Relatório Final de Iniciação Científica UNIVERSIDADE

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Relatório Final de Iniciação Científica
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA
PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA VOLUNTÁRIA
DA UFMG
Parte 1
1.1. Programa: Iniciação Científica Voluntária
1.2. Modalidade de Relatório: Final
1.3. Identificação:
Nome do voluntário: Izabella Cristina Pires de Freitas Mendes
Número de Matrícula: 2013045268
Nome do curso: Letras – Licenciatura em Espanhol
Nome da orientadora: Márcia Cançado
(Com coorientação de Luana Amaral, residente de pós-doutorado sob
supervisão da Profa. Márcia Cançado durante o ano de 2015)
Unidade da Orientadora: Faculdade de Letras
Título do projeto de pesquisa: Os verbos de modo de agir do português
brasileiro
1.4. Período do relatório: Maio de 2015 a Abril de 2016
1.5. Relatório técnico-científico:
2
 Introdução e Fundamentação
Já se é legitimado o fato de que os verbos se comportam de
maneiras distintas, em relação aos tipos de estruturas sintáticas em que
podem aparecer. Vejamos alguns exemplos:
1) A Jurema quebrou o vaso.
2) A banana amadureceu1.
O que notamos primeiramente é o tipo de estrutura sintática desses
dois verbos, já que o primeiro é transitivo direto, e o segundo intransitivo.
Além disso, verbos do tipo quebrar, aceitam um agente ou uma causa na
posição de sujeito, o que permite também uma forma passiva diante de
sua forma agentiva (Cançado e Amaral, 2010). Exemplos:
3) a) A Jurema/ o vento quebrou o vaso.
b) O vaso foi quebrado por Jurema.
4) a) A Eulália/ o vento abriu a porta.
b) A porta foi aberta por Eulália.
5) a) A Joana/ a progressiva alisou o cabelo de Pedro.
b) O cabelo de Pedro foi alisado por Joana.
Por outro lado, verbos do tipo amadurecer são intransitivos, no
entanto, aceitam um processo chamado “alternância causativo-incoativa”,
descrito por Cançado e Amaral (2010) como resultado de um processo de
causativização, ou seja, o verbo alterna de uma forma intransitiva para
transitiva, só aceita uma causa na posição de sujeito e, além disso, não
há formação de passiva. Exemplos:
6) a) A banana amadureceu.
1
Exemplo retirado de Cançado et al. (2013).
3
b) A estufa amadureceu a banana
c) *A banana foi amadurecida.
7) a) O morango apodreceu.
b) O excesso de calor apodreceu o morango.
c) *O morango foi apodrecido.
8) a) A comida azedou.
b) O calor azedou a comida.
c) *A cozinheira azedou a comida.
Trás largas pesquisas, semanticistas lexicais, como Levin (1993),
Levin e Rappaport Hovav (2005), Cançado et al. (2013), entre outros,
perceberam que havia de fato uma heterogeneidade entre os verbos,
porém também foi constatado que alguns deles se comportavam de
maneira semelhante, o que os levou a buscar uma forma de expressar
essas individualidades e generalidades verbais por meio de alguma
estrutura comum, podendo talvez agrupá-los em uma determinada classe
verbal.
Seguindo tais pesquisadores, definimos então, como classe verbal
o agrupamento de verbos que compartilham de uma
mesma
característica, tanto semântica quanto sintática, sendo importante
ressaltar que os verbos agrupados terão uma série de especificidades
para pertencerem a uma mesma classe. Como exemplo podemos citar a
classe dos verbos tipo quebrar, denominado por Cançado et al. (2013)
como “verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos”. Exemplos:
9) A Jurema/ o vento quebrou o vaso.
10) A Eulália/ o temporal apagou a luz.
11) Os policiais/os escombros bloquearam a passagem.
Notamos com os exemplos dados que os verbos desse tipo
aceitam um agente ou uma causa na posição de sujeito; sendo assim,
como demonstrado em exemplos anteriores, esses verbos permitem a
formação de passiva, quando apresentam um agente na posição de
sujeito. Essas são evidências concretas de que mesmo com a divergência
4
entre alguns verbos, há sim uma homogeneidade entre outros, permitindo
assim o seu agrupamento.
