a identidade linguística enquanto fator preponderante para uma

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Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
A IDENTIDADE LINGUÍSTICA ENQUANTO FATOR
PREPONDERANTE PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Wéllia Pimentel (UFVJM)
[email protected]
RESUMO: O propósito deste artigo é fomentar reflexões sobre o preconceito linguístico no Brasil
contraposto às metodologias de ensino utilizadas nos níveis fundamentais e médio de educação, enquanto
instâncias representativas para o progresso social, tendo-se em vista que a educação se configura na
tentativa de intervir na realidade. Com este propósito, buscou-se caracterizar as possíveis interfaces do
tema com os avanços advindos do desenvolvimento científico e tecnológico contrapostos à necessidade
de um novo espaço pedagógico.
PALAVRAS-CHAVE: preconceito linguístico; educação, identidade linguística.
ABSTRACT: The purpose of this article is to further reflections on the linguistic prejudice in Brazil
opposed the teaching methodology used in the basic and secondary levels of education while instances
Representative for social progress, bearing in mind that education represents the attempt to intervene in
reality. For this purpose, we attempted to characterize the possible interfaces with the theme of scientific
development advances forged and opposed to the need for a new pedagogical space technology.
KEYWORDS: Linguistic prejudice; education, linguistic identity.
“Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português”
(Oswald de Andrade)
INTRODUÇÃO
O homem se comunica por meio dos signos, que consequentemente são
organizados em linguagens e códigos. Neste sentido, comumente poderíamos entender a
linguagem como a capacidade exclusivamente humana de nos comunicarmos uns com
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os outros. No entanto, em se tratando de relações sociais, a linguagem é algo muito mais
complexo e vai desde a compreensão de aspectos de natureza biológica quanto em
relação a aspectos lingüísticos, sociais ou culturais.
Historicamente a linguagem humana tem sido concebida de maneiras distintas, e
seu estudo surge desde a Antiguidade Clássica, tendo seu devido trato a partir do
sistema filosófico. Entender a linguagem como unidade simultânea do pensamento
generalizante e do intercâmbio social é de um valor incalculável para o estudo do
pensamento e da linguagem, que será tratada neste trabalho, rastreando a tendência
marcante da linguagem em seu contexto social. Importa ressaltar que a linguagem é um
instrumento essencial à vida social dos seres humanos, se constitui num processo de
interação humana, mutável, flexível por seus diferentes usos. Desta forma, a realização
deste estudo possibilitará reconhecer o papel imprescindível da linguagem enquanto
fator de interação social e também possibilitará entender o modo em que esta interação
pode se constituir ao mesmo tempo como instrumento de exclusão social, tendo-se em
vista que muitos grupos populacionais são alvos dessa marginalização, que acontece
muitas das vezes velada, pela sua heterogeneidade linguística e que posteriormente leva
a desconstrução de uma identidade social.
Portanto o estudo proposto tem como centralidade uma abordagem sobre o uso
da linguagem e traz como papel preponderante a construção do sujeito social. A
linguagem entendida como instrumento essencial para a vida social dos seres humanos.
1.1 A IDENTIDADE LINGUÍSTICA E SUAS DIVERSIDADES
A partir do momento em que compreendemos a existência da linguagem numa
relação dual, entre sua determinação pelo contexto social e este contexto social também
determinante da linguagem, nos vem o questionamento de como a linguagem interfere
nas relações sociais, na construção do sujeito e de sua identidade social, levando-se em
consideração sua não-existência isolada de uma identidade cultural, simbolizada por um
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conjunto socialmente herdado de práticas e crenças de solidariedade que determinam
nossas vidas. No entanto, há que se levar em consideração que a linguagem além de,
essencialmente biológica, é também cultural.
No que tange ao seu aspecto biológico, o linguista Eduardo Paiva Raposo, um
dos introdutores da Linguística Generativa em Portugal, assim a define,
A linguagem é uma faculdade específica da mente humana, não partilhada
por nenhuma outra espécie animal, nem mesmo a dos macacos, possuidores,
no entanto de um razoável grau de desenvolvimento cognitivo noutras esferas
mentais (manipulação primitiva de símbolos, categorização conceptual,
construção de ferramentas, etc.) (RAPOSO, 1992, p.15)
Temos também na teoria gerativa chomskyana a defesa da linguagem uma
faculdade exclusivamente humana, em que ela estaria de antemão programada nos
genes dos homens, e, portanto, seria inata e universal, ou seja, nascemos com sistemas
mentais prontos, e nessa interação a mente humana desempenharia o papel fundamental
na aquisição da linguagem. A linguagem para Chomsky só precisa ser “ativada”, pois
todos os seres humanos têm a mesma habilidade linguística, tendo-se em vista que o
órgão mental é uma habilidade biológica.
Já em seu aspecto cultural, e este será proeminente neste trabalho, podemos
compreender a linguagem enquanto instrumento de dominação, construída conforme as
particularidades e singularidades de cada grupo social em interação. Cada um destes
grupos, portanto, apresenta sua singularidade, normas ou modos de agir. Todavia, essa
diversidade linguística que vem a se constituir a sociedade brasileira culmina no que o
autor Marcos Bagno conceitua como preconceito linguístico.
