O APOGEU E A DERROCADA DO DISTRITO DE MESTRE CAETANO SABARÁ/MG: Uma análise de impactos causados pela mineração* Daiane de Oliveira Florêncio1 Natália Maria de Oliveira2 Esta pesquisa teve o objetivo de levantar elementos que revelassem as mudanças sócioespacias ocorridas no Distrito de Mestre Caetano, que causaram a desativação de equipamentos públicos e a migração populacional. Através de técnicas de entrevista oral e pesquisa exploratória foi possível identificar e levantar elementos que justificaram toda a movimentação econômica, social e cultural que outrora aconteceram naquele lugar. Identificou-se também a necessidade estudos que resgatem e protejam a memória de locais como Mestre Caetano e Cuiabá, frente a enorme perda de legado histórico, que muito contribuiria para o planejamento municipal no que diz respeito ao emprego dos recursos oriundos da mineração e elaboração de leis de uso e ocupação do solo. Palavras Chave: Geografia. Memória. Espaço. Mineração. O fenômeno de atuação dos agentes modeladores do espaço ativou e alterou a dinâmica da Produção econômica do Distrito de Mestre Caetano no município de Sabará, Minas Gerais. A suspensão da extração aurífera interferiu significativamente no cotidiano dos habitantes daquele espaço. As pesquisas exploratórias, principalmente as que buscaram o resgate da memória oral através de entrevistas, juntamente a análise documental propiciaram análises de um centro de funções de ordem econômica e social existente no espaço pesquisado. A relevância deste trabalho está relacionada à reconstrução histórico-espacial da localidade, alcançada com a conclusão da pesquisa, a partir da memória dos antigos moradores. Resgate que possibilitou aos mesmos recuperar parte significativa de suas vidas, histórias que certamente seriam perdidas no tempo. Através da reconstrução * Pesquisa desenvolvida pelos alunos do Curso de Geografia da PUC Minas Coração Eucarístico, Daiane de Oliveira Florêncio, Gustavo Henrique da Costa, Natália Maria de Oliveira, Ranufo de Paula Ramalho, Verônica Torres Amarante e Warley Claiton Campos Alves como Trabalho de Conclusão de Curso, cuja primeira fase de desenvolvimento foi financiada pelo PROBIC PUC Minas e desenvolvida pelas alunas Natália Maria de Oliveira e Daiane de Oliveira Florêncio (expositora do trabalho). As duas pesquisas foram orientadas pela professora Doutora Rita de Cássia Liberato. 1 Graduada em Geografia e Mestranda em Geografia pela PUC Minas. 2 Graduada em Geografia pela PUC Minas. espacial pautada na história oral, também foi possível observar que com o passar de décadas o espaço Mestre Caetano foi transformado e (re) significado. A compreensão do fenômeno aliada às teorias analisadas propõe a valorização da memória e de aspectos sociais locais por parte dos Geógrafos e planejadores urbanos. Segundo Corrêa (1999), a organização espacial segue uma lógica de disposição, distribuição e organização que é influenciada por diversos fatores, cabendo ao geógrafo identificá-las a fim de compreender o processo de organização espacial que é a expressão da produção material do homem. Deste modo, a compreensão desta materialidade espacial, frequentemente discutida nas correntes geográficas a partir de uma visão regional, nesta pesquisa foi apresentada sob a forma de estudo de caso. Este trabalho representou uma resposta da academia à população, que normalmente não é oferecida nos cursos de graduação. Excelentes trabalhos são desenvolvidos e armazenados em bibliotecas, ficando restritos e desconhecidos pelas pessoas da área estudada, que vivenciam o fenômeno. Nesta pesquisa parte das análises realizadas, dados coletados e cartogramas produzidos com a reconstrução parcial do lugar foram disponibilizados à alguns integrantes da comunidade. As interfaces do fenômeno sob a perspectiva da vivência. Somente sistematizando o fenômeno da vivência é que foi possível “presentificar” o passado, a fim de se revelar a construção do espaço que a princípio se encontra escondido, com poucas “pistas” que levem aos processos, funções, estruturas e formas ali impressas e reimpressas durante anos, aprisionados na memória. O Mestre Caetano que foi apresentado não está representado em nenhuma página de livro, site ou filme. Os relatos oferecidos foram organizados para revelar um espaço partindo da vivência daqueles que participaram de sua construção, vivenciando o desenvolvimento da Mina de Cuiabá, estudando na escola que foi fechada, que usufruíram da Estação Ferroviária de Mestre Caetano como funcionários ou usuários estando aptos a descrever e revelar os fenômenos que culminaram retração/deslocamento do povoado de Cuiabá. As Ressignificações Espaciais e a Ação dos Agentes Modeladores do Espaço. na O que aconteceu em Mestre Caetano, mais especificamente Cuiabá foi um processo de desligamento, onde um espaço rugoso torna-se estriado uma vez que esgota suas possibilidades econômicas e estruturais de produção e/ou desenvolvimento. Porém com o auxílio pessoas que vivenciaram estas modificações foi possível compreender que a crise financeira e tecnológica da década de 1940 e a mudança na relação de trabalho ocorrida neste período. Onde o modelo fabril que foi difundido em larga escala em diferentes