dhuoda, uma proposta educacional do século ix

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DHUODA, UMA PROPOSTA EDUCACIONAL DO SÉCULO IX
SALVADOR, Elaine Cristina Mello (UEM)
OLIVEIRA, Terezinha (UEM/CNPq)
INTRODUÇÃO
O presente estudo oferece contribuições para a compreensão das reflexões
acerca da crise Carolíngia do século IX e, por conseguinte, a decadência do apogeu
dos francos, da máxima expansão territorial, e a tentativa de se fazer ressurgir a
autoridade de um império universal. Assim como um primeiro enfoque nos
relatos de Dhuoda em sua obra La educacion cristiana de mi hijo, em meados do
século IX e que, de um modo geral, expressa alguns dos elementos da
medievalidade feudal que permeava as relações entre os homens, em especial, a
educação, a ética e a fidelidade, onde a autora dá especial destaque.
Podemos observar que este escrito foi um marco importante para a
educação daquela sociedade. Segundo Dib, (2005) “A obra de Dhuoda tem as
características pedagógicas de um Espelho de Príncipe Medieval, ou seja, é um
Manual de conduta ética e social. Por ser de autoria feminina, nobre, e ter como
destinatário o próprio filho da autora, Manual de Dhuoda é singular”.
Enfatizando a educação a partir da formação moral, dando especial atenção
à ética, caridade e fidelidade como aspecto preponderante a formação do
indivíduo. No sentido da existência, meio, finalidade, processo e meta. Tendo
como objetivos e métodos suas concepções e suas propostas.
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E ainda, entregar ao ser-educando a responsabilidade de auto-educar-se,
despertando-lhe o ímpeto para isso. Assim, educar é antes de tudo, conquistar a
adesão do educando para sua própria educação.
Para Dhuoda único bem necessário e possível ao ser humano é estar em
sintonia com a lei da evolução moral, estar impulsionado para seguir adiante,
rumo à conquista de si na eternidade e no infinito. O maior mal a evitar é a
estagnação, a apatia, o adormecimento da vontade.
Sendo necessário um enfoque abrangente, com relação à educação, partido
dos pressupostos teóricos da legislação, a Lei de Diretrizes e Bases da educação
Nacional (1996), onde ratifica como legislação complementar, em seu art. 1º, o qual
se refere à educação como uma prática.
Considerando que a educação existe como suporte das relações afetivas que
preparam o ser humano para a convivência social, este estudo pretende
demonstrar o quanto à educação é importante para o processo de formação moral.
A educação familiar fornece o “solo” a partir do qual toda a criança ou o
adolescente necessita para o processo de formação. O conceito adotado de
educação é amplo e suas ações envolvem desde a educação escolar, como a
educação moral.
O estudo nos permite entender que Dhuoda apesar de viver no século IX,
sendo uma jovem de saúde frágil e delicada, mas nada a impediu de receber e
repassar suas instruções. Para seu marido Bernardo, ela foi uma verdadeira jóia.
Ambos viveram envoltos em turbulentos conflitos políticos no período de Carlos
Magno. Tiveram dois filhos Bernanrdo e Guilhermo. Dhuoda procurava ensinar a
seus filhos, os valores morais e os comportamentos que, a seu ver, poderiam livrar
aquela sociedade da ruína que se tornava evidente. Toda a base dos ensinamentos
de Dhuoda está pautada nas Escrituras Sagradas e na leitura.
Dos estudos realizados percebe-se a evidência da crise do século VIII e XV
do feudalismo na Europa ocidental. Apesar destas turbulências Dhuoda
desenvolveu um importante papel, como mãe, mulher educadora, divulgadora de
normas, crenças, costumes e valores morais.
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Durante toda a Idade Média, houve tendências de interpretações nesse
sentido e, mais ainda, a partir da Reforma aparecia tal idéia conectada ao chamado
“milenarismo” ou ao “tempo messiânico” — a esperança do advento de novos
tempos, na qual a verdade cristã seria restabelecida.
Segundo Dib (2005), o modelo de sociedade descrita refere-se ao
feudalismo, “bem como ao processo ocorrido para a formação deste sistema, nos
fundamentamos, principalmente, no pensamento de Ganshof e guizot”.
Ganshof (1968), propõe duas concepções fundamentais sobre o feudalismo,
as quais são aceitas atualmente pelos historiadores. Para este autor, com relação à
estrutura da sociedade ou do estado, o feudalismo pode ser definido como
[...] um tipo de sociedade cujos caracteres determinantes são: um
desenvolvimento, levado até muito longe, dos laços de
dependência de homem para homem, com uma classe de
guerreiros especializados a ocuparem os escalões superiores dessa
hierarquia (GANSHOF, 1968, p. 9).
