Biossensores: estrutura, funcionamento e aplicabilidade Simone Saad Calil1 Paulo Roberto Queiroz da Silva2 1 Farmacêutica. Especialista em Toxicologia pela Universidade Federal de Goiás. Aluna da Pós-Graduação em Farmácia e Química Forense, pela Universidade Católica de Goiás/Ifar. 2 Biólogo. Doutor em Biologia Animal pela Universidade de Brasília – UnB. Professor do IFAR/PUC-GO. Endereço: IFAR – Instituto de Estudos Farmacêuticos. SHCGN 716 Bl B Lj 05 Brasilia – DF CEP: 70770732. E-mail: [email protected] Resumo Biossensores são pequenos dispositivos que utilizam componentes biológicos como elementos de reconhecimento, ligados a um sistema de detecção, transdução e amplificação do sinal gerado na reação com o analito-alvo. Podem ser utilizados diversos elementos, sendo os principais, atualmente, aqueles baseados em aptâmeros e nanomateriais, por sua alta especificidade e sensibilidade. Seu potencial de utilização varia desde a detecção e tratamento de doenças ou a medição de componentes nos fluidos biológicos, até o monitoramento ambiental e prevenção de contaminação e bioterrorismo. O objetivo deste trabalho foi apresentar uma revisão de bibliografia descrevendo estrutura, funcionamento e aplicabilidade dos biossensores em várias áreas tecnológicas. Para esta revisão, foram utilizados 63 artigos, uma dissertação de mestrado e 3 livros relacionados ao tema proposto. Apesar da grande quantidade de pesquisa sobre novas técnicas e materiais, pouco se fala sobre a toxicidade desses compostos para a saúde humana e para o meio ambiente, sendo necessários mais estudos nesse sentido. Palavras-chave: Biossensor. Transdutor. Aptâmero. Nanomateriais. Biosensors: structure, function and applicability Abstract Biosensors are small devices that use biological components as recognition elements, which are connected to a system that detect, transduct and amplify the generated signal from the reaction with the target analyte. Can be used several elements, but the main, currently, are those based on aptamers and nanomaterials because of their high specificity and sensitivity. Their potential use ranges from the detection and treatment of diseases or measuring components in biological fluids, to the monitoring and prevention of environmental contamination and bioterrorism. The aim of this study was to present a review of literature describing structure, function and applicability of biosensors in several technology areas. For this review, were used 63 articles, a master thesis and three books related to the proposed theme. In spite of the considerable amount of research about new techniques and materials, just a little is said about the toxicity of these compounds to the human health and the environment, and further studies in this direction are needed. Keywords: Biosensor. Transducer. Aptamer. Nanomaterials. 2 1 INTRODUÇÃO Os biossensores são pequenos dispositivos que utilizam reações biológicas para detecção de analitos-alvo (WANG, 2000). Tais dispositivos combinam um componente biológico, que interage com um substrato alvo, a um transdutor físico, que converte os processos de biorreconhecimento em sinais mensuráveis (WANG, 2000; PATHAK et al, 2007). Seu uso traz uma série de vantagens, pois são altamente sensíveis e seletivos, relativamente fáceis em termos de desenvolvimento, além de acessíveis e prontos para uso. Entretanto, há certas limitações, como interferências eletroquimicamente ativas na amostra, pouca estabilidade a longo prazo e problemas de transferência de elétrons (MEHRVAR; ABDI, 2004; SONG et al, 2006). Os biossensores podem ser de detecção direta (sensor de detecção direta ou sistema não reticulado), nos quais a interação biológica é medida diretamente, havendo uso de um ligante não-catalítico, como receptores celulares e anticorpos, ou de detecção indireta (sensor marcado ou sistema reticulado), em que há o uso de anticorpos fluorescentemente marcados ou elementos catalíticos, como enzimas. O sistema reticulado tem uma maior estabilidade e é mais simples para usar, mas o sistema não reticulado tem melhor sensibilidade, tempo de operação mais curto e custos mais baixos (MEHRVAR; ABDI, 2004; PATHAK et al, 2007; LIU et al, 2009). Há dois tipos de biossensores, dependendo da natureza do evento de reconhecimento. Dispositivos de bioafinidade, que dependem da ligação seletiva do analito-alvo ao ligante preso à superfície (por exempo, anticorpo ou sonda oligonucleotídica) e dispositivos bioanalíticos, nos quais uma enzima imobilizada é usada para o reconhecimento do substrato-alvo (WANG, 2000). A partir dessas informações, o objetivo desse trabalho foi apresentar uma revisão de bibliografia descrevendo estrutura, funcionamento e aplicabilidade dos biossensores em várias áreas tecnológicas. 