Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 A IDENTIDADE LINGUÍSTICA ENQUANTO FATOR PREPONDERANTE PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Wéllia Pimentel (UFVJM) [email protected] RESUMO: O propósito deste artigo é fomentar reflexões sobre o preconceito linguístico no Brasil contraposto às metodologias de ensino utilizadas nos níveis fundamentais e médio de educação, enquanto instâncias representativas para o progresso social, tendo-se em vista que a educação se configura na tentativa de intervir na realidade. Com este propósito, buscou-se caracterizar as possíveis interfaces do tema com os avanços advindos do desenvolvimento científico e tecnológico contrapostos à necessidade de um novo espaço pedagógico. PALAVRAS-CHAVE: preconceito linguístico; educação, identidade linguística. ABSTRACT: The purpose of this article is to further reflections on the linguistic prejudice in Brazil opposed the teaching methodology used in the basic and secondary levels of education while instances Representative for social progress, bearing in mind that education represents the attempt to intervene in reality. For this purpose, we attempted to characterize the possible interfaces with the theme of scientific development advances forged and opposed to the need for a new pedagogical space technology. KEYWORDS: Linguistic prejudice; education, linguistic identity. “Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português” (Oswald de Andrade) INTRODUÇÃO O homem se comunica por meio dos signos, que consequentemente são organizados em linguagens e códigos. Neste sentido, comumente poderíamos entender a linguagem como a capacidade exclusivamente humana de nos comunicarmos uns com Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 13 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 os outros. No entanto, em se tratando de relações sociais, a linguagem é algo muito mais complexo e vai desde a compreensão de aspectos de natureza biológica quanto em relação a aspectos lingüísticos, sociais ou culturais. Historicamente a linguagem humana tem sido concebida de maneiras distintas, e seu estudo surge desde a Antiguidade Clássica, tendo seu devido trato a partir do sistema filosófico. Entender a linguagem como unidade simultânea do pensamento generalizante e do intercâmbio social é de um valor incalculável para o estudo do pensamento e da linguagem, que será tratada neste trabalho, rastreando a tendência marcante da linguagem em seu contexto social. Importa ressaltar que a linguagem é um instrumento essencial à vida social dos seres humanos, se constitui num processo de interação humana, mutável, flexível por seus diferentes usos. Desta forma, a realização deste estudo possibilitará reconhecer o papel imprescindível da linguagem enquanto fator de interação social e também possibilitará entender o modo em que esta interação pode se constituir ao mesmo tempo como instrumento de exclusão social, tendo-se em vista que muitos grupos populacionais são alvos dessa marginalização, que acontece muitas das vezes velada, pela sua heterogeneidade linguística e que posteriormente leva a desconstrução de uma identidade social. Portanto o estudo proposto tem como centralidade uma abordagem sobre o uso da linguagem e traz como papel preponderante a construção do sujeito social. A linguagem entendida como instrumento essencial para a vida social dos seres humanos. 1.1 A IDENTIDADE LINGUÍSTICA E SUAS DIVERSIDADES A partir do momento em que compreendemos a existência da linguagem numa relação dual, entre sua determinação pelo contexto social e este contexto social também determinante da linguagem, nos vem o questionamento de como a linguagem interfere nas relações sociais, na construção do sujeito e de sua identidade social, levando-se em consideração sua não-existência isolada de uma identidade cultural, simbolizada por um Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 14 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 conjunto socialmente herdado de práticas e crenças de solidariedade que determinam nossas vidas. No entanto, há que se levar em consideração que a linguagem além de, essencialmente biológica, é também cultural. No que tange ao seu aspecto biológico, o linguista Eduardo Paiva Raposo, um dos introdutores da Linguística Generativa em Portugal, assim a define, A linguagem é uma faculdade específica da mente humana, não partilhada por nenhuma outra espécie animal, nem mesmo a dos macacos, possuidores, no entanto de um razoável grau de desenvolvimento cognitivo noutras esferas mentais (manipulação primitiva de símbolos, categorização conceptual, construção de ferramentas, etc.) (RAPOSO, 1992, p.15) Temos também na teoria gerativa chomskyana a defesa da linguagem uma faculdade exclusivamente humana, em que ela estaria de antemão programada nos genes dos homens, e, portanto, seria inata e universal, ou seja, nascemos com sistemas mentais prontos, e nessa interação a mente humana desempenharia o papel fundamental na aquisição da linguagem. A linguagem para Chomsky só precisa ser “ativada”, pois todos os seres humanos têm a mesma habilidade linguística, tendo-se em vista que o órgão mental é uma habilidade biológica. Já em seu aspecto cultural, e este será proeminente neste trabalho, podemos compreender a linguagem enquanto instrumento de dominação, construída conforme as particularidades e singularidades de cada grupo social em interação. Cada um destes grupos, portanto, apresenta sua singularidade, normas ou modos de agir. Todavia, essa diversidade linguística que vem a se constituir a sociedade brasileira culmina no que o autor Marcos Bagno conceitua como preconceito linguístico. O preconceito linguístico é tanto mais poderoso porque, em grande medida, ele é “invisível”, no sentido de que quase ninguém se apercebe dele, quase ninguém fala dele, com exceção dos raros cientistas sociais que se dedicam a estudá-lo. Pouquíssimas pessoas reconhecem a existência do preconceito linguístico, que dirá a sua gravidade como um sério problema social. (BAGNO, 2009, p.23-24). Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 15 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 Assim sendo, podemos perceber que tanto a linguística estrutural quanto a teoria gerativa procuravam descrever a língua dissociada de qualquer contexto de uso, traçando apenas seus aspectos biológicos, que, no entanto, deixam lacunas a partir do momento em que nos questionamentos sobre a linguagem em seu aspecto social. A linguística moderna, ao encarar a língua como um objeto passível de ser analisado e interpretado segundo métodos e critérios científicos, devolveu à língua ao seu lugar de fato social, abalando as noções antigas que apresentavam a língua como um valor ideológico. Assim, a linguística, como toda ciência, é o lugar das surpresas, das descobertas, do novo, da substituição de paradigmas, da reformulação crítica das teorias. (BAGNO, 2002, p. 150) A partir desta perspectiva, analisamos a função social da linguagem, partindo da perspectiva de sua interferência frente às relações sociais e da forma que o sujeito vem se tornando marginalizado pela aquisição da linguagem, numa sociedade que é essencialmente excludente, sendo a linguagem considerada a primeira instância nas relações interpessoais. De tal modo, pode-se afirmar que a linguagem e seu processo evolutivo advém, sobretudo, de sua natureza sócio-ideológica, ou seja, a linguagem advém a partir da interação social, numa relação intrínseca, uma vez que para refletirmos a existência humana através da consciência só poderá acontecer através da linguagem, e, no entanto, podemos perceber que se torna impossível estudarmos a evolução da língua dissociando-a completamente do ser social que nela se refrata e das condições sócioeconômicas. Seguindo esta perspectiva, no que tange aos estudos sobre a influência dos fatores sociais na aquisição da linguagem, Mikhail Bakhtin, filósofo russo, um dos expoentes na análise da linguagem, parte da perspectiva do indivíduo neste processo, ou seja, o teórico afirma que para entendermos o fenômeno da linguagem humana temos de dispor do exercício da fala em sociedade. A linguagem cotidiana, usual, com suas Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 16 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 constantes variações. “A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (Bakhtin, 2000, p. 282). Ainda para o autor, a linguagem é muito mais do que as palavras que pronunciamos ou escutamos, pois “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (Bakhtin, 2002, p. 95); ou ainda, “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis” (Bakhtin, 2002, p. 106). É preciso, portanto, prestar atenção ao impacto da linguagem no mundo social. Pode-se compreender, neste sentido que, conforme mencionado anteriormente, as particularidades do contexto sociocultural exprimem distinções substanciais na maneira das pessoas se comunicarem. Ainda segundo o autor (2006), a palavra é a arena onde se confrontam valores sociais contraditórios. Isto se torna perceptível na medida em que deixamos emergir por meio das interações sociais as particularidades concernentes da linguagem de cada grupo social, ou seja a linguagem incide numa relação de poder, muitas das vezes sutis que se perpassam nas interações sociais. 1.2 AS VARIANTES LINGUÍSTICAS CONTRAPOSTAS ÀS INJUNÇÕES DA GRAMÁTICA NORMATIVA A teoria da interação social busca romper o dualismo natureza versus ambiente que prevaleceu por tanto tempo nas explicações sobre a aquisição da linguagem. Os pressupostos dessa teoria contribuem para uma análise do conhecimento acerca do contexto sociocultural em que o indivíduo está inserido, além de analisar o mito fundador de identidade nacional que constitui o entendimento da norma padrão. O que se visa, então, a partir da teoria é descrever e explicar a interação humana por meio da linguagem, a capacidade que tem o ser humano de interagir socialmente por meio de uma língua, das mais diversas formas e com os mais diversos propósitos e resultados, Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 17 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 entendendo as implicações advindas pela norma padrão associada à imposição de uma classe dominante perante uma grande parcela populacional desprestigiada socialmente. De tal modo ao analisarmos o sujeito em sua face linguística passamos a compreender que o contexto histórico, a ideologia, a cultura são fatores constitutivos da linguagem. Ou seja, vivemos numa nação multilíngue, numa sociedade inteiramente diversificada em que existem grupos, ou camadas sociais que dispõem de certo prestígio no que tange ao registro formal da língua, contraposta a outra que apresenta seu dialeto próprio, características consideradas desprestigiadas socialmente. Essa parcela que se sobrepõe linguisticamente define o que é considerado como linguagem padrão e embora haja discordâncias sobre