1 VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém- PA-Brasil _____________________________________________________________ SAÚDE AMBIENTAL1 E O USO RACIONAL DE ANTIBIÓTICOS: um desafio na saúde humana e na produção de frangos de corte no Brasil Arnildo Korb Prof. Dep Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC Doutorando do programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR-MADE [email protected] Resumo No Brasil as discussões sobre origens e conseqüências dos resíduos de antibióticos resultantes da área da saúde humana e da cadeia produtiva agrícola se apresentam desarticuladas, excluindo o meio ambiente e deixando de evidenciar os riscos à saúde humana. A pesquisa realizada no município de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba, procurou traçar perfis de consumo de antibióticos e de resistência bacteriana para verificar a existência destes riscos e de como as pesquisas abordam a internalização do meio ambiente pelo sistema produtivo e pelos programas oficiais de vigilância ambiental em saúde. O diagnóstico estruturou-se pela (a) analise dos antibióticos utilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), pela (b) verificação da sensibilidade bacteriana em antibiogramas de culturas de urina da população com infecções do Trato Urinário causadas pela bactéria Escherichia coli, e, pela (c) analise de amostras de marcas de frangos comercializadas no município, quanto a presença de resíduos de antibióticos enrofloxacina e ciprofloxacina. Verificou-se a inclusão de novos princípios ativos, o aumento nas resistências da bactéria E. coli a antibióticos não mais prescritos na saúde humana, e a análise de tecidos de frango acusou ausência de resíduos. O cenário de incertezas em relação às origens destas resistências requer a discussão das responsabilidades do sistema produtivo e das instituições quanto as conseqüências dos resíduos de antibióticos no ambiente bem como da necessidade de implementação das ações em Vigilância Ambiental em Saúde no Brasil que contemplem não apenas o aspecto toxicológico, mas também o da resistência bacteriana. Palavras chave: Monitoramento ambiental, Resíduos de antibióticos, Saúde humana Introdução “Ao tomar o próprio desenvolvimento nas mãos com interesses voltados ao curto prazo, com projetos eficientes, o ser humano deixa de proporcionar a ele próprio uma perspectiva mais segura de evolução bem-sucedida, gerando incertezas e perigos inexistentes até então. Intensifica-se e reduz-se o tempo indispensável para reparar os erros ocorridos. A inevitabilidade dos erros foi substituída pelo longo prazo da evolução natural e pelo prazo relativamente curto da ação humana planejada; aquilo que para a evolução é um lapso de tempo muito curto, para o homem significa um período muito longo. E neste caso aplica-se a ‘impotência de nosso saber’ a respeito das previsões de longo prazo” (JONAS, 2006, p.230). 1 O termo “Saúde Ambiental” aplicado no título e no contexto deste artigo, objetiva articular os argumentos em torno da relação dos resíduos de antibióticos no ambiente com seus riscos à saúde humana. 2 A partir das últimas décadas, os antibióticos (e quimioterápicos antimicrobianos) passaram a ser utilizados mundialmente, e em quantidades elevadas na profilaxia e no tratamento de infecções humanas e animais, criando um cenário de riscos à saúde humana em função da seleção e da resistência bacteriana, a ponto de países desenvolvidos à considerarem um problema de saúde pública, em função das internações hospitalares e das morte humanas notificadas. Contudo, em países como o Brasil as notificações inexistem, assim como são escassas as pesquisas e dados oficiais acerca dos resíduos de antibióticos nos alimentos e no ambiente. A falta de informações ofusca o atual cenário devido as contradições nos argumentos daqueles que justificam seus usos nestas proporções e daqueles que os condenam. Justifica esta pesquisa, também, a falta de dados a partir de 2009 quando o Ministério da Agricultura de Abastecimento do Brasil (MAPA) proibiu por meio da Instrução Normativa IN nº 26, 09/07/2009 a utilização de antibióticos de uso humano no tratamento profilático, terapêutico e como promotores de crescimento em animais de consumo humano. Os dados apresentados e analisados neste artigo constituem o diagnóstico do trabalho de tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná, que tem como limite geográfico o Município de Fazenda Rio Grande (FRG), região metropolitana de Curitiba. As três etapas caracterizaram-se por: a) construção do perfil dos antibióticos dispensados pelo SUS do município de Fazenda Rio Grande (FRG); b) análise de resíduos de antibióticos (enrofloxacina e ciprofloxacina) em marcas de frangos comercializados em FRG, e c) verificação das resistências da bactéria E. coli em culturas de urina de pessoas com Infecções do Trato Urinário (ITU) a partir de antibiogramas de um laboratório de análises clínicas do município de FRG. A pesquisa evidenciou um acréscimo nos princípios ativos, nas concentrações e nas combinações dos antibióticos de prescrição do SUS de FRG, onde se pode sugerir alguma relação com o desenvolvimento da seleção e da resistência bacteriana. Quanto a análise de tecidos de frangos, estas não identificaram resíduos para os antibióticos analisados (enrofloxacina e ciprofloxacina), contudo, discute-se acerca da obscuridade no processo da cadeia produtiva, cujas regras deste controle satisfazem mais aos interesses do mercado externo do que a preocupação com o meio ambiente no qual esta cadeia produtiva está inserida, especialmente quanto ao potencial contaminante das excretas dos animais. E, quanto a análise aos antibiogramas, estes evidenciaram a resistência de bactérias E. coli a antibióticos não prescritos, como tetraciclina, ampicilina e cloranfenicol, sugerindo que outras fontes de contaminantes ou de resistências bacterianas possam estar envolvidas ou mesmo se tratar de transferência de genoma entre as bactérias. Contudo, as formas de uso de antibióticos na cadeia produtiva de frangos apresentam-se “obscuras”, como diagnosticado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC, 2011). 