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O abuso de direito no
condomínio edilício
Angélica Elisa Gadens
Advogada
1 INTRODUÇÃO
A figura do condomínio edilício tem sido crescentemente utilizada como
alternativa ao desenvolvimento dos centros habitacionais e comerciais de forma
concentrada, dentre outros motivos, enunciados por Monteiro1, em virtude da
possibilidade de melhor aproveitamento do solo e diminuição do custo desse
aproveitamento, tornando a edificação economicamente viável2.
Como conseqüência disso, têm sido suscitadas questões não previstas expressamente em normas e não regulamentadas de forma específica, em razão da
variedade de possibilidades fáticas de diferentes relações entre sujeitos de direito.
Explica Pereira3 que o Código Civil de 1916 não concebia essa modalidade
de direito de propriedade, aceitando apenas a divisão por planos verticais, regulada pelos direitos de vizinhança. Afirma esse autor, entretanto, que o “desenvolvimento urbano, a valorização dos terrenos citadinos e a necessidade de aproveitamento de espaço suscitaram a idéia de instituir condomínio nos prédios de
mais de um andar, distribuindo-os por diversos proprietários”4.
Segundo Venosa, “nenhuma outra modalidade de propriedade tenha talvez levantado maior riqueza de problemas jurídicos e sociais do que a denominada propriedade horizontal, propriedade em planos horizontais ou propriedade em edifícios”5.
1) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das coisas. 34 ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
2) Ibid. p.212.
3) PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. V. IV. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
4) Ibid. p.126.
5) VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol. V. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 361.
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Assim, tendo em vista a impossibilidade fática de previsão expressa de
todas as condutas possíveis e uma universalidade de respostas possíveis de
serem oferecidas pelo Direito, não há mais lugar, em nosso ordenamento,
para um rol de regras formais buscando abranger todo o comportamento social dos condôminos.
Para resolver as mencionadas situações, utiliza-se o legislador de conceitos mais amplos e abstratos, dependentes de interpretação: as cláusulas gerais,
tais como “bons costumes”, “conduta anti-social” e a boa-fé objetiva, de modo
que os conceitos passam a se adequar aos fatos, por meio de uma interpretação
do direito privado sob enfoque constitucional.
Uma das situações em que se faz necessária a utilização das cláusulas
gerais como parâmetro de análise é o abuso de direito, sendo que sua incidência sobre as relações decorrentes do condomínio edilício é objeto de estudo deste artigo.
Na figura do abuso de direito analisa-se o comportamento do titular do
direito, o qual deve exercer este dentro de certos parâmetros de comportamento
socialmente adequado, nos limites da boa-fé objetiva.
Para analisar de que forma verifica-se o abuso de direito nas relações condominiais, é preciso esclarecer alguns conceitos e realizar algumas considerações a respeito dos institutos jurídicos envolvidos. Primeiro são abordadas as
características do direito de propriedade, sua função social e as particularidades
presentes no condomínio edilício. Então, trata-se da técnica de normatização
por meio do uso de cláusulas gerais do ordenamento e, especificamente, do abuso de direito. Finalmente, é analisada a utilização jurisprudencial das cláusulas
gerais em situações fáticas específicas, oriundas da relação peculiar de propriedade observada no condomínio edilício, visando coibir o abuso de direito.
2 O CONDOMÍNIO EDILÍCIO
2.1 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE INDIVIDUAL
Desde o século VIII, desenvolveu-se na Europa o direito feudal, o qual até
o século XII não era regulamentado, possuindo natureza consuetudinária. Segundo Caenegem, esse era “(...) um sistema original de direito (...). Suas características gerais são todavia mais germânicas do que romanas: importância das
relações pessoais e da propriedade fundiária; ausência de qualquer concepção
abstrata do Estado; falta de legislação escrita e formal”6. O direito feudal possuía
normas jurídicas principalmente com relação à titularidade da terra, criando um
modelo mantido ao longo de séculos.
A concepção de titularidade de direitos sobre as coisas e, especialmente
sobre bens imóveis era diferente da contemporânea, e não havia a idéia de direito
absoluto e exclusivo sobre bens. A titularidade de direitos sobre bens era diferente
6) CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Trad. Carlos Eduardo Lima Machado.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.28.
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conforme o bem e também variável de acordo com os sujeitos. Dentro do sistema
feudal, organizado em unidades de senhorio, havia uma vinculação das pessoas ao
solo, dos vassalos aos feudos, permeada pela idéia de hereditariedade. Afirma Harold
J. Berman7 que um dos elementos mais importantes do direito feudal era a combinação entre direitos políticos e econômicos, ou seja, o governo e o direito de disposição da terra (retratado pelo termo dominium). A idéia de domínio não correspondia à de propriedade existente no século XVII, pois diferentemente dessa, o
domínio era limitado e exercido de diversas maneiras. Os direitos eram inerentes à
terra, e variavam de acordo com os sujeitos das relações intersubjetivas8.
Rosalice Fidalgo Pinheiro ressalta que
o modelo herdado do sistema feudal passava a ser incompatível com o
modelo de propriedade exigível para o novo sistema econômico do capitalismo, e o papel que o contrato vai desempenhar é justamente no sentido
de libertação dos entraves, aos quais a propriedade ainda estava atrelada. Trata-se de uma condição sem a qual a crescente burguesia não poderia instaurar um novo regime econômico, o capitalismo, o qual exigia a
circulação de riquezas9.
Com a revolução francesa e o código de Napoleão, a propriedade consolida-se como direito individual absoluto, desde que não exercido de forma contrária à lei, mas esse conceito novamente modifica-se no século XX, quando
surgem preocupações como, por exemplo, com o direito à moradia, uso do solo
e crescimento populacional.
Percebe-se, desde logo, que o conceito de titularidade de direitos sobre as
coisas é mutável conforme contextos históricos de épocas diferentes. Segundo
Ângela Costaldello, “situa-se a propriedade, não só num sistema de valores, mas
no constante e turbulento cenário de transições vividas pela civilização”10.
Atualmente, no direito brasileiro, a propriedade privada está prevista expressamente no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, consolidada como
direito fundamental e, portanto, cláusula pétrea. Encontra-se regulamentada, ainda, no Código Civil, no artigo 1.228 e seguintes.
Constitui-se como direito real, caracterizada pela exclusividade, caráter
absoluto, tipicidade e perpetuidade, conferindo a seu titular direito de usar, fruir
e dispor, desde que em conformidade com sua função social.
A característica da exclusividade, legatária da concepção moderna de
titularidade sobre as coisas, relaciona-se com a idéia de singularidade de
titularidade, de direito exercido por apenas um sujeito.
7) BERMAN, Harold J. La formación de la tradición jurídica de Occidente. México: Fondo de Cultura Económica, 1996. p.327.
8) Por exemplo entre os servos, senhores, camponeses livres.
9) PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O Abuso do Direito e as Relações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
p.172.
10) COSTALDELLO, Ângela Cássia. A propriedade privada, o Urbanismo e as parcerias público-privadas:
transformações e perspectivas. in GUIMARÃES, Edgar (coord.). Cenários do direito administrativo: Estudos
em Homenagem ao Professor Romeu Felipe Bacellar. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p.87.
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O caráter absoluto da propriedade pode ser explicado pelo que afirma Miranda, explanando que os direitos absolutos são aqueles que se dirigem contra
todas as pessoas, em contraposição aos direitos relativos, os quais se referem a
sujeitos passivos individuais11. Ou ainda, nas palavras de Cortiano Junior, a propriedade é absoluta “(...) na medida em que a lei veda aos outros sujeitos interferirem na relação do proprietário com o bem apropriado. (...) Aqui se encontra o
caráter exclusivista do direito de propriedade, já que o proprietário pode opor-se
a que qualquer um faça uso dos poderes de que ele é titular”12.