o que é ou não linguisticamente correto, o que é importante levar em consideração é que a variedade de formas existentes em uma comunidade linguística deve depender, sobretudo, do contexto em que a comunicação é realizada. Para tanto faz mister a apreensão que, apesar de, obviamente haver diferenças estruturais entre as línguas, não existe nenhuma base científica para se afirmar que uma língua é intrinsecamente mais desenvolvida ou mais completa do que qualquer outra. O Manual de Linguística publicado em 2006 apresenta o seguinte: Todas as línguas têm uma gramática complexa que permite que seus falantes as utilizem com diferentes finalidades, satisfazendo suas necessidades psicológicas e sociais eficientemente. Se uma língua ou uma variante de uma mesma língua se torna mais “prestigiada” por uma comunidade do que outra, isso não decorre de diferenças entre suas propriedades gramaticais, mas de fatores políticos, econômicos ou sociais. (BRASIL, 2006, p.40) Por esta via entendermos que a questão da linguagem requer a defesa de suas variações como meio de integração social, já que a linguagem humana apresenta-se com inúmeras destas variantes. Por outro lado denominar uma única forma linguagem como correta seria um equívoco. A escrita é um acontecimento cultural em que há a necessidade da junção entre o conhecimento dos sons, da fala com o conhecimento das ideias a fim de construir palavras e frases. Assim sendo construímos ou estruturamos Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 18 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 nossa fala a partir de parâmetros particulares. O falante de uma língua possui um léxico linguístico baseado em seu contexto sociocultural e é na escrita que o vocábulo ganha materialidade, portanto temos na instância escolar a tarefa de compreender a linguagem para além do plano meramente gramatical. Para além da escola, também a sociedade, em todas as suas instâncias, deve respeitar as variações linguísticas utilizadas para interação sem menosprezar os modos de vida e os tipos de interações típicas do meio social dos indivíduos. Rosa Virgínia Mattos e Silva, em sua obra “O Português são dois...” aponta reflexões a este respeito, para a autora: A sociedade brasileira, ou alguns segmentos dela, e outras instituições dessa mesma sociedade esperam que os indivíduos ao longo do seu percurso escolar aprendam a dominar um certo uso linguístico que, na linguagem corrente, se qualifica de correto. Para esses, a escola não é mais que uma espécie de “colônia correcional” coercitiva, instrumento de ajuste social. Ajuste a determinada face da sociedade. Em linguagem sociológica, se tem denominado esse tipo de escola de “escola reprodutora” da sociedade dominante (Soares, 1986), a escola que castra a mudança por seu conservadorismo elitizante. É óbvio que está implícito o meu ponto de vista de que a sociedade brasileira necessita mudar e, de fato e à revelia, está mudando no sentido de tornar-se menos assimétrica mais igualitária. (SILVA, 2004, p.73) Neste aspecto podemos apreender que a prática da educação, enquanto política social pública que demanda envolvimento de diferentes sujeitos sociais e categorias profissionais, é um fenômeno constitutivo do social que, por conseguinte, possibilita e deve formar os educandos para o exercício de uma leitura social mais crítica, ponderada. Por meio desse exercício, o professor teria condições de gerar e partilhar conhecimentos que não torne estigmatizante a variedade dialetal. Os professores mais conscientes da problemática sociolinguística brasileira procuram trabalhar a partir dessa realidade diversificada, sem estigmatizar a variação dialetal, pelo contrário, valorizando-a ao tempo em que desenvolvem o seu trabalho numa linha crítica que assume de fato o que alguns têm chamado de situação diglóssica, já que se tem diante e, de fato, indivíduos que são portadores de determináveis normas dialetais, mas que devem, entretanto, estar pelo menos conscientes da existência de outra Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 19 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 socialmente exigida a um indivíduo escolarizado, sobretudo em determinadas situações sociais, entre elas a de professor de português, que muitos objetivam vir a ser. (SILVA, 2004, p. 18) Para a autora, os que contraditoriamente, defendem uma norma culta, padronizada, a ser transmitida e controlada pelas instituições sociais só podem apoiar-se na gramática ideal, compendiada com base em dados arbitrários. Aqueles que partilham como princípio a defesa da diversidade linguística brasileira como ponto de partida para o ensino da língua materna no Brasil se veem sem um instrumental cientificamente preparado a partir do qual possa ser conduzido um trabalho pedagógico criador e enriquecedor para os estudantes e para a língua portuguesa na sua diversidade histórica. (SILVA, 2004, p. 24) Retomando ao Manual de Linguística, no que se refere à faculdade da linguagem, é levada em consideração a língua humana como um núcleo comum, universal, e que por esta razão seria fundamental não haver qualquer sentido em se avaliar as línguas em escalas de desenvolvimento, sendo algumas “mais evoluídas” e outras “dialetos primitivos”, já que sendo parte da dotação biológica da espécie humana, as línguas funcionam com base nas mesmas operações formais: todas realizam concatenações de forma e conteúdo; todas juntam elementos lexicais formando frases, de acordo com