Investigação, 14(6):38-45, 2015 REVISÃO DE LITERATURA | BIOMARCADORES CARDÍACOS – UM ALIADO NO PROGNÓSTICO DAS CARDIOPATIAS EM PEQUENOS ANIMAIS CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS Cardiac biomarkers- An ally on prognosis of cardiac disorders in small animals *Hospital Veterinário, Universidade de Franca (UNIFRAN) - Franca- SP. Autor para correspondência: Pós-Graduação em Ciência Animal, Hospital Veterinário, Universidade de Franca (UNIFRAN). Denner S. dos Anjos1*, Cristiane A. Cintra1, Jessé R. Rocha1, Daniel P. Junior1 Av. Armando Salles de Oliveira, 201, Jd. Universitário, Franca- SP, CEP 14404-600 Email: [email protected] RESUMO ABSTRACT A avaliação das cardiopatias em pequenos animais pode ser desafiadora, visto que o histórico do paciente é frequentemente inespecífico. Neste aspecto, os biomarcadores cardíacos constituem recursos diagnósticos ultimamente estudados para auxiliar tanto no diagnóstico, quanto no prognóstico das mesmas. Os mais utilizados para avaliação de pequenos animais são a troponina cardíaca I (cTnI) e as duas formas do peptídeo natriurético tipo B (BNP), a citar, o fragmento terminal-C (C-BNP) e o fragmento terminal-N (NT-proBNP). Esses biomarcadores são métodos complementares aos testes já existentes para o diagnóstico de doença cardíaca e devem ser interpretados em conjunto com a clínica do paciente ao invés de serem utilizados como testes únicos. As isoformas cardíacas cTnI e cTnT são marcadores teciduais cardíacos específicos, principalmente para a necrose ou injúria das células do miocárdio. Em medicina veterinária, existem algumas limitações quanto ao uso da troponina cardíaca. Quanto aos peptídeos natriuréticos (NP), o aumento de suas concentrações tem sido observado concomitantemente ao aumento da severidade da degeneração mixomatosa valvar de mitral (DMVM) em cães e o NT-proBNP sugerido como fator prognóstico da consequência da DMVM nesses animais. Existem inúmeras indicações para C-BNP ou NT-proBNP, porém, doenças que secundariamente afetam o coração também podem provocar elevação dessas substâncias, tais como o hipertireoidismo e a hipertensão pulmonar. Dessa forma, os biomarcadores cardíacos devem ser utilizados na rotina da clínica como ferramentas complementares aos exames cardiológicos já disponíveis, com o objetivo de traçar o perfil dos pacientes caninos e felinos portadores de cardiopatia. The assessment of heart disease in small animals can be challenging, since the history of the patient is often nonspecific. Thus, the cardiac biomarkers are a tool to assist the diagnosis and prognosis of these diseases. The most used cardiac biomarkers in small animals are the cardiac troponin I (cTnI) and the two forms of B-type natriuretic peptide (BNP), that is, the C-terminal fragment (C-BNP) and N-terminal fragment (NT-proBNP). These biomarkers are complementary methods to the existing tests for the diagnosis of heart disease and should be more interpreted in the context of the patient’s clinic rather than be used as a single test. The cardiac isoforms cTnI and cTnT are tissue specific cardiac markers, especially to necrosis or injury of myocardial cells. In veterinary medicine, there are some limitations on the use of cardiac troponin. As for natriuretic peptides (NP), the increase in their concentrations has been observed as the severity of MMVD increased in dogs and NT-proBNP as a prognostic factor suggested in a consequence of these animals with MMVD. There are numerous indications for C-BNP or NT-proBNP, however, secondary diseases such as hyperthyroidism and pulmonary hypertension that affect the heartmay also cause elevation of these substances. Thus, cardiac biomarkers should be use in the routine of veterinary clinic as a complementary tool to cardiology examinations already available, in order to trace a profile of dogs and cats bearing cardiomyopathy. Key-words: dogs, cats, markers, natriuretic peptide, cardiac troponin Palavras-chave: cães, gatos, marcadores, peptídeo natriurético atrial, troponina cardíaca ISSN 21774080 38 