Considerando este contexto social, pode-se afirmar que a obra de Dhuoda
apresenta elementos importantes acerca da educação dos homens naquele
período. Sem pretensão e contrariando o conceito de temporalidade do medievo
Dhuoda dividem seus relatos em 7 capítulos onde trata acerca do conceito de Deus
e dos demais termos que se liga a este: como o amor, grandeza, sublimidade. Diz
que por causa de Deus que o homem existe, vive, se move e é.
Para Dhuoda Deus concede a faculdade de compreensão ao homem, para
que ele possa entender (ainda que não em profundidade) sobre as coisas divinas.
Sendo necessário Conduzir a educação de modo a torná-la um padrão de conduta
do
indivíduo
a
sociedade medieval. Com intencionalidade da
relação
educador/educando se fundir no ser mãe/filho. Esse ser humano tem uma
essência divina que a ligava aos que amava, tornando a educação uma proposta
universal e fundada em princípios gerais, revelando uma singularidade, que só
pode ser tocada pelo sentimento.
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Buscando um equilíbrio entre amor e caridade, exaltando o amor como
fator de progresso moral do homem, a ponto de notar que a própria consciência (a
luz interior, que ela toma por guia de conduta) se manifeste em forma de
sentimento.
Neste sentido, Ruy Nunes faz uma análise sobre a influencia da religião na
vida dos homens dando ênfase para a compreensão de sua ação educadora.
[...] A religião era, com efeito, a mola propulsora de toda atividade
pedagógica; o estudo e a investigação não tinham finalidade em si
mesmos, mas endereçavam à busca da perfeição cristã, enfim, o
elemento religioso ocupava a posição central na vida interior da
idade média (NUNES, 1979, p. 169).
A importância do elemento religioso constituía-se como base para o
desenvolvimento moral e intelectual do homem no medievo. Para Dhuoda o amor
a Deus e a Educação de forma direta ou indireta eram modelos de educação.
Mas ninguém como Pestalozzi enfatizou tanto o amor como fundamento,
meio e finalidade da educação. Não o faz em detrimento de uma racionalidade,
que também adota, buscando a prática de um amor “vidente” ou “esclarecido”,
que não se perca nos impulsos de uma sentimentalidade desgovernada. (Que nada
se faça, “mediante os frios cálculos da razão, nem tampouco levado apenas pelos
impulsos do coração: procura ao invés que todas essas forças se conjuguem…”
(PESTALOZZI, 1945, p. 57).
A educação, neste contexto, é vista como instrumento de opressão do ser
natural do homem, criando-lhe conflito e infelicidade, com o que ele irá procurar
ilusões de poder, luxo, dinheiro e posição, para preencher a insatisfação íntima de
que se vê possuído. A educação, dessa forma, só deseja enquadrá-lo socialmente,
oferecendo-lhe migalhas de ilusão em troca.
No entanto o amor é justamente o que não apenas enxerga, mas sente o ser
humano como detentor de potencialidades, como herdeiro da divindade e como
dono de si mesmo, no processo de auto-educação, que o Cristianismo veio
deflagrar na humanidade e que o educador deve deflagrar no educando.
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Acreditava Dhuoda que ao escrever o “Manual para meu filho” em que
envolve tudo o que, ao seu entender, há de conhecer um nobre jovem, os valores
morais e comportamentos. A seu ver, poderia além de educá-los, propagar este
manual de conduta ética para toda uma sociedade que já estava em ruína
evidente.
Sua obra considerada por muitos autores uma espécie de Espelho de Príncipe,
onde oferece contribuições sobre conselhos, regras e exortações que valem para
toda a sociedade daquela época.
Para Dib, 2005 “Ao redigir o Manual, Dhuoda pretende que Guilhermo o
entenda como um espelho, por meio do qual deve contemplar sem hesitação a
saúde de sua alma. Para ela, seu filho deve agradar não só as pessoas do mundo,
mas também aquele que o criou. Para tanto, recomenda a Guilhermo que consulte
freqüentemente o Manual, pois nele,
[...] encontrarás em el todo lo que deseas aprender; tambien
hallaras un espejo en el que podras contemplar sin duda la salud
de tu alma, de forma que puedas agradar em todo, no solo al
mundo, sino tambien al que te há formado del polvo de la tierra
(DHUODA, 1995, p. 55).