3 Os resultados evidenciaram, também, que entre as preocupações com as resistências bacterianas aos antibióticos e aos aspectos toxicológicos, foi feita a opção unicamente pelo segundo, em função de que este pode ser mensurado, e se necessário manipulado. Os elementos constatados neste diagnóstico contribuem em debates sobre os riscos ambientais naturais biológicos2 dos resíduos de antibióticos no meio ambiente, de modo que a questão ambiental possa ser internalizada efetivamente nos Programas oficiais de vigilância ambiental em saúde, assim como objetivam as metas de construção da política de Saúde Ambiental no Brasil. O meio ambiente no contexto da saúde humana O Sistema Único de Saúde (SUS), para concretizar seus propósitos de internalização do meio ambiente nas políticas em saúde, incorporou a Vigilância Ambiental ao Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde (SNVA) para valorizar as condições ecossistêmicas como fatores determinantes de saúde, como do local de moradia e de trabalho da população. Com esta incorporação objetivou-se incluir a percepção de riscos ambientais no fator saúde, e que, quando evidenciados, poderiam receber a intervenção necessária, internalizando o ambiente “[...] à política, ao diagnóstico, ao planejamento e às ações de saúde” (SILVA AUGUSTO, 2003, p.180). Esta tentativa de internalizar, pelo menos teoricamente, a questão ambiental nas políticas em saúde foi decisiva na construção de metas em Saúde Ambiental no Brasil, porém a matriz foi pensada sob a ótica do modelo biomédico, e que emergiu com o desenvolvimento dos fármacos terapêuticos cujas descobertas revolucionaram o setor da saúde a partir do século XX consagrando a saúde curativa. Este modelo veio acompanhado de projeto educacional que objetivou aculturar para o consumo de medicamentos. Foi a partir do relatório de Flexner, em 1910, que nos Estado Unidos da América e no Canadá, por intermédio de um ensino elitista, foram alteradas as estruturas do ensino médio, e que, segundo BISELLI (2011, p.14) estimularam “[...] o ensino e a pesquisa da patologia e da doença, em detrimento do cuidado da pessoa doente [...], [onde] o adoecer passou a ser controlado com o uso de medicamentos e a ênfase nessa modalidade terapêutica favoreceu grandes investimentos da indústria para pesquisa e da produção farmacêutica”, transformando o setor químico industrial em um dos mais rentáveis. A produção de substâncias orgânicas sintéticas cresceu de maneira exponencial nas últimas décadas, sendo produzidas e consumidas aproximadamente 200 milhões de toneladas/ano, dentre estes estão os esteróides, os hormônios, os aditivos industriais e os 2 A expressão risco ambiental foi tomada emprestada de VEYRET, 2007. A autora criou a categoria de risco natural, e que neste artigo, acrescentou-se o biológico, por estarem envolvidos aspectos genéticos. 4 antibióticos. Os resíduos destes fármacos são lançados no ar, no solo, e 20 a 30 % atingem as águas, e cujos efeitos em sua maioria ainda são desconhecidos (BISELLI, 2011). O modelo biomédico influencia e é influenciado pela lógica do modelo de produção e de consumo, porém, o modelo biomédico não evolui a ponto de garantir condições para a erradicação de doenças transmissíveis comuns e apresenta dificuldades no controle de doenças emergentes, como o câncer que se manifesta em populações mais jovens. E, a ótica da medicação que se ampara na crença de que um princípio ativo pode ser substituído por outro, já demonstra limitações. Antibióticos: descoberta e seus usos na saúde humana Foi Alexander Fleming que, em 1928, isolou a penicilina a partir de fungos da família Penicillium ao observar em meios de cultivos a ausência de desenvolvimento de bactérias. Esta descoberta lhe rendeu em 1945 o Premio Nobel de Medicina. A droga produziu efeitos excepcionais contra infecções graves e corriqueiras, e foi usada largamente nos períodos de guerra, dada a sua eficiência contra bactérias Gram-positivas. Contudo, Fleming havia alertado que o uso excessivo, e em baixa dosagem, provocaria a resistência das bactérias a este medicamento, o que veio a ser ratificado após alguns anos de uso (PEREIRA, 2009). No contexto das resistências, o cenário torna-se mais complexo pela capacidade de bactérias, como a Escherichia coli, que coloniza a flora intestinal dos animais homeotérmicos e com potencial patogênico em humanos, adquirirem diversos plasmídeos3 e tornarem-se multirresistentes aos antibióticos. Multirresistência refere-se a resistência bacteriana a 3 ou mais antibióticos (TORTORA, FUNKE, CASE, 2000). Nestes casos de infecções há a necessidade na utilização de antibióticos de última geração, como as quinolonas, onde se inscrevem como a norfloxacina e a ciprofloxacina, capazes de interferir em várias vias metabólicas da célula bacteriana, especialmente na reprodução. Também, tem-se recorrido ao aumento na concentração dos princípios ativos, na formação de combinações, como no caso da Amoxicilina, que dos 250 mg utilizados inicialmente, na atualidade estão em 500 a 800mg, com adicional de Clavulanato de Potássio 125 mg. O fenômeno da resistência ocorre, principalmente, à exposição das bactérias às subdoses, insuficientes para matar as bactérias, mas o bastante para promover a seleção. Mas, com alertou Fleming, a resistência é um processo natural, e em algum momento as bactérias se 3 O principal mecanismo da resistência desenvolvido por alguns gêneros de bactérias é através do Plasmídeo R, material genético extra-cromossômico que confere a resistência às bactérias à substâncias 5 tornarão resistentes aos antibióticos, contudo, a preocupação nos programas de minimização da resistência deveria ser em reduzir a exposição aos resíduos destes fármacos. A Anvisa classifica a resistência bacteriana em hospitalar e comunitária, e conforme a “portaria nº 2.616, de 12 de maio de 1998, do Ministério da Saúde (MS), Infecção Hospitalar (IH) é aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares” (AZAMBUJA, PIRES, VAZ, 