SERVIÇO SAÚDE SAÚDE PHOTOS.COM Alzheimer, um senhor desconhecido E m 1995, Ione Beraldo achou estranhas as alterações de humor da mãe, Aldeíde Beraldo, mas nem imaginava que aquilo era um indício da doença de Alzheimer. “Eu nunca tinha ouvido falar desse mal, e demorei a perceber que ela podia estar doente porque meus pais moravam em outra cidade”, lembra Ione. Na época, procurou algumas informações, mas foi uma desconhecida no cabeleireiro que a alertou para a possibilidade de a mãe ter a doença e lhe indicou a Associação Brasileira de Alzheimer, a AbraZ. Desde então, Ione não deixou de freqüentar a ONG, que é a principal organização do país na luta pelos direitos dos portadores da doença e de suas famílias. “Só saio de casa para ir à AbraZ, onde sou coordenadora do grupo de cuidadores dos doentes. Minha mãe não fica sozinha um minuto, e quando não estou eu a deixo com meu marido”, conta Ione. Os dois cuidam sozinhos de dona Aldeíde. Assim como a mãe de Ione, outros 18 milhões de idosos pelo mundo apresentam algum tipo de demência, segundo estimativa publicada no portal Convivendo com Alzheimer (www. 26 Revista do Idec | Junho 2007 alzheimer.med.br). Desses, 61% estão em países do Terceiro Mundo. No Brasil, atualmente são cerca de 1,2 milhão de idosos com algum grau desse tipo de doença. Dados do Ministério da Saúde apontam que em 2002 o Sistema Único de Saúde (SUS) recebeu 741 pacientes com a doença; em 2003, foram 809 internações; e em 2004, 797 pessoas foram internadas em unidades do SUS. O gasto total apenas nesses três anos foi de mais de R$ 3 milhões. E esses números não correspondem à realidade, já que muitas pessoas são internadas supostamente por outras doenças. Hoje, a mãe de Ione tem 87 anos, mas a filha crê que os primeiros sintomas de Alzheimer surgiram perto dos 65, idade média daqueles que apresentam indícios de doenças senis. SEM CAUSA CONHECIDA Segundo o geriatra Norton Sayeg, um dos fundadores da AbraZ e por oito anos seu primeiro presidente, a doença de Alzheimer não tem uma causa determinada e não existe prevenção absoluta para ela. “Sabe-se que é uma doença neurodegenerativa e atinge pessoas com idade mais Sintomas e fases do Alzheimer Na fase inicial, o doente pode apresentar distração, dificuldade de lembrar nomes e palavras, esquecimento crescente, dificuldade para aprender novas informações, desorientação em ambientes familiares, lapsos pequenos, redução das atividades sociais dentro e fora de casa. Na fase intermediária, o doente pode apresentar perda marcante da memória e da atividade cognitiva; deterioração das habilidades verbais, diminuição do conteúdo e variação da fala; mais alterações de comportamento como frustração, impaciência, inquietação, Existem outros recursos não medicamentosos para controlar melhor a situação, específicos para o cuidador. No portal Convivendo com Alzheimer existe um manual disponível com todas as informações para quem cuida de portadores da doença. O segundo tipo de tratamento é dirigido para tentar melhorar a perda de memória, corrigindo o desequilíbrio químico do cérebro. Drogas como rivastigmina, donepezil, galantamina, podem funcionar melhor no início da doença, até a fase intermediária. Mas o efeito pode ser tem- agressão verbal e física; alucinações e delírios; incapacidade para o convívio social autônomo; perda do controle da bexiga. O doente também pode se perder com facilidade, ter tendência a fugir ou perambular pela casa. Na fase avançada, o portador de Alzheimer pode ter transtornos emocionais e de comportamento; perda do controle da bexiga e dos intestinos; falar apenas monossilabicamente e depois deixar de falar; ficar apenas sentado ou deitado; enrijecer as articulações; ter dificuldade para engolir alimentos e morrer. porário, pois a doença de Alzheimer continua progredindo. Outro medicamento recentemente lançado é a memantina. O que ajuda no tratamento é que a doença seja diagnosticada precocemente, mas isso é dificultado pela falta de médicos com experiência no diagnóstico, de acordo com o geriatra. “A família também deve perceber nos idosos os sintomas de perda de memória. Há um mito de que esses problemas são inocentes. Considerar que isso pode não ser normal faz a diferença.” A