os mesmos princípios gramaticais universais (BRASIL, 2006, p.151). Marcos Bagno, crítico ferrenho da gramática tradicional, entende a linguagem como instrumento de controle e coerção social, além de ser parte constitutiva da identidade individual e social. Bagno afirma que não existe o preconceito linguístico, contraditoriamente, o autor defende que o que de fato existe é um preconceito social, que utilizado por meio da linguagem torna-se mais sutil. O autor faz a seguinte consideração: Se dizer Cráudia, praça, pranta é considerado “errado”, e, por outro lado, dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isso se deve simplesmente a uma questão que não é linguística, mas social e política – as Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 20 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 pessoas que dizem Cráudia, praça, pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola. (BAGNO, 2002, p. 42) O autor ainda pondera: Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craco”, seria no mínimo absurdo (BAGNO, 2002, p. 41). As considerações do autor partem do pressuposto que chamar a língua das pessoas que são escolarizadas de norma culta seria problemático já que estaria associado a um modelo de língua ideal, o que implica uma noção estereotipada e excludente perante a população que apresenta determinadas características fonéticas, morfológicas, sintáticas, semânticas, lexicais, dente outras que são consideradas desprestigiadas socialmente. Bagno considera que o que é mais relevante não é apenas a questão linguística, mas quem fala essa língua, a região geográfica em que vive essa pessoa. Isso seria determinante para associá-la a determinada categoria social e linguística. Porque o que está em jogo aqui não é a língua, mas a pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Se o Nordeste é “atrasado”, “pobre”, “subdesenvolvido” ou (na melhor das hipóteses) “pitoresco”, então “naturalmente”, as pessoas que lá nasceram e a língua que elas falam também devem ser consideradas assim... (BAGNO, 2002, p. 45) É importante ressaltar que esse prestígio social dessas classes favorecidas estão intrinsecamente relacionamentos a uma construção ideológica, quer seja por razões históricas econômicas, sociais ou políticas, mas que no entanto passa a ser considerado Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 21 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 como um valor natural, que não pudesse ser contestado. Bagno traz importantes questionamentos que contribuem para esta reflexão, tais como: “Por que o discurso gramatical tradicional, já tão amplamente criticado pelos cientistas da linguagem com base em teorias e métodos consistentes e coerentes, ainda tem tanto vigor e obtém tanta defesa?” ou ainda: “Que ameaça ao tipo de sociedade em que vivemos representa a democratização do saber linguístico, a divulgação ampla das descobertas deste campo científico, a libertação da voz de tantos milhões de pessoas condenadas ao silêncio por não saber “português” ou por “falar tudo errado”? E para finalizar: “A quem interessa defender o “português ortodoxo” de uns riquíssimos “melhores” contra a suposta “heresia gramatical” de muitos milhões de outros?” (BAGNO, 2002, p. 165) Convém destacar que no Brasil, as pessoas excluídas socialmente e politicamente são também excluídas pela sua maneira de falar. E como afirma Possenti: “Os preconceitos mais duros de combater são os linguísticos”. (POSSENTI, 2009, p.31). Como proposta para estas questões, poder-se-ia pensar, talvez um conhecimento mais apurado das línguas, se é que, de fato, as análises mais objetivas podem remover as montanhas de interesses e faturamento movidos pelos preconceitos. 1.3 A SOCIOLINGUÍSTICA SOB A VERTENTE DA INCLUSÃO SOCIAL Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido (2011), aborda uma análise díspar da dicotomia entre as classes sociais e preconiza possíveis fatores que influenciam na questão educacional. No que tange à práxis social, o autor intervém que “a práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. (2011, p.52). Neste sentido, a reflexão freiriana se debruça na perspectiva de um posicionamento crítico dos oprimidos, para que estes possam simultaneamente atuar sobre esta realidade opressora. O trabalho educacional partiria, portanto, da interação do educador com o educando, ambos como sujeitos sociais, numa relação dialética em que um educa o outro, em Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 22 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 posições variáveis, o saber como doação, e o conhecimento se tornando um constante processo de busca. Essa pedagogia, portanto, deixaria de ser uma pedagogia de oprimidos, transformando-se em processo de libertação dos homens em comunhão. Percebe-se, assim, que a educação é um processo complexo, sendo as instituições de ensino, espaços privilegiados de interação e conhecimento no sentido de vivências e possibilidades concretas de compreensão do mundo. O propósito de produzir reflexões acerca do ensino atravessa o domínio da lógica puramente educativa, engessada em cronogramas acadêmicos. Em consonância com esta perspectiva, o espaço escola e posteriormente a universidade, partindo da coesão entre mediação e discurso concreto, conscientizador e politizador, reproduzem pensadores críticos, condicionados à criticidade social. Destarte, esta consciência só é construída coletivamente num ambiente que tenha como intuito a