2004, p.80) e a comunitária como “[...] aquela constatada ou em incubação no ato da admissão no paciente, desde que não relacionada com a internação anterior no mesmo hospital” (ANVISA, 2011, p.15,a). Até o momento a resistência hospitalar tem sido o foco das políticas da Anvisa por meio da Política Nacional de Controle de Infecções Hospitalares devido aos frequentes registros de óbitos resultantes por infecções causadas por bactérias multirresistentes. Entre as principais bactérias que causam as infecções hospitalares estão as Staphylococcus aureus e as Pseudomonas aeruginosa, envolvidas geralmente em infecções pós-cirúrgicas, e responsáveis pela maioria dos casos de óbitos em hospitais. Para exemplificar: na Alemanha a cada ano são internados de 400 a 600 mil pacientes com infecções, 7.700 a 15.000 vão a óbito (BUNDESMINISTERIUM FUR GESUNDHTHEIT, 2011). Nos Estados Unidos da América, em 1996, foram notificados mais de 19 mil óbitos por infecções resultantes de bactérias multirresistentes. No Brasil ainda não ocorre a notificação por resistência bacteriana. A política de controle de infecções hospitalares, implantada pela Anvisa, se caracteriza pela adoção de técnicas de higienização e de descarte de materiais contaminantes originados de procedimentos invasivos, como seringas, curativos e restos de medicamentos, que devem seguir a RDC 306/2004. Para muitos profissionais da área da medicina clínica, uma vez controlada a infecção hospitalar, se estaria reduzindo a resistência bacteriana, porém, nos córregos que recebem os efluentes hospitalares resultantes da higienização, a resistência de bactérias E. coli aos principais princípios ativos de antibióticos é elevada. Pesquisa realizada por Biselli (2011) no Rio Passaúna, em Curitiba, indicou alto nível de resíduos de medicamentos. Foram encontrados [...] 12 antibióticos prevalentes dispensados na Unidade de Saúde São José, do Programa da Saúde da Família, [...], no período de cinco anos (2006 a 2010). Os antibióticos identificados por classes foram os β-lactâmicos, as penicilinas (amoxicilina, ampicilina, benzilpenicilina), cefalosporinas (cefuroxima, cefalexina, ceftriaxona), macrolídeos (azitromicina e eritromicina), sulfas (sulfametoxazol) e ainda nitrofurantoína, metronidazol e trimetoprim. O local da pesquisa não é um ambiente de concentração de antibióticos (como no uso hospitalar), mas uma comunidade, de uma área que possui um perfil epidemiológico equivalente à população geral, os resultados do risco ambiental possivelmente refletem o que ocorre em outros segmentos do país que tem o sistema de assistência à saúde organizado na mesma estrutura. Assim, estes resultados se tornam ainda mais preocupantes. Caracteriza-se, por este estudo, o potencial de risco da forma biomédica de tratamento, especialmente no que se refere às doenças infecciosas cujo tratamento restringe-se ao uso de fármacos (BISELLI, 2011, p.84). 6 O controle das infecções hospitalares é fundamental na redução de óbitos, de internações, e dos altos custos econômicos para os sistemas de saúde. Contudo os dados apresentados demonstram que o problema da resistência bacteriana ocorre em grande maioria no ambiente externo às instituições de saúde, a denominada “resistência bacteriana” comunitária. Salienta-se que grande parte dos resíduos de antibióticos no ambiente resultam pela excreção humana, pois o maior volume dos antibióticos utilizados em tratamentos de infecções, por volta de 90%, não é metabolizada pelo organismo humano. Destaca-se, que os tratamentos de esgotos e de água para o consumo humano são eliminam estes resíduos. Outro problema refere-se ao descarte de sobras de antibióticos no ambiente em decorrência de medicamentos não utilizados em tratamentos, como os medicamentos vencidos, as sobras em decorrência ao não cumprimento da posologia, e das sobras de cartelas não fracionáveis. Atualmente o SUS dispensa somente o número de cápsulas ou comprimidos prescritos, justamente para evitar sobras, contudo o mesmo não ocorre nas farmácias privadas. Também, a grande maioria dos antibióticos é prescrita desnecessariamente, como indica a pesquisa realizada na cidade de São Paulo, […] onde 68% dos antibióticos prescritos para crianças menores de sete anos com infecções respiratórias agudas eram inadequados; a maioria foi indicada para o tratamento do resfriado comum. Nos casos de otites e amidalites, os maiores problemas encontrados foram: a escolha de antibióticos de amplo espectro e/ou alto custo, tempo curto de tratamento, erros no intervalo entre as doses ou prescrição de antibióticos ineficazes para a erradicação do estreptococo da 7 antibióticos é transportado e tratado em Brusque, Estado de Santa Catarina. Neste caso os problemas são externalizados, ao contrário da internalização como sugere o Ministério da Saúde do Brasil.4 Aliado aos problemas relacionados à prescrição, existe a falta de orientação dos profissionais da saúde aos usuários do SUS no momento da dispensação da medicação e da falta de conhecimento dos usuários quanto aos riscos à saúde humana em função do uso incorreto, como argumentado por Fiol, et al (2010): Outro grande desafio no [...] uso racional de antibióticos refere-se à qualidade da informação que o paciente detém para o uso do medicamento. A falta de informações durante a consulta, seguida por pouca ou nenhuma orientação no ato da dispensação do medicamento, faz com que o usuário abandone o tratamento precocemente, perca administrações ou ainda os utilize desnecessariamente. (2010, p.69). A falta de informações agrava a situação, e a maioria dos profissionais da saúde ainda não interpretaram a questão da resistência bacteriana como um problema de saúde pública, pois há a necessidade de revisão nos critérios de prescrição, de dispensação e de uso de antibióticos, pois a atual forma de utilização tem levado a reincidência das infecções, necessitando, com isto, de antibióticos mais fortes. (FIOL, et al, 2010, p.72). Considerações sobre o uso de antibióticos na cadeia produtiva avícola de corte O aumento da população