Variabilidade da Hemoglobina e Hospitalização em Pacientes com

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Artigo Original
Variabilidade da Hemoglobina e Hospitalização em Pacientes com
Doença Renal Crônica em Programa Dialítico em Uso de Epoetina Alfa
Hemoglobin Variability and Hospitalization in Chronic Dialysis Patients
Treated with Epoetin Alfa
Tatiane Andrade Mendonça1, Ricardo de Araújo Oliveira1, Manoel Pacheco de Andrade Júnior2,
Kleyton de Andrade Bastos1,2
1 Departamento
de Medicina da Universidade Federal de Sergipe; 2 CLINESE - Clínica de Nefrologia de Sergipe Ltda.
RESUMO
Introdução: A variabilidade da hemoglobina (VHb) é evento freqüentemente descrito em nefropatas crônicos em tratamento com agentes estimuladores
da eritropoiese. Objetivo: Avaliar o fenômeno da VHb em pacientes dialíticos em uso de epoetina alfa, analisando o seu potencial impacto na ocorrência
de hospitalizações. Métodos: Realizou-se estudo de coorte prospectiva em 148 pacientes em diálise regular, no período de outubro/2006 a outubro/2007
em que se descreveu a VHb através da análise das taxas de flutuação, identificando ciclos e excursões, e dos padrões de variação dos níveis absolutos
de hemoglobina (Hb), classificados mensalmente em baixos (<11g/dL), intermediários (11-12,5g/dL) ou altos (>12,5g/dL). Utilizou-se regressão logística
multivariada para determinar a relação entre a VHb e a presença de hospitalizações. Resultados: Experimentaram pelo menos uma excursão, 142 (96%)
pacientes e 133 (90%), apresentaram oscilações na classificação mensal dos níveis de Hb. Observou-se maior número de ciclos da Hb entre os idosos
(p=0,04). Mudanças nas doses da epoetina alfa e do ferro intravenoso associaram-se ao início de 48,2% e 17,8% das excursões, respectivamente. Na
análise multivariada, ocorrência de quatro ou mais excursões (OR=4,66; IC95%=2,02-10,73); Hb persistente ou transitoriamente baixa (OR=2,49;
IC95%=1,35-4,60); e a co-variável realização de diálise peritoneal (OR=2,80; IC95%=1,22-6,42) correlacionaram-se com maior probabilidade de
hospitalizações. Conclusão: VHb é comum durante a terapia com epoetina alfa e associa-se às diferentes práticas de tratamento da anemia. A maior VHb
e a permanência por mais tempo com níveis baixos de Hb foram descritos como potenciais fatores associados às hospitalizações.
Descritores: Insuficiência renal crônica. Hospitalização. Epoetina alfa. Anemia.
ABSTRACT
Background: Hemoglobin variability is a frequent event described in patients with chronic kidney disease treated with Erythropoiesis-Stimulating Agents.
Objective: To assess the hemoglobin variability phenomenon in dialysis patients in use of epoetin alfa, analysing its potential impact on the incidence of
hospitalization. Methods: The study evaluated a prospective cohort of 148 patients in regular dialysis from October, 2006 to October, 2007. Hemoglobin
variability was described by the analysis of fluctuation rates. Cycles and excursions were identified. Hemoglobin level patterns were classified in: low
(<11g/dL), intermediate (11-12,5 g / dL) or high (> 12.5 g / dL) on a monthly basis. The multivariate logistic regression was used to define the relation between
hemoglobin variability and hospitalization rates. Results: this study has demonstrated that 142 (96%) patients presented at least one excursion and 133
(90%) patients presented at least one hemoglobin fluctuation per month. An increased number of hemoglobin cycles was observed in elderly (p=0,04). The
changes on epoetin alfa and intravenous iron doses were associated with the onset of 48,2% and 17,8% of the excursions, respectively. The multivariate
analysis, has demonstrated that the occurrence of four or more excursions (OR=4,66; IC95%=2,02-10,73); persistently or transiently low hemoglobin levels
(OR=2,49; IC95%=1,35-4,60); and peritoneal dialysis (OR=2,80; IC95%=1,22-6,42) are correlated with an increased risk of hospitalization. Conclusion:
Hemoglobin variability is a common phenomenon during therapy with epoetin alfa and is associated with different anemia treatment practices. High amplitude
hemoglobin variability and a large period of low hemoglobin levels are potential risk factors for hospitalization.
