Processos Hidrológicos CST 318 / SER 456 Tema 10 – Ecohidrologia ANO 2016 Laura De Simone Borma Camilo Daleles Rennó http://www.dpi.inpe.br/~camilo/prochidr/ Evolução da hidrologia Início do século 20: foco no entendimento de alguns processos do ciclo da água trabalhos de Horton em infiltração, Darcy na água subterrânea, etc. evolução esparsa do conhecimento Meados do século até a década de 70 preocupação em obter vazões para projetos de obras hidráulicas – canaletas, tubulações, sistemas de drenagem e reservatórios Modelos de previsão chuva-vazão (tipo caixa-preta) Simplificações empíricas – o conhecimento do passado norteia as ações do futuro Décadas de 80 e 90 passou-se a verificar grande antropismo nas bacias e como eles interferiam na hidrologia e no comportamento dos ecossistemas, necessitando melhor conhecimento para controle e mitigação. Final do século Mudanças climáticas mostraram que o clima não é tão estável quanto supúnhamos, e que entre uma década e outra muita coisa pode mudar Ecohidrologia Ciclo hidrológico – descreve o movimento contínuo da água tanto acima quanto abaixo da superfície terrestre Esse fluxo é “mediado” pelos ecossistemas em inúmeros pontos. P.e.: Transpiração da floresta fornece grande parte do fluxo de água para a atmosfera, que retorna sob a forma de chuva A quantidade de água/sedimentos que atinge o lençol freático ou o corpo hídrico depende, dentre outros fatores, da cobertura vegetal Matas ripárias, áreas alagáveis, charcos, pântanos e planícies de inundação são sistemas de amortização de água, sedimentos, nutrientes e contaminantes Ecohidrologia Baseia-se no entendimento dos padrões espaciais e temporais da dinâmica da biota e da água, na escala de bacia Otimização da capacidade de absorção dos ecossistemas contra os impactos humanos Enfoque Ecohidrológico da UNESCO The Ecohydrology (EH) Concept developed within the framework of the UNESCO International Hydrological Programme IHP-V (Zalewski et ai, 1997) has been largely inspired by conclusions from the International Conference on Water and Environment (ICWE) held in Dublin in 1992. This conference highlighted the inadequacy of existing solutions in water management practices to achieve sustainability of water resources, as well as the need for new concepts and new solutions. Enfoque Ecohidrológico da UNESCO Restauração e manutenção dos padrões bem estabelecidos de circulação de água, nutrientes e energia em uma bacia - enfoque hidrológico Aumento da capacidade dos ecossistemas contra os impactos humanos por meio do gerenciamento dessa capacidade de acordo com as propriedades do ecossistema – enfoque ecológico Uso das propriedades dos ecossistemas como ferramenta de gestão de recursos hídricos – enfoque integrativo Componente chave – foco na solução do problema Resultados esperados • novo enfoque para a restauração das reservas hídricas e desenvolvimento sustentável • ferramenta adicional para gerenciar a degradação da paisagem Ecohidrologia Redução das fontes pontuais de poluição dependente da tecnologia, monitoramento e fortalecimento da legislação Redução dos impactos das fontes difusas de contaminação dependente da complexidade hierárquica dos processos ecológicos na bacia Hidrologia Zalewski, 2009 Biocenose Biocenose - conjunto de populações interdependentes de um mesmo ecossistema, que ocupam a mesma área natural durante um mesmo período de tempo e que dependem dos mesmos fatores ambientais Zalewski, 2009 Regulação dual Uso da biota para controle dos processos hidrológicos e vice-versa Prevê uma harmonização com as infraestruturas hídricas existentes e/ou planejadas Zalewski, 2009 Ecohidrologia Ecohidrologia – estudo dos sistemas terrestres e aquáticos Ecossistemas terrestres – florestas, desertos e savanas Interações entre a vegetação, superfície do terreno, zona vadosa e água subterrânea É necessário conhecer como a relação clima-solo-água-planta se relaciona em diferentes escalas de tempo e espaço, considerando a ação antrópica Ecossistemas aquáticos – rios, canais, lagos e áreas úmidas Como os aspectos hidrológicos, geomorfológicos e químicos afetam a estrutura e funcionamento dos ambientes aquáticos De que forma a zona de interface entre