Pensando nisso e seguindo as ideias propostas acima, Amaral e
Cançado (2015) propõem a existência de duas outras classes verbais no
português brasileiro (PB): verbos eventivos do tipo correr, pular e dançar
e verbos de modo de agir como escrever, pintar e costurar, sendo esses
verbos intransitivos e de atividade. Classificamos verbos como
intransitivos quando não possuem complemento, ou seja, o sentido
desses verbos é saturado com um só argumento, sendo uma
característica sintática (como mostramos acima para o caso de
amadurecer). A classificação de atividade é dada de acordo com o
aspecto lexical. Segundo Meirelles e Cançado (2015, p. 4): “A classe dos
verbos de atividade compreende verbos agentivos que descrevem ações
monoeventivas, que se desenvolvem no tempo, sem ter um determinado
ponto de conclusão.”
No entanto, Amaral e Cançado (2015) afirmam que esses verbos
não podem ser tratados de maneira homogênea, pois apresentam
características únicas e cruciais, que os impossibilita de se agruparem na
mesma classe. Por exemplo, os verbos do tipo escrever alternam em
forma transitiva e intransitiva, isto é, são verbos que possuem uma forma
com complemento e outra sem complemento. Exemplos:
12) O professor escrevia. / O professor escreveu um artigo.
13) O Da Vinci pintava. / O Da Vinci pintou a Mona Lisa.
14) A Matilde costurava/ A Matilde costurou um vestido2.
Já os verbos do tipo correr são intransitivos e possibilitam a
retirada de um objeto cognato de seu sentido, ou seja, permitem a retirada
de um sintagma nominal que contém um nome morfologicamente
relacionado ao verbo e que é introduzido na posição de complemento.
Exemplificando:
2
Exemplos retirados de Amaral e Cançado (2015).
5
15) O atleta corria. / O atleta correu [corrida de obstáculos]
16) A Joana dançava. / A Joana dançava [dança de rua].
17) O ladrão chorava. / O ladrão chorava [um choro triste e contido].
Trás essas evidências e outras mais, as autoras defendem a ideia
de que esses verbos devem ser agrupados em classes verbais distintas,
já que apresentam propriedades divergentes.
[…] esses verbos se comportam de maneira diferente em
relação ao número de propriedades gramaticais como a
alternância de transitividade, e nós consideramos crucial a
propriedade sintática de transitividade para o agrupamento
desses verbos em uma classe, portanto, esse comportamento
distinto em relação à transitividade nos motiva a uma subdivisão
destes verbos em dois grupos […] (Amaral e Cançado, 2015, p.
2)3.
Após um amplo estudo feito pelas pesquisadoras, onde puderam
comprovar as suas hipóteses, conclui-se que a primeira classe, de verbos
como correr, pode ser representada por uma estrutura comum, [X DO
<EVENT>], e que a estrutura para a segunda classe, de verbos tipo
escrever, seria [X ACT<MANNER>]. Essas estruturas utilizadas pelas autoras
são denominadas como “estruturas de decomposição em predicados
primitivos”. Segundo Cançado e Amaral (no prelo, p. 161), “A
decomposição de predicados é não apenas uma metalinguagem utilizada
para representar o sentido dos verbos, mas também uma forma de
analisar composicionalmente a semântica desses itens lexicais. [...]”.
Esse sistema de decomposição do sentido verbal em predicados
primitivos vem sendo adotado por muitos especialistas, dentre eles
semanticistas lexicais, tais como Pinker (1989), Levin e Rappaport Hovav
Do original: […] these verbs behave differently in respect to a number of
grammatical properties, such as participation in a transitivity alternation, we consider
transitivity to be crucial syntactic property for the grouping of verbs in classes, therefore,
distinct behavior in relation to transitivity motivates a subdivision of these of these verbs
in two groups […] (Tradução nossa).