Incide sobre a propriedade, já que inserida na categoria dos direitos reais,
o princípio da tipicidade, de acordo com o qual somente existem as categorias
ou figuras previstas em lei, e “não podem resultar de uma convenção entre sujeitos jurídicos”13. Ensina Gondinho que “o princípio da tipicidade dos direitos reais
significa, em síntese apertada, que o estabelecimento destes direitos não pode
contrariar o conteúdo estrutural dos poderes conferidos, pelo ordenamento, ao
titular da situação jurídica de direito real”14.
Outra característica do direito de propriedade é a perpetuidade. Em relação a isso, afirma Cordeiro que “a perpetuidade seria a característica pela qual a
propriedade, uma vez constituída, só se extinguiria pela ocorrência de causa
extintiva”15. Não há no sistema jurídico o objetivo de extinção da propriedade,
diferentemente do que ocorre nas relações obrigacionais, em que se visa ao
cumprimento de uma obrigação e, assim, sua extinção. Logo, o decurso do
tempo, por si só, não extinguiria a propriedade, tanto que pode inclusive ser
adquirida pela hereditariedade16.
O Código Civil prevê a vedação do exercício abusivo do direito de propriedade, no artigo 187, como adiante explicitado, e ainda a observância da função
social da propriedade, conforme disposto no artigo 1.228, § 1º. Para Cortiano
Junior, por meio da função social, “a idéia de condicionamento de um direito a
uma finalidade, geralmente adstrita ao direito público, ingressa no direito privado e conforma o direito de propriedade”17.
2.2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Toda propriedade tem uma função social. Mais do que isso, só é concebida e concretizada como tal se cumprir a função social a que se destina. Afirma
Eroulths Cortiano Junior que se “antes a função social da propriedade era exercida à medida que refletia a autonomia e liberdade humanas, impõe-se agora com11) MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo 5. Campinas: Bookseller, 2000. p.305.
12) CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p.108. A descrição restringe-se à propriedade da era liberal pós-revolução francesa. Por isso, tal
definição do autor não se refere ao conceito contemporâneo da propriedade privada.
13) GONDINHO. André Pinto da Rocha Osorio. Direitos reais e autonomia da vontade: o princípio da
tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 16.
14) Ibid. p.16.
15) CORDEIRO, A. Menezes. Direitos Reais. Lisboa: Lex, 1993. p.629.
16) VENOSA, op. cit. p.239.
17) CORTIANO, op. cit. p.143.
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preender sua função em face dos desprivilegiados, dos não proprietários”18.
Aliás, se a Constituição Federal assegura, no artigo 5º, XXII, como supramencionado, o direito à propriedade, já no inciso seguinte trata de sua
função social19. Apesar de previsão constitucional da função social da propriedade, o Código Civil de 2002 trata pouco da matéria, estabelecendo-a no
artigo 1.228, § 1º20.
Isso não significa que retirou ou restringiu sua aplicabilidade. Ao contrário
disso, deve o Código ser interpretando sempre sob o enfoque constitucional.
Nesse sentido, Gustavo Tepedino ressalta a importância da interpretação do Código Civil de 2002 na perspectiva civil-constitucional como instrumento para
“(...) se atribuir não só às cláusulas gerais, (...) mas a todo o corpo codificado um
significado coerente com a tábua de valores do ordenamento, que pretende transformar efetivamente a realidade a partir das relações jurídicas privadas, segundo
os ditames da solidariedade e justiça social21.
Miguel Reale, ao escrever a respeito de direito real no projeto do Código
Civil de 2002, afirmou que é “visto em razão do novo conceito de propriedade,
com base no princípio constitucional de que a função da propriedade é social,
superando-se a compreensão romana quiritária da propriedade em função do
interesse exclusivo do indivíduo, do proprietário e do possuidor”22.
Judith Martins-Costa afirma que a função social não deveria ser entendida
como um direito subjetivo, mas concebida em uma noção realista, de acordo
com a qual a propriedade “é uma função social, e não tem, meramente, uma
função social”23. Isso equivale a dizer que a função social da propriedade participa da própria estrutura do direito de propriedade, não podendo ser pensada em
nosso ordenamento a propriedade sem a função social.
Para Martins-Costa, a
atribuição de uma função social à propriedade está inserida no movimento da funcionalização dos direitos subjetivos, que desde o final do
século XIX vem promovendo a reconstrução de institutos centrais do Direito moderno, tais quais a propriedade e o contrato, como tentativa de
buscar um novo equilíbrio entre os interesses dos particulares e as necessidades da coletividade.24
18) Ibid. p.141.
19) “Art. 5º (...)
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;”
20) BRASIL, Código Civil. Lei n.º 10.406/2002. “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e
dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito
de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais (...)”.
21) TEPEDINO, Gustavo. A parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. XXXIII.
22) REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil. Revista dos Tribunais, RT. Ano 87. v.752. junho/
1998. p.25.
23) MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2002. p.147.
24) Ibid. p.145.
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Afirma Tepedino que “a Constituição brasileira, de 5 de outubro de 1988
introduziu profundas transformações na disciplina da propriedade, no âmbito
de uma ampla reforma de ordem econômica e social, de tendência nitidamente
intervencionista e solidarista”25. Esse autor ressalta a previsão constitucional
diferenciada em relação ao direito de propriedade conforme a potencialidade
econômica e a destinação do bem. Para ele, são estabelecidos vários “estatutos
para as diversas situações proprietárias, segundo a destinação do bem – rural
ou urbano –; a potencialidade econômica – produtiva ou não produtiva –; e a
titularidade”26. Assim, não há uma definição teórica estática a respeito da função social, cuja configuração é flexível.
Logo, a função social seria uma rede de relações jurídicas que permeia o
direito de propriedade, o qual não é constituído apenas por um direito, entendido
como poderes e faculdades, mas também abrangeria um conjunto de deveres e
obrigações que o legitimam. Faz-se necessária a busca por um equilíbrio de interesses, compatibilizando o direito individual e os interesses coletivos que gravitam em torno do bem afetado pela propriedade individual.
Em relação à propriedade privada, Cordeiro afirma que não é um direito individual, mas sim econômico. Tanto seria assim que, na Constituição portuguesa
o direito de propriedade privada figura no capítulo reservado aos direitos
e deveres econômicos, conjuntamente com o direito ao trabalho e a liberdade sindical. E não no título reservado aos direitos, liberdades e garantias. (...) No espírito da Constituição, o direito de propriedade privada é um
direito econômico e não um direito individual27.
No entanto, deve-se ressaltar, tal como esclarece Moraes, a Constituição
brasileira prevê o direito à propriedade no artigo 5º, XXII, juntamente com os
direitos fundamentais, e já no inciso seguinte estabelece que a propriedade atenderá sua função social28.
Conforme ensina Tepedino, a propriedade
não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos
confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter
predominantemente negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da
propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica
de propriedade 29.
Assim, explica Tepedino, a função social seria um critério de valoração
do exercício do direito. A função social não seria um fator redutor da proprie25) TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.268.
26) Ibid. p.271.
27) Op. cit. p.66.
28) MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.679.
29) TEPEDINO, op. cit. p.280.
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dade e dos direitos do proprietário. Ao invés disso, a funcionalização impõe a
observância, na relação de propriedade, de direitos de não-proprietários, que
também necessitam de tutela, realizando o “projeto constitucional”.
Tepedino esclarece que a propriedade não é diminuída, restringida externamente pela função social e restrições ao domínio, mas é limitada internamente. Não se trata de intervenção estatal no espaço privado, tornando-o
público. O que ocorre não é uma limitação estatal externa ao direito de propriedade, restringindo sua abrangência, mas sim de uma regulamentação
inerente ao próprio exercício do direito de propriedade em sua essência.
Segundo ele, “todo o conteúdo do direito subjetivo de propriedade encontra-se redesenhado”30.