os sistemas terrestres e aquáticos atuam na purificação dos sistemas aquáticos (retenção de sedimentos, nutrientes em excesso e contaminantes) Ecossistemas terrestres • Clima e solo: geralmente considerados forçantes externas: – – • Dinâmica de água no solo: elemento chave na relação entre o comportamento da vegetação e o estresse hídrico: – – • Interação clima-solo-vegetação As características da precipitação afetam a umidade do solo. Os parâmetros do solo afetam a umidade do solo. A resposta da vegetação inclui fisiologia, fenologia, características do dossel, arquitetura das raízes. o estresse hídrico é um dos muitos fatores limitantes da fotossíntese. Grande parte do foco da ecohidrologia: ecossistemas terrestres com restrições na disponibilidade hídrica. – Nestes ecossistemas luz, nutrientes e oxigênio não são considerados as principais limitantes se comparadas à água. Biodiversidade e disponibilidade hídrica Disponibilidade hídrica – crescimento das plantas depende da disponibilidade de nutrientes Escassez hídrica – crescimento das plantas depende da disponibilidade de água clima Zalewski, 2010 Clima e ecossistemas Existem muitas evidências que indicam a forte relação entre clima e a distribuição de ecossistemas Biomes of tropical South America and precipitation seasonality Biomes of South America Tropical Forest-Savanna Boundary Tropical Forest Shrubland Savanna Annual Rainfall Number of consecutive months with less than 50 mm rainfall The importance of rainfall seasonality (short dry season) for maintaining tropical forests all over Amazonia Sombroek 2001, Ambio O equilíbrio dos ecossistemas Em sistemas com múltiplos estados estáveis, mudanças graduais podem ter efeitos desprezíveis, mas podem reduzir o tamanho da área de equilíbrio. Mudanças na resiliência tornam o ecossistema mais frágil, no sentido que pode se deslocar para um estado diferente por causa de eventos estocásticos. Essas flutuações estocásticas podem ser externas ou podem ser o resultado da dinâmica interna do sistema. Tipping points of the Earth System – Application to Amazônia Tropical forest Savanna state triggered by climate change or deforestation Tipping points: temperature, rainfall and deforestation area Stability of savanna enhanced by increased droughts and fires Cardoso and Borma, 2010 What are the likely biome changes in Tropical South America due to Global Warming scenarios of climate change? Environmental Drivers of Change Climate Change: CO2,temperature, rainfall Droughts Land Use Change Logging/Deforest Forest Fires Primary Drivers Secondary Drivers Ecosystem Responses Short term Long term “Secondarization ” Forest Degradation Tree Mortality Savannization/ forest dieback Borma and Nobre, 2010 Ecossistemas aquáticos “the ecohydrological approach can be a tool towards the sustainable use of aquatic resources by enhancement of the resistance, resilience and buffering capacity of fluvial corridors” (Zalewski et al. 1997) Hipótese os ecossistemas aquáticos contém sistemas de purificação de água intrínsecos Processos físicos, biológicos e químicos interagem de forma a manter a quantidade e qualidade da água dentro dos limites aceitáveis para a maioria dos organismos Sistemas de purificação Atuam ao longo de todo o canal São mais acentuados: Zonas ripárias Áreas úmidas (wetlands) – swamps, marshes and bogs (pântanos e charcos) – p.e. Pantanal Áreas de alagamento (floodplains) – terreno plano, ou aproximadamente plano, localizado às margens de um rio, altamente susceptível ao alagamento – p.e. planície de alagamento da Amazônia Matas ripárias Vegetação ripária em uma planície de alagamento Áreas de alagamento Floodplains - planícies de deposição ao longo das margens dos rios e canais que são sazonalmente ou esporadicamente alagáveis Áreas úmidas, pântanos, charcos Wetlands - Ficam saturadas praticamente o ano todo Zonas ripárias, wetlands and floodplains processos Possuem condições hidroecológicas que são distintas dos rios e canais, cada uma exibindo uma certa capacidade de tamponamento da água do rio contra os efeitos da contaminação a montante e dos eventos de cheia remoção de sedimentos, nutrientes, acidez e substâncias tóxicas do runoff Processos