Keywords: Chronic renal insufficiency. Hospitalization. Epoetin alfa. Anemia.
Recebido em 04/09/08 / Aprovado em 28/10/08
Endereço para correspondência:
Kleyton de Andrade Bastos
Universidade Federal de Sergipe
Av. Dep. Silvio Teixeira, 651, Apto 1602
49025-100, Aracaju, SE, Brasil
E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
A anemia é importante complicação da doença
renal crônica (DRC), sendo associada à significativa
morbidade1. O tratamento com agentes estimuladores da
eritropoiese (AEE) foi um grande avanço no manejo deste
problema2, com a correção parcial dos níveis de hemoglobina (Hb), resultando em melhora da qualidade de vida3 e
redução do risco de mortalidade e de hospitalizações4,5.
Atualmente, cerca de 90% dos pacientes com doença
renal terminal (DRT) e 20% dos pacientes em fase prédialítica são tratados com AEE6.
Segundo as recentes recomendações feitas pelo
Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI), os
níveis de Hb de pacientes renais crônicos em uso de AEE
devem ser mantidos entre 11 e 12g/dL7. Valores superiores a esses têm sido relacionados a aumento do risco
cardiovascular, de mortalidade e de trombose, principalmente em fístulas arteriovenosas8,9.
A maioria dos pacientes alcança os níveis
recomendados de Hb com o tratamento adequado com
AEE. Entretanto, apesar da boa resposta inicial, seus
valores hematimétricos, em geral, não se mantêm
constantes dentro de um determinado intervalo alvo ao
longo do tempo10. Mais especificamente, os níveis de Hb
tendem a aumentar e a diminuir em um padrão cíclico,
variável para cada indivíduo, tendo como fatores
associados: modificações nas doses dos AEE, terapia com
ferro e complicações clínicas da própria doença de base2.
A flutuação dos níveis de Hb complica o manejo
da anemia na DRT e é potencialmente associada a
aumento da mortalidade e da freqüência de ocorrência de
outros eventos adversos nessa população. Esse dado
suporta a hipótese de que a variabilidade hematimétrica
representa um importante estresse fisiológico11-13.
O presente estudo tem como objetivo avaliar o
fenômeno da variabilidade da Hb (VHb) nos pacientes
com DRT em programa dialítico em uso de epoetina alfa,
analisando os potenciais fatores contribuintes para o seu
desenvolvimento e o seu possível impacto na ocorrência
de hospitalizações.
MÉTODO
Realizou-se estudo do tipo coorte prospectiva em
pacientes portadores de DRT em terapia renal substitutiva (TRS)
na CLINESE - Clínica de Nefrologia de Sergipe Ltda., em
Aracaju – SE, observados no período de 01/10/2006 a
30/09/2007. Foram recrutados inicialmente 168 pacientes que
obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: estar ativo no
programa de TRS e em uso de epoetina alfa em 01/10/2006, não
ser portador de doença hematológica e apresentar valor de Hb ≥
11g/dL em dosagem realizada no mês de setembro de 2006 ou
estar há pelo menos seis meses em uso regular de epoetina alfa
ao início do estudo.
Mantiveram-se elegíveis para análise os pacientes que
foram submetidos à avaliação laboratorial dos níveis de Hb no
mínimo mensal em todo o período de observação. Foram
excluídos do estudo 20 pacientes por terem necessitado de
transfusão sanguínea ou descontinuado inadvertidamente a
terapia com epoetina alfa durante o período ou por terem
perdido o seguimento por óbito, transplante renal ou mudança
de centro de diálise.
No serviço referido, prescreve-se epoetina alfa na dose
inicial de 50-100U/kg/semana, por via subcutânea, para todos os
pacientes renais crônicos em TRS que apresentem valores de Hb
< 11g/dL, com a monitorização hematimétrica sendo realizada a
cada duas a quatro semanas. Quando se faz necessário, ajustes
posológicos são realizados para manter os níveis de Hb dentro
da faixa de 11 a 12g/dL, recomendada nas atuais diretrizes7,
sendo a dose de manutenção, em geral, 20% a 30% inferior à
utilizada na indução terapêutica14. A suplementação de ferro
(Fe), preferencialmente por via intravenosa, é prescrita aos
pacientes com saturação de transferrina menor que 20% e/ou
ferritina sérica menor que 100ng/mL, sendo suspenso quando a
primeira estiver superior a 40% e/ou a última maior que
500ng/mL15.