Para avaliar a função social da propriedade, é necessária uma análise da
situação concreta sob o aspecto do bem, da coisa e as relações jurídicas das
quais é objeto. Ou seja, a forma do exercício dos direitos pelo proprietário e as
características do bem vão, sobretudo, delimitar o interesse coletivo ou extraproprietário31 que afeta o bem.
Neste artigo, propõe-se realizar essa análise em relação ao condomínio
edilício, nas relações entre os titulares das unidades autônomas. Portanto, fazse necessária sintética explanação acerca dessa modalidade condominial.
2.3 O CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Existem, no Direito Civil atual, vários tipos de condomínio e comunhão de
direitos, dos quais será abordado o incidente sobre o direito de propriedade.
Segundo Venosa, há condomínio ou compropriedade quando duas ou mais
pessoas possuem simultânea e concorrentemente o direito real de propriedade
sobre o mesmo bem.32 Afirma Gomes que, sob a ótica do bem, do objeto, há uma
indivisão, já que se trata de apenas um objeto, do qual são titulares vários sujeitos. Já quanto aos sujeitos, há uma relação de comunhão.33
Trata-se de comunhão de interesses, e o direito de propriedade de um
condômino não exclui o dos demais. Nas relações com terceiros, entretanto, os
condôminos não têm seu direito de propriedade limitado, e atuam na proteção do
bem como se fossem proprietários absolutos e exclusivos.
Assim, no condomínio não se caracteriza a exclusividade, característica do
direito de propriedade, vez que todos os condôminos são proprietários do bem
30) Ibid. p. 20.
31) Aqui a expressão “extraproprietário” refere-se ao interesse daqueles que não são titulares do direito de
propriedade sobre determinado bem, cujo interesse é fundamental para a análise do exercício do direito de
propriedade, tal como ressaltam VARELA e LUDWIG: “a propriedade, portanto, além de ser um direito
individual, está condicionada pelo princípio da função social, princípio informador de toda a ordem econômica
nacional. Presta-se, portanto, a procedimentos interpretativos de legitimação das aspirações sociais” (VARELA, Laura Beck, LUDWIG, Marcos de Campos. Da propriedade às propriedades: função social e reconstrução de
um direito. MARTINS-COSTA, Judith (coord.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p.779).
32) VENOSA, op.cit p.341.
33) GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.209.
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como todo34, sob a forma de partes ou frações ideais. A parte ideal simboliza o
quanto da totalidade do bem é pertencente a cada condômino, expressa em forma de porcentagem, sem que exista a correspondência da sua fração a uma parte
específica, material. Em outras palavras, o condômino sabe quanto é seu quinhão, mas não pode determiná-lo materialmente.
Embora haja um conjunto de duas ou mais pessoas proprietárias ou administradoras do bem, não há configuração do condomínio como sociedade, ou
seja, ele não é revestido de personalidade jurídica.
Gomes35 afirma haver duas teorias a respeito da natureza jurídica da
comunhão do direito de propriedade, a individualista, adotada no condomínio, e a coletivista.
Gomes explica que a teoria coletivista concebe uma comunhão de direitos
sobre um bem indiviso, em que o sujeito é a coletividade. Logo, há um só bem, do
qual é titular do direito de propriedade um conjunto de pessoas, em contraposição
à idéia de vários proprietários de partes individuais abstratamente determinadas.
Segundo a teoria individualista, na qualidade de direito exclusivo, a propriedade não poderia ser comum. Desse modo, essa teoria atribui a cada comproprietário o direito sobre uma parte abstrata resultante da divisão ideal36,
ou seja, o domínio de cada condômino recairia sobre sua parte ideal. Entretanto, essa situação seria excepcional, temporária, de maneira a ser possível
resgatar a exclusividade do direito de propriedade. Essa é a teoria adotada no
Código Civil pátrio, conforme estabelecido no artigo 1.320. Qualquer condômino pode exigir a extinção do condomínio, desde que voluntário, se o objeto
for divisível, por meio de ação específica. No caso de indivisão, pode-se exigir a venda para divisão do valor em dinheiro, havendo direito preferencial de
aquisição aos condôminos, e entre esses, dá-se preferência ao que possuir
benfeitorias de maior valor ou for titular da maior parte ideal, conforme preceitua o artigo 1.322 do Código Civil.
O condomínio edilício, objeto deste artigo, é aquele no qual cada condômino é proprietário de uma parte exclusiva, e compartilha outras com os demais
condôminos, tal como ocorre nos edifícios de apartamentos ou salas comerciais.
Logo, cada condômino é proprietário de sua unidade particular e de fração ideal do terreno e das coisas comuns, o que acarreta certas restrições ao
uso e à fruição da propriedade, tanto das áreas comuns quanto das áreas individuais, as quais tornam-se dotadas de certas limitações em respeito ao direito
dos demais condôminos.
Explica Rodrigues que a unidade autônoma no condomínio edilício tem
natureza jurídica de propriedade imóvel comum, mas que sofre certas limitações
em razão do caráter de comunhão em que esta unidade insere-se.37
34) Essa é a idéia do condomínio extraída do modelo romano, em que o direito de propriedade era singular, e seus
proprietários possuíam quotas idealizadas, conforme explicado por Venosa (op. cit. p.342).
35) GOMES, op.cit. p.212.
36) Ibid. p.213.
37) RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.219.
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Há uma diferenciação entre as partes exclusivas, autônomas, privativas, e
as partes comuns, em que ocorre condomínio forçado, como nos elevadores, no
terreno e demais áreas de utilização por todos os condôminos. Assim, o condomínio edilício possui uma natureza jurídica composta, na qual o proprietário é
simultaneamente exclusivo e comproprietário.
Rodrigues aponta os seguintes requisitos legais para caracterização da
unidade autônoma: precisa ser materialmente dissociada, independente das demais unidades, possuir saída própria para a via pública, direta ou indiretamente,
e ter correspondência com fração ideal do terreno e das coisas comuns.38
Gomes defende que, “na propriedade horizontal, o solo é, com efeito, acessório do apartamento, não só porque representa um valor maior do que a utilização das partes comuns, mas também porque na relação jurídica apresenta predominância a idéia deste”39. Aplica-se, então, a regra de que o bem acessório
acompanha o principal, inclusive no caso de alienações. Assim, a alienação da
unidade autônoma é acompanhada pela alienação das partes ideais que a ela são
correspondentes, segundo o artigo 1.339 do Código Civil.
Existem diversas situações que originam o condomínio edilício. Ele pode
ocorrer por destinação do proprietário, por testamento, por meio de incorporação imobiliária, entre outras, como prevê o artigo 1.332 do mesmo diploma legal.
A lei regulamenta direitos e deveres dos condôminos, tendo em vista a
pluralidade de titulares e, portanto, de interesses em relação a determinado bem.
No Código Civil, esses direitos e deveres estão previstos nos artigos 1.335 e
1.336, respectivamente.
Segundo o artigo 1.335 do Código Civil, são direitos do condômino: usar,
fruir e livremente dispor da sua unidade e usar das partes comuns, conforme a sua
destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais composssuidores.
O artigo 1.336 do mesmo diploma legal dispõe sobre os deveres do condômino, de acordo com o qual ele deve dar à sua parte a mesma destinação que
tem a edificação, e não utilizá-la de maneira prejudicial ao sossego, salubridade
e segurança dos demais condôminos, ou em desacordo com os bons costumes,
sob pena de incorrer em sanções.
Alguns dos direitos e deveres dos condôminos estão relacionados com sua
parte ideal. São exemplo disso o rateio de despesas do condomínio e obras de
conservação do edifício, e o peso de voto em assembléias. Existem outros, entretanto, tais como o de uso das partes comuns como escadas, corredores e
elevadores que independem da área de cada unidade autônoma.