construção de um conhecimento globalizante, que rompa com a tradicional prática do isolamento do ensino. Esta prática, denominada interdisciplinar, apesar de ainda recente na história das instituições de ensino brasileiras, parte do princípio de mediação entre diferentes disciplinas. Maria Lúcia Borges Gattás (2006), pesquisadora dos estudos interdisciplinares, assinala a interdisciplinaridade como uma ferramenta inovadora ante os grandes desafios que a sociedade vem enfrentando, sendo a perspectiva educacional o caminho indispensável na construção da paz, da liberdade e da justiça social. Para a autora, o processo interdisciplinar rompe com a tradicional prática de ensino isolado, permitindo ao aluno vivências antecipadas do papel profissional com trocas de experiências e conhecimento das especificidades de outros cursos, das sinergias entre eles, vivenciando e conhecendo na prática as interfaces e a complementaridade do conhecimento (GATTÀS, 2006, p.22-23). O atual estágio de fragmentação do conhecimento humano confirma que a vivência interdisciplinar necessita ser assumida como prioritária pelas escolas. Para isso, é preciso adequar possibilidades e limites institucionais que proporcionem uma atuação Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 23 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 interdisciplinar, tendo-se em vista que essa busca exige uma severa mudança da vida escolar através de espaços adequados que proporcionem a busca do conhecimento qualitativo. ...o domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha todos os dentes, que não tenha casa decente para morar, água encanada, luz elétrica e rede de esgoto. O domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha acesso às tecnologias modernas, aos avanços da medicina, aos empregos bem remunerados, à participação ativa e consciente nas decisões políticas que afetam sua vida e a de seus concidadãos. O domínio da norma culta de nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha seus direitos de cidadão reconhecidos plenamente, a uma pessoa que viva numa zona rural onde um punhado de senhores feudais controlam extensões gigantescas de terra fértil, enquanto milhões de famílias de lavradores semterra não têm o que comer. (BAGNO, 2002, p. 70) Neste sentido o autor (2012) aponta a escola como veículo de uma cultura que está geralmente associada com as camadas sociais privilegiadas e, por conseguinte, transmitida na roupagem de uma “língua” considerada “culta” ou “exemplar”. A sua obra “A norma oculta” faz referência precisamente a este jogo ideológico que está por trás da defesa de um conjunto padronizado de regras linguísticas. Temos a seguinte consideração: Essa defesa se faz apoiada no mito de que o conhecimento da “norma culta” é garantia suficiente para a inserção do indivíduo na categoria dos que podem falar, dos que sabem falar, do que têm direito à palavra. Mas a restrição imposta ao acesso dos falantes das variedades estigmatizadas ao sistema educacional - único meio de aquisição da leitura – já garante que essa “ascensão social” não ocorrerá e preserva o conhecimento-uso da “norma culta” a uma parcela ínfima da sociedade. (BAGNO, 2012, p.191-192) Por fim Bagno considera ser preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o “melhor” ou o “pior” português e passar a respeitar igualmente todas as variedades da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura, já que todas elas têm o seu valor, sendo portanto veículos plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que falam. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 24 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 1.4 A ESCOLA COMO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA A norma padrão está estreitamente ligada à esfera escolar, que por sua vez tem papel fundamental na correção do preconceito linguístico. O ensino da língua, nesta perspectiva tem, portanto, como função contribuir para a ruptura deste pensamento obsoleto que entende ser existente uma única maneira de falar corretamente. Bagno (2002) considera que o ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, e que as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Tal fato é justificado, pelo autor através dos constantes argumentos por parte de uma parcela significativa da sociedade que considera a língua portuguesa uma “língua difícil” já que temos de decorar conceitos e fixar regras que nada significam para nós. Para o autor esse pensamento só teria fim quando o ensino de português passar a se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil. Nesta perspectiva temos a seguinte consideração: Se tantas pessoas inteligentes e cultas continuam achando que “não sabem português” ou que “português é muito difícil” é porque esta disciplina fascinante foi transformada numa “ciência esotérica”, numa “doutrina cabalística” que somente alguns “iluminados” (os gramáticos tradicionalistas!) conseguem dominar completamente. Eles continuam insistindo em nos fazer decorar coisas que ninguém mais usa (fósseis gramaticais!), e a nos convencer de que só eles podem salvar a língua portuguesa da “decadência” e da “corrupção”. (BAGNO, 2002, p.38) Silva também parte do mesmo posicionamento. Para a autora “...há, sem dúvida uma distorção no desenvolvimento do ensino da língua portuguesa nas séries escolares, que leva a uma deformação do falante nativo adulto normal que admite, passivamente, ser um deficiente em sua própria língua” (SILVA, 