Durante o seguimento, foram obtidas informações concernentes a dados demográficos e clínicos (idade, gênero, realização de tratamento conservador pré-dialítico, modalidade
dialítica e presença de diabetes mellitus); registro mensal dos
níveis de Hb no período de setembro de 2006 a outubro de 2007;
práticas médicas (início do uso de epoetina alfa e mudanças na
sua prescrição e uso do Fe); e intercorrências clínicas (infecções,
episódios hemorrágicos e hospitalizações). As internações para
confecção de fístula arteriovenosa para hemodiálise (HD) ou
implante de cateter peritoneal não foram consideradas no estudo.
Para a descrição da VHb, foram utilizados dois métodos:
a análise das taxas de flutuação e o estudo dos padrões de
variação dos níveis absolutos de Hb. Com relação às taxas de
flutuação, usou-se como parâmetro a identificação do fenômeno
da “ciclagem” da Hb, descrito por Fishbane & Berns16. Este é
definido como as oscilações dos níveis dosados de Hb ao longo
do tempo em pacientes individuais, sendo que esses valores diminuem ou aumentam com o passar do tempo e depois invertem a
direção. Os níveis iniciais e finais de Hb e a sua taxa de alteração
quando ele muda para a direção oposta podem ser diferentes.
Neste estudo, a ciclagem foi considerada como uma
oscilação da Hb ≥ 1,5g/dL ao longo de mais de oito semanas,
durante as quais, os níveis de Hb aumentaram ou diminuíram e
então inverteram a trajetória inicial. A metade de um ciclo
completo é definida como “excursão”. A amplitude de uma
excursão é a diferença absoluta entre os valores inicial e final da
Hb. Somente excursões com amplitude ≥ 1,5g/dL e com duração
≥ quatro semanas foram consideradas como clinicamente
significantes e registradas no estudo16.
Na avaliação dos padrões de variação dos níveis
absolutos de Hb, realizou-se a classificação mensal dos valores
de Hb de cada paciente em: baixo (<11g/dL), intermediário (11
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a 12,5g/dL) ou alto (>12,5g/dL). Em seguida, buscando-se
avaliar os padrões de variação, fez-se a segregação dos pacientes
em seis grupos, conforme descrito por Ebben et al.17: sempre
baixo; sempre intermediário; sempre alto; flutuação de baixa
amplitude / Hb baixa (BA/HbB); flutuação de baixa amplitude /
Hb alta (BA/HbA); e flutuação de alta amplitude (AA).
Entendendo-se como BA/HbB a presença de valores de Hb
baixos e intermediários; BA/HbA, a presença de valores de Hb
intermediários e altos; e AA, a presença de valores de Hb baixos,
intermediários e altos num mesmo paciente ao longo do período
de observação17.
Os dados coletados foram transferidos para uma
planilha do Microsoft® Office Excel 2007 e analisados pelo
programa SAS, versão 9.1 (SAS Institute, Cary NC). As estatísticas descritivas da população estudada foram apresentadas em
freqüências e médias ± desvio-padrão. As diferenças entre as
variáveis contínuas foram avaliadas pelo teste t de Student nas
comparações simples e pelo teste de Scott-Knott nas comparações múltiplas de médias. O teste não-paramétrico qui-quadrado
foi realizado para analisar a associação entre as freqüências das
ciclagens e excursões e os padrões de flutuação com os fatores
demográficos e clínicos estudados. Esse mesmo teste também
foi utilizado para avaliar se a ocorrência de hospitalizações
estaria associada à VHb.
Para descrição mais completa dessa associação, criou-se
um modelo de regressão logística, usando a seleção de Stepwise,
cuja variável dependente era a presença de internações (Sim
versus Não). Nesta seleção, as co-variáveis não significantes
foram removidas do modelo. Para tais análises, os seis padrões
de flutuação foram agrupados da seguinte forma: 1- Hb sempre
intermediário, sempre alto e BA/HbA; 2- AA; e 3- sempre baixo
e BA/HbB. Adotou-se um valor de p<0,05 para rejeição da
hipótese nula.