O preconceito linguístico é tanto mais poderoso porque, em grande medida,
ele é “invisível”, no sentido de que quase ninguém se apercebe dele, quase
ninguém fala dele, com exceção dos raros cientistas sociais que se dedicam a
estudá-lo. Pouquíssimas pessoas reconhecem a existência do preconceito
linguístico, que dirá a sua gravidade como um sério problema social.
(BAGNO, 2009, p.23-24).
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Assim sendo, podemos perceber que tanto a linguística estrutural quanto a teoria
gerativa procuravam descrever a língua dissociada de qualquer contexto de uso,
traçando apenas seus aspectos biológicos, que, no entanto, deixam lacunas a partir do
momento em que nos questionamentos sobre a linguagem em seu aspecto social.
A linguística moderna, ao encarar a língua como um objeto passível de ser
analisado e interpretado segundo métodos e critérios científicos, devolveu à
língua ao seu lugar de fato social, abalando as noções antigas que
apresentavam a língua como um valor ideológico. Assim, a linguística, como
toda ciência, é o lugar das surpresas, das descobertas, do novo, da
substituição de paradigmas, da reformulação crítica das teorias. (BAGNO,
2002, p. 150)
A partir desta perspectiva, analisamos a função social da linguagem, partindo da
perspectiva de sua interferência frente às relações sociais e da forma que o sujeito vem
se tornando marginalizado pela aquisição da linguagem, numa sociedade que é
essencialmente excludente, sendo a linguagem considerada a primeira instância nas
relações interpessoais.
De tal modo, pode-se afirmar que a linguagem e seu processo evolutivo advém,
sobretudo, de sua natureza sócio-ideológica, ou seja, a linguagem advém a partir da
interação social, numa relação intrínseca, uma vez que para refletirmos a existência
humana através da consciência só poderá acontecer através da linguagem, e, no entanto,
podemos perceber que se torna impossível estudarmos a evolução da língua
dissociando-a completamente do ser social que nela se refrata e das condições sócioeconômicas.
Seguindo esta perspectiva, no que tange aos estudos sobre a influência dos
fatores sociais na aquisição da linguagem, Mikhail Bakhtin, filósofo russo, um dos
expoentes na análise da linguagem, parte da perspectiva do indivíduo neste processo, ou
seja, o teórico afirma que para entendermos o fenômeno da linguagem humana temos de
dispor do exercício da fala em sociedade. A linguagem cotidiana, usual, com suas
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constantes variações. “A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua”
(Bakhtin, 2000, p. 282).
Ainda para o autor, a linguagem é muito mais do que as palavras que
pronunciamos ou escutamos, pois “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou
de um sentido ideológico ou vivencial” (Bakhtin, 2002, p. 95); ou ainda, “o sentido da
palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas significações
possíveis quantos contextos possíveis” (Bakhtin, 2002, p. 106). É preciso, portanto,
prestar atenção ao impacto da linguagem no mundo social.
Pode-se compreender, neste sentido que, conforme mencionado anteriormente,
as particularidades do contexto sociocultural exprimem distinções substanciais na
maneira das pessoas se comunicarem. Ainda segundo o autor (2006), a palavra é a
arena onde se confrontam valores sociais contraditórios. Isto se torna perceptível na
medida em que deixamos emergir por meio das interações sociais as particularidades
concernentes da linguagem de cada grupo social, ou seja a linguagem incide numa
relação de poder, muitas das vezes sutis que se perpassam nas interações sociais.
1.2 AS VARIANTES LINGUÍSTICAS CONTRAPOSTAS ÀS INJUNÇÕES DA
GRAMÁTICA NORMATIVA
A teoria da interação social busca romper o dualismo natureza versus ambiente
que prevaleceu por tanto tempo nas explicações sobre a aquisição da linguagem. Os
pressupostos dessa teoria contribuem para uma análise do conhecimento acerca do
contexto sociocultural em que o indivíduo está inserido, além de analisar o mito
fundador de identidade nacional que constitui o entendimento da norma padrão. O que
se visa, então, a partir da teoria é descrever e explicar a interação humana por meio da
linguagem, a capacidade que tem o ser humano de interagir socialmente por meio de
uma língua, das mais diversas formas e com os mais diversos propósitos e resultados,
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entendendo as implicações advindas pela norma padrão associada à imposição de uma
classe dominante perante uma grande parcela populacional desprestigiada socialmente.
De tal modo ao analisarmos o sujeito em sua face linguística passamos a
compreender que o contexto histórico, a ideologia, a cultura são fatores constitutivos da
linguagem. Ou seja, vivemos numa nação multilíngue, numa sociedade inteiramente
diversificada em que existem grupos, ou camadas sociais que dispõem de certo prestígio
no que tange ao registro formal da língua, contraposta a outra que apresenta seu dialeto
próprio, características consideradas desprestigiadas socialmente. Essa parcela que se
sobrepõe linguisticamente define o que é considerado como linguagem padrão e embora
haja discordâncias sobre o que é ou não linguisticamente correto, o que é importante
levar em consideração é que a variedade de formas existentes em uma comunidade
linguística deve depender, sobretudo, do contexto em que a comunicação é realizada.