mundial e da urbanização acelerada impulsionou o setor produtivo agrícola ao aumento da produção e do consumo de alimentos com baixo custo, como no caso da carne de frango em substituição às carnes vermelhas, estas, mais caras e com menor volume de produção, e com maior risco à saúde humana devido ao colesterol e digestibilidade das fibras (PEREIRA, 2009, ALCÂNTARA, 2011) . Novas tecnologias foram criadas e outras adaptadas ao setor produtivo. Dentre estas tecnologias está a utilização de antibióticos bacterianas para terapêutica e profilaxia de infecções e/ou mistura às rações como promotores de crescimento. Salienta-se que dos antibióticos produzidos nos Estados Unidos da América 60 a 80% são administrados em animais saudáveis, e os grupos mais utilizados são quinolonas, macrolídeos e tetraciclinas. A União Européia proibiu em 2006, em seus domínios, o uso de antibióticos em rações como promotores de crescimento, contudo nos EUA continuam a ser utilizados (PEREIRA, 2009). 4 Dentre as iniciativas governamentais para a coleta de resíduos domésticos de antibióticos, está o projeto lei que tramita na câmara de Vereadores de Curitiba e que propõe implantar pontos de coleta de resíduos de medicamentos domésticos em farmácias em todo o município, responsabilizando as farmácias pelo descarte. Os conflitos estão em relação aos custos de descarte e que deve ser de responsabilidade do fabricante. Sabe-se que a simples coleta poderá contribuir, mas não influenciará de maneira expressiva no contexto de redução da resistência bacteriana, pois a questão está em reduzir drasticamente o consumo de antibióticos evitando resíduos no ambiente, seja pelas sobras, seja pelas excretas humanas. 8 Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) os antibióticos quinolonas, macrolídeos e cefalosporinas de 3ª e 4ª geração são os mais importantes e que necessitam ser preservados para a saúde humana diante da ameaça no aumento da resistência de estirpes bacteriana de origem animal. Este argumento foi apresentado e defendido, em novembro de 2007 pela Organização Mundial da Saúde e contou com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE). Para a OIE é preocupante o uso destes fármacos na produção animal e o enfrentamento para minimizar as conseqüências requer, também, a implementação de medidas em escala global devido ao aumento de casos de infecções causadas por bactérias resistentes transmitidas por viajantes, o que pode acontecer mesmo adotando-se todas as medidas de vigilância (PEREIRA, 2009). Estas medidas sugeridas seriam: Criação de um programa nacional de controle do consumo de antibióticos em veterinária; criação de um programa nacional de controle de resistência em estirpes bacterianas; implementação de estratégias que impeçam a transmissão de bactérias resistentes de animais para pessoas através da cadeia alimentar; implementação dos princípios propugnados pela WHO [OMS] para contenção das resistências em animais de consumo humano e cumprimento das normas da OIE para uso responsável de antibióticos; promoção da capacidade dos países, especialmente daqueles que se encontram em vias de desenvolvimento, para o incremento de programas de vigilância de utilização de antibióticos e de emergência de resistências em estirpes de bactérias adquiridas em animais de consumo humano (PEREIRA, 2009, p.40). O alto consumo de antibióticos na avicultura decorre do estresse em que os animais estão submetidos, e da baixa imunidade em decorrência do melhoramento genético em favor da produtividade, pois, quanto mais produtivo, menos resistentes os animais ficam em função da seleção de genes com características voltadas a produtividade. (PEREIRA, 2009). O objetivo na utilização de antibióticos como promotores de crescimento é a eliminação de bactérias patogênicas no trato digestório para aumentar a conversão alimentar. Esta prática consiste na administração de doses subterapêuticas para promover o crescimento dos animais, melhorando a eficiência da alimentação, através da eliminação de bactérias patogênicas que existem naturalmente em proporções subclínicas e alteração da flora não patogênica intestinal. Desta forma, a digestão é otimizada, não ocorrendo fenômenos de fermentação dos nutrientes. As bactérias intestinais inibem as enzimas pancreáticas e metabolizam as proteínas com a produção de amoníaco e aminas. A destruição destas bactérias conduz a uma melhor digestibilidade das proteínas. Calcula-se que também haja alterações ao nível metabóias admimel1 9 bacitracina-zinco, espiramicina, tilosina e virginiamicina, devido a evidencias da resistência cruzada com medicamentos de uso na saúde humana5. (PEREIRA, 2009). A União Européia por meio do Decreto-Lei n. 151/2005 estabeleceu a obrigatoriedade da prescrição médica veterinária para antibióticos em animais de consumo humano, e critérios para a emissão da receita. Ficou também estabelecido um intervalo de segurança entre a utilização do antibiótico e o abate de animais para consumo humano, tempo necessário para eliminação dos metabólitos do fármaco pelo organismo dos animais. O decreto estabeleceu, também, responsabilidades na fiscalização (PEREIRA, 2009)6. Contudo, uma pesquisa realizada em Portugal objetivando verificar a existência de antibióticos do grupo fluoroquinolonas em peito de frangos, demonstrou que em 33 amostras, 26 (79%) possuíam resíduos, e que “as fluoroquinolonas continuam a ser utilizadas em grandes quantidades na produção de frangos de consumo humano, e a existência de 79% de amostras contaminadas não pode ser atribuída apenas a tratamentos esporádicos” (PEREIRA, 2009, p.90) A pesquisa realizada por Alcântara (2011) no Distrito Federal ao analisar 22 cepas de E. coli obtidas de celulites de frangos abatidos em frigoríficos da região, apontou as seguintes resistências: Ampicilina 59,09%, gentamicina 40,90%, tetraciclina 4,55%, enrofloxacina 36,36%, cefalotina 54,55%, cefalexina 59,09%, eritromicina 81,82%, penicilina 100%, sulfonamida 90,91%, doxiciclina 4,55%, cloranfenicol 0%, neomicina 4,55%, cefazolina 50%, espiramicina 