Embora a propriedade nas unidades seja exclusiva, seu uso deve compatibilizar-se com a natureza especial do condomínio edilício, ou seja, é necessária
a observância dos direitos dos demais proprietários. Desde logo se pode perceber que há uma limitação imposta ao direito de propriedade, qual seja seu exercício em consonância com a situação peculiar da indivisão. Mais do que isso,
38) Ibid. p.219.
39) Ibid. p.225.
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essa limitação é mais complexa do que a que diz respeito ao condomínio tradicional, pois no condomínio edilício haverá limitações decorrentes da titularidade
comum do bem, mas que afetam as partes que são titularizadas individualmente
e exclusivamente pelo proprietário da unidade autônoma.
Quanto à destinação do bem, deve ser observada pelos condôminos, em
razão da “óbvia necessidade de homogeneização do aproveitamento econômico,
de tal sorte que os demais adquirentes possam igualmente usar e fruir o complexo
imobiliário (...). Não há, portanto, da parte do titular, liberdade quanto à escolha de
um modo de uso ou fruição que desvincule o bem do seu destino originário”40.
Os direitos e deveres do condômino são estabelecidos de forma específica
na convenção do condomínio, a qual é por eles elaborada, e deve ser registrada
no Serviço de Registro de Imóveis, conferindo, assim, o efeito erga omnes. Na
convenção são estabelecidos a destinação, o uso, a administração, serviços e
arrecadação do condomínio, bem como a discriminação de áreas comuns e privativas. Ressalta-se que esses deveres devem ser observados por qualquer ocupante do imóvel seja ou não o proprietário.
Diante dessa exposição, deve-se ressaltar, desde logo, que não há um rol
taxativo de restrições ao comportamento dos condôminos, em razão da impossibilidade fática de previsão exaustiva de condutas.
Assim, a solução de problemas concretos deverá observar as cláusulas gerais
no ordenamento. Este artigo dedica-se ao estudo da problemática acerca da cláusula geral do abuso de direito na disciplina das relações entre os condôminos.
3 ABUSO DE DIREITO
3.1 A NORMATIZAÇÃO POR CLÁUSULAS GERAIS
Uma vez que a figura do abuso de direito configura-se como cláusula geral
do sistema, e um dos parâmetros para sua caracterização é a boa-fé objetiva,
imprescindível a análise desse instituto e da utilização da técnica normativa de
utilização de cláusulas gerais do ordenamento antes de tratar-se especificamente do abuso do direito.
De acordo com Franz Wieacker41, desde o Código Civil Alemão de 1900 e a
instituição de uma parte geral antecedente à regulação específica e casuística de
situações, buscava-se fornecer parâmetros de interpretação aos juristas. Nesse
sentido, a utilização de cláusulas gerais também visa a propiciar completude ao
sistema jurídico, mas não no sentido de previsão expressa de uma universalidade de situações e relações jurídicas, e sim de criação de critérios valorativos
aplicáveis a todas essas situações. Em outras palavras, com o uso das cláusulas
gerais criou-se um molde delineado por um conjunto de valores socialmente
desejáveis, um padrão de análise de conduta aplicável às mais diversas situações
fáticas. Segundo Wieacker, as cláusulas gerais seriam “linhas de orientação, que,
40) TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade Imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. p.52.
41) WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 2ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1967.
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dirigidas ao juiz, o vinculam e, ao mesmo tempo, lhe dão liberdade” 42.
Conforme esclarecido por Gondinho43, as cláusulas gerais proporcionam
mobilidade e flexibilidade ao sistema jurídico, podendo ser equiparadas a princípios jurídicos.
Para Gustavo Tepedino, as cláusulas gerais atribuem maior “discricionariedade” ao operador do direito, já que, ao invés de prescreverem condutas, definem
valores e parâmetros hermenêuticos, pois “oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”44.
Afirma Tepedino que, na busca pela eficácia dos critérios de interpretação,
criou o legislador certos modelos de conduta ou comportamento, os “standards”,
que vinculariam o intérprete, tanto nas situações descritas em normas como naquelas não previstas expressamente pelo ordenamento.
Conforme explicado por Aronne, “as cláusulas gerais são princípios e estão presentes em todos os contratos e condutas, independente de sua previsão,
justamente por sua natureza normativa principiológica”45. É por meio dos princípios que se faz possível a atribuição de uma “congruência sistemática à interpretação”46. Aronne esclarece que os princípios fornecem sentido e otimizam a aplicação das regras, pois
Os princípios, além do caráter normativo, porém não de modo menos vinculante, são perante o sistema, informativos (...) cabendo sempre ao operador do Direito interpretar ou aplicar as regras à luz dos princípios. Ou
seja, ao interpretar uma regra deve-se fazê-lo, em consonância com os
princípios, axiologicamente hierarquizados, na orientação teleológica traçada pelos valores do sistema, na resolução dos casos concretos.47
Quanto à utilização de cláusulas gerais como instrumento para atribuir
flexibilidade e adequação social ao ordenamento, esclarece Gondinho que as cláusulas gerais permitem a inserção dos princípios nos casos concretos, visto que
um sistema que adote previsões normativas menos rígidas, cujo conteúdo,
dada a sua vagueza, necessite de preenchimento constante, proporcionará maior mobilidade para as disciplinas legais, acompanhando, passo a
passo, os avanços da sociedade. Este sistema deverá estar baseado em
cláusulas gerais48.
Gondinho destaca que essa nova técnica legislativa, que “em grande
parte poderia ser explicada pela substituição dos modelos fechados e típi-
42) Ibid. p.545.
43) GONDINHO, André Osório. Codificação e Cláusulas Gerais, in Revista Trimestral de Direito Civil. Ano 1,
vol. 2. Abril/Junho, 2000.
44) TEPEDINO, Gustavo. A parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. XIX.
45) ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados. Rio de Janeiro: Renovar,
2001. p.81.
46) Ibid. p.80.
47) Ibid. p.78.
48) GONDINHO, op. cit. p.7.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
21
cos, casuística, por modelos abertos e gerais, dentre eles, as cláusulas gerais”49, propicia a abertura do sistema.
De acordo com o defendido por Martins-Costa,
Estas normas buscam a formulação da hipótese legal mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados.
Em outros casos, verifica-se a ocorrência de normas cujo enunciado, ao
invés de traçar punctualmente a hipótese e as suas conseqüências, é
intencionalmente desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela
abrangência de sua formulação, a incorporação de valores, princípios,
diretrizes e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus
codificado, bem como a constante formulação de novas normas: são as
chamadas cláusulas gerais. 50
Conforme explica Negreiros, nesse contexto, “os princípios passam a ser
aplicados prioritariamente às normas específicas, pois (...) são precisamente a
ponte entre o sistema social e o sistema jurídico”51.
Ainda, nas palavras de Teizen Júnior, a utilização de cláusulas gerais propicia ao sistema “maior mobilidade, abrandando a rigidez da norma conceptual
casuística”52, mantendo-o “vivo e sempre atualizado, prolongando a aplicabilidade dos institutos jurídicos, amoldando-os às necessidades da vida social, econômica e jurídica”53.
3.2 A CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA COMO PARÂMETRO
À ANÁLISE DA CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DE DIREITO
Para além da função social dos direitos (já abordada anteriormente), as
noções de bons costumes54 e boa-fé objetiva está intimamente relacionada à
idéia de abuso de direito. Afirma Muniz55 que com relação à função, o direito
subjetivo seria o interesse juridicamente protegido. No abuso de direito há uma
dissonância entre o exercício de um direito e sua finalidade, sua função.
Muniz56 afirma que o princípio da boa-fé objetiva, como cláusula geral, é
um critério ético dependente de apreciação, não podendo ser aplicado de forma
direta e imediata, havendo necessidade de uma concretização.
Segundo Muniz,
49) GONDINHO, ibid. p.17.
50) MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. 1ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.286.
