada é calculada por
Qve =
Qe
c(T − T0 )
L
(4)
em que T0 é considerada uma temperatura de referência (pode ser escolhida arbitrariamente) e
c a capacidade térmica mássica da água (=1 cal.g-1.ºC-1).
Finalmente e através de manipulações matemáticas a evaporação da coluna de água, h, é
facilmente avaliada por
h=
Qn
⎤
⎡ ⎛
⎞
p (T − Tw )
⎟⎟ + c(T − T0 )⎥
ρ ⎢ L⎜⎜1 + 0.66
1000(es (T ) − e s (Tw )) ⎠
⎦
⎣ ⎝
(5)
Neste contexto, a investigação desenvolvida, pode ser apresentada como problema de
resolução aberta, numa perspectiva de ensino por pesquisa. De facto, a estimativa da
evaporação envolve o cálculo da energia transferida sob a forma de calor, para a evaporação
de uma determinada massa de água. Na realidade, a expressão (5), equivale a assumir a
expressão usada nos manuais de ensino, Q = mL , em que Q representa a quantidade de
energia necessária à mudança de estado físico de uma substância e m a massa de água
evaporada. Uma vez que m = ρV e V = Ah , em que A representa a superfície livre de
evaporação (interface entre a atmosfera e água), a expressão indicada nos manuais escolares
resulta em
h=
Q′
1 Q
⇔h=
ρL A
ρL
(6)
que é semelhante à expressão (5).
3. Resultados e sua Análise
A Figura 1 mostra duas linhas de evaporação ao longo do ano. A linha superior indica os
dados registados mensais na Tina Evaporimétrica de “Classe A” e a linha inferior indica os
dados calculados mensais a partir do balanço energético, sem correcção para a região de
Aveiro. A observação das linhas mostra de uma forma inequívoca que os valores calculados
estão subestimados e que a maior diferença está no mês de Maio e Novembro. Os resultados
parecem indiciar um erro sistemático. As maiores diferenças parecem ser devidas ao
observador meteorológico. Na prática, quando se avaliou os resultados da evaporação mensal
para os meses de Maio e Novembro, foi notória uma “contradição de valores registados,
nomeadamente da nebulosidade, insolação e precipitação. Por exemplo, a tabela de valores
indicava para dias de céu aberto apenas uma hora de Sol, o que é praticamente inviável.
Evaporação (mm/mês)
200
Dados registados mensais - Tina Evaporimétrica "Classe A"
Dados calculados mensais - Balanço Energético
150
100
50
dezembro
Novemdro
Outubro
Setembro
Agosto
Julho
Junho
Maio
Abril
Março
Fevereiro
Janeiro
0
Figura 1 – Evaporação calculada e registada ao longo do ano
A Figura 2 mostra o conjunto de pontos, sem correcção e com correcção para a região de
Aveiro.
Os pontos a triângulo “negro” incluem, na sua ordenada, os valores da evaporação calculados
a partir do balanço energético sem correcção e a linha a tracejado a recta de ajuste nestas
circunstâncias.
Os pontos redondos com interior cheio a “cinza” incluem, na sua ordenada, os valores da
evaporação calculados e corrigidos a partir do balanço energético. Nestes foi considerada a
expressão para a região de Aveiro, desenvolvida pelos autores Qn = (Qs − 40) cal.cm-2.dia-1.
Os pontos agora indicados, conforme mostra a figura, estão em plena concordância com a
recta teórica, a cheio, com um declive unitário.
O erro sistemático de 19,5 mm é quase eliminado e reduzido a 0,2 mm, sugerindo que novos
estudos devam considerar, para o balanço energético, a introdução de uma expressão local da
relação entre Qs (radiação solar incidente ou radiação global) e Qn ,(radiação útil).
evap.calculada [Bal. Energ.] (mm/mês)
200
Pontos (valor registado; valor calculado)
usando adaptação da equação de Szeicz para região Aveiro
Evap_calculada = Evap_registada; recta com declive unitário
recta de ajuste: Evap_calculada=0,956Evap_registada-19,495; r=0,959
150
100
50
0
0
50
100
150
200
evap. registada [Tina Evap.] (mm/mês)
Figura 2 – Relação entre a evaporação calculada e registada
4. Considerações finais
O trabalho desenvolvido permite uma familiarização com instrumentos de medida usados
para medir factores meteorológicos. Estes são alguns dos objectivos da unidade temática
“Mudança Global”, leccionada no ensino básico, no 8º ano de escolaridade.
O método usado para estimar a evaporação de uma superfície livre de água contida numa tina
evaporimétrica permitiu uma estratégia de ensino por pesquisa. Este método condiciona
alguns dos aspectos que são estudados no tema da Unidade 1 da Física do 10º ano, cujas sub
unidades são: Energia – do Sol para a Terra; A energia no aquecimento/arrefecimento de
sistemas…
Por último, não se deve deixar de concluir que uma estratégia deste tipo estimula o interesse,
a curiosidade e o apreço pelo estudo dos fenómenos naturais e pela interpretação dos dados
experimentais observados, familiariza os alunos com métodos, processos de trabalho e formas
de pensar, proporciona a aquisição de conhecimentos que ajude os estudantes a serem capazes
de compreender problemas científicos e tecnológicos e contribui para a reflexão sobre a
importância de saberem discutir e interpretar dados observados e registados criteriosamente.
5. Referências Bibliográficas
COSTA A, MARIA COSTA, A., MOISÃO, A. e CAEIRO, F., Manual escolar Ver + Física
10º Ano, Plátano Editora, ISBN 972-770-185-X, 2003
LENCASTRE, A. e FRANCO, F.M., Lições de Hidrologia, Faculdade de Ciências e
Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 1992
MACIEL, N., GRADIM, M.M. e CAMPANTE, M.J., Eu e a Física – 10º Ano, Porto Editora,
2003
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