3 2 METODOLOGIA Trata-se de uma revisão da literatura, sendo desenvolvida sob uma metodologia teórica e conceitual, tendo como base livros especializados na área, tais como, imunologia celular e molecular, entre outros, bem como o acesso a artigos publicados em periódicos indexados e disponibilizados em bases de dados como, por exemplo, SciELO, PubMed, MEDLINE e ScienceDirect. Foram priorizados os artigos publicados ao longo dos últimos dez anos. Entretanto, artigos com data de publicação anterior e que foram julgados relevantes para a pesquisa também foram considerados para a construção do manuscrito. 3 ESTRUTURA DE UM BIOSSENSOR Conforme apresentado na figura 1, os biossensores são construídos a partir de um componente que introduz a amostra, um sistema de reconhecimento molecular, um transdutor e uma unidade processadora de sinal (LEE et al, 2008). Introdução da amostra Analito-alvo Saída do sinal Unidade Elemento de Transdutor processadora reconhecimento (B) de sinal (C) (componente biológico) (A) Figura 1 - Configuração de um biossensor, mostrando a organização dos seus componentes funcionais. A detecção do analito-alvo é feita por um componente biológico que gera um sinal (A), o qual é convertido (B) e processado (C). Adaptado por Calil, 2011. Os principais sistemas de introdução de amostra são os canais microfluídicos e o sistema de análise por injeção em fluxo (FIA – flow injection analysis) (ROY; GUPTA, 2003; JOO et al, 2007; YANTASEE et al, 2007; MCBRIDE; COOPER, 2008). No sistema de reconhecimento está a parte que entra em contato com o analito de interesse e produz um sinal. Pode ser um receptor, enzima, anticorpo, ácido nucléico, 4 aptâmero, entre outros (PATHAK et al, 2007; CHAMBERS et al, 2008; LEE et al, 2008). Como esses reagentes já estão imobilizados no sistema, o sensor desempenha a tarefa de identificar a composição de espécies com o mínimo de intervenção humana. As técnicas mais comuns de imobilização são adsorção física (interações do tipo iônica e polar e ligação de hidrogênio), ligação cruzada (reticulação), oclusão ou aprisionamento, ligação covalente e covalente cruzada, encapsulamento e microencapsulamento. A estabilidade das técnicas de imobilização determina a sensibilidade e confiabilidade do sinal do biossensor, devido à preservação dos sítios ativos da molécula (MEHRVAR; ABDI, 2004; YANTASEE et al, 2007; EMBRAPA AGROINDÚSTRIA TROPICAL, 2008; MELO, 2008). O transdutor age como uma interface, medindo a mudança física ou química que ocorre na reação com o biorreceptor, transformando essa energia em um produto mensurável, como massa, carga, calor ou luz. Podem ser de diversos tipos, tais como, eletroquímico, óptico, piezoelétrico e calorimétrico (MEHRVAR et al, 2000; PATHAK et al, 2007; LEE et al, 2008). A unidade processadora de sinal funciona como um detector que filtra, amplifica e analisa o sinal transduzido, tranferindo-o para um monitor ou armazenando-o em algum dispositivo (RAITERI et al, 2002; PATHAK et al, 2007). 4 COMPONENTES BIOLÓGICOS DOS BIOSSENSORES Vários componentes biológicos apresentam-se como potenciais elementos a serem usados em sistemas de biossensores, entre eles: Enzimas. Elementos de reconhecimento baseados em enzimas catalíticas são muito atraentes como biossensores devido à variedade de produtos de reação mensuráveis de um processo catalítico, que incluem prótons, elétrons, luz e calor. A enzima urease tem sido muito usada como um sensor para biorreconhecimento devido à necessidade de determinação/monitoramento da uréia tanto em aplicações médicas quanto ambientais (CHAMBERS et al, 2008). Os biossensores de bioluminescência ou bioanalíticos, por exemplo, são baseados na utilização de certas enzimas com habilidade de emitir fótons como um subproduto de suas reações. Tais biossensores possuem especificidade extremamente alta e podem distinguir células viáveis de células não-viáveis. Sua principal 5 limitação é o tempo relativamente longo para análise e a falta de sensibilidade (MEHRVAR; ABDI, 2004). Anticorpos. São produzidos pelas células B e são funcionalmente definidos pelo antígeno com o qual