Investigação, 14(6):38-45, 2015 INTRODUÇÃO O histórico do paciente com doença cardíaca geralmente é inespecífico, dificultando a realização de um exame criterioso. Ao exame físico, a presença ou intensidade do sopro nem sempre é uma mensuração confiável da severidade da doença (OYAMA, 2013). Em medicina uma alternativa de diagnóstico precoce de lesão miocárdica é a utilização de biomarcadores cardíacos, sendo sua principal aplicação para o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio (CHRISTENSON et al., 1998). De maneira similar à medicina, Greco et al. (2003) observaram correlação entre os biomarcadores cardíacos e o prognóstico da doença cardíaca em cães. A utilização desses biomarcadores auxilia o médico veterinário no diagnóstico de diversas cardiopatias; porém, para uma interpretação adequada dos resultados, são necessários além do exame físico completo e exames cardiológicos complementares (YONEZAWA et al., 2010). Os biomarcadores cardíacos mais utilizados para avaliação de pequenos animais são a troponina cardíaca I (cTnI) e as duas formas do peptídeo natriurético tipo B (BNP), isto é, o fragmento terminal-C (C-BNP) e o fragmento terminal-N (NTproBNP). Esses biomarcadores são testes complementares aos testes já existentes para o diagnóstico de doença cardíaca e devem ser interpretados em conjunto com a clínica do paciente ao invés de serem utilizados como testes únicos (OYAMA, 2013). Recentemente a literatura citou a utilização desses peptídeos para distinguir doença cardíaca de outras afecções em pequenos animais (FOX et al., 2009). Desta forma o objetivo desta revisão foi abordar as principais características dos biomarcadores cardíacos mais importantes e sua importância no diagnóstico e prognóstico na clínica de pequenos animais. DESENVOLVIMENTO Troponinas cardíacas O biomarcador cardíaco cTnI juntamente com a troponina-T (cTnT) e troponina-C (TnC), formam um conglomerado de três proteínas miocárdicas ligadas ao esqueleto da actina dentro dos miocardiócitos. Uma vez que ocorra lesão aos miocardiócitos e às membranas sarcolemais, o complexo troponina dissocia-se da actina permitindo o extravasamento dessa substância para o espaço extracelular, atingindo a circulação sanguínea (OYAMA, 2013). A isoforma cardíaca cTnI é um marcador tecidual bastante sensível e específico, principalmente para a necrose ou injúria das células do miocárdio (OYAMA, 2008a). Em pacientes saudáveis, a troponina cardíaca apresenta uma concentração ínfima ou ausente no sangue. Por causa de sua alta especificidade ao tecido cardíaco, a detecção cTnI circulante é uma das ferramentas diagnósticas utilizadas em centros emergenciais para diagnosticar infarto agudo do miocárdio em pacientes humanos. Entretanto, apesar de também estar elevada em pacientes portadores de doença cardíaca crônica, apresentam magnitude inferior quando comparadas ao infarto (OYAMA, 2013). Com relação a insuficiência cardíaca congestiva (ICC), acredita-se que o aumento da concentração de troponina esteja relacionada com a degradação progressiva do miocárdio, consequente da liberação dessa substância na circulação (Ricchiuti et al., 1997). Porém, a elevação da concentração da troponina pode ser visto em pacientes idosos como uma consequência normal da idade (LJUNGVALL et al., 2010). ISSN 21774080 39 Existem alguns testes comercialmente disponíveis para avaliar a troponina cardíaca em veterinária como: i-STAT® Cardiac Troponin assay, Abaxis, Union City, CA; Troponin-I, IDEXX Laboratories, Westbrook, ME, ambos para a cTnI. Porém, esses testes apresentam uma detecção de aproximadamente 0,2 ng/mL. Outros testes específicos para a espécie canina para mensuração da cTnI é pelo método de Elisa (ELISA kit, Cusabio, Wuhan, China), detectando valores a partir de 5,8pg/mL ou pelo método de quimioluminescência pelo Kit Labtest Diagnóstica S.A. (Lagoa Santa, MG, Brasil). As concentrações de cTnI circulante em cães com degeneração mixomatosa valvar de mitral (DMVM) discreta e moderada está frequentemente menor que 0,03 ng/ mL (0,001-0,029 ng/mL), podendo