3
6
(1995, 1999, 2005), Rappaport Hovav e Levin (1998, 2010), Cançado et
al. (2013), Amaral (2013). Isso se deve ao fato de que esses autores,
assim como Cançado e Amaral (no prelo), acreditam que o sentido de
cada verbo pode ser decomposto em partes, e que podemos representálas através deste sistema. Além disso, para Cançado e Amaral (no prelo),
esse tipo de estrutura é uma forma mais minuciosa de representação do
significado, já que consegue esmiuçar o significado inerente em cada
verbo, além de possibilitar em um só sistema a visualização sintática e
semântica, e eventiva.
Sendo assim, para ser classificado como [X DO <EVENT>], os
verbos
devem
apresentar,
não
somente
a
característica
de
intransitividade, mas também um objeto cognato, como já explicitado
acima. Além disso, esses verbos permitem paráfrases com os verbos dar
e fazer, não são necessariamente agentivos e não aceitam adjunção de
instrumento. Exemplos:
18) A atleta correu. / O atleta fazia uma corrida.
19) A Joana dançava/ A Joana fazia uma dança.
20) O ladrão arrependido chorava. / O ladrão arrependido fazia um choro 4.
Por sua vez, os verbos pertencentes à classe de [X ACT<MANNER>],
além de apresentarem alternância, que é a propriedade crucial para esses
verbos, são agentivos e aceitam instrumento, por meio do qual a ação
será realizada. Exemplos:
21) O professor escreveu com a caneta azul.
22) A menina coloriu com um lápis fluorescente.
A partir das análises feitas pelas autoras sobre os verbos do tipo
pular e do tipo escrever e das análises feitas por Amaral (2013), abriramse possibilidades de estudo para outros verbos, já que se plantearam
muitas outras dúvidas. Além disso, há uma larga extensão da classe de
4
Exemplos retirados de Amaral (2013)
7
verbos agentivos, como verbos de expressão (falar, cantar, sussurrar),
verbos de consumo (beber e comer), verbos instrumentais (martelar,
unhar), etc., o que impossibilitou em um único estudo abarcar uma total
classificação. Com isso, as autoras se dedicaram mais ao estudo da
classe de correr, não aprofundando o estudo dos verbos tipo escrever.
Por esse fato, optamos por dar continuidade a esse estudo, a fim
de, não só consolidar as pesquisas de Amaral e Cançado (2015), mas
também para ampliá-las, partindo, desta vez, pelo estudo da classe dos
verbos intransitivos por excelência, ou seja, verbos em que não há
possibilidade de uma alternância intransitiva/transitiva. São verbos do tipo
apitar, distintos dos verbos do tipo escrever, propostos por Amaral (2013)
e
Amaral
e
Cançado
(2015).
Esse
recorte
se
derivou
dos
questionamentos que foram feitos: Só os verbos com a alternância,
intransitiva/transitiva fariam parte da classe [X ACT <MANNER>]? É o que
responderemos nesta pesquisa.
 Objetivos
Este projeto tem o intuito de dar seguimento ao trabalho de Amaral
e Cançado (2015), aprofundando o conhecimento sobre a classe [X
ACT<MANNER>] no PB, chamada de “classe dos verbos de modo de agir”.
Neste estudo procuramos também consolidar a estrutura semântica
proposta por Amaral e Cançado (2015), ou propor uma nova estrutura a
partir dos estudos realizados, tendo em vista uma análise mais ampla e
um maior conhecimento sobre os verbos em questão.
 Metodologia
Demos início à nossa pesquisa com uma fina coleta de verbos
intransitivos de atividade, verbos esses que poderiam pertencer à classe
dos verbos de modo de agir, nosso objeto de estudo neste trabalho. Como
fonte de pesquisa desses verbos foi utilizado o Dicionário Gramatical de
Verbos do Português Contemporâneo do Brasil (BORBA, 1990), no qual
foram encontrados cerca de 120 verbo pertencentes a essa categoria a
8
princípio. Trás uma análise mais minuciosa, percebemos que alguns dos
verbos encontrados não eram mais usados pelos falantes do PB, gerando
assim, uma escassez de conhecimento por parte dos falantes. Como a
nossa pesquisa leva em conta a intuição que os falantes têm sobre a
língua, tal falta de uso nos impossibilitou de analisar esses verbos com
propriedade. Além disso, ao decorrer da pesquisa, vimos também que
alguns verbos coletados não possuíam as propriedades desejadas para
este estudo, deixando assim uma motivação para estudos futuros.