51) NEGREIROS, op. cit. p.146.
52) TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004. p.111.
53) Ibid. p.111.
54) No presente artigo, será dispensada a análise acerca do conceito de bons costumes para privilegiar a
perspectiva objetivista do conceito de abuso de direito, abordando-se, neste tópico, apenas a noção de boa-fé
objetiva e, desse modo, serão evitadas discussões de fundo moral que podem conduzir a subjetivismos.
55) MUNIZ, Francisco José Ferreira. O princípio geral da boa-fé como regra de comportamento contratual. In
Textos de Direito Civil. Curitiba: Juruá, 1998.
56) MUNIZ, op.cit.p. 32.
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RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
o princípio da boa-fé significa que todos devem guardar ‘fidelidade’ à
palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a
base das relações humanas, sendo pois necessário que procedam tal como
deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e corretamente no tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial [...]. Na concretização do princípio da boa-fé, está sempre um juízo
valorativo que se mostra aberto às diversas circunstâncias ponderáveis por
um julgador justo e eqüitativo. A boa-fé não é, pois, aplicável ao caso
concreto mediante critérios lógicos, mas, sim, mediante juízos de valor. 57
A boa-fé objetiva estabelece um padrão de comportamento, baseado na
lealdade, na confiança, o qual gera deveres anexos, preenche lacunas de interpretação, restringindo direitos subjetivos, devendo ser seguido por todos.
No Direito Brasileiro, a boa-fé objetiva somente foi consolidada como regra no sentido de constituir cláusula geral do ordenamento a partir da década de
1990, com o advento do Código de Defesa do Consumidor58, não sendo prevista
expressamente no Código Civil de 191659. No início, era vista como modelo hermenêutico, com função de orientação da interpretação normativa e preenchimento das lacunas do sistema. A partir disso, objetiva-se a aplicação da boa-fé
objetiva não apenas nas relações obrigacionais, mas também tem sido concebida
como modelo de conduta, constituindo limite ao exercício de direitos, além de
“fonte autônoma de direitos e obrigações”60.
Para Negreiros, no Código Civil de 2002, a boa-fé obteve maior expressividade, disciplinada “em articulação à função social do contrato, como um limite,
portanto, à autonomia da vontade, e não mais apenas como um parâmetro para a
interpretação da manifestação volitiva”61. Essa autora indica que também no Código de Defesa do Consumidor é aplicada a boa-fé, “na condição de princípio
diretivo da disciplina contratual” 62, podendo inclusive resultar na desconsideração da vontade.
Como princípio jurídico expressamente consagrado como cláusula geral
do sistema, a aplicação da boa-fé objetiva propicia uma abertura do sistema
jurídico.
3.3 O INSTITUTO DO ABUSO DE DIREITO COMO CLÁUSULA GERAL
É nas relações contratuais que mais se evidencia e é aplicada a teoria do
abuso de direito. Na esfera contratual, muito se discute a respeito da interfe57) Op. cit. p. 32.
58) COSTA, Judith Martins, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro.
Sariva: São Paulo, 2002. p.188.
59) Não obstante haver previsão da boa-fé no Código Comercial de 1950, ela não possuía o conteúdo e a
expressividade conferidas na última década, com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Conforme
explanado por Judith Martins-Costa, o “Código Comercial, de 1850, alude (...) à boa-fé como cânone hermenêutico dos contratos, mas esse texto jamais desempenhou funções de cláusula geral, pouco passando de letra
morta.” (Ibid. p.188).
60) Ibid. p.197.
61) NEGREIROS, op. cit. p.74.
62) Ibid. p.76.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
23
rência normativa e a imposição de limites à liberdade contratual, em contraposição à idéia de autonomia privada.
Ribeiro qualifica a autonomia privada como
Condição necessária à autodeterminação, que, constituindo um valor em
si, em termos de realização da personalidade individual, é também um
elemento imprescindível a uma ordem econômica que promove a eficiência
na aplicação de recursos. (...) mesmo nas zonas em que essa possibilidade é genuína, a autodeterminação não é o único valor em campo, tendo
que conviver com outros valores que também estruturam normativamente
a esfera das relações privadas.63
Portanto, se o direito subjetivo é concedido pelo Estado, ou por sua ordem jurídica, para que seus titulares possam defender seus interesses, os quais
são, então, protegidos por meio da tutela jurisdicional, a boa-fé constitui um
limite ao exercício desses direitos subjetivos, sem a observância da qual ocorre
o abuso do direito.
Pietro Perlingieri aponta haver duas correntes tradicionais quanto ao conceito de direito subjetivo, uma liberalista, segundo a qual ele é o poder da
vontade, e outra com um enfoque teleológico, que o define como interesse
protegido64, mas é certo que a tutela do interesse não é um fim em si mesma,
já que em uma
realidade social na qual à atribuição de direitos se acompanham deveres e
obrigações, as situações favoráveis não podem ser consideradas isoladamente (...). O perfil mais significativo é constituído pela obrigação, ou dever, do sujeito titular do direito de exerce-lo de modo a não provocar
danos excepcionais a outros sujeitos, em harmonia com o princípio de
solidariedade política, econômica e social. Isso incide de tal modo sobre o
direito subjetivo que, em vez de resultar como expressão de um poder
arbitrário, acaba por funcionalizá-lo e por socializá-lo.65
A figura do abuso de direito está prevista, no Código Civil, no artigo
187 66. Segundo Nelson Nery, “a norma comentada impõe como limites ao
exercício de um direito legítimo, faze-lo sem exceder os fins sociais e econômicos desse mesmo direito, bem como com observância da boa-fé e dos
bons costumes”67.
Pinheiro68 entende que a figura do abuso de direito tem sido compreen63) RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato – As cláusulas gerais contratuais gerais e o princípio
da liberdade contratual. Livraria Almedina: Coimbra, 1999. p.236.
64) PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 120.
65) Ibid. p.120.
66) BRASIL. Código Civil. Lei n.º 10.406/2002. “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.”
67) NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p.255.
68) PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O Abuso do Direito e as Relações Contratuais. Renovar: Rio de Janeiro, 2002.
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RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
dida, gradativamente, como elemento integrador do direito subjetivo, que lhe
é imanente em razão de sua natureza, e não uma limitação externa ao direito.
Segundo ela, na relação contratual, quando se verificar que a conduta de um
sujeito for contrária à boa-fé objetiva, será abusiva. Toda pessoa possui direitos subjetivos, e uma esfera de liberdade na qual age conforme sua vontade; entretanto, uma vez que vive em uma coletividade, precisa respeitar certos
limites, até mesmo para compatibilizar seus interesses aos direitos das demais pessoas. Na lição de Rosalice Pinheiro, esses limites buscariam atingir o
direito subjetivo em seu “aspecto interno, o que se reflete no princípio da
função social e no da boa-fé, que vão delinear um novo caráter para a teoria
do abuso do direito” 69.
Pinheiro aponta como ilustração da figura do abuso do direito o caso da
chaminé, julgado em 1855, pelo Tribunal de Colmar70 no qual o proprietário de
um terreno teria nele construído uma grande chaminé, com a única finalidade de
escurecer a propriedade vizinha, tendo sido condenado a derrubar tal chaminé,
pois o exercício do seu direito subjetivo de propriedade não atendia a um interesse legítimo. Nesse caso, o proprietário do terreno onde foram construídas as
chaminés exercia seu direito de propriedade de forma abusiva, já que sua única
finalidade era prejudicar outrem.