Para tanto faz mister a apreensão que, apesar de, obviamente haver diferenças
estruturais entre as línguas, não existe nenhuma base científica para se afirmar que uma
língua é intrinsecamente mais desenvolvida ou mais completa do que qualquer outra. O
Manual de Linguística publicado em 2006 apresenta o seguinte:
Todas as línguas têm uma gramática complexa que permite que seus falantes
as utilizem com diferentes finalidades, satisfazendo suas necessidades
psicológicas e sociais eficientemente. Se uma língua ou uma variante de uma
mesma língua se torna mais “prestigiada” por uma comunidade do que outra,
isso não decorre de diferenças entre suas propriedades gramaticais, mas de
fatores políticos, econômicos ou sociais. (BRASIL, 2006, p.40)
Por esta via entendermos que a questão da linguagem requer a defesa de suas
variações como meio de integração social, já que a linguagem humana apresenta-se com
inúmeras destas variantes. Por outro lado denominar uma única forma linguagem como
correta seria um equívoco. A escrita é um acontecimento cultural em que há a
necessidade da junção entre o conhecimento dos sons, da fala com o conhecimento das
ideias a fim de construir palavras e frases. Assim sendo construímos ou estruturamos
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nossa fala a partir de parâmetros particulares. O falante de uma língua possui um léxico
linguístico baseado em seu contexto sociocultural e é na escrita que o vocábulo ganha
materialidade, portanto temos na instância escolar a tarefa de compreender a linguagem
para além do plano meramente gramatical. Para além da escola, também a sociedade,
em todas as suas instâncias, deve respeitar as variações linguísticas utilizadas para
interação sem menosprezar os modos de vida e os tipos de interações típicas do meio
social dos indivíduos.
Rosa Virgínia Mattos e Silva, em sua obra “O Português são dois...” aponta
reflexões a este respeito, para a autora:
A sociedade brasileira, ou alguns segmentos dela, e outras instituições dessa
mesma sociedade esperam que os indivíduos ao longo do seu percurso
escolar aprendam a dominar um certo uso linguístico que, na linguagem
corrente, se qualifica de correto. Para esses, a escola não é mais que uma
espécie de “colônia correcional” coercitiva, instrumento de ajuste social.
Ajuste a determinada face da sociedade. Em linguagem sociológica, se tem
denominado esse tipo de escola de “escola reprodutora” da sociedade
dominante (Soares, 1986), a escola que castra a mudança por seu
conservadorismo elitizante. É óbvio que está implícito o meu ponto de vista
de que a sociedade brasileira necessita mudar e, de fato e à revelia, está
mudando no sentido de tornar-se menos assimétrica mais igualitária.
(SILVA, 2004, p.73)
Neste aspecto podemos apreender que a prática da educação, enquanto política
social pública que demanda envolvimento de diferentes sujeitos sociais e categorias
profissionais, é um fenômeno constitutivo do social que, por conseguinte, possibilita e
deve formar os educandos para o exercício de uma leitura social mais crítica,
ponderada. Por meio desse exercício, o professor teria condições de gerar e partilhar
conhecimentos que não torne estigmatizante a variedade dialetal.
Os professores mais conscientes da problemática sociolinguística brasileira
procuram trabalhar a partir dessa realidade diversificada, sem estigmatizar a
variação dialetal, pelo contrário, valorizando-a ao tempo em que
desenvolvem o seu trabalho numa linha crítica que assume de fato o que
alguns têm chamado de situação diglóssica, já que se tem diante e, de fato,
indivíduos que são portadores de determináveis normas dialetais, mas que
devem, entretanto, estar pelo menos conscientes da existência de outra
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socialmente exigida a um indivíduo escolarizado, sobretudo em determinadas
situações sociais, entre elas a de professor de português, que muitos
objetivam vir a ser. (SILVA, 2004, p. 18)
Para a autora, os que contraditoriamente, defendem uma norma culta,
padronizada, a ser transmitida e controlada pelas instituições sociais só podem apoiar-se
na gramática ideal, compendiada com base em dados arbitrários.
Aqueles que partilham como princípio a defesa da diversidade linguística
brasileira como ponto de partida para o ensino da língua materna no Brasil se
veem sem um instrumental cientificamente preparado a partir do qual possa
ser conduzido um trabalho pedagógico criador e enriquecedor para os
estudantes e para a língua portuguesa na sua diversidade histórica. (SILVA,
2004, p. 24)
Retomando ao Manual de Linguística, no que se refere à faculdade da
linguagem, é levada em consideração a língua humana como um núcleo comum,
universal, e que por esta razão seria fundamental não haver qualquer sentido em se
avaliar as línguas em escalas de desenvolvimento, sendo algumas “mais evoluídas” e
outras “dialetos primitivos”, já que sendo parte da dotação biológica da espécie humana,
as línguas funcionam com base nas mesmas operações formais: todas realizam
concatenações de forma e conteúdo; todas juntam elementos lexicais formando frases,
de acordo com os mesmos princípios gramaticais universais (BRASIL, 2006, p.151).