Portanto, foram objeto de nossas análises 32 verbos dos 120
encontrados1.
A seleção desses verbos contou, não somente com a descrição
feita em Borba (1990), mas também com a intuição de falante dos
pesquisadores. Além disso, para a verificação das estruturas sentenciais
desses verbos, optamos por organizá-los em sentenças que não fossem
construídas de maneira aleatória, mas que tivessem um uso frequente
pelos próprios falantes nativos e que tivessem verbos flexionados no
pretérito perfeito do indicativo. Para isso, buscamos um método de
verificação, eficaz, rápido e com muitas ocorrências, o site de buscas
Google, que nos possibilitou validar a gramaticalidade das sentenças
aplicadas em nossos estudos2.
Depois de coletados, os verbos passaram por uma análise
semântica baseada em Cançado et al. (2013), que consiste na verificação
de acarretamentos, aspecto lexical, formação de passivas e composição
com sintagma preposicionado instrumental.
Ao nos valermos do teste de acarretamento, buscávamos saber as
propriedades semânticas que cada verbo atribuía a seu argumento, como
o papel temático de agente, que era imprescindível para classificá-los,
possivelmente, na mesma classe dos verbos tipo escrever, já que todos
os verbos dessa classe são agentivos. Com o teste do paradoxo do
imperfectivo, sentenças flexionadas no pretérito perfeito foram utilizadas
para determinar o aspecto lexical dos verbos, que por sua vez
1
Tais verbos estão listados no Apêndice deste texto.
Seguimos a metodologia de construção de sentenças a partir de dados
apresentada em Cançado et al. (2013).
2
9
necessitavam ter aspecto lexical de atividade. Ademais disso, para
sabermos se os verbos eram intransitivos por excelência, buscamos por
sentenças em que os verbos estivessem em sua forma passiva, o que nos
permitiria assegurar a intransitividade verbal, já que os verbos só
possuíam o seu argumento externo. Em continuação, também usamos
sentenças com sintagma preposicionado instrumental, o que nos permitia
verificar se o verbo permitia a utilização de um instrumento em suas
formações, além disso, poderíamos descartar ou confirmar a presença de
um objeto cognato nos verbos estudados, o que os diferencia da classe
de verbos do tipo correr, validando uma vez mais a sua intransitividade.
 Resultados alcançados e discussão
Ao prosseguirmos com as nossas análises, verificamos que alguns
verbos tinham sentidos semelhantes, como patinar e esquiar, miar e
mugir, cochichar e choramingar, pinotear e trotar. Porém, como explicado
por Cançado et. al. (2013), os verbos não podem ser agrupados somente
pela sua semântica, mas deve-se levar em conta também sua sintaxe.
A partir dos testes aplicados, constatamos que alguns verbos se
comportavam diferentemente de outros. Verificamos que verbos do tipo
apitar, patinar e esquiar continham em seu sentido idiossincrático um
instrumento e a realização do evento só poderia ser executada por meio
desse. Exemplos:
23) Apitar com um apito
24) Patinar com um patins
25) Esquiar com um esqui
Conseguimos notar essa especificidade do verbo quando, ao
utilizarmos o teste de formação de sentenças com um instrumento, ou
seja, o sintagma preposicionado instrumental, para que o verbo não
perdesse o seu sentido, só poderíamos utilizar o objeto cognato retirado
do próprio verbo. Além disso, para que a frase não ficasse redundante,
esse sintagma deveria ser especificado por alguma qualidade. Exemplos:
10
26) O João apitou [com um apito rosa].
27) A Maria patinou [com um patins especial].
28) A Jurema esquiou [com um esqui importado].
Com isso, também verificamos que os verbos não aceitavam
nenhum outro tipo de instrumento que não fossem esses, já que ao
tentarmos introduzir outros as sentenças não se tornavam agramaticais,
porém perdia-se a semântica desses verbos, ou seja, o seu sentido,
fazendo com que as frases causassem estranhamento para os falantes
de PB, chegando a ser contraditória a inserção de outro instrumento.
29) ? O João apitou [com uma corneta].
30) ? A Maria patinou [com uma bicicleta].