Dos 148 pacientes estudados, 142 (96%) apresentaram pelo menos um episódio de excursão e 110 (74%)
experimentaram o fenômeno da ciclagem da Hb. Conforme ilustrado na figura 1, o número médio de excursões
por paciente foi de 2,8 ± 1,3, com amplitude média de 3,1
± 1,5g/dL e duração média de 10,6 ± 5,5 semanas. Do
total de 411 excursões, 212 (51,6%) foram descendentes.
Com relação à amplitude e duração média, as excursões
ascendentes e descendentes não diferiram de maneira
significativa (p= 0,19 e p= 0,93 respectivamente).
Pacientes com idade ≥ 60 anos apresentaram maior
número de ciclos de Hb quando comparados aos mais
novos (p= 0,04). Entretanto, não houve diferença
significante no número de excursões em função da idade
(p= 0,14). Não se observou nenhuma outra associação
entre os fatores demográficos e clínicos estudados com a
freqüência de ciclagens e de excursões.
O número médio de mudanças nas doses da
epoetina alfa para cada paciente durante o período
estudado foi de 2,7 ± 1,7 (Figura 2). Aumento na dose
da epoetina alfa (54,3%), início da terapia com Fe ou
aumento de sua dose (15%) e alta hospitalar há menos
de 30 dias (8%) correlacionaram-se com o início de
uma excursão ascendente. Ao passo que suspensão da
epoetina alfa (8,5%), redução da sua dose (34%),
RESULTADOS
As características demográficas e clínicas da
amostra analisada estão demonstradas na tabela 1.
Durante o período examinado, a Hb média foi de 11,2 ±
1,8g/dL.
Figura 1. Distribuição percentual da amostra conforme o número
de excursões da hemoglobina por paciente em um ano (N= 148).
Tabela 1. Características demográficas e clínicas da amostra
(N= 148).
Características
Gênero
Variáveis
Masculino
Feminino
Idade (anos)
Média
< 60 anos
≥ 60 anos
Tratamento Conservador
Sim
Não
Diabetes mellitus
Sim
Não
Modalidade Dialítica
HD
DP
HD = hemodiálise; DP = diálise peritoneal
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n
82
66
49,7 (±15,6)
107
41
18
130
26
122
109
39
%
55,4
44,6
72,3
27,7
12,2
87,8
17,6
82,4
73,7
26,3
Figura 2. Distribuição percentual da amostra conforme o número
de alterações na dose da epoetina alfa prescrita por paciente em
um ano (N= 148).
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diminuição da dose ou interrupção do uso do Fe
(20,8%), hospitalização (10,4%), infecção (5,7%) e
eventos hemorrágicos (2,9%) se associaram ao começo
de uma excursão descendente. No total de excursões,
mudanças nas doses da epoetina alfa e alterações do uso
do Fe estiveram presentes em 48,2% e 17,8% dos casos
respectivamente.
Em 90% dos pacientes, observou-se a presença de
oscilações dos níveis absolutos de Hb ao longo do tempo,
sendo que o padrão de AA foi o mais comum (46,7%).
Não houve associação entre AA e níveis persistentemente
baixos de Hb com níveis de ferritina, saturação de
transferrina ou uso de Fe (Figura 3).
Dos 142 pacientes que apresentaram excursões,
48,6% eram do grupo AA, 34,5% do grupo BA/HbB,
8,5% do grupo BA/HbA, 7% do sempre baixo e 1,4% do
sempre alto. Não houve diferenças significantes entre os
seis grupos de padrão de variação no que diz respeito às
características demográficas e clínicas analisadas.
Durante o período analisado, ocorreram 84
hospitalizações (0,6 ± 0,9 por paciente). Cinqüenta e um
pacientes internaram (35%), sendo que 53% destes
encontravam-se no grupo 3 (sempre baixo e BA/HbB);
43,1% no grupo 2 (AA) e 3,9% no grupo 1 (sempre
intermediário, sempre alto e BA/HbA).
Na análise não-ajustada para as diversas co-variáveis, observou-se que a ocorrência de hospitalizações foi
significativamente mais elevada nos pacientes que
experimentaram maior número de excursões (p= 0,0004),
maior freqüência de ciclagens (p= 0,013) e que
apresentaram maior número de meses com Hb < 11g/dL
(sempre baixo e BA/HbB) (p= 0,028). Após a aplicação
do modelo de regressão logística usando a seleção de
Stepwise, permaneceram apenas: a freqüência das
excursões, os grupos de padrões de flutuação e a
modalidade dialítica.