Marcos Bagno, crítico ferrenho da gramática tradicional, entende a linguagem
como instrumento de controle e coerção social, além de ser parte constitutiva da
identidade individual e social. Bagno afirma que não existe o preconceito linguístico,
contraditoriamente, o autor defende que o que de fato existe é um preconceito social,
que utilizado por meio da linguagem torna-se mais sutil. O autor faz a seguinte
consideração:
Se dizer Cráudia, praça, pranta é considerado “errado”, e, por outro lado,
dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isso se deve
simplesmente a uma questão que não é linguística, mas social e política – as
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pessoas que dizem Cráudia, praça, pranta pertencem a uma classe social
desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos
bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo
preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada
“feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua
ensinada na escola. (BAGNO, 2002, p. 42)
O autor ainda pondera:
Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm
algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a
população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo
problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o
grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu
ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o
maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E
isso, é “craco”, seria no mínimo absurdo (BAGNO, 2002, p. 41).
As considerações do autor partem do pressuposto que chamar a língua das
pessoas que são escolarizadas de norma culta seria problemático já que estaria associado
a um modelo de língua ideal, o que implica uma noção estereotipada e excludente
perante a população que apresenta determinadas características fonéticas, morfológicas,
sintáticas, semânticas, lexicais, dente outras que são consideradas desprestigiadas
socialmente. Bagno considera que o que é mais relevante não é apenas a questão
linguística, mas quem fala essa língua, a região geográfica em que vive essa pessoa. Isso
seria determinante para associá-la a determinada categoria social e linguística.
Porque o que está em jogo aqui não é a língua, mas a pessoa que fala essa
língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Se o Nordeste é
“atrasado”, “pobre”, “subdesenvolvido” ou (na melhor das hipóteses)
“pitoresco”, então “naturalmente”, as pessoas que lá nasceram e a língua que
elas falam também devem ser consideradas assim... (BAGNO, 2002, p. 45)
É importante ressaltar que esse prestígio social dessas classes favorecidas estão
intrinsecamente relacionamentos a uma construção ideológica, quer seja por razões
históricas econômicas, sociais ou políticas, mas que no entanto passa a ser considerado
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como um valor natural, que não pudesse ser contestado. Bagno traz importantes
questionamentos que contribuem para esta reflexão, tais como: “Por que o discurso
gramatical tradicional, já tão amplamente criticado pelos cientistas da linguagem com
base em teorias e métodos consistentes e coerentes, ainda tem tanto vigor e obtém tanta
defesa?” ou ainda: “Que ameaça ao tipo de sociedade em que vivemos representa a
democratização do saber linguístico, a divulgação ampla das descobertas deste campo
científico, a libertação da voz de tantos milhões de pessoas condenadas ao silêncio por
não saber “português” ou por “falar tudo errado”? E para finalizar: “A quem interessa
defender o “português ortodoxo” de uns riquíssimos “melhores” contra a suposta
“heresia gramatical” de muitos milhões de outros?” (BAGNO, 2002, p. 165)
Convém destacar que no Brasil, as pessoas excluídas socialmente e
politicamente são também excluídas pela sua maneira de falar. E como afirma Possenti:
“Os preconceitos mais duros de combater são os linguísticos”. (POSSENTI, 2009,
p.31). Como proposta para estas questões, poder-se-ia pensar, talvez um conhecimento
mais apurado das línguas, se é que, de fato, as análises mais objetivas podem remover
as montanhas de interesses e faturamento movidos pelos preconceitos.
1.3 A SOCIOLINGUÍSTICA SOB A VERTENTE DA INCLUSÃO SOCIAL
Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido (2011), aborda uma análise
díspar da dicotomia entre as classes sociais e preconiza possíveis fatores que
influenciam na questão educacional. No que tange à práxis social, o autor intervém que
“a práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é
impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. (2011, p.52). Neste sentido,
a reflexão freiriana se debruça na perspectiva de um posicionamento crítico dos
oprimidos, para que estes possam simultaneamente atuar sobre esta realidade opressora.
O trabalho educacional partiria, portanto, da interação do educador com o educando,
ambos como sujeitos sociais, numa relação dialética em que um educa o outro, em
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posições variáveis, o saber como doação, e o conhecimento se tornando um constante
processo de busca. Essa pedagogia, portanto, deixaria de ser uma pedagogia de
oprimidos, transformando-se em processo de libertação dos homens em comunhão.
Percebe-se, assim, que a educação é um processo complexo, sendo as
instituições de ensino, espaços privilegiados de interação e conhecimento no sentido de
vivências e possibilidades concretas de compreensão do mundo. O propósito de
produzir reflexões acerca do ensino atravessa o domínio da lógica puramente educativa,
engessada em cronogramas acadêmicos. Em consonância com esta perspectiva, o
espaço escola e posteriormente a universidade, partindo da coesão entre mediação e
discurso concreto, conscientizador e politizador, reproduzem pensadores críticos,
condicionados à criticidade social.