Heloisa Carpena menciona que, embora algumas vezes o abuso de direito
tenha sido identificado anteriormente, foi a partir do século XX que se tornou
mais conhecida, em razão do caso “Clement Bayard”71:
Consta que o proprietário de um terreno vizinho a um campo de pouso de
dirigíveis construiu, sem qualquer justificativa, enormes torres no vértice
das quais instalou lanças de ferro, colocando em perigo as aeronaves que
ali aterrizavam. A decisão considerou abusiva a conduta, responsabilizando o proprietário.72
Nas decisões mencionadas, verificava-se que um ato era reputado como
abusivo se causasse dano a outrem ou refletisse ausência de interesse legítimo
na prática do ato. Ou seja, mesmo agindo sem contrariar norma expressa do
ordenamento jurídico, o titular de um direito o exercia de forma a desvirtua-lo,
afastando-o de sua função social e sua destinação econômica.
Verifica-se que foi no Direito das Coisas que teve início a tutela à conduta
abusiva, conferindo limite ao direito subjetivo. Entretanto, a atual análise da configuração do abuso é mais abrangente, avançando além da causação de dano.
Segundo Carpena, “o ato abusivo, então, é aquele que, não apenas causa
dano a outrem, mas se torna reprovável por infringir deveres morais de justiça,
equidade e humanidade, os quais existem acima do plano da legalidade”73.
69) Ibid. p.28.
70) Ibid, p. 38.
71) CARPENA, Heloísa. Relativização dos direitos na ótica civil-constitucional. In TEPEDINO, Gustavo
(coord.) A parte geral do novo código civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
72) Ibid. P.367.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
25
Nesse sentido, Negreiros ressalta que
Se, antes, o exercício do direto do indivíduo só encontrava limites naquilo
que significasse prejuízo a outrem, agora, em uma perspectiva que valora
a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional diretamente
oponível às relações interprivadas, o exercício dos deveres da pessoa (nisto incluído o dever de agir com boa-fé) só encontra limites no sacrifício que
tal conduta lhe vier a causar.74
Quanto à figura do abuso do direito, desenvolveram-se várias teorias. Esclarece Pinheiro que
As teorias até então expostas conceberam o ato abusivo como um acidente, que ocorre no momento do exercício de um direito subjetivo, apresentando-se uma verdadeira independência ente ambos. Há nisto o significado da nova teoria, como um fenômeno que na o reage sobre o fundamento
e sentido dessa prerrogativa individual, mas que se revela como seu limite
externo. (...)Trata-se do momento em que se destaca a natureza teleológica dos direitos subjetivos.75
Quanto às teorias subjetivista e objetivista, o que é discutido é o critério
para determinar o ato abusivo, conforme explicado por Pinheiro76. Em síntese,
segundo a teoria subjetivista, haveria abuso de direito quando o titular o exercesse visando prejudicar outrem. O abuso de direito estaria “principalmente na
intenção de prejudicar, a falta de interesse, a ausência de motivos legítimos”77.
Em contraposição a essa teoria, a teoria objetivista, adotada por nosso
ordenamento, traz uma concepção finalista do abuso de direito, avaliando a adequação do exercício do direito à sua função econômica ou social. Nos ensinamentos de Muniz,
O abuso de direito permite-nos aplicação da figura geral da boa-fé, centrada
no momento do exercício. Ensina-se que o direito subjetivo é o poder conferido pela ordem jurídica a alguém para a satisfação de seus interesses. Do
ponto de vista da estrutura (elemento formal), o direito subjetivo é um poder.
Do ponto de vista da função (elemento substancial ou funcional), o interesse
subjetivo é o interesse (o valor) juridicamente protegido (...). O abuso de direito traduz-se na violação dos limites substanciais (ou funcionais).78
Explica Nery Junior que “no ato abusivo há violação da finalidade do direito, de seu espírito, violação essa auferível objetivamente, independentemente de
dolo ou culpa”79. Em relação a isso, esclarece Nery que
73) Ibid., p.369.
74) Op.cit., p.256. Explica a autora que a boa-fé seria um dever de cooperação, visando a proteção do interesse
alheio, nos limites da razoabilidade do sacrifício do direito, da autonomia individual.
75) PINHEIRO, op. cit. p.94.
76) Ibid. p.5.
77) SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Abuso do Direito. Coimbra: Livraria Almedina, 1997. p.403.
78) MUNIZ, op. cit. p.37.
79) NERY JUNIOR, op. cit. p.255.
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RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
O ato abusivo pode, até, não causar dano e nem por isso deixa de ser abusivo. A ilicitude do ato
cometido com abuso de direito é de natureza objetiva (...). Não é necessária a consciência de
se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou
pelo fim social ou econômico do direito; basta que excedam seus limites.80
Carpena explica que o conceito de exercício legítimo de um direito não se
restringe à atuação em consonância com a forma legalmente prescrita, mas pressupõe ainda o cumprimento do “fundamento axiológico-normativo”81 do direito,
o motivo pelo qual lhe é conferido reconhecimento pelo ordenamento jurídico.
Assim, a concepção de ato abusivo não guarda identidade à de ato ilícito. Essa
distinção é explanada pela autora, segundo a qual
No ato ilícito, o sujeito viola diretamente o comando legal, pressupondo-se
então que este contenha previsão expressa daquela conduta. No abuso, o
sujeito aparentemente age no exercício de seu direito, todavia, há uma
violação dos valores que justificam o reconhecimento deste mesmo direito
pelo ordenamento. Diz-se, portanto, que no primeiro, há inobservância de
limites lógico-formais, e, no segundo, axiológico-materiais. Em ambos, o
agente se encontra no plano da antijuridicidade.82
No abuso do direito, igualmente há antijuridicidade, mas não devido à violação de uma regra expressamente prevista no ordenamento.83 Embora formalmente o sujeito aja amparado pelo seu direito, não há uma relação coerente entre
o exercício do direito e sua função social ou destinação econômica, a boa-fé
objetiva ou com os bons costumes.
Logo, evidencia-se a necessidade de análise do ato abusivo em cada caso
concreto, pois sua verificação depende de juízo valorativo. A conduta abusiva
contraria o sentido do direito, sua finalidade, sua função social, o motivo pelo
qual foi reconhecida a necessidade de sua proteção jurídica. Portanto, ato abusivo não é somente aquele que causa dano a outrem, mas o que está em desconformidade com todos esses ideais e o sentido do sistema jurídico como todo,
interpretado sob o enfoque constitucional.
80) Ibid. p.255.
81) CARPENA, op. cit. p.370.
82) Ibid., p.371.
83) Para exemplificar essa questão, veja-se: BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.º
70010580884. Vigésima Câmara Cível. Rel Des. Carlos Cini Marchionatti. Julgado em 23.fev.2005. Disponível em
www.tj.rs.gov.br. Acessado em 29.08.2006. CONDOMÍNIO. REFORMA EM APARTAMENTO DE COBERTURA.
RECLAMAÇÕES SUCESSIVAS DAADMINISTRADORA DO CONDOMÍNIO, DA SÍNDICA E DE MORADORES
DE DUAS UNIDADES. PRETENSÃO DOS AUTORES, PROPRIETÁRIOS DA COBERTURA, AO RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. HIPÓTESE EM QUE
A REFORMA FOI CONDUZIDA DENTRO DOS PARÂMETROS DE NORMALIDADE, COM ESFORÇO DOS
AUTORES EM REDUZIR AO MÁXIMO OS INCONVENIENTES GERADOS AOS MORADORES DO PRÉDIO.
ABUSO DA CONDUTA DOS DEMANDADOS. RECLAMAÇÕES EXCESSIVAS. CHAMADAS TELEFÔNICAS
DIÁRIAS PARA OS AUTORES, DE TRÊS A SEIS VEZES AO DIA. CHAMADA DO CORPO DE BOMBEIROS AO
PRÉDIO. CONDUTA DESPROPORCIONAL E ABUSIVA DOS REQUERIDOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR CONFIRMADO. Nesta citada decisão, evidencia-se que o condômino que realizava
a obra agia amparado, pelas normas formais estabelecidas na convenção, assim como pela boa-fé. Por outro lado, o
condomínio exercia seu direito de maneira abusiva, causando transtornos e danos ao condômino.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
27
4 ANÁLISE DA CASUÍSTICA DO ABUSO
DE DIREITO NO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
4.1 AS VEDAÇÕES DAS CONVENÇÕES CONDOMINIAIS E O ABUSO
DE DIREITO: A VEDAÇÃO À PRESENÇA DE ANIMAIS
Como esclarecido anteriormente, a lei estabelece certas limitações aos proprietários das unidades autônomas do condomínio edilício. A convenção condominial é que regulamenta o exercício de determinados direitos pelos condôminos, e também dispõe acerca de algumas restrições.