Figura 3. Distribuição percentual dos pacientes em uso de
epoetina alfa de acordo com padrão de flutuação da hemoglobina
(N= 148).
Nesta análise, a ocorrência de quatro ou mais
excursões [odds ratio (OR)= 4,66; Intervalo de confiança
de 95% (IC95%)= 2,02-10,73]; a presença de Hb
persistente ou transitoriamente baixo (sempre baixo e
BA/HbB) [OR= 2,49; IC95%= 1,35-4,60] e a realização
de diálise peritoneal (DP) [OR= 2,80; IC95%= 1,22-6,42]
foram fatores correlacionados com uma maior
probabilidade de hospitalizações (p= 0,0003, p= 0,004 e
p= 0,015 respectivamente) (Figuras 4 e 5).
DISCUSSÃO
No presente estudo, observou-se que a VHb é
evento comum em pacientes com DRT tratados com
epoetina alfa. Nos últimos anos, a descrição desse fenômeno, com a tentativa de identificação dos seus potenciais
fatores desencadeantes e das suas eventuais conseqüências, tem sido alvo de grande discussão na literatura
médica. Embora não se saiba ainda qual a forma ideal de
avaliação, é consensual que os efeitos dos níveis de Hb
sobre os resultados clínicos não devem ser analisados
com base somente em medidas isoladas10-12,16-21.
Figura 4. Probabilidade de ocorrência de hospitalização em
pacientes com 0 a 3 excursões conforme o grupo de padrão de
flutuação da hemoglobina (Hb) e a modalidade dialítica (n=110).
Figura 5. Probabilidade de ocorrência de hospitalização em
pacientes com 4 a 6 excursões conforme o grupo de padrão de
flutuação da hemoglobina (Hb) e a modalidade dialítica (n= 38).
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A opção neste estudo de se associar a análise das
taxas de flutuação, através da identificação da ocorrência
de ciclagens e excursões, com o estudo dos padrões de
oscilação dos níveis absolutos de Hb, os dois métodos
mais amplamente descritos, teve como finalidade avaliar
de forma mais completa e fidedigna a VHb, o que difere
do padrão da literatura internacional, já que a maioria dos
trabalhos utiliza apenas um deles16,17,19,20. Tendo em vista
que o objetivo do estudo foi a análise da variabilidade,
optou-se por incluir também pacientes que estivessem em
uso regular de epoetina alfa há pelo menos seis meses,
independentemente de estarem ou não com valores de Hb
dentro da faixa alvo, baseando-se em dados recentemente
descritos de pesquisa realizada na mesma instituição em
que se demonstrou que 78% dos pacientes atingem níveis
alvos de Hb nesse período22.
Ebben et al.17, em estudo feito com 152.846
pacientes em HD beneficiários do Medicare, constataram
a presença de flutuações dos níveis de Hb em cerca de
90% deles, sendo que, em 39,5% destes, foi no padrão
AA. Collins et al.19 demonstraram que apenas 5% dos
pacientes que iniciaram o período de observação com
nível médio de Hb entre 11 e 12g/dL permaneceram dentro dessa faixa por seis meses consecutivos. No presente
estudo, as observações seguiram a tendência descrita na
literatura, já que 96% dos pacientes apresentaram pelo
menos uma excursão, com predominância dos padrões de
variação AA (46,7%) e BA/HbB (33,8%).
Dentre todos os fatores demográficos e clínicos
analisados, somente a idade avançada esteve relacionada de
forma significativa à ciclagem, sendo comum nesse grupo
de pacientes a ocorrência de dois a três ciclos completos.
Em estudos descritos na literatura, nem a idade nem as
demais características epidemiológicas e clínicas foram
identificadas como possíveis variáveis determinantes de
uma maior oscilação dos níveis de Hb11,16.
Recentes pesquisas têm demonstrado que os
pacientes em DP apresentam melhor resposta hematimétrica ao tratamento inicial com AEE, alcançando níveis
alvos de Hb mais precocemente do que aqueles em HD22,23.