31) ? A Jurema esquiou [com uma prancha de surf].
Por isso, descartamos a hipótese de que esses verbos pertenciam
à classe de [X ACT<MANNER>], já que os estudos feitos por Amaral e
Cançado (2015) descrevem que os verbos do tipo escrever, pintar e
costurar não apresentavam tal comportamento, ou seja, não se retira um
objeto cognato instrumental do sentido do verbo, e, portanto, não
poderiam apresentar a mesma estrutura. Percebendo, então, que os
verbos como apitar não pertencem à classe de [X ACT<MANNER>],
buscamos outra maneira de classificá-los.
Baseando-nos no trabalho de Meirelles e Cançado (2015),
norteamos a nossa estrutura, tendo em vista que os verbos tipo patinar,
encontrados nesta pesquisa, se assemelhavam aos descritos pelas
autoras, por conter um instrumento em seu sentido idiossincrático.
Contudo, os verbos de Meirelles e Cançado (2015) eram diferentes
sintaticamente dos nossos verbos, já que são transitivos. Exemplos:
32) Marcos alfinetou Joana.
33) O povo apedrejou Maria Madalena.
11
34) Maria apunhalou o namorado5.
Como vimos anteriormente, os verbos devem ser classificados
levando em consideração, não só a sua semântica, mas também a sua
sintaxe, portanto a estrutura proposta pelas autoras, [X AFFECT<THING> Y],
não abarcaria os nossos verbos, já que os verbos estudados nesse
trabalho são intransitivos. Portanto, levando em consideração as
particularidades dos nossos verbos, isto é, verbos intransitivos, aspecto
de atividade, objeto cognato instrumental e papel temático de agente
atribuído pelo verbo para o argumento externo, propomos para eles a
estrutura [X ACT<THING>].
Ao dar seguimento às nossas pesquisas, vimos também que
alguns dos verbos restantes se comportavam como os verbos do tipo
correr e pular, propostos por Amaral (2013) e Amaral e Cançado (2015).
A primeira evidência foi a presença de objeto cognato, visto, por exemplo,
nos verbos gesticular, choramingar, cochichar e mugir. Exemplos:
35) O João gesticulava [gestos sinistros e aterradores].
36) A Maria choramingava [um choro fino e contido].
37) A Jurema cochichava [um cochicho rápido e desconfiado].
38) A vaca mugiu [um mugido de dor].
Confirmamos a presença desses objetos cognatos ao verificarmos
as sentenças através da fermenta de buscas Google, onde introduzíamos
as frases por meio de aspas duplas e verificávamos a frequência com a
qual ela era produzida pelos falantes, verificando assim se era ou não
uma boa sentença do PB. Trás isso, notamos também que era possível a
construção de paráfrases com os verbos dar ou fazer, teste também
proposto por Amaral e Cançado (2015), o que confirmou a entrada desses
verbos na classe de [X DO <EVENT>]. Das classes citadas acima foram
encaixados exatos 22 verbos dos 31 estudados, sendo cinco da classe de
[X ACT<THING>] (apitar, machadar, esquiar, patinar e pitar) e os restantes
5
Exemplos retirados de Meirelles e Cançado (2015).
12
da classe de [X DO <EVENT>] (arruaçar, cambalhotar, espernear, farrear,
gesticular, pinotear, trotar, choramingar, divagar, cochichar, arrulhar,
cacarejar, ladrar, mugir, relinchar, urrar, zurrar).
Contudo, ao aplicarmos todos os testes, vimos que 9 dos verbos
analisados não se encaixavam em nenhuma das classes estudadas. Além
disso, esses verbos não apresentavam propriedades sintáticas que
permitissem o seu agrupamento, o que nos impossibilitou de aprofundar
o estudo desses verbos. Ademais, para o objetivo proposto para este
trabalho não se fez necessário uma pesquisa mais profunda desses
verbos, já que o nosso intuito era verificar se esses verbos apresentam
características da classe de [X ACT
<MANNER>],
o que não foi constatado.
Sendo assim, deixaremos em aberto para futuros trabalhos o estudo
destes verbos: baforar, bochechar, defecar, desconversar, cambalear,
contracenar, madrugar, ornejar, zanzar.