Destarte, esta consciência só é construída coletivamente num ambiente que tenha
como intuito a construção de um conhecimento globalizante, que rompa com a
tradicional prática do isolamento do ensino. Esta prática, denominada interdisciplinar,
apesar de ainda recente na história das instituições de ensino brasileiras, parte do
princípio de mediação entre diferentes disciplinas. Maria Lúcia Borges Gattás (2006),
pesquisadora dos estudos interdisciplinares, assinala a interdisciplinaridade como uma
ferramenta inovadora ante os grandes desafios que a sociedade vem enfrentando, sendo
a perspectiva educacional o caminho indispensável na construção da paz, da liberdade e
da justiça social. Para a autora,
o processo interdisciplinar rompe com a tradicional prática de ensino isolado,
permitindo ao aluno vivências antecipadas do papel profissional com trocas
de experiências e conhecimento das especificidades de outros cursos, das
sinergias entre eles, vivenciando e conhecendo na prática as interfaces e a
complementaridade do conhecimento (GATTÀS, 2006, p.22-23).
O atual estágio de fragmentação do conhecimento humano confirma que a
vivência interdisciplinar necessita ser assumida como prioritária pelas escolas. Para isso,
é preciso adequar possibilidades e limites institucionais que proporcionem uma atuação
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interdisciplinar, tendo-se em vista que essa busca exige uma severa mudança da vida
escolar através de espaços adequados que proporcionem a busca do conhecimento
qualitativo.
...o domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha
todos os dentes, que não tenha casa decente para morar, água encanada, luz
elétrica e rede de esgoto. O domínio da norma culta de nada vai servir a uma
pessoa que não tenha acesso às tecnologias modernas, aos avanços da
medicina, aos empregos bem remunerados, à participação ativa e consciente
nas decisões políticas que afetam sua vida e a de seus concidadãos. O
domínio da norma culta de nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha seus
direitos de cidadão reconhecidos plenamente, a uma pessoa que viva numa
zona rural onde um punhado de senhores feudais controlam extensões
gigantescas de terra fértil, enquanto milhões de famílias de lavradores semterra não têm o que comer. (BAGNO, 2002, p. 70)
Neste sentido o autor (2012) aponta a escola como veículo de uma cultura que
está geralmente associada com as camadas sociais privilegiadas e, por conseguinte,
transmitida na roupagem de uma “língua” considerada “culta” ou “exemplar”. A sua
obra “A norma oculta” faz referência precisamente a este jogo ideológico que está por
trás da defesa de um conjunto padronizado de regras linguísticas. Temos a seguinte
consideração:
Essa defesa se faz apoiada no mito de que o conhecimento da “norma culta” é
garantia suficiente para a inserção do indivíduo na categoria dos que podem
falar, dos que sabem falar, do que têm direito à palavra. Mas a restrição
imposta ao acesso dos falantes das variedades estigmatizadas ao sistema
educacional - único meio de aquisição da leitura – já garante que essa
“ascensão social” não ocorrerá e preserva o conhecimento-uso da “norma
culta” a uma parcela ínfima da sociedade. (BAGNO, 2012, p.191-192)
Por fim Bagno considera ser preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um
único local ou a uma única comunidade de falantes o “melhor” ou o “pior” português e
passar a respeitar igualmente todas as variedades da língua, que constituem um tesouro
precioso de nossa cultura, já que todas elas têm o seu valor, sendo portanto veículos
plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que falam.
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1.4 A ESCOLA COMO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A norma padrão está estreitamente ligada à esfera escolar, que por sua vez tem
papel fundamental na correção do preconceito linguístico. O ensino da língua, nesta
perspectiva tem, portanto, como função contribuir para a ruptura deste pensamento
obsoleto que entende ser existente uma única maneira de falar corretamente.
Bagno (2002) considera que o ensino da língua sempre se baseou na norma
gramatical de Portugal, e que as regras que aprendemos na escola em boa parte não
correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Tal fato é
justificado, pelo autor através dos constantes argumentos por parte de uma parcela
significativa da sociedade que considera a língua portuguesa uma “língua difícil” já que
temos de decorar conceitos e fixar regras que nada significam para nós. Para o autor
esse pensamento só teria fim quando o ensino de português passar a se concentrar no
uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil. Nesta perspectiva temos a
seguinte consideração:
Se tantas pessoas inteligentes e cultas continuam achando que “não sabem
português” ou que “português é muito difícil” é porque esta disciplina
fascinante foi transformada numa “ciência esotérica”, numa “doutrina
cabalística” que somente alguns “iluminados” (os gramáticos
tradicionalistas!) conseguem dominar completamente. Eles continuam
insistindo em nos fazer decorar coisas que ninguém mais usa (fósseis
gramaticais!), e a nos convencer de que só eles podem salvar a língua
portuguesa da “decadência” e da “corrupção”. (BAGNO, 2002, p.38)
Silva também parte do mesmo posicionamento. Para a autora “...há, sem dúvida
uma distorção no desenvolvimento do ensino da língua portuguesa nas séries escolares,
que leva a uma deformação do falante nativo adulto normal que admite, passivamente,
ser um deficiente em sua própria língua” (SILVA, 2004, p.28). A autora ainda cita que é
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um absurdo que, para se ensinar a escrever num dialeto quando os falantes nativos de
uma língua utilizam outro dialeto bem distanciado do da escrita.