Apesar disso, o presente trabalho não observou diferenças
significantes entre as modalidades dialíticas no que diz
respeito à ocorrência de flutuações dos níveis de Hb.
Evidenciou-se neste estudo que as alterações nas
doses da epoetina alfa e as mudanças no uso do Fe foram
os fatores mais freqüentemente associados à ocorrência
das oscilações dos níveis de Hb. As mudanças nas doses
da epoetina alfa foram observadas em 48,2% das
excursões, resultado concordante com os relatados em
diversos trabalhos, que descrevem as alterações nas doses
dos AEE como responsável por até 80% das
flutuações16,19,20.
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Variabilidade da Hemoglobina e Hospitalização
Vários autores têm demonstrado ser muito difícil a
manutenção dos níveis de Hb dentro de um alvo
estreito19,20, fato esse que pode perpetuar a sua variabilidade, já que os médicos podem responder a uma flutuação da Hb fora do alvo com alteração da dose do AEE,
apenas para descobrir, na dosagem de Hb seguinte, que a
trajetória mudou de direção, necessitando de ajustes de
doses adicionais2. A necessidade de freqüentes mudanças
na prescrição da epoetina alfa evidenciada no presente
estudo, com 49,3% dos pacientes apresentando três ou
mais alterações das doses no período de um ano,
corrobora essas observações.
Tem sido demonstrado que, enquanto os valores de
Hb se movem e percorrem toda a escala alvo, as
mudanças nas doses dos AEE são pouco freqüentes. Na
maior parte dos casos, o próximo ajuste de dose somente
é realizado quando a Hb se encontra fora do alvo, agora
no lado oposto ao valor inicial. Em seguida, todo o
processo é repetido no sentido inverso16. Nesta casuística,
isso também foi observado. Segundo Fishbane & Berns16,
o impacto das mudanças nas doses dos AEE seria ideal se
essas alterações fossem suaves o suficiente para manter os
níveis de Hb dentro da faixa-alvo previamente alcançada.
Tal afirmação encontra-se concordante com a recomendação das atuais diretrizes de que pequenas mudanças nas
doses dos AEE devam ser realizadas, quando a Hb
encontra-se na faixa desejada, para a manutenção desses
níveis24,25.
Apesar da clara eficácia, é importante ressaltar
que o tratamento com AEE difere muito da biologia
eritropoiética normal6, uma vez que são administrados
freqüentemente e resultam em grandes picos dos
níveis séricos de eritropoetina26. Mais recentemente,
surgiu um novo agente conhecido como ativador
contínuo de receptor da eritropoetina – C.E.R.A
(Continuous Erythropoietin Receptor Activator), que
apresenta a capacidade de ativar repetidamente o
receptor da eritropoiese, dispondo de uma meia-vida
prolongada.
Estudos têm demonstrado que o C.E.R.A, administrado uma ou duas vezes por mês, mantém níveis
estreitos e estáveis de Hb, provendo adequado controle da
anemia, comparável ao obtido com os outros AEE usados
em doses mais freqüentes27,28. Devido à sua maior
semelhança com o fisiológico, o C.E.R.A tem representado uma promissora opção para a manutenção dos níveis
de Hb dentro da faixa-alvo.
Alguns pesquisadores têm relatado que as
oscilações da Hb podem ser exacerbadas pelo uso de
protocolos inflexíveis de ajustes de doses dos AEE que
não levam em conta a variabilidade de resposta dos
pacientes2,29. Esse fato ressalta a importância de se
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caracterizar individualmente o quão responsivo o
paciente é ao AEE e usar isto para o controle
prospectivo da terapia. Outro aspecto descrito como
provável contribuinte é a confiança excessiva em um
único resultado de dosagem de Hb, sujeito a variação
significativa2.
As mudanças na prescrição de Fe foram
associadas a 17,8% das excursões, apresentando maior
impacto nas descendentes, em que a suspensão ou a
diminuição da dose esteve relacionada a 20,8% dos
casos. Fato corroborado por trabalhos semelhantes16,30,
que apontam para o provável potencial da terapia de
manutenção semanal de Fe intravenoso na redução das
flutuações da Hb2.