Sedimentação – diminuição da velocidade de escoamento (retenção de fosfatos e outros nutrientes) – mecanismo de longo prazo mais efeiciente Adsorção - nas partículas sólidas do solo Assimilação pelas plantas Desnitrificação Retenção de pesticidas – poucos estudos foram feitos Bacias naturais – esses sistemas estão localizados no caminho natural das águas Bacias antropizadas – sistemas como esses necessitam ser restaurados ou mesmo construídos, para auxiliar na purificação da água que atinge o sistema fluvial Ecohidrologia aquática Recuperação do funcionamento hidrológico: Erosão Infiltração Ciclagem de nutrientes Nitrogênio Fósforo MJ Waterloo Capacidade intrínseca de purificação Capacidade intrínseca de regular o fluxo (quantidade) e a qualidade da água que passa através deles Interações delicadas (físicas, químicas e biológicas) entre os organismos, a água e o solo (ou sedimentos); Fornecem resistência, resiliência e adaptabilidade ao ecossistema “bacia hidrográfica”, tornando-o capaz de: suportar distúrbios de pequena magnitude – tempestades, pequenos deslizamentos Se recuperar de eventos extremos menos freqüentes e de maior magnitude – furacões, grandes escorregamentos Constantemente adaptar-se às mudanças de curto e longo prazo das variáveis ambientais Capacidade intrínseca – ou IPS (Intrinsic Purification System´s – McLain, 200?) – “ferramentas” que podem ser utilizadas na gestão dos recursos hídricos, em junção com outras ferramentas tradionais Incorporados aos sistemas de Gestão Integrada de bacias hidrográficas Incorporados nas normas culturais e no “senso comum” da população Demonstração de projetos em Ecohidrologia São necessárias evidências para que a Ecohidrologia se configure como uma alternativa viável para a gestão dos recursos hídricos Lago Naivasha, Kenya Planície alagamento do alto rio Paraná Potencialidade das regiões tropicais Lago Naivasha, Kenya Degradação da bacia Desflorestamento nas cabeceiras Erosão intensa dos taludes mais inclinados no curso médio da bacia e perda de matas ripárias Retirada em excesso da água superficial e subterrânea Desmatamento para implantação de horticulturas em escala industrial (produção de flores) Destruição das margens pela população local – inchaço de cerca de 300 mil habitantes pela oferta de emprego na produção de flores – demanda excessiva por água para abastecimento e lançamento de esgotos NASA/GSFC/METI/ERSDAC/JAROS Lago Naivasha, Kenya Degradação do lago Condições ecológicas tem se deteriorado desde a década de 80 Vegetação ripária (Cyperus papyrus) que protegia lago da poluição difusa diminuiu de 60 km2 para menos de 10 km2 A água do lago é turbida, devido ao aumento do nível de nutrientes e aumento do fitoplancton Aspectos sócio econômicos Valor econômico do lago é derivado da horticultura, turismo e pesca Lago Naivasha, Kenya Ecohidrologia 1) reflorestamento das cabeceiras da bacia feito pela indústria da horticultura, para restaurar o runoff 2) Re-criação das matas ripárias com o papyrus na região do delta, contemplando projeto de novas áreas alagáveis para captura de nutrientes e sedimentos em diferentes regimes de descarga 3) Plantação de espécies nativas de crescimento rápido (Acácia) nas zonas ripárias para restauração da biodiversidade Lago Naivasha, Kenya Área alagável no Paraná, Brasil Problema ambiental Regime do rio alterado pela construção de 26 grandes reservatórios (> 100 km2) para produção de energia Redução da variabilidade natural do rio restrição da conectividade com a área alagável diminuição das trocas de águas e nutrientes e eutroficação Extração de areia e drenagem para plantio de arroz e pastos – degradação adicional da área alagável e instabilidade das margens Área alagável no Paraná, Brasil Ecohidrologia Elaboração de planos operacionais para a infraestrutura hidrotécnica de forma a manter o pulso de inundação próximo do regime natural do rio e melhorar a conectividade entre rio e planície de alagamento a jusante do reservatório Regime ótimo Garantir a produção de energia elétrica, considerando o ciclo ecológico, aumentando a disponibilidade de peixes e preservando a biodiversidade Serviços dos ecossistemas – garantem a obtenção de recursos por meio