A partir do exposto, retomamos ao contexto educacional como princípio mais
relevante para o desenvolvimento educacional mais harmonioso e eficaz, que de fato
contribua para o aprendizado sadio da língua, sem se prender a conteúdos programáticos
e regras obsoletas que em nada auxiliam na formação humana. Atualmente o que
podemos visualizar é a escola como um tipo de espaço que valoriza ortografia e
linguagens medievais, correções gramaticais ínfimas. Um bom exemplo é o uso arcaico
de pronomes como “vós” empregados insistentemente pelos gramáticos, mas que
raramente são utilizados em sua forma escrita e menos ainda na falada, mas que
propõem ou supõem continuar existindo. O ensino médio também é um bom exemplo
de situações em que o professor, utilizando-se de metodologias pitorescas, obriga o
aluno a decorar tempos verbais seja através de ditados ou exigindo deste intermináveis
escritas repetidas do mesmo verbo.
O professor pode mandar o aluno copiar quinhentas mil vezes a mesma frase:
“Assisti ao filme”. Quando esse mesmo aluno puser o pé fora da sala de aula,
ele vai dizer ao colega: “Ainda não assisti o filme do Zorro! Porque a
gramática brasileira não sente a necessidade daquela preposição a, que era
exigida na norma clássica literária, cem anos atrás e que ainda está em vigor
no português falado em Portugal, a dez mil quilômetros daqui! (BAGNO,
2002, p.36)
Há inúmeras outras regências com seu sentido em desuso, regras ultrapassadas
que são inquisitorialmente repassadas em sala de aula, repedidas vezes. Neste sentido,
Possenti faz a seguinte afirmativa:
Toda a imprensa valoriza os que conhecem ridículos quebra-cabeças
(concordâncias e regências raras, o feminino de cupim, essas coisas). Quando
alguém quer exemplificar a decadência, vem sempre com o mesmo “a nível
de”, ou a variante “tv a cores”. Ninguém fala em texto. Por isso, falam de
questões pequenas, resolvidas nos livrinhos de sempre, que, aliás, não citam.
(POSSENTI, 2009, p.50)
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O autor entende que o fracasso dos alunos em provas que exigem escrita não é
só o fracasso da escola, mas o de uma sociedade que valoriza o que tem pouco valor –
escrever corretamente sempre as mesmas palavras e frases de gramática – e não valoriza
o muito que tem valor – a capacidade de alguém ser sujeito de um texto, de defender
ideias que se articulem, mesmo que haja pequeno problemas de escrita. (POSSENTI,
2009, p.50)
Nossas crianças usam sem problema me e te – “Ela me bateu”, “Eu vou te
pegar” -, mas o/a jamais, que são substituídos por ele/ela: “Eu vou pegar ele”,
“Eu vi ela”. As formas lo e la – pegá-lo, vê-la -, então, nem pensar. Se as
crianças não usam é porque não ouvem os adultos usar, e se os adultos não
usam é porque não precisam desses pronomes. E mesmo na língua dos
adultos escolarizados, esses pronomes só aparecem como um recurso
estilístico, em situações de uso mais formais, quando o falante quer deixar
claro que domina as regras impostas pela gramática escolar. A gramática
escolar, no entanto, desconhece essa transformação por que a língua está
passando e insiste em considerar “erradas” construções como “Eu conheço
ele”, “Você viu ela chegar” etc. (BAGNO, 2002, p.25)
Logo, a escola como espaço de convivência, que tenha acuidade com um ensino
de qualidade, é destacada pelo seu relevante papel na educação e formação de
indivíduos, o que implica, a demanda de profissionais ativos, propositivos e dinâmicos,
com visão integral do aluno, capazes de adaptarem-se a mudanças, tendo em vista que a
língua está em constante processo de mudança, e, especialmente, estejam sempre
motivados a continuar aprendendo e ensinando ao longo de suas vidas.
Desse modo destacamos a função da escola por dois ângulos: um que repassa
conteúdos e produz conhecimento, e outro, que provoca mudança a partir do
direcionamento do aperfeiçoamento intelectual, cultural e moral dos seres humanos.
Mas para que isso ocorra, a escola deve se perceber anteriormente enquanto espaço que
sofre o impacto social e, ao mesmo tempo, como agente de mudança. Isto implica que, a
mudança só pode ser positiva se houver uma intervenção humana inteligente, com
conhecimento. Uma escola, além de se constituir em corpo docente e discente, deve
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abordar o social, deve se ver imbuída de sua missão civilizatória, que tenha ciência de
seu expressivo papel na transformação social.