2004, p.28). A autora ainda cita que é Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 25 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 um absurdo que, para se ensinar a escrever num dialeto quando os falantes nativos de uma língua utilizam outro dialeto bem distanciado do da escrita. A partir do exposto, retomamos ao contexto educacional como princípio mais relevante para o desenvolvimento educacional mais harmonioso e eficaz, que de fato contribua para o aprendizado sadio da língua, sem se prender a conteúdos programáticos e regras obsoletas que em nada auxiliam na formação humana. Atualmente o que podemos visualizar é a escola como um tipo de espaço que valoriza ortografia e linguagens medievais, correções gramaticais ínfimas. Um bom exemplo é o uso arcaico de pronomes como “vós” empregados insistentemente pelos gramáticos, mas que raramente são utilizados em sua forma escrita e menos ainda na falada, mas que propõem ou supõem continuar existindo. O ensino médio também é um bom exemplo de situações em que o professor, utilizando-se de metodologias pitorescas, obriga o aluno a decorar tempos verbais seja através de ditados ou exigindo deste intermináveis escritas repetidas do mesmo verbo. O professor pode mandar o aluno copiar quinhentas mil vezes a mesma frase: “Assisti ao filme”. Quando esse mesmo aluno puser o pé fora da sala de aula, ele vai dizer ao colega: “Ainda não assisti o filme do Zorro! Porque a gramática brasileira não sente a necessidade daquela preposição a, que era exigida na norma clássica literária, cem anos atrás e que ainda está em vigor no português falado em Portugal, a dez mil quilômetros daqui! (BAGNO, 2002, p.36) Há inúmeras outras regências com seu sentido em desuso, regras ultrapassadas que são inquisitorialmente repassadas em sala de aula, repedidas vezes. Neste sentido, Possenti faz a seguinte afirmativa: Toda a imprensa valoriza os que conhecem ridículos quebra-cabeças (concordâncias e regências raras, o feminino de cupim, essas coisas). Quando alguém quer exemplificar a decadência, vem sempre com o mesmo “a nível de”, ou a variante “tv a cores”. Ninguém fala em texto. Por isso, falam de questões pequenas, resolvidas nos livrinhos de sempre, que, aliás, não citam. (POSSENTI, 2009, p.50) Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 26 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 O autor entende que o fracasso dos alunos em provas que exigem escrita não é só o fracasso da escola, mas o de uma sociedade que valoriza o que tem pouco valor – escrever corretamente sempre as mesmas palavras e frases de gramática – e não valoriza o muito que tem valor – a capacidade de alguém ser sujeito de um texto, de defender ideias que se articulem, mesmo que haja pequeno problemas de escrita. (POSSENTI, 2009, p.50) Nossas crianças usam sem problema me e te – “Ela me bateu”, “Eu vou te pegar” -, mas o/a jamais, que são substituídos por ele/ela: “Eu vou pegar ele”, “Eu vi ela”. As formas lo e la – pegá-lo, vê-la -, então, nem pensar. Se as crianças não usam é porque não ouvem os adultos usar, e se os adultos não usam é porque não precisam desses pronomes. E mesmo na língua dos adultos escolarizados, esses pronomes só aparecem como um recurso estilístico, em situações de uso mais formais, quando o falante quer deixar claro que domina as regras impostas pela gramática escolar. A gramática escolar, no entanto, desconhece essa transformação por que a língua está passando e insiste em considerar “erradas” construções como “Eu conheço ele”, “Você viu ela chegar” etc. (BAGNO, 2002, p.25) Logo, a escola como espaço de convivência, que tenha acuidade com um ensino de qualidade, é destacada pelo seu relevante papel na educação e formação de indivíduos, o que implica, a demanda de profissionais ativos, propositivos e dinâmicos, com visão integral do aluno, capazes de adaptarem-se a mudanças, tendo em vista que a língua está em constante processo de mudança, e, especialmente, estejam sempre motivados a continuar aprendendo e ensinando ao longo de suas vidas. Desse modo destacamos a função da escola por dois ângulos: um que repassa conteúdos e produz conhecimento, e outro, que provoca mudança a partir do direcionamento do aperfeiçoamento intelectual, cultural e moral dos seres humanos. Mas para que isso ocorra, a escola deve se perceber anteriormente enquanto espaço que sofre o impacto social e, ao mesmo tempo, como agente de mudança. Isto implica que, a mudança só pode ser positiva se houver uma intervenção humana inteligente, com conhecimento. Uma escola, além de se constituir em corpo docente e discente, deve Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 27 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 abordar o social, deve se ver imbuída de sua missão civilizatória, que tenha ciência de seu expressivo papel na transformação social. Se a escola é um instrumento para a socialização do indivíduo e a escrita e a leitura são fundamentais no desenvolvimento das formas de comunicação nesse processo de socialização, no que concerne ao enriquecimento do conhecimento que se pode chamar de natural da língua materna, alguma “gramática” deverá ser ensinada, a partir do momento em que se considerar necessária regular a fala e a escrita do aluno aos padrões de uso que a instituição-escola define como o ideal para aqueles que a ela estão submetidos. Romper com esse tipo de ensino que prestigia certas normas de uso em detrimento de outras – ideal teórico da