Entretanto, nem todas as regras contidas na convenção condominial são
válidas. Formalmente, para que seja exigível seu cumprimento, há requisitos a
serem preenchidos para aprovação da convenção e também de outras decisões
resultantes de assembléias, tais como o quorum mínimo.
Além dos requisitos inerentes à forma da convenção, deve-se analisar o
conteúdo das regras que estabelece, sob o enfoque constitucional, prezando pela
boa-fé objetiva e visando elidir o abuso de direito, conforme já abordado. Em
conseqüência disso, verifica-se que há normas que, embora previstas expressamente na convenção, não possuem aplicabilidade, restando afastadas pela cláusula geral do abuso de direito.
Obviamente, essa análise da possibilidade de flexibilização de normas e
interpretação conforme princípios e cláusulas gerais precisa ser realizada em
cada caso, particularmente. Neste artigo, propõe-se a análise de algumas das
situações com maior ocorrência no condomínio edilício.
Uma das situações mais freqüentes de casos em que é analisado o abuso
de direito refere-se à presença de animais nas unidades autônomas do condomínio edilício. Geralmente a presença de animais é vedada pelas convenções condominiais, mas, analisando jurisprudência a respeito dessa situação, verifica-se
que essa proibição não possui caráter absoluto, podendo ser relativizada quando
assim o exigir a boa-fé objetiva e, a contrario sensu, o abuso de direito, situação
que é retratada pelo julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.84
Nesse caso específico, a idosa, residente no sexto andar do edifício, buscava afastar a aplicabilidade de decisão da assembléia que determinava a proibição de condução de animais nos elevadores, devendo os proprietários de animais utilizar somente as escadarias. Tal decisão do condomínio teria ocorrido
84) AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DECISÃO DE ASSEMBLÉIA. CONDUÇÃO DE CÃO. ELEVADOR. FOCINHEIRA. IDOSO. TUTELA ESPECÍFICA. LEI Nº 10.741/2003. A PRESENTE AÇÃO BUSCA A ANULAÇÃO DE DECISÃO DE ASSEMBLÉIA DE CONDOMÍNIO QUE VEDA A
CONDUÇÃO DE ANIMAIS PELO ELEVADOR, PERMITINDO SOMENTE PELA ESCADARIA, EM VIRTUDE DE EVENTUAL RISCO À INTEGRIDADE FÍSICA DOS CONDÔMINOS. TODAVIA TAL ÓBICE SE
MOSTRA INTRANSPONÍVEL À REALIDADE FÍSICA DA AUTORA POR SER PESSOA IDOSA E RESIDIR
NO SEXTO PISO. ASSIM, MOSTRAM-SE ATENDIDOS OS PRESSUPOSTOS DO ART. 273 E ART. 461 DO
CPC, PARA QUE POSSA CONDUZI-LO PELO ELEVADOR COM A RESTRIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE
FOCINHEIRA. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70013387519, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Mario Rocha Lopes
Filho, Julgado em 05/01/2006. Disponível em www.tj.rs.gov.br. Acessado em 29.08.2006).
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RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
depois que o cachorro dessa idosa teria “avançado” em algumas crianças no
interior do elevador. Afirmou a proprietária do animal que, devido à sua idade e
suas condições físicas, considerando o fato de que residia no sexto andar do
edifício, não lhe seria exigível o cumprimento da referida decisão, acrescentando que a convenção condominial autorizava a permanência de animais de estimação, não estabelecendo restrições.
Na situação acima, não se encontrou justificativa para a decisão do condomínio, já que não há como se determinar que a agressão do animal teria ocorrido
em virtude de ser transportado no elevador, sendo evidente que a causa principal
do evento foi a falta de cuidado da proprietária do animal, problema esse que
poderia ser solucionado exigindo-se que os cães permanecessem nas áreas comuns apenas com uso de focinheiras.
Isso porque somente é proibida a presença de animais nos condomínios
em razão da necessidade de se imporem limites aos direitos individuais, visando
à convivência em harmonia na situação especial criada pelo condomínio edilício.
A respeito da permanência de animais no condomínio edilício, afirma Gondinho que “é forçoso reconhecer que, toda vez que houver justificativa para a
guarda de animal, sem qualquer prejuízo para a comunidade condominial, tal
procedimento será lícito independente da proibição expressa na convenção”85.
Em contraposição a isso, quando a convenção autoriza a presença de animais nas áreas comuns e nas unidades autônomas, também não está a garantir
um direito absoluto. O condômino deve valer-se dos bons costumes, da boa-fé
objetiva e realizar um juízo de valor ao usufruir dessa possibilidade.
Nos casos de propriedade de animais, para verificar-se a existência de
abuso no exercício de direito de um condômino, é preciso analisar se ensejará
perturbação do sossego dos demais.
Evidente caso de abuso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, em que o exercício do direito de propriedade de animais era feito de forma
incompatível à boa convivência com os demais condôminos86. Nesse caso apesar
de aparentemente o proprietário estar amparado pela disposição da convenção
do condomínio, já que essa permitia a presença de animais, se aplicou0 os princípios e critérios valorativos anteriormente abordados, e se verificou nítida situação em que o direito do proprietário foi exercido de forma abusiva.
O comportamento descrito na referida decisão não encontra legitimidade
em nosso ordenamento, já que não está de acordo com um padrão de conduta
socialmente adequado e tampouco desejável.
85) GONDINHO, op. cit. p. 117.
86) ACAO CIVIL PUBLICA. MANUTENCAO DE GATOS EM QUANTIDADE EXCESSIVA EM PREDIO DE
APARTAMENTOS. ATIVIDADE NOCIVA AO MEIO AMBIENTE. INTRANSIGENCIA DA DEMANDADA
FRENTE AS TRATATIVAS SUASORIAS DOS VIZINHOS E AS AUTUACOES DAS AUTORIDADES SANITARIAS. ACAO JULGADA PROCEDENTE. SENTENCA REFORMADA EM PARTE. DESCABIMENTO DE
VERBA HONORARIA EM FAVOR DO MINISTERIO PUBLICO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul. Apelação Cível Nº 593082712, Segunda Câmara Cível, Relator: Élvio Schuch Pinto, julgado em 22.dez.1993.
Disponível em www.tj.rs.gov.br. Acessado em 30.08.2006).
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
29
Têm-se entendido que, não obstante o previsto na convenção, é possível a
manutenção de animais nas unidades autônomas, desde que não seja perturbado
o sossego, a saúde e nem causados incômodos ou danos aos outros condôminos. De outra forma, ainda que haja autorização para possuir animais, tê-los
pode constituir um abuso, quando prejudicar os demais condôminos, tal como
exemplifica o último acórdão referido. Isso ocorre em razão do fim social a que é
destinado o direito, como já explicitado.
Percebe-se, desde logo, a necessidade de uma interpretação teleológica,
visando análise da finalidade da norma. Ou seja, a presença dos animais em condomínios não pode configurar o abuso nem ensejar a perturbação ao direito que
os demais condôminos têm à liberdade, sossego, saúde.
4.2 A DESTINAÇÃO ECONÔMICA DO BEM E O ABUSO DE DIREITO:
O CASO DA COSTUREIRA
Outro caso que suscita questionamentos acerca da existência ou não do
abuso de direito no condomínio edilício refere-se ao desvirtuamento da destinação econômica da unidade autônoma.