Se a escola é um instrumento para a socialização do indivíduo e a escrita e a
leitura são fundamentais no desenvolvimento das formas de comunicação
nesse processo de socialização, no que concerne ao enriquecimento do
conhecimento que se pode chamar de natural da língua materna, alguma
“gramática” deverá ser ensinada, a partir do momento em que se considerar
necessária regular a fala e a escrita do aluno aos padrões de uso que a
instituição-escola define como o ideal para aqueles que a ela estão
submetidos. Romper com esse tipo de ensino que prestigia certas normas de
uso em detrimento de outras – ideal teórico da linguística e meta da
pedagogia que entende a escola não como o lugar de reprodução social, mas
de transformação – parece incompatível com as sociedades em que se
inserem as escolas como um dos instrumentos de adaptação e reprodução da
sociedade estabelecida. (SILVA, 2004, p.81)
Neste aspecto a figura do professor é uma peça fundamental neste processo. Já a
escola teria de ser uma espécie de “espaço sagrado em que se pudesse tirar do
estudante tudo o que ele tem em especial e fornecer condições para a troca
enriquecedora das diferenças, de forma a funcionarem como cédulas a partir das quais
germinasse uma nova sociedade”. (SILVA, 2004, p.25). Para a autora esta escola estaria
fundada em novos valores, que substituíssem o lucro, a concorrência, o poder
discriminatório, etc. “Uma pré-escola e os primeiros anos de escolarização deveriam
envolver em variados trabalhos de criação e de observação os iniciantes e teriam de
suprir as deficiências familiares que o processo histórico-social brasileiro criou”.
(SILVA, 2004, p.25)
Um curso médio já teria de abrir caminhos diferenciados para uma
profissionalização, em substituição a um saber inútil ou apenas técnico, que
cerceia o conhecimento crítico da história do homem no mundo e dos seus
problemas resolvidos ou a resolver. Um curso médio, na sua fase final, seria
obrigatoriamente diferenciado, intencionando atingir a escolha consciente de
uma profissão futura e uma formação básica adequada a essa profissão.
(SILVA, 2004, p.25)
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E no que tange ao ensino superior: “Um curso universitário que se esquecesse
dos diplomas e estivesse dirigido para o aperfeiçoamento do conhecimento crítico e das
técnicas, a fim de reformular, recriar, fazer crescer a sociedade, os seres humanos que
a compõem e o ambiente em que vivem” (SILVA, 2004, p.25).
Para tanto a autora reafirma que o professor é a peça essencial no processo,
tendo de ser muito bem preparado tanto na sua formação linguística – o que não ocorre
hoje no Brasil – como na sua formação pedagógica geral, para entender essa complexa
problemática que envolve a diversidade dialetal falada e a relativa homogeneidade que
se apresenta na escrita. (SILVA, 2004, p.76). Portanto, há necessidade, para que o
professor possa produzir a excelência do conhecimento, adquirir o refinamento de ler
um ao outro, ou seja, que esteja num processo de interação com o aluno de modo a fazer
interlocução com a disciplina ao universo do estudante. A educação trabalha na lógica
da informação como meio de construção da cidadania e pressupõe uma interlocução
ativa com o receptor, neste caso, o estudante. Precisa-se, sobretudo, que este
profissional tenha uma ideia de propósito que o guie.
...se cabe à escola ensinar as formas linguísticas padronizadas, normatizadas,
isso não deve ser visto nem como tarefa única do ensino, nem como um
instrumento para a adequação ou incorporação do indivíduo oriundo de
classes sociais desprestigiadas ao tipo de sociedade excludente que é a nossa.
Como já afirmei em outros trabalho, é necessário empreender um ensino
crítico da norma-padrão, escancarar sua origem “elitista e coercitiva”, e
mostrar que a necessidade de dominá-la se prende à necessidade de que os
alunos oriundos das camadas sociais desfavorecidas (ou seja, a imensa
maioria da população brasileira) possam dispor dos mesmos instrumentos de
luta dos alunos provindos das camadas privilegiadas. (BAGNO, 2012, p. 186187).
Há que ressaltar, maiormente, que esta preocupação com o ensino da língua
portuguesa no Brasil extrapola o âmbito das cursos de letras, ou do ensino da língua nas
escolas do ensino fundamental e médio. É uma preocupação que deve perpassar os
conselhos, seja a nível estadual ou federal de educação, além de toda a população de
uma forma geral.
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Todavia, é importante conjeturar que um projeto transformador na educação
impõe desafios. A educação deve ser livre, universal, humanizada, emancipatória, em
que, tanto as instituições públicas quanto as privadas não deveriam se configurar como
uma “massificação” do ensino. Temos hoje no Brasil, além de profissionais mal
remunerado, profissionais desqualificados alojados ao mercado de trabalho, professores
com este perfil satisfaz, sobretudo aos anseios do capital, pois se não dispomos de uma
classe com pensamento crítico, nos tornamos condicionados às mazelas de uma
sociedade neoliberal. Parafraseando Émile Durkheim, a educação é o meio essencial
para o processo ao qual aprendemos a ser membros da sociedade. E para isto, é
necessário que esta seja de qualidade, se torne fonte disseminadora de conhecimento, de
posicionamento crítico-social, que nos capacite a sermos sujeitos de fato de nossa
história e contribuamos para uma sociedade mais justa, igualitária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ratificando o exposto de que a linguagem é uma atividade exclusivamente
humana, que, apresenta aspectos de cunho histórico, cultural, social, biológico,
apreendemos que é através dela que nos organizamos, que vivenciamos experiências e
seu uso ocorre na interação social, pressupondo a existência de interlocutores no âmbito
linguístico.