 Conclusões
Concluímos, então, depois desse extenso trabalho, que não há
evidências da existência de verbos da classe de [X ACT <MANNER>] fora da
classe de verbos do tipo escrever, proposta por Amaral e Cançado (2015),
já que nenhum dos verbos estudados nesta pesquisa mostrou
propriedades que se assemelham aos verbos de tal classe, sendo
intransitivos por excelência. Ademais disso, foi proposta neste trabalho
uma nova classe que denominaremos “verbos de ação com instrumento”,
que possuem a estrutura [X ACT <THING>], já que retiramos do sentido do
verbo um objeto, e não uma maneira, como os verbos do tipo escrever,
ou um evento, como os do tipo correr. Como apontado em nossa
pesquisa, alguns dos verbos intransitivos analisados pertencem à classe
proposta por Amaral e Cançado (2015), [X DO <EVENT>], e outros
pertencem à classe encontrada por nós neste trabalho, para a qual
propomos a estrutura [X ACT<THING>].
Contudo, deixaremos em aberto para outros estudos verbos como
baforar, madrugar e zanzar, já que não apresentaram semelhanças
13
sintáticas com nenhuma das três classes citadas neste trabalho, abrindo
assim a possibilidade para futuros trabalhos.
 Referências bibliográficas
Amaral, L. Os Predicados primitivos ACT e DO na representação
lexical dos verbos. Dissertação – Mestrado em Estudos Linguísticos –
Faculdade de Letras da UFMG, 2013.
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Borba, F. (Coord.) Dicionário gramatical de verbos do português
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Cançado, M.; Amaral, L. Representação lexical de verbos
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Cançado, M.; Amaral, L. Introdução à Semântica Lexical: Papéis
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Vozes, no prelo.
Cançado, M; Godoy, L; Amaral, L. Catálogo de verbos do
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M.;
LEVIN,
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E.; SICHEL, I. Syntax, lexical semantics, and event structure. Oxford:
Oxford University Press, 2010. P. 21-38.
1.6. Principais fatores negativos e positivos que interferiram
na execução do projeto técnico-científico:
A pesquisa possibilitou um grande crescimento acadêmico, além
de proporcionar um maior conhecimento sobre os verbos do português
brasileiro, concretizando meu desejo de seguir carreira na área de
semântica lexical. Não ocorreram fatores negativos.
15
1.7. Apêndice:
Verbos da classe de patinar:
Estrutura argumental [X ACT<THING>]
Apitar: O João apitou (a noite toda).
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
O João estava apitando├ João apitou.
O João quase apitou (Não gera ambiguidade)
PP cognato Instrumental:
O Joao apitou [com um apito de plástico].
Esquiar: A Maria esquiou (no inverno).
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: A Maria esquiava├ A Maria esquiou.
A Maria quase esquiou (Não gera ambiguidade)
PP cognato Instrumental:
A Maria esquiou [com um esqui de prata].
Machadar: O José machadou (o dia inteiro)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
O José machadava. ├ O José machadou.
O José quase machadou. (Não gera ambiguidade)
PP cognato Instrumental:
O José machadou [com um machado rosa].
Patinar: O Jurandir patinou (todo o verão)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
O Jurandir patinava. ├ O Jurandir patinou.
O Jurandir quase patinou. (Não gera ambiguidade)
PP cognato Instrumental:
O Jurandir patinou [com um patins dourado].
16
Pitar: A Jurema Pitou (todo o tempo)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: A Jurema pitava ├ A Jurema pitou.
A Jurema quase pitou. (Não gera ambiguidade)
PP cognato Instrumental:
A Jurema pitou [com um pito de madeira].
Verbos do tipo cambalhotar:
Estrutura argumental [X DO < EVENT>]
Arruaçar: A Maria arruaçou (a tarde toda)
*Não aceita passiva
Aspecto lexical de atividade:
A Maria arruaçava. ├ A Maria arruaçou.
Objeto Cognato :? A Mari arruaçou [uma arruça descomunal]
Paráfrase:
? A Maria fez uma arruaça louca no último final de semana.
Arrulhar: A pomba arrulhou (a tarde toda)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
A pomba arrulhava. ├ A pomba arrulhou.