Para Incontri (1996), “O homem é a mais alta, a mais absoluta e a mais
excelente das criaturas. É evidente que todo o homem nasce apto para adquirir
conhecimento das coisas: primeiro porque é imagem de Deus. Com efeito, a
imagem, se é perfeita, apresenta necessariamente os traços do seu arquétipo, ou
então não será uma imagem”.
No entanto, Dhuoda compreende o homem como ser em evolução
permanente, como manifestação dessa lei do progresso, adotando-se o princípio
da liberdade e as metas da maturação moral e intelectual da criança e da
humanidade como conceitos centrais de uma nova ideologia, poderia orientá-lo
com a segurança desejável, sem o dogmatismo inoportuno.
Segundo Nunes (1995), Dhuoda reivindicou o desejo de educar seus filhos,
usando o seguinte argumento: “quem melhor que uma mãe, que tem levado o seu
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filho nove meses em seu ventre, parido com dor e amamentado, pode
compreender e encaminhar um filho”.
O único bem necessário e possível ao ser humano é estar em sintonia com a
lei da caridade, é estar impulsionado para seguir adiante, rumo à eternidade e
infinito. Se o homem mobilizou a vontade e sente em si mesmo o elã de progredir,
tudo o mais está feito. O maior mal a evitar é a estagnação, a apatia, o
adormecimento da vontade.
Como mãe pensava em ser justamente a agente de mobilização da educação
pautada no amor e na caridade do desenvolvimento de seu filho. Era o que
observava atentamente, amando com intensidade, o ser-filho, e descobre como
atingir o seu âmago, para tocar sua essência divina e deflagrar um processo de
auto-educação. Todo verdadeiro ato de amor é um gesto que abre os caminhos do
ser humano para conhecer-se e transformar-se, para participar da evolução do
universo. Tinha alegria de sentir-se mãe: mãe por haveres dado a vida do corpo e
mãe por haveres envolvido na maravilhosa tarefa de abrir suas mentes e seu
coração.
A base de seus ensinamentos estão pautados nas escrituras sagradas. No
entanto percebe-se que Dhuoda assim mesmo quer mostrar que além da
fidelidade, o amor e a caridade, os valores são mais fortes para a efetiva
transformação social. Neste sentido, Dhuoda demonstra tentar passar um
pensamento que difere do período no qual se encontra mesmo depois de ocorrido
às transformações entende-se que não trespassa as mudanças necessárias para tal.
O caráter laico da sociedade nos referindo ao feudalismo, bem como ao processo
ocorrido para a formação deste sistema nos fundamenta.
Principalmente no pensamento de Pirenne (1937), propõe concepções
fundamentais sobre o feudalismo, as quais são aceitas atualmente pelos
historiadores. Para este autor, com relação ao caráter laico da sociedade medieval
pode ser definido como um modelo de sociedade nesse período
Há que insistir ainda sobre um facto último que não chamou a
atenção até hoje e que completa, todavia, a demonstração de que a
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sociedade, após as invasões, continua exactamente como antes: é o
seus carácter laico. Por grande que seja o respeito que se professa
pela Igreja, e por enorme que seja a sua influência, ela não se
integra no Estado. O poder político dos reis, como dos
imperadores, é puramente secular (PIRENNE, 1937, p. 102).
Desta forma, a desordem em meados do século IX, foi marcada pelo
princípio da, “Desintegração do Império Carolíngio, causado pela interrupção de
dois acontecimentos estreitamente ligados, de um lado, crises internas e a
decadência da monarquia carolíngia, chave mestra da estrutura ocidental; e de
outro, o ataque simultâneo de novos invasores provenientes do sul, do norte e do
oriente” (Perroy, 1974, p. 145).
Encontramos afirmações de que obras voltadas a regras de comportamento
já existiam desde o início da Idade Média. De acordo com Hadot, Santo Agostinho,
escreve por meio de estilos dos Espelhos, objetivando o comportamento de leigos,
príncipes e cristãos. Para Hadot,
[...] Santo Agostinho no século IV, ao escrever um de seus escritos
bíblicos, destinados tanto a clérigos como para laicos, e outro
escrito aos príncipes cristão, deu o nome à sua obra de speculum,
ou seja, espelho, pois sua intenção era formar uma cultura
religiosa entre os homens fornecendo aos mesmos algumas
normas a serem seguidas (HADOT, 1972, p. 618).