A escola é agente de mudança, é preciso que reconheçamos que nos deparamos
numa transição de terrível fragmentação, física, parcial e cotidiana. A função das
escolas, no âmbito de produção de conhecimento reflete diretamente em aspectos de
grande relevância social, tais como diversos problemas que atingem o meio ambiente,
saúde pública, violência, educação, portanto seu papel é ser agente social estratégico.
Vivenciamos um cenário de precarização do ensino que perpassa o ensino
fundamental até o superior. O governo repassa ao privado suas obrigações enquanto
setor público, numa conjuntura de desenvolvimento do capitalismo monopolista,
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perceptível pela lógica do desmonte dos direitos sociais e do mundo do trabalho. Assim
sendo, a escola se torna meio de interlocução neste processo, na medida em que esta
concretize um trabalho interdisciplinar que proponha mudanças em suas bases
curriculares e se paute no olhar sociocultural, que possibilite o estudo da língua
vislumbrando suas diversas possibilidades.
Para tanto, haveria muito a se fazer no sentido de minimizar esta problemática,
tal como uma radical modificação política, e intrínseca a ela, uma ampla reforma na
política educacional brasileira. No que tange a esta perspectiva Silva assim explicita:
Reformas, reformulações e revisões da estrutura educacional no Brasil desde
os níveis mais profundos aos mais artificiais, sempre estão se fazendo da
década de 1960 para cá, em todos os graus da escolaridade, sempre com a
intenção explícita de melhorar a situação educacional. Nenhuma delas, no
entanto, incidiu no essencial, que é o fato de ser irrisória a verba que os
cofres públicos destinam à educação: dos 12% do orçamento das nações
recomendados pela Unesco à educação, não se destinam nem 5% no Brasil
(SILVA, 2004, p.15)
No entanto acaba-se por ser um pouco cético ou pessimista sobre a atual
conjuntura do ensino de língua portuguesa no Brasil, já que diante da situação delineada
o que é mais recorrente são soluções paliativas para contornar problemas relacionados à
melhoria da qualidade de ensino no país do que de políticas que de fato fossem
garantidoras de uma educação pública de qualidade. Diante do exposto Bagno faz a
seguinte consideração: “... a educação não é, de fato, um direito do cidadão e um dever
do Estado – ela é um mero adorno social, um passaporte para a admissão de seu
portador em determinados círculos de poder econômico e/ou político”. (BAGNO, 2012,
p. 106)
Contamos com o cenário de uma formação deficiente em que são despejados ao
mercado de trabalho um quantitativo de profissionais para atuarem frente às demandas
educacionais sendo inversamente proporcional à qualidade de ensino.
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A ideologia governamental do crescimento pelo crescimento, em si, é
estruturada a partir do pressuposto de dados estatísticos que aparentemente reduziriam o
analfabetismo no país. No entanto, os problemas detectados, refletidos em alto índice
de analfabetismo são exemplos expressivos da falta de eficácia das políticas no âmbito
da educação.
Assim os possíveis caminhos a serem apontados partiria de um melhor preparo
na formação dos professores, além de um suporte no que se refere a materiais
pedagógicos que forneçam um suporte no ensino da língua. Numa visão mais ampla
poderíamos pensar no estímulo à pesquisa científica na área da linguística para o
repasse do reconhecimento do caráter multifacetado da língua portuguesa no nosso país
para que posteriormente possamos pensar a médio e longo prazo numa efetiva
reformulação da gramática. Já que como abordado pôde-se perceber que as escolas
brasileiras não tem suporte para o repasse da gramática normativa. Neste aspecto Silva
faz a seguinte consideração:
A escola brasileira hoje não tem mais como dar conta da transmissão do
padrão linguístico preconizado pela tradição normativa, pelo contrário,
encontram-se na escola estudantes e professores, apesar do número muito
aquém do desejável, provenientes de diversificadas camadas populares
brasileiras, portadores de variantes linguísticas que se afastam do dialeto
padrão que a escola pretende treinar e transmitir. (SILVA, 2004, p.136-137)
Por fim, devemos ficar atentos para a nova estrutura social que seja engajada
numa perspectiva de educação transformadora, ética, pedagógica exigindo da
representativa do setor, o MEC, a garantia de uma educação de qualidade,
imprescindível para o futuro de nosso país. Só a partir daí passaremos a assumir a
função de agentes sociais de mudanças que propiciem a preservação da identidade
social e em especial, da dignidade deste grupo populacional. Para tanto, faz necessário
um elemento central para um Estado democrático, a luta contra a precarização do
ensino, devendo este ser gratuito, laico, e especialmente, de qualidade.
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