ser detectado apenas com ensaios de alta sensibilidade (LJUNGVALL et al., 2010), como o método de ELISA (valores de 0,0058ng/mL). O ADVIA Centaur CP® Ultra-TnI (Siemens Medical Solutions Diagnostics, New York, NY) é um teste de imunoensaio ultrasensível comercialmente disponível com validação para uso em cães apresentando ótima acurácia, precisão e reprodutibilidade. Porém, apesar de possuir fins de diagnóstico e prognóstico em pacientes veterinários com doenças congênitas ou cardiovasculares adquiridas, poucos pesquisadores utilizam esse teste (WINTER et al., 2013). Existem inúmeros fatores que limitam a utilização da troponina cardíaca na veterinária como a presença de concentrações normais de cTnI em cães portadores de cardiomiopatia discreta (OYAMA, 2013). Consequentemente, a sua utilização em testes de triagens torna-se limitada, visto Investigação, 14(6):38-45, 2015 que a troponina é parcialmente excretada por mecanismos renais, e a injúria cardíaca na presença de injúria renal aguda ou doença renal crônica pode resultar um falso aumento da sua concentração (SHARKEY et al., 2009). A concentração da cTnI aumenta significativamente com a idade (OYAMA e SISSON, 2004). De acordo com Oyama e Sisson (2004), ao avaliarem 176 cães saudáveis, foi observada que a idade apresentou correlação positiva com o aumento das concentrações de cTnI. O mesmo foi observado por Hezzell et al. (2012), que ao estudarem a troponina cardíaca-I altamente sensível (hscTnI), verificaram que cães idosos com doença cardíaca tinham concentrações > 0,025 ng/mL e menor sobrevida. Contudo, 14 cães do grupo controle apresentaram concentração de hscTnI de 0,03 ng/mL, maior que o cut-off preditivo para risco de morte (0,025 ng/mL). Isto foi justificado pelo fato que esses cães eram mais velhos que outros cães presentes no grupo controle, que tinham concentração < 0,03 ng/mL. Esses dados corroboram com Oyama e Sisson (2004), que observaram também menor tempo de sobrevida para cães com cardiomiopatia com concentrações de cTnI >0,20 ng/mL. Desta forma, a forte associação entre a idade e a concentração de cTnI indica que a idade causa alterações cardíacas que levam ao extravasamento de cTnI. A perda dos miócitos pela idade pode ocorrer por causa dos defeitos no potencial de oxigenação no miocárdio (LJUNGVALL et al., 2010). Outra indicação para a mensuração da troponina cardíaca é quanto a sua monitoração após tratamento e diagnóstico das cardiopatias (PROSEK et al., 2010). Um estudo ao avaliar 93 cães com problemas cardíacos, foi observado elevação significativa das concentrações de cTnI em cães com cardiomiopatia (média de 0,14ng/mL), DMVM (média de 0,11ng/mL) e estenose subaórtica (média de 0,08ng/mL) quando comparados aos cães saudáveis (0,03ng/mL) (OYAMA e SISSON, 2004). Cães com DMVM que apresentaram concentração maiores que 0,025 ng/mL de cTnI apresentaram 1,9 mais vezes de risco de virem a óbito quando comparados com concentrações menores (HEZZELL et al., 2012). Portanto, estudos prospectivos devem ser realizados para verificar se as concentrações de troponina podem ser utilizadas como guia para a terapêutica (OYAMA, 2013). De acordo com o mesmo autor, mensurações seriadas dessa substância oferecem informações prognósticas, visto que sua diminuição frequentemente significa uma injúria transitória e recuperação cardíaca, enquanto que o aumento persistente indica um prognóstico ruim. Além da sua utilização como ferramenta prognóstica na DMVM ou cardiomiopatia dilatada (CMD), o aumento da troponina também foi demonstrada em pacientes com doenças cardíacas e não cardíacas como dilatação vólvulo gástrico (SCHOBER et al., 2002; BURGENER et al., 2006), piometra (Hagman et al., 2007), babesiose (CHAMPION et al., 2013), cardiomiopatia arritmogênica ventricular em Boxer (BAUMWART et al., 2007), neoplasia (FONFARA et al., 2010), síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) (HAMACHER et al., 2015) e miocardite (JANUS et al., 2014). Um estudo prospectivo avaliou 15 cães apresentando ICC por DMVM classe IV e observou a