A hospitalização associou-se a 10,4% das excursões descendentes nesta análise. Diversos autores
consideram-na como um fator-chave para o surgimento
de flutuações da Hb14,15. Isto pode estar relacionado ao
efeito prejudicial de infecções, sangramentos e inflamações sobre a eritropoiese31, à perda ou alterações nas
doses dos AEE, à realização de procedimentos cirúrgicos
e ao aumento da freqüência de coleta de amostras de
sangue para exames laboratoriais2. Em contrapartida, a
influência da alta hospitalar precoce na ocorrência de
excursões ascendentes neste estudo (8%) não foi tão
significativa quanto a relatada por outros pesquisadores,
que demonstram associação de até 36%16,32.
Após a aplicação do modelo de regressão
logística, foi demonstrado que a maior oscilação dos
níveis de Hb relacionou-se de forma bastante
significativa com um crescente risco de hospitalizações.
Este resultado mostrou-se concordante com o descrito
em diversos estudos11,13,17,33,34, que sugerem a potencial
associação entre as flutuações da Hb com o aumento da
freqüência de eventos adversos e da mortalidade. Ebben
et al.17 verificaram que o risco de mortalidade e de
hospitalizações associou-se a alta amplitude das
oscilações da Hb. Observações de Feldman et al.33
indicam que a VHb, em pacientes em HD, depois do
ajuste de co-variáveis, relacionou-se a aumento de 30% a
45% na mortalidade.
Sob condições normais de homeostase, são
mantidos níveis constantes de Hb para garantir uma oferta
adequada de oxigênio aos tecidos. Com a flutuação da
Hb, o oxigênio carregado na circulação e distribuído aos
tecidos pode variar. Acredita-se que esses episódios
repetidos de isquemia relativa poderiam resultar em
importante disfunção ou lesão orgânica2,10,35.
Neste estudo, constatou-se que a maioria das
hospitalizações foi de pacientes pertencentes ao grupo
formado pelos padrões de flutuação de Hb sempre baixo
e BA/HbB (53%). Observação compatível com o
descrito na literatura, sendo ressaltada a influência de
amplos períodos com Hb < 11g/dL na maior ocorrência
de internações e óbitos36,37. Gilbertson et al.36, em
estudo recente, evidenciaram que o número de meses
com Hb abaixo do alvo pode ser o principal fator
relacionado com o aumento do risco de morte. O que
enfatiza a importância dos esforços para a melhoria das
práticas clínicas e para o controle de condições que
acarretam resistência temporária ao tratamento, como
infecções e inflamações21.
Nesta amostra, realizar DP esteve associada a
maior risco de hospitalização, de forma concordante com
o descrito por outros autores38,39. Diferentemente dos
pacientes em HD, que internam preferencialmente por
complicações cardiovasculares, os pacientes em DP têm
nas infecções a sua principal complicação, sendo a
peritonite a maior causa de hospitalização e de morte39.
Trabalho realizado no mesmo serviço observou que
peritonite determinou um terço do total de hospitalizações
dos pacientes tratados com tal modalidade40.
Devido à sua natureza observacional, a principal
limitação desta análise, e da grande maioria dos estudos
que avaliam a associação entre a VHb com o risco de
hospitalizações e mortalidade, foi a impossibilidade de se
estabelecer uma relação causa-efeito entre as variáveis
estudadas, o que impõe a necessidade de se realizarem
pesquisas adicionais nessa área.
Acredita-se que, se for comprovada a associação
causal entre a VHb e a ocorrência de eventos adversos,
seu controle poderá tornar-se determinante no tratamento
da anemia na DRC11.
CONCLUSÕES
A VHb é evento comum em pacientes renais
crônicos em programa dialítico tratados com epoetina
alfa, notadamente naqueles de mais idade.
Modificações nas doses dos AEE e do Fe são fatores
associados à VHb, e a magnitude desta, bem como a
persistência por um período de tempo maior com
valores de Hb abaixo do alvo, está relacionada a um
maior risco de ocorrência de hospitalizações.
Portanto, a VHb é, acima de tudo, o resultado das
várias práticas do tratamento da anemia na DRC, o que
ressalta a necessidade de se estabelecerem medidas
ideais para a terapia com os AEE, que provavelmente
determinarão menor morbimortalidade para esta
população específica.
Estudos adicionais são imprescindíveis para
determinar a relação de causa-efeito entre as flutuações da
Hb e os desfechos clínicos desfavoráveis.
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