linguística e meta da pedagogia que entende a escola não como o lugar de reprodução social, mas de transformação – parece incompatível com as sociedades em que se inserem as escolas como um dos instrumentos de adaptação e reprodução da sociedade estabelecida. (SILVA, 2004, p.81) Neste aspecto a figura do professor é uma peça fundamental neste processo. Já a escola teria de ser uma espécie de “espaço sagrado em que se pudesse tirar do estudante tudo o que ele tem em especial e fornecer condições para a troca enriquecedora das diferenças, de forma a funcionarem como cédulas a partir das quais germinasse uma nova sociedade”. (SILVA, 2004, p.25). Para a autora esta escola estaria fundada em novos valores, que substituíssem o lucro, a concorrência, o poder discriminatório, etc. “Uma pré-escola e os primeiros anos de escolarização deveriam envolver em variados trabalhos de criação e de observação os iniciantes e teriam de suprir as deficiências familiares que o processo histórico-social brasileiro criou”. (SILVA, 2004, p.25) Um curso médio já teria de abrir caminhos diferenciados para uma profissionalização, em substituição a um saber inútil ou apenas técnico, que cerceia o conhecimento crítico da história do homem no mundo e dos seus problemas resolvidos ou a resolver. Um curso médio, na sua fase final, seria obrigatoriamente diferenciado, intencionando atingir a escolha consciente de uma profissão futura e uma formação básica adequada a essa profissão. (SILVA, 2004, p.25) Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 28 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 E no que tange ao ensino superior: “Um curso universitário que se esquecesse dos diplomas e estivesse dirigido para o aperfeiçoamento do conhecimento crítico e das técnicas, a fim de reformular, recriar, fazer crescer a sociedade, os seres humanos que a compõem e o ambiente em que vivem” (SILVA, 2004, p.25). Para tanto a autora reafirma que o professor é a peça essencial no processo, tendo de ser muito bem preparado tanto na sua formação linguística – o que não ocorre hoje no Brasil – como na sua formação pedagógica geral, para entender essa complexa problemática que envolve a diversidade dialetal falada e a relativa homogeneidade que se apresenta na escrita. (SILVA, 2004, p.76). Portanto, há necessidade, para que o professor possa produzir a excelência do conhecimento, adquirir o refinamento de ler um ao outro, ou seja, que esteja num processo de interação com o aluno de modo a fazer interlocução com a disciplina ao universo do estudante. A educação trabalha na lógica da informação como meio de construção da cidadania e pressupõe uma interlocução ativa com o receptor, neste caso, o estudante. Precisa-se, sobretudo, que este profissional tenha uma ideia de propósito que o guie. ...se cabe à escola ensinar as formas linguísticas padronizadas, normatizadas, isso não deve ser visto nem como tarefa única do ensino, nem como um instrumento para a adequação ou incorporação do indivíduo oriundo de classes sociais desprestigiadas ao tipo de sociedade excludente que é a nossa. Como já afirmei em outros trabalho, é necessário empreender um ensino crítico da norma-padrão, escancarar sua origem “elitista e coercitiva”, e mostrar que a necessidade de dominá-la se prende à necessidade de que os alunos oriundos das camadas sociais desfavorecidas (ou seja, a imensa maioria da população brasileira) possam dispor dos mesmos instrumentos de luta dos alunos provindos das camadas privilegiadas. (BAGNO, 2012, p. 186187). Há que ressaltar, maiormente, que esta preocupação com o ensino da língua portuguesa no Brasil extrapola o âmbito das cursos de letras, ou do ensino da língua nas escolas do ensino fundamental e médio. É uma preocupação que deve perpassar os conselhos, seja a nível estadual ou federal de educação, além de toda a população de uma forma geral. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 29 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 Todavia, é importante conjeturar que um projeto transformador na educação impõe desafios. A educação deve ser livre, universal, humanizada, emancipatória, em que, tanto as instituições públicas quanto as privadas não deveriam se configurar como uma “massificação” do ensino. Temos hoje no Brasil, além de profissionais mal remunerado, profissionais desqualificados alojados ao mercado de trabalho, professores com este perfil satisfaz, sobretudo aos anseios do capital, pois se não dispomos de uma classe com pensamento crítico, nos tornamos condicionados às mazelas de uma sociedade neoliberal. Parafraseando Émile Durkheim, a educação é o meio essencial para o processo ao qual aprendemos a ser membros da sociedade. E para isto, é necessário que esta seja de qualidade, se torne fonte disseminadora de conhecimento, de posicionamento crítico-social, que nos capacite a sermos sujeitos de fato de nossa história e contribuamos para uma sociedade mais justa, igualitária. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ratificando o exposto de que a linguagem é uma atividade exclusivamente humana, que, apresenta aspectos de cunho histórico, cultural, social, biológico, apreendemos que é através dela que nos organizamos, que vivenciamos experiências e seu uso ocorre na interação social, pressupondo a existência de interlocutores no âmbito linguístico. A escola é agente de mudança, é preciso que reconheçamos que nos deparamos numa transição de terrível fragmentação, física, parcial e cotidiana. A função das escolas, no âmbito de produção de conhecimento reflete diretamente em aspectos de grande relevância social, tais como diversos problemas que atingem o meio ambiente, saúde pública, violência, educação, portanto seu papel é ser agente social estratégico. Vivenciamos um cenário de precarização do ensino que perpassa o ensino fundamental até o superior. O governo repassa ao privado suas obrigações enquanto setor público, numa conjuntura de desenvolvimento do capitalismo monopolista, Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 30 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 perceptível pela lógica do desmonte dos direitos sociais e do mundo do trabalho. Assim sendo, a escola se torna meio de interlocução neste processo, na medida em que esta concretize um trabalho interdisciplinar que proponha mudanças em suas bases curriculares e se paute no olhar sociocultural, que possibilite o estudo da língua vislumbrando suas diversas possibilidades. Para tanto, haveria muito a se fazer no sentido de minimizar esta problemática, tal como uma radical modificação política, e intrínseca a ela, uma ampla reforma na política educacional brasileira. No que tange a esta perspectiva Silva assim explicita: Reformas, reformulações e revisões da estrutura educacional no Brasil desde os níveis mais profundos aos mais artificiais, sempre estão se fazendo da década de 1960 para cá, em todos os graus da escolaridade, sempre com a intenção explícita de melhorar a situação educacional. Nenhuma delas, no entanto, incidiu no essencial, que é o fato de ser irrisória a verba que os cofres públicos destinam à educação: dos 12% do orçamento das nações recomendados pela Unesco à educação, não se destinam nem 5% no Brasil (SILVA, 2004, p.15) No entanto acaba-se por ser um pouco cético ou pessimista sobre a atual conjuntura do ensino de língua portuguesa no Brasil, já que diante da situação delineada o que é mais recorrente são soluções paliativas para contornar problemas relacionados à melhoria da qualidade de ensino no país do que de políticas que de fato fossem garantidoras de uma educação pública de qualidade. Diante do exposto Bagno faz a seguinte consideração: “... a educação não é, de fato, um direito do cidadão e um dever do Estado – ela é um mero adorno social, um passaporte para a admissão de seu portador em determinados círculos de poder econômico e/ou político”. (BAGNO, 2012, p. 106) Contamos com o cenário de uma formação deficiente em que são despejados ao mercado de trabalho um quantitativo de profissionais para atuarem frente às demandas educacionais sendo inversamente proporcional à qualidade de ensino. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 31 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 A ideologia governamental do crescimento pelo crescimento, em si, é estruturada a partir do pressuposto de dados estatísticos que aparentemente reduziriam o analfabetismo no país. No entanto, os problemas detectados, refletidos em alto índice de analfabetismo são exemplos expressivos da falta de eficácia das políticas no âmbito da educação. Assim os possíveis caminhos a serem apontados partiria de um melhor preparo na formação dos professores, além de um suporte no que se refere a materiais pedagógicos que forneçam um suporte no ensino da língua. Numa visão mais ampla poderíamos pensar no estímulo à pesquisa científica na área da linguística para o repasse do reconhecimento do caráter multifacetado da língua portuguesa no nosso país para que posteriormente possamos pensar a médio e longo prazo numa efetiva reformulação da gramática. Já que como abordado pôde-se perceber que as escolas brasileiras não tem suporte para o repasse da gramática normativa. Neste aspecto Silva faz a seguinte consideração: A escola brasileira hoje não tem mais como dar conta da transmissão do padrão linguístico preconizado pela tradição normativa, pelo contrário, encontram-se na escola estudantes e professores, apesar do número muito aquém do desejável, provenientes de diversificadas camadas populares brasileiras, portadores de variantes linguísticas que se afastam do dialeto padrão que a escola pretende treinar e transmitir. (SILVA, 2004, p.136-137) Por fim, devemos ficar atentos para a nova estrutura social que seja engajada numa perspectiva de educação transformadora, ética, pedagógica exigindo da representativa do setor, o MEC, a garantia de uma educação de qualidade, imprescindível para o futuro de nosso país. Só a partir daí passaremos a assumir a função de agentes sociais de mudanças que propiciem a preservação da identidade social e em especial, da dignidade deste grupo populacional. Para tanto, faz necessário um elemento central para um Estado democrático, a luta contra a precarização do ensino, devendo este ser gratuito, laico, e especialmente, de qualidade. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 32 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGNO, Marcos. A norma oculta. Parábola Editorial. São Paulo, 2012. _________. Preconceito Linguístico. O que é, como se faz. 52. Ed. Edições Loyola. São Paulo, 2009 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª Edição – 2006 – HUCITEC. BRASIL. Manual de linguística: subsídios para a formação de professores indígenas na área da linguagem. Coleção Educação para todos. Série Vias dos Saberes nº. 04. Brasília, 2006. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. 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