100%, amoxicilina 68,18% e norfloxacina 18,18%. Estas resistências podem ser transmitidas a E. coli em seres humanos por meio do consumo de carne mal cozida, assim como cepas podem colonizar o intestino humano, especialmente do produtores de frangos, onde que inicia o processo de transferência de genes entre os seres humanos. Para o autora estes percentuais de resistência representam riscos à saúde humana. A questão que envolve o uso de antibióticos é complexa e há de se ter a urgência em proteger a eficácia dos atuais antibióticos que ainda tem boa eficácia em tratamentos de infecções, pois as bactérias tornam-se resistentes de maneira mais rápida do que ocorre a 5 A avoparcina provocaria a resistência cruzada com a vancomicina de uso para tratamento de infecções enterocócicas causadas pela bactéria Enterococcus faecium; a tilosina por promover a resistência cruzada com eritromicina utilizada para controle de infecções respiratórias e pelo fato da eritromicina pertencer ao grupo dos macrolídeos é natural que bactérias patogênicas humanas desenvolvam resistência as lincosaminas e à estreptogramina, o que representa um problema de saúde pública; a resistência cruzada a virginiamicina com a associação de quinupristina/dalfopristina, importante na medicina humana para o tratamento da resistência de Enterococcus à vancomicina 6 No Brasil o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento por meio da Instrução Normativa IN nº 09, 27/06/2003 proibiu a utilização cloranfenicol e dos nitrofuranos na produção alimentos de origem animal, especialmente como promotores de crescimento. E, da Instrução Normativa Nº 51, de 29 de Dezembro de 2006, autoriza o uso dos antibióticos avilamicina, bacitracina metileno disalicilato, bacitracina de zinco, colistina (sulfato de), clorexidina (cloridrato de), enramicina, eritromicina, espiramicina, flavomicina (flavofosfolipol ou bambermicina), halquinol (clorohidroxiquinolina), lasalocida, lincomicina, monensina sódica, salinomicina sódica, tiamulina (fumarato hidrogênio de), tilosina (fosfato ou tartarato de), virginamicina. Com a Instrução Normativa IN nº 26, 09/07/2009 (revoga Portaria 193/1998) e proíbe o uso dos antibióticos Anfenicóis, tetraciclinas, betalactâmicos (benzilpenicilâmicos e cefalosporinas), quinolonas e sulfonamidas sistêmicas. 10 produção de novos princípios ativos, e para piorar, as indústrias farmacêuticas tem investido em maior escala na produção de fármacos para o tratamento de doenças crônicas degenerativas. Contudo, por parte dos agricultores a questão econômica não é o fator decisivo para a adoção de métodos de produção alternativos mais seguros, mas há o desconhecimento, a resistência à mudança e o comodismo, pois a Suécia, a Noruega e a Dinamarca conseguiram reduzir a resistência bacteriana por meio de novos aditivos nas rações, sem com isso reduzir a produtividade ou aumentar os custos de produção (PEREIRA, 2009). No Brasil são escassas as pesquisa e não existem estatísticas em relação a quantidade de antibióticos comercializada para a produção animal. Entre as poucas fontes de informações existentes, a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná realizou um estudo qualitativo sobre a comercialização de medicamentos veterinários em frangos de corte, o qual revelou o uso de 126 produtos comerciais, com 49 diferentes princípios ativos (SESA, 2005). No referido estudo, os grupos de medicamentos preventivos mais citados foram: fluoroquinolonas (34%), ionóforos (20%), macrolídeos (10%), quinolonas e tetraciclinas (6%), sulfonamidas (4%) e lincosamidas (3%); e os grupos de medicamentos terapêuticos mais citados foram: ionóforos (25%), fluoroquinolonas (19%), sulfonamidas (14%), tetraciclinas (11%), betalactâmicos (7%), macrolídeos (5%) e aminoglicosídeos (4%). Em termos dos compostos, os ingredientes ativos preventivos mais utilizados foram: enrofloxacina, avilamicina, lasalocida, ciprofloxacina, fosfomicina, clortetraciclina, sulfadiazina + trimetropina, ácido 3-nitro, virginiamicina, lincomicina, norfloxacina e tilosina; já os ingredientes ativos para fins terapêuticos mais utilizados foram: norfloxacina, enrofloxacina, monensina, sulfadiazina + trimetropina, avilamicina, amoxicilina, clortetraciclina, sulfaclorperidazina +trimetropina, maduramicina, nicarbazina, neomicina, tiamulina e tilmicosina. Esse mesmo levantamento também constatou algumas irregularidades: o uso das tetraciclinas, olaquindox, tiamulina, ciprofloxacina, norfloxacina e enrofloxacina como promotores de crescimento; e o uso das tetraciclinas, penicilinas e sulfonamidas como terapêuticos. Todas estas formas de uso são proibidas pelo Ministério da Agricultura (MAPA). (REGITANO; LEAL, 2010, p.604) Este cenário de riscos é caracterizado por Beck (2010) como produto de uma “Sociedade de Risco”, pois, se por um lado, a modernização tenha possibilitado o desenvolvimento de tecnologias para diagnósticos e tratamento precoce de doenças até então incuráveis, aumentando a expectativa de vida, por outro, há a utilização indiscriminada devido ao desconhecimento dos riscos, e que pode representar riscos superiores a gênese dos objetivos para a qual foram criados, que era de salvar vidas humanas. Estes argumentos são comprovados, como por exemplo, nos altos índices de morbidade e mortalidade humana decorrentes das infecções incontroláveis e contabilizadas nos países desenvolvidos. Certos antibióticos são biocumulativos e os resíduos presentes em lodos estações de tratamento de esgotos ou excreções de animais, utilizadas como fertilizantes, podem ser absorvidos pelas plantas e reintroduzidas na cadeia alimentar. Ou seja, o “efeito bumerangue” (BECK, 2010) ocorre na medida em que os produtos das excreções pode retornar ao produtor na forma original por meio dos alimentos, ou indiretamente através da resistência bacteriana a estes produtos (KÜMMERER. 2008 e 2009). 