reagem. Assim, anticorpos gerais, com especificidade desconhecida (por exemplo, imunoglobulina sérica IgM), são chamados de imunoglobulina até serem definidos pelo antígeno específico (por exemplo, anti-sRBC IgM) (KLAASSEN, 2001). Todos os cinco tipos de imunoglobulina (IgA, IgD, IgE, IgG e IgM) são constituídas de cadeias pesadas (H) e leves (L) e regiões ou domínios constantes (C) e variáveis (V) (KLAASSEN, 2001). É a região V que determina a especificidade do anticorpo, pois a maioria das diferenças entre os anticorpos está em três pequenas extensões (com aproximadamente dez aminoácidos) de suas cadeias pesada (VH) e leve (VL). Essas pequenas extensões assumem estruturas em alça que, em conjunto, formam uma superfície complementar à estrutura tridimensional do antígeno ligado, sendo chamadas de segmentos hipervariáveis ou regiões determinantes de complementaridade (CDR). São ao todo seis alças na extremidade distal dos domínios V do receptor, sendo três de cada domínio (VH e VL). É possível ver, por análise cristalográfica dos complexos antígeno/anticorpo, que os aminoácidos da região CDR formam múltiplos contatos com o antígeno (JANEWAY et al, 2007; ABBAS et al, 2008). O uso de anticorpos como elemento de reconhecimento se baseia na alta sensibilidade e especificidade das interações antígeno/anticorpo. A maior vantagem dos chamados biossensores imunológicos é que não é necessário purificar a amostra antes da detecção (SONG et al, 2006; CHAMBERS et al, 2008). Receptores. São alvos naturais para uma grande variedade de drogas e toxinas. São proteínas de natureza transmembrana e se ligam a moléculas específicas chamadas ligantes, induzindo uma resposta celular específica. A mudança conformacional no receptor induzido dá lugar a eventos subsequentes, como a abertura do canal, geração do segundo mensageiro adenil/guanil ciclase, e reações em cascata envolvendo um grande número de outras proteínas, incluindo as proteínas G, tirosina quinases, fosfatases, fosforilases e fatores de transcrição. Seu uso em biossensores é de grande interesse devido à alta especificidade e afinidade pelo ligante (CHAMBERS et al, 2008). Ácidos Nucléicos e Aptâmeros. O desempenho dos biossensores de DNA é fortemente influenciado pelas propriedades físicas do DNA, como, por exemplo, pureza e comprimento médio da cadeia (RAVERA et al, 2007). A maioria dos biossensores de 6 DNA é desenvolvida com base na imobilização de uma sonda feita a partir de uma fita simples de DNA (ssDNA) na superfície de um eletrodo marcada com um indicador eletroquímico que reconhece sua sequência-alvo complementar (WANG, 2000; AHAMMAD et al, 2009). Recentemente, os aptâmeros têm recebido grande atenção como componente de reconhecimento em biossensores (HAN et al, 2010). Os aptâmeros são sequências curtas de ácidos nucléicos (ssDNA ou ssRNA) (HASEGAWA et al, 2008; CHIU; HUANG, 2009; HAN et al, 2010; HUA et al, 2010), que se ligam a várias moléculas-alvo com alta afinidade e especificidade (VESTERGAARD et al, 2007; HASEGAWA et al, 2008). São oligonucleotídeos lineares sintéticos, geralmente com 15 a 40 nucleotídeos de extensão, submetidos a muitas interações intramoleculares, as quais dobram a cadeia oligonucleotídica (BELLUZO et al, 2008), fazendo-a adquirir uma conformação tridimensional bem definida e tornando-a capaz de se ligar ao seu alvo com alta afinidade e especificidade (ZHU et al, 2006; CHIU; HUANG, 2009). Têm sido usados na detecção de diversos ligantes, desde pequenos íons ou moléculas até proteínas e células (BELLUZO et al, 2008; CHIU; HUANG, 2009; HAN et al, 2010). Eles são produzidos sinteticamente e são comumente identificados in vitro a partir da vasta biblioteca de combinações que compreende trilhões de diferentes sequências, por um processo conhecido como evolução sistemática de ligantes por enriquecimento exponencial (Selex – systematic evolution of ligands by exponential enrichment) (CHIU; HUANG, 2009; MAEHASHI; MATSUMOTO, 2009; MAIRHOFER et al, 2009; HUA et al, 2010), que é um processo repetitivo de ligação, separação e amplificação de ácido nucléico (LOU et al, 2009), como demonstrado na figura 2. Primeiramente, uma extensa biblioteca de ácidos nucléicos (mais de 105 sequências aleatórias) é incubada com as moléculas-alvo para que haja a ligação destas com os nucleotídeos mais afins. As sequências ligadas e não ligadas são separadas, sendo estas descartadas, enquanto as ligadas são dissociadas da molécula-alvo e submetidas a um processo chamado reação em cadeia da polimerase (PCR – polymerase chain reaction) para amplificação. Então o ciclo recomeça (LIU et al, 2009). Normalmente, após 5 a 15 ciclos do processo Selex, a biblioteca é reduzida a um pequeno número de aptâmeros, os quais apresentam uma afinidade particularmente alta por seu substrato (VESTERGAARD et al, 2007; CHIU; HUANG, 2009). A constante de dissociação (kd) aptâmero/alvo é comparável à constante anticorpo/antígeno, na ordem de picomolar a micromolar (CHIU; HUANG, 2009). 