Neste contexto histórico, pode-se afirmar que a obra de Dhuoda apresenta
elementos importantes acerca da educação dos homens naquele período. Por
intermédio dela, pode-se compreender quais eram as grandes motivações ou
acontecimentos que levavam os homens daquela sociedade a se educarem uns aos
outros de uma maneira grotesca e determinada.
É o século IX marcado pelos conflitos religiosos de um período
essencialmente hierárquico, mas também pelo florescimento das discussões, das
visões extremamente impregnadas pela magia do autoritarismo e do poder. É todo
este universo que marca a trajetória de Dhuoda, que vai ser exposto em quase toda
uma vida em que relembra todas as transformações que passou, em uma narrativa
que nos lega um panorama da época, mas, muito mais do que isso, nos possibilita
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o acesso às discussões sobre o processo de construção de um sujeito feminino,
marcado pela ambigüidade e pela luta por expandir seus horizontes, longe das
amarras dos papéis de gênero.
Entende-se que o surgimento do feudalismo está ligado ao fim do Império
Romano do Ocidente, passando por crise e ruralização nos séculos IV e V, pela
organização do Império Carolíngio nos séculos VIII e IX, para enfim se afirmar em
fins do século IX e princípios do século X.
Nesta passagem, ocorreu o aproveitamento dos homens “pobres” que
migraram para o campo em busca de subsistência, com processo de ruralização.
Segundo Dias (2001).
Para Dhuoda, por exemplo, a verdadeira pobreza era a pobreza de
espírito. Mas, qual o conceito de pobreza de espírito em seu
entendimento? O homem pobre de espírito, agradável a Deus,
seria aquele que mesmo sendo possuidor de muita riqueza, fosse
capaz de reconhecer-se pequeno e despojado diante de Deus.
Assim, esse homem seria aquele capaz de dizer, seguidamente, em
seu íntimo: “je suis un ver, et nom un homme (...) ‘LeSeigneur est
mon appui, mon aide, mon protecteur”. Para Dhuoda, o homem
que confiasse no Senhor, como Abraão, não seria jamais
confundido e humilhado. Ao contrário, Deus o cumularia de
muitos bens. Contudo, era preciso que, possuindo muito ou
pouco, esse homem fosse capaz de ajudar aqueles que
precisassem. A propósito, diz a Guillaume: “... quant à toutes les
richesses mises à ta disposition par Dieu, aie la main large pour lês
distribuer. Que l’avarice, ‘qui rend esclave des idoles’, ne soit
même pás nommée chez toi. Et si Dieu te donne beaucoup ou
même peu, distribue suivant tes ressources à qui demande. Donne
afin de recevoir” (Dhuoda apud Dias, 2001, p. 35-6).
A sensação que Dhuoda nos passa, não nos deixa esquecer semelhanças
com o processo de entrada das mulheres no mercado de trabalho, no século XX,
quando se vêem compelidas a adotar um código estranho ao mundo doméstico e a
valores ensinados por tanto tempo pela sociedade patriarcal.
No entanto, o que a história confirma é que estes passos no universo
externo, até então marcadamente masculino, significaram para muitas mulheres a
mutilação de uma experiência e de um saber/sentir feminino: “As mulheres não
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tinham parâmetros femininos de vida autônoma e sem coerções, o que lhes
deixava como opção de liberdade a imitação de um estilo masculino de vida”
(OLIVEIRA, 1991, p. 117).
O seu trabalho será o de mediar com seu filho Guilhermo, através do
florescer do amor, da caridade, da sabedoria, e da sua busca na elevação moral.
Fundamentados na historiografia, podemos apontar a crise no período do
século V ao século IX caracterizado pela formação do Sistema Feudal. Neste
período observam-se vários processos históricos e descritos como um dificílimo
momento, vivenciados por Dhuoda.
O caráter laico da sociedade após as invasões, permaneciam ainda sobre um
facto último sem demonstração de mudanças, “...exatamente como antes: é o seu
carácter laico.” (PIRENNE, p. 116)
Uma característica de Dhuoda é a preocupação com a organização de seus
pensamentos em seu Manual. A autora dedica um capítulo inteiro para falar sobre
as virtudes e os vícios, relacionando seus ensinamentos sobre a moral cristã com a
formação aristocrática do seu filho.