11 O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) sugere algumas medidas socioambientais em virtude do que ele considerada como “a obscuridade no processo produtivo”. Para as empresas é imprescindível: ● Adotar práticas mais responsáveis em relação aos pequenos agricultores integrados à cadeia de criação avícola, aos trabalhadores de suas fábricas e à prevenção de riscos à saúde dos consumidores. Para o poder público é urgente: ● Implementar uma legislação específica para o uso de medicamentos veterinários no Brasil. O Mapa e o Ministério da Saúde deveriam se ocupar conjuntamente da saúde do consumidor, já que o Ministério da Agricultura alega que o estabelecimento de limites de resíduos em alimentos não é tarefa sua. ● Comunicar à população se, ao longo dos anos, os resultados obtidos com o monitoramento da cadeia de criação de aves foram significativos. ● Esclarecer para a população quais são as providências tomadas pelo Mapa quando detecta um caso de violação à legislação adotada.(2011, p.27) Resultados e Discussões Metodologicamente a pesquisa se consistiu em três momentos: a) Construção do perfil dos antibióticos dispensados pelo SUS de FRG Por meio do acesso a relação de medicamentos adquiridos pelo SUS de FRG, foram identificados os antibióticos dispensados no período de 2007 a 2011. Foi avaliado o acréscimo de princípios ativos, as combinações e a evolução nas concentrações. Esta atividade justificou-se pela necessidade em dados regionais de consumo de antibióticos. Verificou-se a partir de 2009 um aumento de princípios ativos para a claritromicina, de 250 mg para 500 mg em 2011, e de combinações como a amoxicilina 500 mg + Clavulanato de potássio 125 mg. Estes dados sugerem o aumento da resistência bacteriana a determinados antibióticos de uso humano, especialmente aqueles de prescrições freqüentes, contudo estes medicamentos não são de prescrição para infecções do trato urinário. 12 b) Análise de frangos comercializados em FRG Verificou-se por meio de análise por cromatografia líquida da presença de antibióticos quinolonas (enrofloxacina e ciprofloxacina) em 10 das 17 marcas de frangos mais comercializadas em FRG. As análises foram realizadas pelo Laboratório Lanagro (MAPA) em Porto Alegre. A justificativa para a análise foi de que: a Organização Mundial da Saúde chama a atenção para a necessidade em se preservar as quinolonas para a saúde humana; a ciprofloxacina é utilizada pelo SUS em FRG em casos de resistência bacteriana aos antibióticos tradicionais; pesquisa do PAMVet/PR em 2005 diagnosticou grande volume de quinolonas comercializadas como produtos veterinários; a ciprofloxacina é o metabólito da enrofloxacina, antibiótico que era utilizado como promotor de crescimento em frangos; e, de que o uso de quinolonas foi proibido na agropecuária pela instrução normativa nº 26, 09/07/2009 MAPA. Em 17 de janeiro de 2012 foram adquiridos nos estabelecimentos de FRG 10 frangos congelados, e de cada um destes, foi retirado 100 gramas de músculos (peito). Acondicionadas individualmente em embalagens plásticas e identificadas apenas com um número, as amostras foram mantidas congeladas a -20 graus Celsius. Em 18 de janeiro de 2011 as amostras formam entregues no Lanagro (Laboratório Nacional Agropecuário- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) em Porto Alegre/RS para análise pela técnica de Cromatografia Líquida Acoplada à Espectrometria de Massas (LC-MS/MS) pelo MET RPM/07/02 ( determinação (Fluor) quinolonas em músculo de frango). O método MET RPM/07/02 quantifica as amostras a partir de 20 µg/Kg de frango e aponta o LMR como 100 µg/Kg, seguindo as orientações da Instrução Normativa No 8 de 29 de abril de 2010 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. O Lanagro é o laboratório oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, com metodologia de análise credenciada para cromatografia de quinolonas, e nele é que se realizam as análises do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal (PNCRC). A análise apontou ausência de resíduos, ou seja, não quantificável (NQ). Pesquisa similar realizada pelo IDEC em São Paulo e que ratificou a inexistência de resíduos, contudo, este instituto questionou a obscuridade na cadeia produtiva quanto aos resíduos no ambiente. c) Verificação das resistências da bactéria E. coli em antibiogramas de cultura de urina de usuários do SUS de FRG A justificativa para esta etapa foi a de que: as infecções urinárias (ITU) são a segunda maior causa de infecções e responsáveis por alta morbidade e requerem a utilização de antibióticos; a maioria das infecções urinárias e entéricas são causadas por bactérias E. coli, e que colonizam o trato digestório dos animais homeotérmicos e desenvolvem multirresistencias, transmitindo esta característica à outras cepas e pode também desenvolver a resistência no ambiente; e a análise de antibiogramas permite verificar a resistência em relação aos antibióticos prescritos e a possível relação com resíduos presentes nos alimentos e no ambiente. 13 Foram analisados 283 análises de cultura de urina realizados por um dos laboratórios do município, e que atende a 50% da população. Este levantamento correspondeu aos meses de dez/jan de 2004/2005 a dez/jan de 2011 e 2012. Os resultados ratificaram a predominância de bactéria E. coli (85,86%), e em 172 exames (70,78%) apresentou pelo menos uma resistência à antibióticos, predominando as ITU em mulheres, 92,27%, contra 7,73% em homens. Verificou-se nos Testes de Sensibilidade aos Antibióticos (TSA) alta resistência aos antibióticos ac. nalidixico, ampicilina, tetracilina e sulfazotrin. A ampicilina e a tetraciclina não foram prescritas na rede de saúde aos usuários com infecções urinárias. A tetraciclina não pode ser prescrita para gestantes devido aos riscos de malformações congênitas. Na tabela abaixo constam os percentuais de resistências em E. coli verificados a cada ano e por antibiótico em 172 usuários com infecções do trato urinário em FRG. Para a ciprofloxacina as primeiras resistências observadas a E. coli foram de 21,13 % em 2008, e de 15,15% em 2011. Em todos os casos de resistências, conforme a amostragem, a resistência a este antibiótico ocorreu em usuários com multirresistencias, ou seja, 3 ou mais, o que sugere usuários