7 Sequências não ligadas Nucleotídeos (A) (B) (C) PCR (D) Sequências ligadas (E) Moléculas-alvo Figura 2 - Descrição do processo Selex. Os nucleotídeos são incubados com as moléculas-alvo (A), as sequências ligadas são separadas das não ligadas (B) e são dissociadas da molécula-alvo (C). É feita a amplificação por PCR (D) e o ciclo é reiniciado (E). Adaptado por Calil, 2011. Apesar da afinidade aptâmero/analito-alvo ser comparável à afinidade anticorpo/antígeno (VESTERGAARD et al, 2007), os aptâmeros apresentam diversas vantagens que os tornam preferíveis no desenvolvimento de biossensores (BELLUZO et al, 2008). Algumas dessas vantagens são: possuem estrutura mais simples (ZHU et al, 2006); são de fácil armazenamento (YAO et al, 2010); sua síntese é fácil (LEE, 2008) e leva a estruturas altamente reprodutíveis (VESTERGAARD et al, 2007), o que os torna mais baratos (MAEHASHI; MATSUMOTO, 2009); são mais estáveis, por possuírem maior resistência à desnaturação (LEE, 2008; CHIU; HUANG, 2009); possuem afinidade e especificidade por ligantes que não são reconhecidos por anticorpos, como íons ou pequenas moléculas (HAN et al, 2010); são quimicamente modificados com maior facilidade (ZHU et al, 2006); e a função de aptâmeros imobilizados é regenerada mais facilmente (YAO et al, 2010). 5 TRANSDUTORES Várias também são as opções de transdutores a serem acoplados aos componentes biológicos dos biossensores, entre eles: Eletroquímicos – Movimento de íons e difusão de espécies eletroativas (EMBRAPA AGROINDÚSTRIA TROPICAL, 2008). São os biossensores mais comumente utilizados nos testes de monitoramento e diagnóstico em análises clínicas (MEHRVAR; ABDI, 2004; GAUA et al, 2005). Suas principais vantagens são baixo custo, alta sensibilidade, screening rápido e estabilidade (SONG et al, 2006). Podem ser amperométricos, potenciométricos ou condutimétricos (MEHRVAR; ABDI, 2004). 8 Amperométricos. Baseados na medida da corrente resultante da oxidação ou redução eletroquímica de uma espécie eletroativa, momento em que ocorre a transferência de elétrons do analito para o eletrodo ou vice-versa. A direção do fluxo de elétrons depende das propriedades do analito e pode ser controlada pela aplicação de um potencial elétrico no eletrodo. Uma célula amperométrica pode conter dois ou três eletrodos (THÉVENOT et al, 2001; WANGet al, 2008). Potenciométricos. Baseados na determinação da diferença de potencial entre o eletrodo indicador e o de referência ou dois eletrodos de referência separados por uma membrana seletiva permeável, em que não há fluxo de corrente significativa entre eles (THÉVENOT et al, 2001). Condutimétricos. Baseados na medição de mudanças na condutância, devido ao uso de enzimas que, ao catalisar reações, produzem ou consomem espécies iônicas, alterando a quantidade de portadores de carga móvel no eletrólito. A condutividade é a função linear da concentração iônica, porém, não é específica para um dado tipo iônico (MELO, 2008; WANG et al, 2008). Ópticos – Fibra óptica, guia de onda planar, ressonância de superfície de plasma (SPR – surface plasmon resonance) (THÉVENOT et al, 2001). São particularmente atraentes para aplicação em sistemas de detecção direta. São baseados na medição da luz observada ou emitida como um resultado de uma reação química ou biológica. Em tais biossensores, fibras ópticas são usadas para guiar as ondas de luz a detectores adequados, como um eletrodo ou semicondutor (MEHRVAR; ABDI, 2004). Piezoelétricos – Alteração de massa ou microviscosidade, onda de cisalhamento e superfície acústica (THÉVENOT et al, 2001; EMBRAPA AGROINDÚSTRIA TROPICAL, 2008). Baseados no princípio de revestir a superfície do biossensor com uma substância biologicamente ativa que se liga seletivamente. A superfície revestida é colocada em uma solução contendo analitos, os quais se ligam à substância ligante. Então, a massa do cristal aumenta