da pesca e do eco-turismo, restringindo as atividades danosas nas áreas alagáveis Manutenção da biodiversidade contribui para a construção da reserva da biosfera (MAB) no último trecho da bacia fluvial do Alto Paraná, Brasil Área alagável no Paraná, Brasil Ecohidrologia no gerenciamento de água em grandes bacias tropicais Problemas econômicos severos na maioria dos países tropicais dificultam a instalação de sistemas caros de fornecimento e tratamento de água Prioridade – áreas urbanas e áreas de escassez hídrica Demais áreas – sistemas de gerenciamento hídrico de baixo custo Devem fazer uso racional e complementar da capacidade de assimilação inerente aos ecossistemas Áreas que mantém as suas características hidrológicas (ciclo hidrológico natural) e geomorfológicas – mais apropriadas The Ecohydrological Approach as a Tool for Managing Water Quality in Large Tropical Rivers (McLain, 2010) Aplicação nas regiões tropicais Estudos dos processos tampão (buffering processes) nas zonas ripárias, zonas úmidas e áreas de alagamento nos trópicos são extremamente raros Ainda que limitadas, as pesquisas na Amazônia fornecem um melhor entendimento dos processos que ocorrem dentro dos rios tropicais Na bacia Amazônica, mais de 90% dos sedimentos transportados pelo rio se originam nos Andes. De cerca de 1.400 Mtyr-1 que entra no rio, 200 Mtyr-1, ou 14% do total são depositados na área alagável e dentro do canal (Dunne et al., 1998) Decréscimos dramáticos nas concentrações de nutrientes são observados nas regiões que atravessam a área alagável Em adição ao efeito de “limpeza” do rio, a área alagável funciona como habitat para as centenas de espécies de peixes amazônicos (Goulding et al., 1996) Aplicação nas regiões tropicais Williams et al. (1997) avaliaram, em uma pequena bacia da Amazônia central, os efeitos do desflorestamento nos recursos hídricos próximos NO3-, NH4+, Na+, Ca+, Ca2+, Mg2+, Cl-, SO42-, Al, Fe, Mn e COD (Carbono Orgânico Dissolvido) aumentaram em concentração na água do solo em uma parcela experimental derrubada e queimada O fluxo superficial, assim como a água dos rios, apresentou concentrações elevadas desses mesmos íons e tb de fósforo total dissolvido e nitrogenio total dissolvido, carbono inorgânico dissolvido e Si Reduções significativas de NO3- foram observadas nas águas superficiais e subterrâneas que atravessaram a zona ripária – o sedimento foi completamente retido nas zonas ripárias e foi somente nas áreas sem as matas ripárias que essas concentrações aumentaram (William & Melack, 1997) Ecohidrologia e mudanças globais Água no século 21: Fator primordial para o desenvolvimento sustentável Erradicação da pobreza Reversão da degradação dos ecossistemas Abordagem sistêmica da Ecohidrologia, atua através dos seguintes passos e ações: Diminuição da transferência de água da atmosfera para os oceanos – ação prioritária para reduzir a severidade das secas e enchentes – manutenção da cobertura vegetal Redução da eutrofização e poluição dos sistemas aquáticos – reversão da degradação do ecossistema e melhoria do bem estar do ser humano Harmonização do potencial dos ecossistemas com as necessidades da sociedade – Programa de Gestão Integrada dos Recursos Hídricos Zalewski, 2010 Ecohidrologia e gestão de recursos hídricos Enquanto intactos, esses componentes dos ecossistemas aumentam significativamente a tolerância do rio em relação aos distúrbios naturais e antrópicos McClain (2010) – IPS – Intrinsec Purification Systems Mas, como esses componentes naturais podem ser integrados oficialmente nas ações e políticas de gestão de recursos hidricos, e qual função realista eles deveriam ter nos planos de gestão? Novo conceito Bacia Hidrográfica: Sistema de infiltração e armazenamento de água da chuva Quaisquer atividades devem manter a capacidade de armazenamento de água da chuva em bacias e solos. Urbanização: •retirada de vegetação e do solo •revestimento do terreno com concreto e asfalto •Rejeição da água (escoar a água da chuva o mais rápido possível) Reruralização •Convivência com plantas, terra e água de chuva •Recuperar a vegetação, a terra e a água e viver em harmonia com elas A bacia não é Drainage basin, mas sim é Storage basin!