importância da família nos cuidados P ara a atual presidente da AbraZ, Lílian Alicke, o Alzheimer também pode ser prevenido com atividades física e mental e alimentação adequada. “O que não pode acontecer é a família tratar como ‘caduquice’, porque se a doença não for imediatamente identificada e tratada, a evolução para as fases piores é mais rápida e complicada.” Lílian Alicke tem 73 anos e está na presidência da AbraZ desde 2002, quando resolveu ser voluntária em alguma causa social importante. Primeiro foi cuidadora e depois passou a presidente. “O preconceito e a estigmatização da doença são os principais complicadores para uma boa qualidade de vida do paciente”, conta. “Deixei de ser filha e me tornei mãe da minha mãe”, explica Ione. Seu marido também desenvolveu um carinho especial pela sogra, que só come quando é ele quem dá a comida. O desgaste é físico e emocional, porque dona Aldeíde está cada vez mais rígida e é preciso mudá-la de posição de duas em duas horas. “Durmo cinco horas por noite e o sono é interrompido. Minha mãe engasga com a saliva, e se a secreção não for aspirada pode se transformar em pneumonia.” Na AbraZ, Ione conhece casos de abandono dos doentes em asilos, porque a família não tem estrutura para os cuidados. “O tratamento particular é caro, tivemos de contratar uma médica particular que atende em casa.” Dona Aldeíde chegou a ser atendida por um geriatra no SUS, mas o posto era longe da residência. Lílian Alicke, presidente da AbraZ FOTO IZILDA FRANÇA A doença é incurável, mas deve ser tratada desde que são percebidos os primeiros sintomas, para que o paciente continue a ter uma boa e digna qualidade de vida avançada. Caracteriza-se por perda da memória recente, distúrbios de comportamento, dificuldades de raciocínio e perda da capacidade intelectual”, explica. Não há testes específicos que diagnostiquem a doença. A certeza só é dada por uma biópsia do tecido cerebral, conduta que não é realizada quando o idoso está vivo. Atualmente, há uma avaliação neuropsicológica que pode mapear aspectos da mente humana em busca de alterações de memória, comportamento, dificuldades em aspectos do dia-a-dia. A avaliação mais comum é chamada de miniexame do estado mental. Apesar do desconhecimento quanto às causas da doença, o tratamento dos sintomas evoluiu nos últimos anos. “Antes a sobrevida de um paciente era de cinco anos”, garante Sayeg. O tratamento de Alzheimer é dividido em duas frentes: a dos distúrbios de comportamento e a do tratamento específico. O primeiro controla a confusão, a agressividade e a depressão, comuns nos idosos com demência. Algumas vezes, só com calmantes e neurolépticos (ou antipsicóticos, inibidores das funções psicomotoras) pode ser difícil controlar. SERVIÇO SAÚDE TRANSGÊNICO Desde 2002 o Ministério da Saúde instituiu no âmbito do SUS o Programa de Assistência aos Portadores da Doença de Alzheimer. A assistência (diagnóstico e tratamento) é dada nos Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, e os números oficiais são de que existem 26 centros no país. Estimativas do ministério dão conta de que 73% das pessoas com mais de 60 anos dependem exclusivamente do sistema público. Mas para Norton Sayeg ainda há pouco investimento em pesquisas sobre a causa da doença. “Os Estados Unidos estão mais avançados nessa questão. Investem milhões de dólares para descobrir o tratamento e a causa do Alzheimer, que é multifatorial e depende de muitas complicações degenerativas”, afirma. Lá, a doença é a quarta causa de morte entre as pessoas de 75 a 80 anos, atrás apenas de infarto, derrame e câncer. Na opinião de Lílian Alicke, as autoridades brasileiras de saúde ainda não despertaram para o problema, que tende a se agravar epidemiologicamente com o avanço da idade da população geral. “Cada ministério deveria ter tomado parte na elaboração do Estatuto do Idoso, principalmente o da Saúde. Isso implicaria a implantação de políticas de bem-estar público e a possibilidade da formação de pessoal especializado para trabalhar no SUS, o que não existe.” A falta de especialização no tratamento faz com que a população mais pobre de doentes de Alzheimer sofra mais com o problema. “Hoje, nós emprestamos a nossa memória