enquanto a frequência de ressonância das oscilações diminui proporcionalmente (MEHRVAR; ABDI, 2004). Cristais de quartzo têm sido muito utilizados em sistemas piezoelétricos, pois sua frequência pode oscilar na faixa de megahertz (106 ciclos/segundo) de maneira proporcional à massa do cristal, além de serem muito sensíveis às variações de massa. Essa alta sensibilidade levou à criação de um sensor denominado microbalanço de cristal de quartzo (QCMB), que é capaz de detectar as 9 variações de nanogramas que ocorrem em sua massa quando o alvo se liga ao sensor (WANG et al, 2011). Calorimétricos – Também chamados de termístor (THÉVENOT et al, 2001). Detectam substratos baseados no calor envolvido nas reações bioquímicas do analito com uma substância biológica ativa adequada, como uma enzima. A forma mais utilizada acopla as substâncias diretamente ao termístor, que detecta o calor envolvido na reação bioquímica. A maior parte do calor em reações enzimáticas é perdida para o meio sem ser detectada. A perda do calor diminui a sensibilidade dos biossensores calorimétricos (MEHRVAR; ABDI, 2004). 6 NANOTECNOLOGIA Análises em nanoescala têm sido desenvolvidas para estudar interações em nível celular e molecular em tempo real, fornecendo biossensores com sensibilidade muito alta quando comparados aos métodos convencionais (KOHLES et al, 2011). Vários tipos de dispositivos baseados nos princípios da nanotecnologia têm sido incorporados aos biodispositivos para aumentar a relação sinal/ruído, reduzir o tempo de resposta, aumentar a estabilidade e a sensibilidade, e obter um limite de detecção em concentrações entre nanomolar e picomolar (CHOI et al, 2007; PERIASAMY et al, 2009). Nanopartículas, nanofios e nanotubos têm sido largamente aplicados em biodispositivos como nanomatrizes, nanobiossensores e sistemas microanalíticos (lab on a chip) (CHOI et al, 2007; WANG et al, 2009). Nanobiossensores são nanosensores usados para a detecção de materiais químicos ou biológicos. Esses sensores podem ser eletronicamente acoplados para responder à ligação de uma única molécula. Protótipos demonstraram detecção de ácidos nucléicos, proteínas e íons. Esses sensores podem operar em fase gasosa ou líquida e utilizam regimes de medição de baixa tensão, além de detectar ligantes diretamente, não havendo necessidade de marcadores caros e complicados, corantes fluorescentes e nem caros e grandes sistemas de detecção óptica. Isso faz com que esses sensores sejam baratos e portáteis, podendo ser aplicados em diversas situações para detecção e monitoramento (JAIN, 2007). 10 Os nanossensores incluem sensores com nanoporo único, sensores com sondas encapsuladas por incorporação biologicamente localizada (Pebble – probes encapsulated by biologically localized embedding), sensores SPR, sensores mecânicos usando nanocantilever, transístores de efeito de campo (FET – field-effect transistors) com nanofios de silício ou carbono e sensores com nanoeletrodos eletroquímicos (CHOI et al, 2007). 6.1 Nanomateriais Nanomateriais podem ser preparados utilizando-se diversos compostos, como metais, polímeros, carbono e componentes biológicos (DRBOHLAVOVA et al, 2009). São classificados como metálicos, semicondutores, magnéticos e baseados em carbono (WANG et al, 2009). Nanopartículas Metálicas –ouro (Au) e prata (Ag) – propriedade intrínseca: SPR. São partículas metálicas quase esféricas, que exibem interessante propriedade óptica. As ondas de luz que incidem nas nanopartículas metálicas podem produzir uma oscilação coletiva dos elétrons condutores em seu núcleo. Isso ocorre por meio do acoplamento de luz em uma forma ressonante para os elétrons livres no metal. Essas oscilações são chamadas “superfície de plasma” e são dependentes do tamanho e forma da nanopartícula, da constante dielétrica do meio e da distância entre as partículas. Nanopartículas de ouro estão entre as mais estudadas e utilizadas, devido à sua fácil preparação, estabilidade, funcionalização química da superfície bem estabelecida e propriedades óptico-eletrônicas únicas (WALKEY et al, 2009; WANG et al, 2009). Semicondutores – Chamados quantum dots, geralmente compostos por ZnS ou CdSe – propriedade intrínseca: fluorescência e luminescência. Os quantum dots (QD) ou, pontos quânticos, são cristais de tamanho nanométrico com, em média, 2 a 20 nm. Nessas dimensões, esses nanocristais são considerados eletronicamente zero-dimensionais e exibem um confinamento quântico nas três dimensões. São geralmente compostos de alguns milhões de átomos, mas apenas um pequeno número de elétrons (≤ 100) é livre (DRBOHLAVOVA et al, 2009; WALKEY et al, 2009; WANG et al, 2009). As vantagens dos QD sobre os corantes fluorescentes são diversas, incluindo um amplo espectro de absorção com um limite de emissão muito estreito, um alto rendimento quântico e uma resistência à fotodegradação e à degradação óptica ou química (ERICKSON et al, 2008). 