presença de 40% dos cães com concentração de cTnI aumentados (média de 0,24ng/mL) apresentando menor média de sobrevida (67,5 dias: variando de 1-390 dias) em comparação aos cães com troponina não detectáveis, sugerindo valor prognóstico da cTnI em cães com ISSN 21774080 40 ICC por DMVM (LINKLATER et al., 2007). Em outro ensaio, foi observado que o aumento da concentração de cTnI em cães com SIRS está associado a um pior prognóstico (HAMACHER et al., 2015). Gatos com cardiomiopatia hipertrófica (CMH) apresentam maiores concentrações de cTnI que gatos saudáveis. De acordo com alguns estudos, foi observada uma porcentagem de 85% a 87% de sensibilidade e 84% a 97% de especificidade para a detecção da doença (HERNDON et al., 2002; CONNOLLY et al., 2003). Um estudo avaliou 41 gatos previamente diagnosticado com CMH e foi observado que concentrações maiores que 0,7ng/mL de cTnI foi fator preditivo para falência cardíaca independentemente da presença de ICC ou dilatação atrial esquerda (Borgeat et al., 2014). Já animais que apresentam sinais respiratórios secundários à ICC possuem aumento das concentrações de cTnI; entretanto, existe uma sobreposição entre esses animais e outros com sinais respiratórios de causas não cardíacas, limitando sua utilização clínica (PROSEK et al., 2007; HERNDON et al., 2008). Isto ocorre porque qualquer condição sistêmica que cause hipoxemia e isquemia cardíaca pode resultar na elevação da cTnI, não sendo específico de doença cardíaca primária. Dessa maneira, não é um teste útil para diferenciar sinais respiratórios de causas cardíacas e não cardíacas em cães e gatos (OYAMA, 2013). Observa-se na tabela 1 as principais afecções cardíacas e não cardíacas que levam ao aumento da cTnI no sangue. Investigação, 14(6):38-45, 2015 Tabela 1. Principais afecções em cães e gatos de doenças cardíacas e não cardíacas que apresentam aumento da concentração de troponinas na circulação (Prosek e Ettinger, 2010 modificado). Causas cardíacas Cardiomiopatia arritimogênica do ventrículo direito em Boxers Infarto do miocárdio Cardiotoxicidade induzida por doxorrubicina Miocardite ICC Estenose subaórtica CMD e CMH Endocardiose Efusão pericárdica Causas não cardíacas Trauma torácico Tromboembolismo Dilatação vólvulo-gástrico Piometra Sepse Doença pulmonar Hipóxia Hemoparasitose (Babesiose, Erliquiose) Injúria renal Neoplasia (linfoma) Epilepsia ICC: insuficiência cardíaca congestiva; CMD: cardiomiopatia dilatada; CMH: cardiomiopatia hipertrófica Peptídeos natriuréticos Tanto o peptídeo natriurético atrial (ANP) e o ventricular (BNP) são sintetizados como precursores de alto peso molecular denominados de pró-hormônios, os quais são clivados em dois segmentos: um peptídeo biologicamente ativo na região do terminal-C descrito como ANP ou BNP e um segmento do terminal-N biologicamente inativo descrito como NT-proANP ou NT-proBNP (THIBAULT et al., 1987; SAITO et al., 1989; YASUE et al., 1994; MAISEL et al., 2008). Esses peptídeos natriuréticos (NPs) são utilizados com valor diagnóstico e prognóstico em doenças cardíacas de cães. Seu aumento plasmático foi observado em cães com CMD (TIDHOLM et al., 2001; O’SULLIVAN et al., 2007; OYAMA et al., 2007; OYAMA et al., 2008; WESS et al., 2011; SINGLETARY et al., 2012a). Além disso, o aumento das concentrações dos NP tem sido observado conforme aumenta a severidade da DMVM em cães (HAGGSTROM et al., 2000; OYAMA et al., 2008; TAKEMURA et al., 2009; TARNOW et al., 2009; WOLF et al., 2012;) e o NT-proBNP sugerido como fator prognóstico da consequência da DMVM nesses animais (CHETBOUL et al., 2009; SERRES et al., 2009; TARNOW et al., 2009; MOONARMART et al., 2010; HEZZEL et al., 2012; REYNOLDS et al., 2012). Ambos os proBNP e proANP são produzidos pelos cardiomiócitos atriais e em menor proporção pelos ventriculares. Estresse ou estiramento do miocárdio em resposta a uma sobrecarga de volume, aumentam a produção de proBNP e proANP, particularmente dentro dos cardiomiócitos ventriculares. Na liberação, essas substâncias são clivadas em dois fragmentos separados: terminal-N e terminal-C. O C-BNP e C-ANP promovem vasodilatação e diurese através da ligação aos receptores específicos nos tecidos vascular e renal. Suas ações promovem um contrabalanço àquele do sistema reninaangiotensina-aldosterona (SRAA) (OYAMA, 2013). Existem três testes disponíveis comercialmente nos Estados Unidos para NP, um para C-BNP em cães (Cardio-BNP®, Antech Diagnostics, Chesterfield, MO), e dois para NT-proBNP, um para cães (CardioPet proBNP-Canine®, IDEXX Laboratories, Westbrook, ME) e outro para gatos (CardioPet proBNP-Feline®, ISSN 21774080 41 IDEXX Laboratories, Westbrook, ME). Tanto o C-BNP quanto o NT-proBNP requerem técnicas de coleta sanguínea especiais para diminuir a degradação durante a coleta e transporte ao laboratório (OYAMA, 2013). Existem inúmeras indicações para C-BNP ou NT-proBNP, incluindo a diferenciação de sinais respiratórios cardiogênicos e não cardiogênicos, detecção de CMD oculta em Dobermans e CMH em gatos; e como valor prognóstico em cães com DMVM ou CMD (OYAMA, 2013). De acordo com Borgeat et al. (2014), em análise univariada de 41 gatos com CMH, concentração de NT-proBNP > 250 pmol/L foi associado com falência cardíaca (p= 0,023) mas não foi significativo quando comparado aos sinais clínicos ou tamanho/função do átrio esquerdo. Algumas doenças cardíacas como a DMVM, CMD e CMH apresentam-se com elevadas concentrações de C-BNP e NT-proBNP (DeFRANCESCO et al., 2007; OYAMA et al., 2008; CONNOLLY et al., 2008). Entretanto, doenças que secundariamente afetam o coração também podem provocar elevação dessas substâncias a citar o hipertireoidismo e as hipertensões sistêmica e pulmonar (KELLIHAN et al., 2011; MENAUT et al., 2012). De acordo com Kellihan et al. (2011), a concentração de NT-proBNP foi significativamente superior em cães com hipertensão pulmonar (HP) quando comparados aos cães com doença respiratória sem HP, enquanto que as concentrações de NT-proANP e cTnI não estavam elevadas nesses cães. Assim o NT-proBNP pode ser útil para predizer a severidade da HP. Em contrapartida, em outro estudo que avaliou o risco preditivo do aumento de NT-proANP de cães da raça Cavalier King Charles com insuficiência de mitral por DMVM, observou-se aumento da concentração sanguínea Investigação, 14(6):38-45, 2015 acima de 1.000 pmol/l, afirmando este teste como ferramenta valiosa para identificar esses cães que possam desenvolver ICC dentro de meses ou monitorar a progressão da doença (ERIKSSON et al., 2014). Um estudo ao avaliar 25 cães com DMVM em diferentes graus de ICC, constatou-se uma correlação positiva entre a concentração plasmática de BNP e doença/insuficiência cardíaca, existindo um aumento progressivo com a gravidade da DMVM e ICC (MACDONALD et al., 2003). De acordo com Maisel et al. (2006), o BNP é preditivo para risco de morte ou de ICC em pacientes assintomáticos, tornando-se um exame complementar na avaliação do risco do paciente, permitindo monitorar a curto prazo a resposta da terapia para ICC. Contudo, o NT-proBNP é um biomarcador mais estável quando comparado ao BNP, tornando sua medição mais prática (PROSEK, 2010). De acordo com Ettinger e Prosek (2010), seguindo recomendações do laboratório IDEXX, segue a utilização do NTproBNP em cães e gatos (Tabela 2). Tabela 2. Valores do NT-proBNP em cães e gatos, segundo recomendações da IDEXX (Prosek e Ettinger, 2010 modificado) Cães Normal (baixa probabilidade de DC) Elevado (alta probabilidade de DC) DC presente ICC Gatos Normal DC assintomática (alta probabilidade) Provável DC ICC < 800 pmol/L 800-1800 pmol/L >1800 pmol/L > 2700 pmol/L < 50 pmol/L 50-100 pmol/L 101-270 pmol/L > 270 pmol/L Diferenciação de sinais respiratórios de origem cardíaca e não cardíaca e diagnósticos convencionais como radiografia torácica e ecocardiograma (SINGLETARY et al., 2012b). Cães e gatos com sinais respiratórios podem representar um desafio clínico, porque na maioria das vezes, os sinais clínicos não são completamente elucidáveis. A maior parte das causas pode ser alocada em duas divisões pela localização anatômica do