com infecções freqüentes aos quais tenha sido prescrito ou passaram por internações hospitalares, local em que adquiririam a resistência. Estes dados sugerem que fontes de contaminação externa, como a carne de frango, não estão influenciando para este antibiótico. As lacunas representadas na tabela, e que poderiam sugerir ausência de resistência ocorreram pelo razão inexplicável de que nestes períodos não foram utilizados os mesmos padrões de TSA e por isto a resistência para alguns antibióticos não foi testada. Para os antibióticos ampicilina, tetraciclina e cloranfenicol, necessita-se maiores observações, pois estes são utilizados largamente como terapêuticos em toda a cadeia produtiva agrícola, como no tratamento de infecções nas glândulas mamárias de vacas lactantes. Discussões A atual matriz do modelo de produção de alimentos, como das carnes de frango em alta escala e a baixo custo para atender as necessidades de produção e de consumo, estruturou-se sobre a transferência dos conhecimentos da farmacologia humana para a produção animal, e que culminou com a utilização dos mesmos princípios ativos e em volumes descontrolados. 14 Os países europeus foram os primeiros a perceberem a incompatibilidade nesta transferência, e em 2006 proibiram em seus domínios a utilização de antibióticos de uso humano na produção animal. As pressões de entidades internacionais como a Organização Mundial da Saúde foram fundamentais, e cuja preocupação pautou-se na preservação de certas classes e grupos de antibióticos utilizados na saúde humana. Este apelo foi bem interpretado pela população dos países desenvolvidos, de modo a exigir dos importadores a melhor qualidade possível nos alimentos de origem animal, como da carne de frango, especialmente quanto ao Limite Máximo de Resíduos (LMR) permitidos. Estes procedimentos reorientaram os padrões internacionais, tanto que o risco passou a ser econômico, especialmente para as empresas exportadoras de frango, como as brasileiras. As alterações no modelo produtivo foram tantas que na atualidade é impossível conjecturar sobre riscos alimentares quanto a existência de resíduos de antibióticos nas carnes, o que foi demonstrado pela pesquisa a quanto a ciprofloxacina. Porém, são incertas se as medidas adotadas pelo MAPA no Brasil em 2009 ao seguir a mesma lógica européia de restrição de uso de antibióticos na produção animal, estão sendo contempladas em toda a cadeia produtiva, ou ocorrem somente no final dela, quando uma semana antes do abate os frangos recebem ração sem aditivos químicos de modo que possam ser desintoxicados. Alguns dos dados obtidos a partir do diagnóstico no município de FRG, quanto as resistências da bactéria E.coli em culturas de urina, não podem ser generalizados para escalas superiores as regionais, pois as resistências podem variar de região para região, em intensidade e em relação aos princípios ativos utilizados. O fato da ciprofloxacina não ser encontrada em tecidos de frango, e da baixa resistência bacteriana encontrada em antibiogramas, sugere que as resistências verificadas sejam em decorrência dos usos sucessivos em pacientes com infecções do trato urinário recorrentes ou que tenham sido submetidos à internações hospitalares. Este contexto requereria uma investigação do histórico das prescrições em seus prontuários nas Unidades Básicas de Saúde. Contudo nos casos de resistências aos antibióticos ampicilina, tetraciclina e cloranfenicol esta extrapolação para escala nacional seria possível devido as pesquisas apontarem semelhantes resultados. A pesquisa realizada por Vieira et al (2012) em 79 amostras de marcas de leite comercializadas no Estado do Paraná, para a verificação da contaminação por resíduos de antimicrobianos apontou a existência destes em 15 (19%), sendo 6 com cloranfenicol (40%), 3 com tetraciclinas (20%), 1 por gentamicina (6,7%), 3 por estreptomicina (20%) e 2 por betalactâmicos (13,3%). A pesquisa não identificou quais antibióticos betalactâmicos constavam nas amostras, pois o isolamento destes, como a ampicilina, é dificultado pela instabilidade da molécula. Deste modo inclui-se uma nova variável no contexto das resistências, e que se relaciona ao leite para o consumo humano e seus derivados, fato que requer novas releituras dos dados obtidos em FRG. Instala-se, com isto, uma nova problemática de riscos, pois a 15 produção brasileira de produtos lácteos consegue atender apenas as necessidade de consumo interno, e, portanto, não estaria sujeita as exigências e sansões do mercado internacional, com é feito com o frango. Seguindo esta lógica, os riscos à saúde humana são menores em produtos de exportação, pois o mercado internacional impõe condições e restrições quanto aos níveis toxicológicos. Esta anuência dos órgãos oficiais, como o Ministério da Agricultura e Abastecimento e do próprio Ministério da Saúde, atribuindo ao sistema produtivo, em determinação aos critérios internacionais e impostos pelo mercado consumidor europeu, a autonomia em decidir quais produtos farmacêuticos sejam utilizados no tratamento animal, é o que instala este panorama de “riscos naturais biológicos”, expressão tomada de emprestado de Veyret (2007), para caracterizar este contexto de riscos. O natural biológico pode ser associado, no contexto de riscos, ao fato das resistências desenvolvidas pelas bactérias serem um processo natural, pois, para os seres unicelulares é imprescindível um mecanismo que lhes proteja no ambiente contra substancias nocivas. Os aspectos relacionados aos riscos biológicos, neste caso, estariam vinculados aos agentes etiológicos, como as bactérias. Estes riscos ambientais naturais biológicos, expressam um contexto de dificuldades de mensuração pelo fato do material genético bacteriano estar propenso as freqüentes mutações e transformações, bem como da disseminação no ambiente e das mutações nos microrganismos patogênicos, e quando bem sucedidas, representam um risco para o ser humano. A vulnerabilidade que “mede os impactos danosos do acontecimento sobre os alvos afetados” (VEYRET, 2007, p.24), pode neste