11 Magnéticos – Exemplo: Fe3O4 – propriedade intrínseca: magnetismo. Nanopartículas magnéticas, como as de óxidos de ferro, possuem uma habilidade única de se moverem simplesmente pela influência de um campo magnético externo. Além de magnéticas, são não porosas e muito estáveis (WANG et al, 2009). As chamadas nanopartículas superparamagnéticas de óxido de ferro (SPIO) contêm um ou vários núcleos de óxido de ferro superparamagnético (magnetitas) suspensos em uma matriz não magnética. Esses núcleos consistem em um grão único ou um conjunto de grãos superparamagnéticos, os quais são magnetizados na presença de um campo magnético, alinhando seus pólos na direção do campo externo. Quando o campo é removido, os momentos magnéticos randomizam, de modo que a magnetização líquida do conjunto retorna a zero. Esse processo é chamado relaxação e resulta das relaxações Browniana e de Néel (ARRUDA et al, 2009; DEMAS; LOWERY, 2011). Baseados em carbono – Exemplo: fulereno e nanotubos de carbono (CNT) – propriedade intrínseca: condutividade e propriedades eletrônicas e mecânicas. Nanotubos de carbono são uma rede hexagonal de átomos de carbono, que podem ser vistos como uma ou mais camadas de folhas enroladas em um cilíndro com diâmetro em uma escala nanométrica. Seu comprimento varia de alguns micrômetros até centímetros, e pode ser de parede simples (SWCNT), de parede dupla (DWCNT) ou de parede múltipla (MWCNT). Suas propriedades permitem que ele interaja com alguns compostos orgânicos aromáticos, podendo ser usado na concepção de nanodispositivos com a ajuda de adsorção nãocovalente de enzimas e proteínas nas paredes laterais dos CNT, o que resulta em estruturas contendo unidades químicas e bioquímicas (LU et al, 2006; YOGESWARAN et al, 2008; WANG et al, 2009). Os biossensores baseados em CNT podem ser de primeira geração (baseados na detecção de H2O2 ou O2 envolvidos em reações enzimáticas), de segunda geração (por meio da utilização de um mediador de transferência de elétrons) ou de terceira geração (baseado na transferência direta de elétrons de enzimas ou proteínas) (GONG et al, 2005). 12 7 USOS/APLICAÇÕES 7.1 Detecção de microorganismos e toxinas – bioterrorismo e biossegurança Na área de biodefesa, os agentes biológicos são considerados mais difíceis de serem detectados e combatidos do que os agentes químicos. O interesse no desenvolvimento de novos biossensores tem sido largamente direcionado pelos recentes avanços relacionados à necessidade de se detectar e identificar rapidamente ameaças patogênicas (ERICKSON et al, 2008; LUI et al, 2009). Um sério problema é o risco de passageiros internacionais transportarem doenças infecciosas. Uma ferramenta para atenuar os riscos seria a detecção desses patógenos ainda dentro da aeronave, antes do desembarque de passageiros e tripulação. Um biossensor apropriado para uso em aeronaves comerciais precisa ter alta probabilidade de detecção e baixa probabilidade de falsos alarmes, ser capaz de detectar patógenos rapidamente e em concentrações não letais, ser relativamente barato para ser produzido em larga escala e ser compacto e leve (HWANG et al, 2011). Outro aspecto importante na biossegurança é a detecção de patógenos e toxinas em amostras de alimentos, amostras clínicas e ambientais. Utilizando uma célula potenciométrica baseada em um chip de silício, com grânulos paramagnéticos como portadores sólidos de sondas de DNA, Gabig-Ciminska et al (2004) detectaram células vegetativas e esporos de estirpes de Bacillus, com base em seus genes codificadores de toxinas, em amostras não purificadas de esporos e lisados celulares. Banerjee et al, em 2008, demonstraram ser possível a avaliação da citotoxicidade de microrganismos patogênicos, no caso Listeria e Bacillus, e suas toxinas, com a utilização de um hibridoma de células B de mamíferos imobilizado em uma matriz de colágeno. Os autores indicam haver um grande potencial na utilização de sensores baseados em células na