para minha mãe, que não se reconhece mais e nem reconhece ninguém.” Para ser um cuidador como Ione, é preciso um amor incondicional, paciência, carinho, delicadeza e, segundo ela, até abnegação. “Mas o que o cuidador precisa é aprender a cuidar de si mesmo.” Com a doença da mãe, Ione desenvolveu seu lado humano e espiritual. “As pessoas são merecedoras de todo o nosso carinho, principalmente a mãe. Foi ela quem me protegeu quando eu era criança e a vida toda. Passo por momentos de tristeza como se houvesse um luto diário e uma necessidade de refazer o vínculo que me une a ela todos os dias.” Serviço RUBENS PAIVA/MS/REPRODUÇÃO Para quem busca mais informações, a Associação Brasileira de Alzheimer (AbraZ) mantém um portal na internet sobre a doença e com dicas para o cuidador. O endereço é www.abraz.com.br O atendimento da organização também pode ser feito por telefone, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. O número é 0800-55-1906, e a ligação é totalmente gratuita 28 Revista do Idec | Junho 2007 CTNBio e insegurança Liberação comercial de milho transgênico pela comissão no mês de maio demonstrou mais do que desrespeito à lei; o órgão não se preocupa com biossegurança, mas com biotecnologia A decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 16 de maio último, de liberar a comercialização do milho transgênico Liberty Link, da Bayer, não foi apenas mais um ato que coloca em risco a segurança das pessoas e das lavouras convencionais de milho. Ela demonstra a total falta de critério científico de um órgão, supostamente técnico. A votação foi a primeira depois da alteração do quórum necessário para a liberação comercial de um organismo geneticamente modificado (OGM). Foram dezessete votos favoráveis e quatro contrários à liberação. Pela regra anterior da Lei de Biossegurança, seriam necessários dezoito votos para a aprovação. A liberação definitiva depende ainda da aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança, um colegiado de onze ministros coordenado pela Casa Civil. Na pauta da CTNBio já constam mais onze pedidos de liberação de transgênicos, feitos pela Syngenta e pela Monsanto. Após garantirem assento nas reuniões, representantes dos movimentos socioambientalistas e do Ministério Público Federal devem recorrer da decisão na Justiça. Além disso, alguns órgãos de fiscalização e registro, como o Ibama e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ainda podem contestar a decisão. PHOTOS.COM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA A falta de estudos sobre os impactos ambientais do milho no país, somada aos alertas sobre a contaminação de culturas em outros países, foram ignoradas pela CTNBio. O milho tem um potencial de contaminação de outras lavouras bem maior que o da soja transgênica. O Brasil é um centro de diversidade genética de milho, e a contaminação de outras variedades trará prejuízos ambientais e econômicos aos agricultores e ao país. Além do mais, os consumidores poderão ingerir milho transgênico sem saber. ESPECIALISTA DEIXA A COMISSÃO Para além da falta de rigor científico, a ausência de regras internas da comissão para a liberação provocou revolta até em alguns integrantes. Foram ignoradas as objeções feitas na audiência pública que debateu a liberação do milho, e a CTNBio não indicou um relator que apresentasse síntese dos votos das comissões setoriais de saúde e meio ambiente. O presidente da comissão, Walter Coli, chegou à falácia de afirmar que não se pode criar regras para a coexistência entre plantações transgênicas e não-transgênicas antes da efetiva liberação de qualquer OGM. A especialista em meio ambiente, médica e pesquisadora da Fiocruz e representante da sociedade na comissão, dra. Lia Giraldo, desligou-se do órgão e leu uma carta em que expunha os motivos para isso. Entre outras coisas, Giraldo destacou que os componentes da comissão entendem, a priori, que as questões de biossegurança são entraves à biotecnologia. A racionalidade que prevalece na comissão, disse ela, é a do mercado, travestida em uma suposta racionalidade científica. A especialista lembrou que a maioria dos componentes se recusou a assinar o termo de conflitos de interesse. Revista do Idec | Junho 2007 29