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Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Linguística
Curso: Verbo - Estrutura argumental e estrutura do evento
Professores: Ana Paula Scher e Julio William C. Barbosa
TEXTO: Parsons, T. (1990). Events in the Semantics of English: a study in subatomic semântics. Cambridge/Mass.,
MIT Press.
1. INTRODUÇÃO
 Proposta de uma semântica subatômica, em que a semântica de uma sentença como (1) requer pelo menos:
(1) Brutus apunhalou Cesar.
Para um evento e:
- e é apunhalar,
- o agente de e é Brutus,
- o objeto de e é César,
- e culminou em algum momento no passado
 A variável de evento é quantificada existencialmente. Essa quantificação sobre eventos é onipresente nas
línguas naturais.
 O que verbos denotam? Verbos, neste sentido, são similares a nomes comuns: nomeiam tipos de coisas.
Verbos nomeiam espécies de ações/estados, e assim como nomes comuns, podem ser quantificados e não
nomeiam coisas específicas.
 A proposta de Parsons apoia-se no trabalho de Davidson para explicar o comportamento dos modificadores.
 A formalização para a sentença (1) está expressa em (2):
(2) (∃e)[Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & Culminação (e, antes do presente)]
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DEFAULT VERBO
SUJEITO
OBJETO
TEMPO
- e é um evento quantificado existencial por default, na falta de uma quantificação explícita para o
evento;
- o verbo ‘apunhalar’ indica que o evento em questão é o evento de apunhalar;
- o sujeito/agente deste evento é Brutus;
- o objeto/tema deste evento é César;
- o tempo indica que o evento culminou no passado, ou seja, antes do momento presente.
 Para os casos de verbos inacusativos como ‘morrer’, Parsons assume que não há um agente, apenas um
tema.
(3)
a. Brutus morreu.
b. (∃e)[morrer(e) & Objeto(e, Brutus) & Culminação (e, antes do presente)]
 Esta formalização é complexa, se comparada à formalização lógica tradicional para (3): M(b), em que M
representa ‘morrer’ e b representa Brutus. No entanto, ela se justifica por fornecer uma explicação
adequada para os seguintes fenômenos:
- A lógica dos modificadores: relação de acarretamento entre ‘Brutus apunhalou Cesar nas costas’ e ‘Brutus
apunhalou César’, em que a primeira acarreta a segunda;
- A semântica das sentenças de percepção: ‘Agatha viu Brutus apunhalar Cesar’ e ‘Agatha viu Brutus
apunhalando César’;
- A semântica das causativas e incoativas: por que uma causativa acarreta uma incoativa (Maria vai abrir a
porta / A porta vai abrir)?
- Referências explícitas/implícitas a eventos: ‘O vôo do avião sobre a Noruega...’ e ‘O avião voou sobre a
Noruega’.
1
- Relação entre causativas e sentenças com eventos como sujeito: por que ‘O canto da Maria quebrou a
janela’ acarreta que ‘Maria quebrou a janela’?
 Por que ‘semântica subatômica? Na lógica, um átomo equivale a ‘x apunhalou y’. A partir deste átomo
constrói-se fórmulas mais complexos, não atômicas, usando quantificação, conectivos, subordinação.
Parsons chama sua semântica de subatômica porque divida a semântica de ‘x apunhalou y’ em partes
menores.
 A metodologia adotada primeiramente apresenta os dados a serem explicados e só ao final propõe
generalizações, ao contrário do que normalmente é feito na filosofia da linguagem. A teoria é proposta a
partir de uma linguagem formal, resultando em formas lógicas para as sentenças.
2. EVIDÊNCIAS EM FAVOR DE EVENTOS SUBJACENTES
 Objetivo do capítulo: analisar vários evidências em favor da hipótese de que há eventos subjacentes.
2.1 A primeira evidência: a lógica dos modificadores
 Vamos observar as relações de acarretamento entre as seguintes sentenças:
A. Brutus apunhalou César nas costas com uma faca.
B. Brutus apunhalou César nas costas.
C. Brutus apunhalou César com uma faca.
D. Brutus apunhalou César.
 A acarreta B, C e D. B acarreta D. C acarreta D.
A
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B&C
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D
 Agora vamos assumir as seguintes formas lógicas para as sentenças:
A’. ∃e [Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & em(e, costas) & com (e, faca)]
B’. ∃e [Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & em(e, costas)]
C’. ∃e [Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & com (e, faca)]
D’. ∃e [Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar)]
 Uma consequência bem vinda: a conjunção de B’ & C’ não acarreta A’. Os eventos da conjunção na precisam
ser necessariamente os mesmo, uma vez que pode haver dois eventos: um em que Brutus apunhala César
nas costas com uma espada e outro em quem Brutus apunhala César na coxa com uma faca.
 Problema potencial 1: ‘Mary nearly hit John’ não quer dizer que o evento foi ‘near’. Solução: ‘nearly é um
modificador de sentenças e a análise não se aplica a esses casos.
 Problema potencial 2: em ‘Mary pushed the door partway closed’, ‘partway’ não modifica o verbo e nem
sentença, mas o adjetivo ‘closed’. Solução: é um modificador de modificadores, e portanto também não se
encaixa na análise proposta acima.
2.2 A segunda evidência: a lógica das construções perceptuais
 Observemos as seguintes sentenças com verbos perceptuais:
A. Mary saw Brutus stab Ceasar.
B. Sam heard Mary shoot Bill.
C. Agatha felt the boat rock.
D. Mary saw that Brutus stabbed Ceasar.
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Curso: Verbo - Estrutura argumental e estrutura do evento
Professores: Ana Paula Scher e Julio William C. Barbosa
 A e D são logicamente independentes e diferentes. Para D, é possível que Mary tenha visto apenas o
resultado do evento e não o evento em si. É preciso explicar o que ocorre em A-C.