Dhuoda inicia o Manual tratando acerca do conceito de Deus e dos demais
termos que se liga a este, recorre a passagens bíblicas, como procura de Deus por
Moisés e as palavras de Paulo, para ilustrar o mistério de Deus. Sugere o amor,
grandeza e a sublimidade ao ser. Diz que por causa de Deus que o homem existe,
vive, se move e é. Deus concede a faculdade de compreensão ao homem, para que
ele possa entender (ainda que não em profundidade) sobre as coisas divinas. Deus
é superior, inferior, interior e exterior ao homem. O homem deve ser consciente de
sua pequenez perante Deus.
Dhuoda analisa o termo Deus e os símbolos que seu signo pode representar.
Afirmando que Deus é o rei absoluto de tudo o que existe no mundo. O homem
apenas o é, por um lapso de tempo. Deus é superior (guarda e governa os
homens), inferior (sustenta o homem), interior (sacia-o com seus bens) e exterior
(rodeia o homem com seu muro inabalável; protege, resguarda e defende o
homem).
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O homem deve buscar a Deus por meio da Igreja, na figura dos sacerdotes e
de pessoas preparadas para ensiná-lo na vida cristã. O homem deve buscar iniciar
os menores que si nas coisas do alto, mostrando o compromisso social educativo
que Dhuoda enfoca em todos os seus ensinamentos.
No Livro II inicia a discussão afirmando que a Trindade é Unidade, assim
como a Unidade é Trindade. Exorta seu filho as diferentes orações que deve fazer
ao longo do dia ou quando se deita. A oração deve ser curta e feita com o coração
disposto – Sinceridade.
O homem que busca a Deus tem suas vontades saciadas por Ele. Dentre as
virtudes o amor é a principal. Dhuoda refere-se ao termo ágape para se referir ao
amor em grego e dilectio em latim.
O verbo aparece no Novo Testamento que descreve, entre outras coisas, o
relacionamento entre Jesus e os seus discípulos. Na literatura Bíblica, seus
significados são ilustrados como auto-sacrifício, dando o amor a todos - amigo e
inimigo.
No Livro III, ela trata acerca da reverência ao pai e ao seu senhor. Onde é
preciso educar o homem a respeitar, obedecer e temer seu pai, para que não passe
por seu pensamento nenhum mal contra seu pai, “Seja maldito quem não honrar a
seu pai” (Dt 27:16)
Dando importância do modelo educativo como referência: Deus é a
primeira delas; os grandes pais, descritos na Bíblia são os segundos; os homens
que ao longo de sua vida serviram a Deus, os terceiros.
Dhuoda mostra algumas características que o homem deve ter com relação
ao seu senhor: lealdade; vigilância; cuidado; dignidade; prudência; fidelidade. E
afirmava que o homem deve respeitar amar, venerar e estimar o seu senhor, bem
como sua família e descendência. Deus não faz acepção de pessoas, e o homem
não deve fazê-lo.
O homem deve ser doce com os velhos e os jovens, já que o amor deve
permanecer sempre. O homem deve honrar também os sacerdotes, já que são os
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anjos de Deus. Todo homem é pecador e precisa voltar-se para Deus, que grande
em piedade, pode salvá-lo.
E no Livro IV Dhuoda exorta sobre a importância de cultivo, na memória,
dos bons exemplos. São estas lembranças que devem ser resgatadas quando algum
pensamento mal sobrevier ao homem. O homem deve fugir da soberba e cultivar a
humildade.
A vigília é o modo de combater o mal e fazer cumprir a boa obra. O homem
chega a sua perfeição pelo esforço e exercício constantes. O espírito é contrário à
carne. Dhuoda refere-se à prática dos dons do Espírito Santo: Espírito de
sabedoria; Espírito de inteligência; Espírito de conselho; Espírito de fortaleza;
Espírito de ciência; Espírito de piedade e Espírito de temor a Deus.
As oito bem-aventuranças são resgatadas por Dhuoda para que o homem
lembre-se sempre delas e assim, vencer facilmente os vícios:
1ª) Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
2ª) Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
3ª) Bem-aventurados aqueles que são brandos e pacíficos, porque herdarão
a Terra.
4ª) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão
saciados.
5ª)Bem-aventurados aqueles que são misericordiosos, porque alcançarão
misericórdia.
6ª) Bem-aventurados aqueles que têm puro o coração, porque verão a Deus.
7ª) Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque o reino
dos céus é para eles.
8ª) Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos
perseguirem e, mentindo, disser todo mal contra vós. Regozijai-vos e
exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram
aos profetas que viveram antes de vós.
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No geral a nosso ver, estes escritos foram fundamentais para construção da
sociedade nascente, uma vez que neste novo espaço, observamos uma profunda
mudança, ocorrendo no conceito de temporalidade.