aspecto ser associada às condições 16 antibiótico pertencente ao grupo dos betalactâmicos, e pelas evidencias apresentadas, esta deve possuir uma fonte de resíduos de origem alimentar, pois, ao contrário do que se imagina, os resíduos de penicilina, enquanto metabólitos presentes em excretas humanas e de animais, quanto atingem o solo ou as águas pluviais, são rapidamente degradados pela radiação solar. Já a tetraciclina, pode permanecer em até 10 anos no ambiente, como no lodo dos rios, e ser absorvida pelas plantas, como no caso de hortaliças, cujo solo foi fertilizado com excretas contendo estes resíduos, e das irrigações com águas pluviais. Uma prova destes riscos, e que gerou crise na Europa, foi a morte de mais de 40 pessoas, somente na Alemanha em 2011, por infecção entérica causada por cepa de E.coli hemorrágica resistente a mais de oito princípios ativos de antibióticos, e transmitida a população por brotos de feijões resultantes de produção agroecológica. Se nos países europeus este cenário se transformou em uma crise, para Veyret (2007), como um acontecimento concreto de uma Álea (acontecimento possível), fica no imaginário as possíveis dimensões e riscos caso fato semelhante acontecesse no Brasil. A problemática está instalada: por um lado não se concretizam as metas do Sistema de Vigilância Ambiental em Saúde, e por outro, os interesses de mercado reforçam a lógica de que os resíduos no ambiente não apresentam riscos, e, também, pelo modelo biomédico que ainda não internalizou no SUS o monitoramento de riscos ambientais. Dentre estes monitoramentos estaria o das resistências da bactéria E. coli aos antibióticos. Estas discussões são imprescindíveis na construção das metas de efetivação das ações Sistema de Vigilância Ambiental em Saúde, pois este requer um conjunto de procedimentos metodológicos teóricos e técnicos para subsidiar o monitoramento dos resíduos no ambiente. Requer também, a articulação entre os ministérios e secretarias criadas para este fim, de modo que as responsabilidades individuais e compartilhadas possam ser atribuídas e exercidas em sua plenitude. Considerações Finais A partir dos dados verificados e analisados à luz dos riscos ambientais naturais biológicos, sugere-se a implementação imediata de ações em vigilância ambiente em saúde, dado que, na atualidade, o ambiente é percebido pelo setor produtivo, e boa parte do setor da saúde humana, mais como um depósito de resíduos do que um espaço dinâmico que se conecta em processos cíclicos de reintrodução de substâncias nos ecossistemas. Esta percepção de ambiente, como depósito e desconectado entre si, diverge das propostas do SUS ao incorporar na sua estrutura a vigilância ambiental em saúde. A principal prova desta desconexão se manifesta nas estratégias oficiais de controle de resíduos ao perceberem apenas como motivo de preocupação os elementos toxicológicos nos antibióticos e não os da resistência bacteriana. Ao desconsiderála como um motivo de preocupação ou como um risco possível (Álea), abre precedentes para 17 negligenciar inclusive os aspectos toxicológicos, pois a atribuição de limites mínimos e máximos de resíduos em alimentos podem ser influenciados por interesses, principalmente os de mercado. Se os países desenvolvidos notificam as mortes humanas causadas por infecções decorrentes de bactérias multirresistentes, é porque as preocupações com a saúde humana naqueles países superaram a ótica do perceber a saúde como mercadoria e o paciente como consumidor, o que ainda ocorre no Brasil, apensar de sermos a 6ª potência econômica, no qual o modelo biomédico é representado ainda pela medicalização e a pela medicação. Em alguns países, como a Suécia, a Noruega e a Dinamarca há indícios da ruptura entre a medicina humana com a animal por meio da adoção de métodos alternativos no tratamento de doenças animais, sem com isto representar perdas na produção. O monitoramento das resistências bacterianas aos antibióticos, como sugerido pela maioria dos autores referenciados neste artigo, requer, antes de qualquer coisa, a observância dos pequenos detalhes que envolvem os procedimentos nos usos dos antibióticos. Há de se ter a compreensão, de que, ao contrário de outros medicamentos, como os hormônios, cujos efeitos no ambiente alteram aspectos fisiológicos de outros seres vivos, os antibióticos podem trazer riscos indiretos por meio da resistência de bactérias no ambiente, expondo grupos humanos vulneráveis, como crianças e idosos. O fato de instituições oficiais brasileiras de fomento às pesquisas no setor produtivo se eximirem de responsabilidades em monitorar o ambiente, e deixar a cargo do MAPA e das grandes empresas esta atribuição, na expectativa de que estão cumprindo as exigências internacionais, cria outro cenário de riscos, especialmente aos produtos de mercado interno, como do leite. Pesquisas apontam a existência em produtos lácteos de resíduos de antibióticos, como betalactamicos, tetraciclinas e cloranfenicol, o que poderia explicar parte das resistências observadas em antibiogramas em FRG. Este cenário demonstra, também, uma cisão entre as próprias instituições, cujas posturas, assim interpretadas, não contribuem no enfrentamento do problema como rigor que ele merece, e nem em clarear as “obscuridades”, apontadas pelo Idec (2011). A nota de Jonas (2006) que inaugurou este artigo, sintetiza, pelos elementos apresentados em relação aos resíduos de antibióticos e seus efeitos à saúde humana, um contexto de “impotência de nosso saber” diante dos riscos ambientais naturais biológicos e que são ocultados em favor dos interesses individuais e de grupos, cujos conseqüências destas ações retornam como “efeito bumerangue” (BECK, 2010) sobre aqueles mais vulneráveis. Referências AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA(Anvisa). Padronização dos Testes de Disponível em Sensibilidade a Antimicrobianos por Disco-difusão. http://anvisa.gov.br/reblas/reblas_public_disco_difusao.pdf. Acesso em 22 Fev 2012. a 18 ALCÂNTARA, A. C. M. de. 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