distúrbio, sendo divididas em enfermidades de origem cardíaca (como a ICC) ou não cardíaca (doença das vias aéreas ou de parênquima como asma, bronquite crônica e pneumonia). Alguns trabalhos observaram a utilização da concentração do C-BNP e NT-proBNP na distinção da causa dos sinais respiratórios em cães (DeFRANCESCO et al., 2007; PROSEK et al., 2007; OYAMA et al., 2009) e a concentração do NT-proBNP em gatos com os mesmos sinais (CONNOLLY et al., 2009; FOX et al., 2009). A sensibilidade e especificidade exata do teste dependem do valor do ponto de corte utilizado, com valores de cutoff baixo resultando em maior sensibilidade e menor especificidade, enquanto que valores de cutoff alto resultam em menor sensibilidade e maior especificidade. A tabela 3 ilustra os principais biomarcadores cardíacos utilizados em cães e gatos. A baixa concentração do NT-proBNP é mais consistente de uma causa não cardíaca, enquanto que o aumento na sua concentração é mais sugestivo de ICC. Na medicina humana, o NT-proBNP é utilizado como o melhor teste para excluir ICC, porque os pacientes com concentrações normais ou baixas são altamente incomuns de apresentar ICC (OYAMA, 2013). Algumas das recomendações propostas em cães e gatos para a utilização de ensaios NT-proBNP para diferenciar sinais respiratórios de origem cardíaca e não cardíaca incluem: 1) concentração normal ou baixo de NT-proBNP é mais consistente de origem não cardíaca, enquanto que a elevação do NT-proBNP é mais sugestiva de origem cardíaca como ICC; 2) Animais com doença cardíaca assintomática, a elevação da concentração de NT-proBNP podem ter diagnóstico confundido com uma causa não cardíaca com sinais respiratórios; e 3) Esse teste deve ser avaliado no contexto do histórico clínico, exame físico DC: doença cardíaca; ICC: insuficiência cardíaca congestiva ISSN 21774080 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de pouco solicitado, os biomarcadores cardíacos devem ser utilizados na rotina da clínica veterinária como ferramentas complementares aos exames cardiológicos já disponíveis, com o objetivo de traçar o perfil dos pacientes caninos e felinos portadores de cardiopatia. Esses biomarcadores são testes auxiliares e não devem ser utilizados de maneira isolada, sendo necessária a solicitação de exames cardiológicos complementares como ecodopplercardiograma, radiografia de tórax e eletrocardiograma. Investigação, 14(6):38-45, 2015 Tabela 3. Biomarcadores cardíacos utilizados em cães e gatos* (OYAMA, 2013 modificado). Indicação Diferenciação de sinais respiratórios em gatos por doenças cardíacas e não cardíacas Diferenciação de sinais respiratórios em cães por doenças cardíacas e não cardíacas Detecção de cardiomiopatia em gatos no grupo de risco Detecção de cardiomiopatia em Doberman Biomarcadores NT-proBNP NT-proBNP C-BNP cTnI NT-proBNP NT-proBNP C-BNP Valor do Cutoff Connolly DJ, Cannata J, Boswood A, et al. 2003. Cardiac troponin I in cats with hypertrophic cardiomyopathy. Journal of Feline Medicine and Surgery. 5(4):209– 16. Sensibilidade Especificidade (%) (%) 220; 265 (pmol/L) 1158; 1400 (pmol/L) 17,4; 6,0 (pg/mL) 0,157; 0,20 (ng/mL) 95; 99; 100 (pmol/L) 457; 550 (pmol/L) 6,2 (pg/mL) Connolly DJ, Magalhaes RJ, Syme HM, et al. 2008. Circulating natriuretic peptides in cats with heart disease. Journal of Veterinary Internal Medicine. 22(1):96–105. 88 DeFrancesco TC, Rush JE, Rozanski EA, et al. 2007. Prospective clinical evaluation of an ELISA B-type natriuretic peptide assay in the diagnosis of congestive heart failure in dogs presenting with cough or dyspnea. Journal of Veterinary Internal Medicine. 21(2): 243–50. 86-92 81 Eriksson AS, Häggström J, Pedersen HS, et al. 2014. Increased NT-proANP predicts risk of congestive heart failure in Cavalier King Charles spaniels with mitral regurgitation caused by myxomatous valve disease. Journal of Veterinary Cardiology. 16(3): 141-154. 86-90 78-81 85-87 84-97 71-92 94-100 70-79 81-90 95 62 90-94 Fonfara S, Loureiro J, Swift S, et al. 2010. 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