detecção de patógenos e toxinas, segurança alimentar e toxicantes químicos. Também em 2008, Stratis-Cullum et al desenvolveram um imunossensor com sistema de detecção por quimioluminescência, que utilizou um teste como o ELISA (enzyme-linked immunosorbent assays) para amplificação do sinal, e que teve como alvo os esporos do Bacillus glogibii, uma espécie substituta do Bacillus anthracis. Em um teste de ELISA, imobiliza-se um anticorpo específico para o alvo desejado em um suporte ou plataforma, no qual se ligará o antígeno. Com a combinação de um método sensível com 13 baixo sinal de fundo (quimioluminescência) e de um amplificador de sinal (ELISA), foi demonstrada a detecção de 5x105 esporos. Já em 2009, McGovern et al fabricaram e examinaram três sensores piezoelétricos microcantilever para detectar in situ e em tempo real esporos do Bacillus anthracis em uma suspensão aquosa. Esses sensores consistiam de uma camada de zirconato de chumbo ligado a uma camada de vidro, com anticorpos anti-Bacillus anthracis imobilizados na superfície e apresentaram sensibilidade de detecção de 10 esporos/mL, especificidade de 1:1000 quando em suspensão com os interferentes Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeruginosa, e confiabilidade (MCGOVERN et al, 2009). 7.2 Câncer: detecção e tratamento Na tentativa de criar alternativas menos tóxicas para o tratamento do câncer, Papo et al (2003) criaram um peptídeo catiônico curto diastereomérico composto de D- e Lleucinas, lisinas e argininas, que possuem toxicidade seletiva para células cancerígenas e inibem significativamente a formação de metástase pulmonar em camundongos (86%), sem efeitos colaterais detectáveis. Com a utilização de um biossensor com uma bicamada lipídica aplicada sobre a superfície do chip, utilizando SPR para detectar mudanças em seu índice de refração, investigou-se o mecanismo de ação do peptídeo, sendo demonstrada sua alta seletividade para células cancerosas. O fator de crescimento endotelial vascular A (VEGF-A) é um regulador da angiogênese e estimula a vascularização em tumores sólidos. Seu nível sérico é um indicador útil da presença de um tumor e biossensores baseados em aptâmeros, por exemplo, podem ser utilizados para detectá-lo, o que favoreceria um diagnóstico mais efetivo (NONAKA et al, 2010). Já os nanodispositivos microfluídicos permitem um alto rendimento e uma análise muito eficiente de sequências gênicas, expandindo grandemente a habilidade para caracterização da composição genética e revolucionando a especificidade do diagnóstico e dos tratamentos. Nanomateriais que tenham ao menos uma dimensão menor que 100 nm são comparáveis em tamanho a muitas moléculas biológicas. Tais dimensões permitem que sejam incorporados às células para detecção por imagem tanto in vitro quanto in vivo, para mecanismos de entrega de drogas a alvos específicos e para o direcionamento de quimioterápicos para células tumorais (WANG, X. et al, 2009). 14 Chen et al (2010) utilizaram nanobastões de ouro (GNR) revestidos com multicamadas de polieletrólito como contraste óptico multifuncional para a detecção de células tumorais por imagem. A modificação na superfície dos GNR aumenta sua estabilidade química e facilita sua absorção por células do câncer por meio de interação eletrostática. O experimento comprovou que GNR modificados podem ser utilizados como agentes de contraste óptico para detecção por imagem in vitro de células de câncer, apresentando grande potencial para futura utilização in vivo. 7.3 Análise de fluidos biológicos Os testes atuais para glicose em pacientes diabéticos fazem um furo na pele para retirada de sangue, o que, além de causar dor e inconveniente, limita o monitoramento frequente de açúcar. Por isso, é bastante desejável o desenvolvimento e teste de um sensor para glicose que seja não invasivo, de baixo custo, portátil e sem fio. Uma das alternativas é testar a glicose utilizando-se o condensado do exalado pulmonar (EBC). Em 2010, Chu et al desenvolveram um dispositivo de integração nitreto de gálio-alumínio/nitreto de gálio (AlGaN/GaN) com transístores de alta mobilidade eletrônica (HEMT) baseado em sensores de pH, glicose e íons cloreto em um único chip. Para glicose, foi imobilizada a enzima glicose oxidase em nanobastões de óxido de zinco (ZnO). Apesar de a atividade da enzima glicose oxidase ser altamente dependente do pH da solução, e poder ser reduzida para 80% em pH de 5 a 6, em um