regiões do Brasil também foi implantado e retirado do Distrito de Mestre Caetano, afetando a dinâmica do lugar. Devido à crise estrutural que se caracterizou pela falta de matéria prima, aumento do preço da mão-de-obra, e toda uma conjuntura estabelecida, a política de criação do salário mínimo instituída no governo Vargas no ano de 1940, melhorias nos meios de transportes, o modelo não se sustentou. Com a criação do salário mínimo os trabalhadores tiveram por um lado um direito adquirido, porém viram-se obrigados a custear sua moradia, já que o modelo anterior já não gerava mais o lucro esperado. A ação dos agentes modeladores do espaço apresentados por Corrêa (1999), que são os proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários, estado e grupos sociais excluídos. Também foi determinante para a promoção das ressignificações ocorridas. Os proprietários dos meios de produção, além de consumidores de espaço, interferem nesse segundo seus interesses comerciais muitas vezes sem considerar os impactos de suas interferências para a população. O Distrito de Mestre Caetano, era um local movimentado no qual a economia girava em torno dos benefícios da mineração, cuja maior representante era a Mineradora Morro Velho, atual Anglogold Ashant. O local exercia centralidade em relação ao entorno, já que concentrava diversos equipamentos públicos como cartório, escolas, igreja. Condição que subdividida o Distrito em dois núcleos, um urbano Mestre Caetano e o rural Pompéu. Contudo a regulação do Capital e desregulação do Estado, permitiu a retirada e relocação de equipamentos assistenciais para a população pela mineradora de ouro, que atua em fases distintas de diferentes formas, algumas vezes assumindo funções de Estado, quando oferece tratamento de saúde e moradia aos seus trabalhadores, e por outras vezes promovendo especulação imobiliária e migração populacional. Considerações Finais. Ao iniciarmos esta pesquisa através de um projeto de iniciação científica, e posteriormente a aprimorando em um Trabalho de Conclusão de Curso, desejávamos exercer a função de Geógrafas/os e conferir a aplicabilidade das teorias oferecidas em sala de aula com a realidade do dia-a-dia que se apresentava tão complexa. Utilizar somente recursos Geográficos que nos levasse a compreender o espaço como um todo. Contudo, com o desenrolar da pesquisa percebemos o quão complexa é a Geografia e o quanto é impossível se trabalhar sozinho com fontes puras, obedecendo apenas uma corrente de pensamento nos rendendo, portanto, às contribuições da História, Economia e Sociologia. Estudar um objeto cuja principal parcela seja a matéria Humana, revelou-se um desafio mais complexo e prazeroso do que esperávamos. A História Oral é fascinante e incrivelmente reveladora, apesar não ser uma fonte comumente utilizada por pesquisadores Geógrafos. Grande parte dos estudos e diagnósticos consultados, oferecem o oposto da pesquisa apresentando somente o viés dos planejadores e não o dos vivenciadores do espaço e das ações realizadas no mesmo. Percebeu-se com este estudo o quanto os municípios ainda têm que investigar sobre seu território para que os planejamentos atendam sua população plenamente. Apesar do estudo, ter sido realizado em um município de significativa representatividade histórica estadual e nacional (Sabará), pouquíssimos registros e estudos sobre a localidade foram encontrados. Porém durante a pesquisa diversos questionamentos ambientais, sociais e culturais surgiram, situações que apenas reforçam a necessidade latente de estudos mais aprofundados sobre os Lugares para a garantia do sucesso de planejamentos urbanos locais e regionais, assim como o registro histórico dos fatos. No que diz respeito aos impactos causados pela mineração, a autora Amélia Enriquez (2008), sugere que os efeitos da Mineração são muito díspares e necessitam de mais estudos. A mesma empresa pode atuar de maneiras diversas com o mesmo empreendimento em lugares diferentes. Resta-nos acompanhar e normatizar estas atuações para que o meio ambiente como um todo seja preservado e valorizado, não apenas seus aspectos físicos, mas também os sociais e culturais. O desenvolvimento deve ser promovido, a tecnologia, mudanças são necessárias, porém o não registro e estudo dos impactos destes processos é extremamente arriscado. O Estado e as Empresas privadas que intervém no meio devem contribuir ainda mais para a preservação do patrimônio social que comumente não é resguardado. Por fim, temos nosso território historicamente estudado e diagnosticado por estrangeiros, já passa o momento de fomentarmos pesquisas que resguardem nossa memória histórica e espacial. Independentemente da área e da corrente de pensamento sempre temos grandes contribuições a oferecer aos lugares do cotidiano. Muito estudamos a respeito de lugares globais e poucos nos interessamos e produzimos a respeito dos lugares do cotidiano por nós vivenciados. Já é ora de trabalharmos. Referências AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da super modernidade. São Paulo: Papirus,1994 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionario histórico-geografico de Minas Gerais. 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