Objeto cognato: A pomba arrulhou, um arrulho de dor.
Paráfrase: A pomba deu um arrulho de sofrimento.
Cacarejar: A galinha cacarejou.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
A galinha cacarejava. A galinha cacarejou.
A galinha cacarejava. ├ A galinha cacarejou.
Objeto cognato :? A galinha cacarejou, um cacarejo fúnebre.
Paráfrase: A galinha deu um cacarejo de dor.
17
Cambalhotar: A Luiza cambalhotava.
*Não aceita passiva
Aspecto lexical de atividade:
A Luiza cambalhotava ├ A Luiza Cambalhotou.
Objeto cognato:
A Luiza deu cambalhotou [cambalhotas de felicidade].
Paráfrase (verbo dar/fazer):
A Luiza deu uma cambalhota pela manhã.
Cochichar: A Maria cochichou.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
A Maria cochichou. ├ A Maria cochichava.
Objeto cognato: A Maria cochichou um cochicho inaudível.
Paráfrase: ?A Maria deu um cochicho durante a aula.
Choramingar: A Jurema choramingou (a tarde toda)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
A Jurema choramingava. ├ A Jurem choramingou.
Objeto cognato:
A Jurema choramingou, um choramingo baixo e estridente.
Paráfrase: A Jurema deu um choramingo.
Divagar: O João divagou (a noite toda)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: O João divagava. ├ O João divagou.
Objeto cognato: O João divagou, uma divagação fútil.
Paráfrase: O João fez uma divagação louca.
Espernear: A Joaquina esperneou (a noite toda)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
18
A Joaquina esperneava. ├ A Joaquina esperneou.
Objeto cognato: A Joaquin esperneou um esperneio de pirraça.
Paráfrase: ? A Joaquina fez um esperneio louco.
Farrear: O José farreou (o dia inteiro)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: O José farreava. ├ O José farreou.
Objeto cognato: O José farreou, uma farra boa.
Paráfrase: O José fez farra no final de semana.
Gesticular: A Jurema gesticulou (a noite toda)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
A Jurema gesticulava. ├ A Jurema gesticulou.
Objeto cognato:
A Jurema gesticulava gestos sinistros e aterradores.
Paráfrase: A Jurema fez gestos durante a palestra.
Ladrar: O cachorro ladrou.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
O cachorro ladrava. ├ O cachorro ladrou.
Objeto cognato: ??? O cachorro ladrou, um ladro de dor.
Paráfrase: ?? O cachorro deu um ladro de sofrimento.
Mugir: A vaca mugiu.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: A vaca mugia. ├ A vaga mugiu.
Objeto cognato: A vaca mugiu um mugido de dor.
Paráfrase: A vaca deu um mugido de dor.
Pinotear: O João pinoteou (o dia todo)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
19
O João pinoteava. ├ O João pinoteou.
Objeto cognato: O João pinoteava, pinotes de felicidade.
Paráfrase: O João deu pinotes de felicidade.
Relinchar: O cavalo relinchou.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
O cavalo relinchava. ├ O cavalo relinchou
Objeto cognato: O cavalo-alado empinou-se e relinchou, um
relincho forte e o mesmo tempo delicado.
Paráfrase: O cavalo deu um relincho de sofrimento.
Trotar: O cavalo trotou (a tarde toda)
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: O Cavalo trotava. ├ O Cavalo trotou
Objeto cognato: O cavalo trotou, trotes compassados.
Paráfrase: O cavalo deu trotes artísticos.
Urrar: O urso urrou.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade: O urso urrava. ├ O urrou.
Objeto cognato: O urso urrou um urro selvagem.
Paráfrase: O urso deu um urro de medo.
Zurrar: O jumento zurrou.
*Não aceita passiva.
Aspecto lexical de atividade:
O jumento zurrava. ├ O Jumento zurrou.
O jumento zurrava. O jumento zurrou.
Objeto cognato: O jumento zurrava um zurro de dor.
Paráfrase: O jumento deu um zurro de medo.
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Verbos não encaixados em nenhuma estrutura argumental:
Baforar, bochechar, defecar, desconversar, cambalear, contracenar,
madrugar, ornejar, zanzar.
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