Quando um condomínio é constituído, é determinada sua destinação econômica, ou seja, se as unidades são residenciais, comerciais, industriais, ou em
partes residencial e outras comercial. Assim, o proprietário da unidade precisa
observar a sua finalidade, sob pena de ser sancionado.
A respeito da utilização do direito de propriedade, afirma Gonçalves que
uso anormal é tanto o ilícito como o abusivo, em desacordo com sua finalidade econômica ou social, a boa-fé ou os bons costumes. Para se aferir a
normalidade ou a anormalidade da utilização de um imóvel procura-se
verificar a extensão do dano ou do incômodo causado. Se, nas circunstâncias, este se contém no limite do tolerável, não há razão para reprimi-lo.87
Em acórdão julgado pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais88,
foi analisada situação em que foi discutida a função social da propriedade, a
destinação econômica do bem e o abuso de direito.
Trata-se de demanda proposta por uma condômina, titular de unidade autônoma, em face do condomínio residencial, o qual lhe aplicara a penalidade de
multa, afirmando que ela havia transformado sua residência em “estabelecimento comercial ou industrial”, desvirtuando a finalidade do bem (imóvel para fins
residenciais). A condômina, por sua vez, sustentou que a destinação econômica
87) GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito das Coisas. Sinopses Jurídicas, 3ª ed. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p.121.
88) AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTOS – MULTA CONDOMINIAL – EXERCÍCIO DE PROFISSÃO – TRANSTORNO AOS DEMAIS CONDÔMINOS – INOCORRÊNCIA – NÃO-CABIMENTO. É indevida a
cobrança de multa de proprietária de apartamento residencial, que exerce atividade doméstica de costureira em sua
residência, sem desvirtuar o uso previsto na Convenção ou causar transtornos aos demais condôminos. Preliminares não conhecidas e apelação provida. (BRASIL. Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n.º
414.373-5. Segunda Câmara Cível. Relator Juiz Roberto Borges de Oliveira. Julgado em 30.mar.2004).
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do bem não havia sido violada uma vez que, por meio de trabalho doméstico
(costureira), sustentava sua família, fundamentando-se na Constituição Federal,
Artigo 5º, incisos X, XII e XIII.
No voto proferido esclareceu o relator, juiz Roberto Borges de Oliveira:
No caso em apreço, entendo que a atividade empreendida pela Apelante,
em sua unidade residencial, não configura uso nocivo da propriedade, de
modo a trazer transtornos e incômodos aos demais condôminos. (...) A
apelante é costureira, sendo que o exercício dessa atividade em sua residência vinha sendo tolerado pelos demais condôminos há muito tempo.
(...) Destarte, constata-se que a profissão exercida pela Apelante, dentro
do seu apartamento, não configura uso nocivo da propriedade. (...) Vedála, portanto, seria verdadeiro abuso de direito, infringindo a garantia constitucional do exercício de profissão.
Nota-se que, diante do caso concreto e das provas produzidas no processo, verificou o julgador que a proprietária da unidade autônoma para fins residenciais exercia atividade laboral doméstica. Assim, em razão do caráter doméstico da
atividade laboral, entendeu-se que ela não causava transtornos ou prejuízos aos
demais condôminos, e, por isso, não estava a descaracterizar a finalidade residencial do imóvel. Logo, não houve desvio da destinação econômica do bem, tampouco a condômina exerceu seu direito de propriedade de forma abusiva.
A mais, o relator, para o fim de reforçar os argumentos, destacou que a
continuidade do exercício do ofício de costureira no imóvel atendia à função
social da propriedade, porque garante a subsistência da condômina. Por fim, fazse necessário ressaltar que o abuso de direito está na pretensão do condomínio
em aplicar a multa em desacordo com sua finalidade, ou seja, a aplicação das
multas serve para exortar os condôminos a não praticar condutas prejudiciais
aos demais condôminos. Nesse caso específico, verificou-se que a condômina
não prejudicava os demais condôminos por meio de sua atividade laboral doméstica, razão por que a multa foi aplicada abusivamente.
5 CONCLUSÃO
Diante dos casos abordados, verifica-se que um sistema casuístico não é
suficiente. Percebem-se, nas relações condominiais, situações que não são adequadamente solucionadas pela disciplina legal do condomínio e nem pela disciplina das convenções condominiais.
Como visto, em razão da existência do condomínio edilício, são suscitados
os mais diversos problemas envolvendo o abuso de direito, provocando a incidência da tutela jurisdicional para resolver lides oriundas dessa situação peculiar. Em
todos esses casos, é necessário um juízo de valor a fim de definir se determinadas
condutas são praticadas amparadas pelo direito e, ainda assim, se não ultrapassam a esfera de direitos do agente, impondo restrições aos direitos dos demais.
Em outras palavras, não basta que formalmente o condômino exerça seus
direitos em conformidade com as disposições normativas e a convenção condoRAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008
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minial. Mais do que isso, seu comportamento deve estar materialmente adequado à função social do bem, sua destinação econômica, a boa-fé e os bons costumes, sob pena de incorrer em abuso de direito. O titular do direito deve exercelo de modo a não cercear ou prejudicar o dos demais, restringindo seus bens
jurídicos, tais como liberdade, intimidade, propriedade, direito à integridade física e psíquica, entre outros, passíveis de tutela jurisdicional.
Logicamente, não faz sentido, diante do sistema jurídico contemporâneo,
uma legislação de cunho casuístico, buscando estabelecer um rol de hipótese
de comportamento humano a fim de que cada caso concreto subsuma-se a
uma premissa anteriormente estabelecida, resultando em um silogismo jurídico. Esse método de legislar comprovou-se ineficaz tanto em virtude da impossibilidade fática de previsão exaustiva de condutas quanto pela rápida inadequação social das normas.
No caso do abuso do direito, a solução encontrada, então, é a utilização de uma
nova técnica legislativa, através da previsão das cláusulas gerais. Essas fornecem um
parâmetro axiológico ao jurista, o qual, embora a elas vinculado, utiliza-as como
instrumento para prestação jurisdicional mais adequada em cada caso concreto.
Nas palavras de Aronne, “a operação com princípios, em sua porosidade,
multifuncionalidade e axiologismo, de modo científico e apegado à realidade,
independente da alteração legislativa codicista, revela um “novo” Direito Civil,
em grande parte ausente nos manuais”89.
Diante disso e do exposto anteriormente, verifica-se que é necessário que
o condômino exerça seus direitos em conformidade com as normas de direito,
boa-fé, bons costumes. No caso do condomínio edilício, ora em análise, o proprietário da unidade autônoma deve exercer seus direitos sempre buscando realizar fins socialmente desejados e juridicamente tutelados, tais como a função
social da propriedade e a destinação econômica do bem, conjugando-os com
seus interesses particulares e a autonomia privada.
Afirma Gondinho90 que “com o estabelecimento preciso, na linguagem legislativa, dos valores existenciais sobre os valores patrimoniais, será possível
construir uma sociedade humanista e baseada na justiça social”.
Explica Pinto91 que, “no desenvolvimento da sua vida o homem serve-se
das coisas, utilizando-as para satisfazer as suas necessidades e para conseguir
os seus fins”92, sendo o Direito o instrumento necessário e capaz de regulamentar “os poderes dos homens sobre as coisas e o conteúdo das relações entre os
homens a respeito das coisas”, possibilitando o convívio em sociedade. Nesse
sentido, são as cláusulas gerais instrumento e parâmetro ao aplicador do Direito,
concedendo-lhe a discricionariedade necessária à melhor adequação das decisões à realidade atual.
89) ARONNE, op. cit. p.83.
90) GONDINHO, pp cit. p.24.
91) PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 3ª ed. Coibra: Coimbra, 1996.
92) Ibid. p.130.
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