tampão com pH de 7,4, o sensor apresentou uma resposta rápida (menos de 5 segundos) e foi capaz de detectar uma ampla faixa de concentrações, de 0,5 nM a 125 μM. Com o objetivo de criar um biossensor para medição de glicose que fosse insensível às variações de pH, Garrett et al (2008) desenvolveram uma proteína indicadora de glicose (GIP) com a união de uma proteína de ligação de glicose isolada de E. coli, uma proteína fluorescente ciano e uma proteína fluorescente amarela pH-insensível. O resultado foi medido pelo método FRET (fluorescence resonance energy transfer) e a resposta à glicose foi quase inalterada para pH de 7,3 a 5,3. Os autores sugerem o uso de seu biossensor na medição de glicose intracelular de maneira não invasiva, por meio dos níveis de glicose intersticial. Guarise et al desenvolveram, em 2006, um nanossensor baseado em colóides de ouro, para detectar duas proteases: a trombina, envolvida na coagulação sanguínea e 15 trombose, e o fator letal, um componente da toxina produzida pelo Bacillus anthracis. Os autores apontam que, apesar de não ser tão sensível quanto os métodos baseados em ELISA ou imuno-PCR, seu sensor possui sensibilidade comparável ou até melhor que aqueles baseados no método FRET e pode ser utilizado para análises preliminares de fluidos biológicos. Em outro estudo, utilizaram o tecido do cogumelo Agaricus bisporus como elemento de reconhecimento molecular para etanol em um biossensor por quimioluminescência com sistema de detecção FIA. O método foi utilizado para determinação de etanol em fluidos biológicos e bebidas, com resultados satisfatórios, apresentando resultados lineares na faixa de 0,001 a 2 mmol/L, com limite de detecção de 0,2 μmol/L (HUANG; WU, 2006). Em 2009, Laiwattanapaisal et al desenvolveram um sistema portátil on-chip para determinação de baixos níveis de albumina na urina, que se baseou em uma reação de imunoaglutinação, em que foi formado um complexo entre a albumina e anticorpos imobilizados em esferas de látex. O imunossensor consistiu de um sistema microfluídico de polidimetilsiloxano (PDMS), no qual foram inseridas amostras de urina diluídas e foi detectada a mudança ocorrida na absorbância após a imunoaglutinação por meio de um espectrômetro portátil miniatura de fibra óptica. O limite de detecção obtido foi 0,81 mg/L, o que, apesar de ser considerado bem abaixo de outros métodos, é suficiente para a detecção do estágio de microalbuminúria indicativo de nefropatia em pacientes diabéticos. Os autores consideraram o método de fácil manuseio, baixo custo, boa reprodutibilidade e total portabilidade para análises em campo (LAIWATTANAPAISAL et al, 2009). 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento e utilização de biossensores tem sido um importante avanço em diversas áreas. Cada vez mais, novas técnicas e materiais são testados e as possibilidades de aplicação aumentam. O uso de biossensores na detecção precoce e tratamento de câncer, por exemplo, será uma importante ferramenta para uso na medicina e no desenvolvimento de fármacos, pois, além de ser uma forma de tratamento menos invasiva e nociva ao paciente, a detecção precoce aumenta as chances de sucesso no tratamento. 16 Destaque também para o uso na detecção de armas químicas e, principalmente, biológicas, tanto em ambientes quanto em água, solo e alimentos. Como a detecção desses agentes é, em geral, demorada, o risco de contaminação torna-se maior. Nesse caso, os biossensores permitem uma análise em tempo real e in loco, o que favorece uma ação mais rápida e efetiva das autoridades no combate ao terrorismo. Entretanto, são necessários mais estudos relacionados à toxicidade desses novos materiais, tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana. Os nanomateriais, por exemplo, apresentam diversos metais pesados em sua composição que são conhecidamente tóxicos. Além disso, por seu tamanho reduzido, esses compostos interagem grandemente com o ambiente tanto externo quanto fisiológico. REFERÊNCIAS ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 6.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 576 p. AHAMMAD, A. J. Saleh; LEE, Jae-Joon; RAHMAN, Md. Aminur. Electrochemical Sensors Based on Carbon Nanotubes. Sensors, v.9, p.2289-2319, mar 2009. ARRUDA, D. L. et al. Microelectrical Sensors as Emerging Platforms for Protein Biomarker Detection in Point-of-care Diagnostics. 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