O mundo medievo, herdados do apogeu dos Francos, ficou marcado por
Dhuoda, estabelecendo uma nova medida do tempo, definida agora pela ética,
caridade e fidelidade. A educação passada por Dhuoda não é mais um processo
simples de acúmulo de conhecimentos, mas de transformações graduais.
A mudança creditada por Dhuoda, trás referência ao tempo, onde há duas
espécies de mudanças que se prestam mútuo apoio, todavia, não marcham lado a
lado, o progresso intelectual e destoa do progresso moral. Para Dhuoda a
educação é, portanto, o desenvolvimento progressivo e harmonioso de todos os
poderes e faculdades do ser, inerente a mudanças.
Neste sentido, sobre o tempo Oliveira relata;
A análise de Le Goff (1979), sobre esta mudança, no artigo
intitulado Tempo da Igreja, tempo do mercador, é muito rica
porque demonstra como a vida das pessoas passa a ser gerida pelo
relógio e não mais pela natureza. É o borbulhar de homens, de
mercadorias, que passa a definir o tempo da vida, ou seja, a vida
passa, no seio do medievo, a ser coordenada pelo trabalho e não
mais somente pela idéia da salvação eterna. O mundo do trabalho,
que principia a nascer, define também as atividades intelectuais. O
profissional do saber não considera mais o seu conhecimento
como uma graça divina, mas como uma atividade humana.
Finalmente, Dhuoda solicita ao filho que recorra sempre ao Manual, que
seja sempre um jovem nobre, forte e valente em Cristo. Ela termina seus escritos
dando graças a Deus usando as palavras do evangelho. É possível estudar o
Manual de Dhuoda do ponto de vista do amor de uma mãe por um filho no século
IX , no entanto o amor é justamente o que não apenas enxerga, mas sente o ser
humano como detentor de potencialidades, como herdeiro da divindade e como
dono de si mesmo, no processo de auto-educação, que o Cristianismo veio
deflagrar na humanidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso objetivo neste estudo foi analisar algumas reflexões em torno do
modelo de educação proposto no século IX, tendo como base uma mãe, cujo
empenho era educar seu filho de acordo com as normas aristocráticas e cristãs.
Os relatos aqui apresentados mostram a distância entre os séculos, mas ao
mesmo tempo atualíssimos. A convicção dos ensinamentos de outrora, são tão
firmes em seus propósitos que diríamos ser próprios para o saber pedagógico e
maternal da contemporaneidade.
Exemplos de educação, fidelidade, ética e amor, foram transmitidos e
vivificados, que se perderam com o passar do tempo. Dhuoda propôs um modelo
de educação calcado principalmente no conceito de fidelidade para aquele
período.
Enfim, após muitas reflexões, entende-se, que a passagem do tempo deixa
guardada no medievo exemplos de conduta ética e moral, próprios para a
transformação social envolvendo assim todos os sujeitos sobre a perspectiva
global da formação humana.
REFERÊNCIAS
DIAS, Ivone Aparecida. A educação feminina na Idade Média: damas e
religiosas. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Maringá. Maringá
2001.
DIB, Marlene Aparecida Barchi. A Educação Cristã de Meu Filho: Uma Reflexão
sobre a crise Carolíngia do século IX, Dissertação de Mestrado – Universidade
Estadual de Maringá. Maringá 2005.
DHUODA, La Educación Cristiana de mi Hijo. Pamplona: Ediciones Eunate,
1995.
FAVIER, Jean. Carlos Magno. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação
Liberdade, 2004.
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INCONTRI, Dora. Pestalozzi, Educação e ética. . Dissertação de Mestrado. São
Paulo, USP, 1991.
NUNES, Ruy. O dever da fidelidade no Manual de Dhuoda. In: SOUZA, José A.
(org). O Reino e o Sacerdócio: O pensamento político na alta idade média. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1995.
OLIVEIRA, Terezinha. Intelectuais e Educação no Século XIII:Tomás de Aquino
e Boaventura. Universidade Estadual de Maringá. Maringá 2005.
PESTALOZZI, Johann Heinrich. Sämtliche Werke und Briefe. Kritische
Ausgabe. Ed. cit., vol. 26. Letters on early Education adressed to J. P. Greaves, p.
57.
PIRENNE, Henri Maomé. Carlos Magno. Dom Quixote, v. 7.
VITORETTI, Regiani. Considerações Acerca de Boécio e a Educação Medieval.
Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Maringá. Maringá 2004.
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