 Não se pode dizer que o objeto da percepção são os participantes:
(4) John felt Mary shuffle her feet. ⇏ John felt Mary & Mary shuffle her feet.
 Logo, Mary não pode ser o objeto do verbo ‘see’. Para isso Parsons propõe que o objeto dos verbos
perceptuais nestes casos é o evento. A forma lógica proposta para A é a seguinte:
(5) ∃e[Ver(e) & Suj(e,Mary) & ∃e’[Apunhalar(e’) & Suj(e’, Brutus) & Objeto (e’, Cesar) & Obj(e,e’)]]
2.3 Referência implícita e explícita a eventos
 Na sentença A há uma referência explícita a eventos e na sentença B um referência implícita:
A. After the singing of the Marseillaise they saluted the flag.
B. After the Marseillaise was sung, they saluted the flag.
 As sentenças parecem ter as mesmas condições de verdade. No entanto, possuem uma diferença: A
pressupõe que houve apenas um evento de cantar a Marseillaise.
 A análise de Parsons propõe uma solução baseada na ideia de que o verbo no gerúndio é semanticamente
um nome que designa um evento.
 As formas lógicas correspondentes são:
A’. ∃e[salute (e) & Suj(e,they) & Obj(e, the flag) & After (e, SM)]
em que SM é (the e’)(sing(e’) & Obj(e’, the M)
B’. ∃e[salute (e) & Suj(e,they) & Obj(e, the flag) & (∃e’)(sing, e’) & Obj(e’, the M) & After(e, e’)]
 Desta maneira, A acarreta B, mas B não acarreta A, o que é uma consequência desejável.
 Essa análise também fornece elementos para se analisar corretamente advérbios derivados de adjetivos
como no caso da sentença abaixo:
(5) They sang the Marseillaise quietly.
(6) The quiet singing of the Marseillaise...
 A ideia é que o adjetivo contribui para o significado da sentença tal qual o advérbio ‘quietly’.
2.4 Quantificação explícita de eventos
 De acordo com a lógica clássica, onde há referência, há também quantificação, o que sugere que é possível
testar se há quantificação implícita de evento ao procurar por quantificação explícita sobre eventos.
A. In every burning, oxygen is consumed.
B. Agatha burned the wood.
C. Oxygen was consumed.
3
 C é uma consequência lógica de A e B, mas se seguirmo a análise clássica para este tipo de sentenças, não há
quantificação em B ou C. No entanto, podemos perceber que a quantificação de ‘burning’ em A, está ligada a
B e C.
 As formas lógicas propostas para as sentenças são:
A’. (e)[burning(e) → (∃e’)[consuming(e’) & Obj(e’,O2) & In(e,e’)]]
B’. ∃e[burning(e) & Suj(e,Agatha) & Obj(e,wood)]
C’. ∃e’[consuming(e’) & Obj Obj(e’,O2)]
 Neste caso, C’ segue de A’ e B’ no cálculo de predicados.
2.5 Robustez
 Os exemplos apresentados mostram que a teoria dá conta de um bom número de fatos. Segundo Parsons,
cada evidência é importante, mas a maneira como todas elas interagem é mais importante ainda.
 A robustez da teoria se deve ao fato de ela dar conta de um bom número de dados em domínios
epistemológicos independentes.
3. ONTOLOGIA DO EVENTO E FORMA LÓGICA
3.1 Eventos, estados e processos
 Divisão do predicados: estados, processo e eventos. Eventos se subdividem em accomplishment e
achievement.
 A teoria assume que há coisas não linguísticas no mundo que correspondem a estes itens linguísticos: são as
eventualidades.
 Classificação quadripartite (Bach 1986):
‒ Eventos (accomplishments): ‘Agatha comeu um sanguíche’ - pode ter uma duração, têm culminação
definida. Pode-se fazer a pergunta “How long it took?” ou se o evento acabou.
‒ Eventos (achievements): ‘Ela ganhou a corrida’ - são instantâneos, por isso não faz sentido pergunta
“How long it took?”
‒ Estados: ‘O vestido é rosa’ - dura por diversas quantidades de tempo. Não faz sentido perguntar
“How long it took?” e nem se o estado culminou.
‒ Processos: ‘Maria correu’ - são acontecimentos sem um ponto final natural. São algumas vezes
chamados de ‘atividade’.
 Processos serão analisados como um tipo de evento.
3.2 Assunções ontológicas e formas lógicas
 Participantes: eventualidades têm participantes de vários tipos (agente, objeto, tema, experienciador). O
autor opta por usar apenas SUJEITO e OBJETO.
 Particulariadades de eventos e estados: os eventos representados nas sentenças são particulares e
diferentes um do outro. Não são um mesmo evento genérico.
 Culminação e duração: Accomplishments têm desenvolvimento (duração) e culminação. Achievements têm
culminação, mas não têm duração. Estados têm apenas duração. Processos serão discutidos no cap.
 Formas lógicas: as formas lógicas de culminação e duração são dadas em relação ao tempo.
Culminação: Cul(e,t)
Duração: Hold(e,t)
Universidade de São Paulo
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(7)
a. Mary knows Fred.
b. ∃e[knowing(e) & Suj(e, Mary) & Obj(e,Fred) & Hold(e, now)
(8)
a. Mary built the bookcase.
b. ∃e[building(e) & Suj(e, Mary) & Obj(e,the bookcase) & ∃t[t<now & Cul(e,t)
3.3 Tempo verbal e tempo
 Uma teoria sobre eventos deve tratar também de tempo, aspecto e modificadores temporais. Aqui Parsons
usará uma versão preliminar, mais simples.
 Tempo como operadores: PAST, FUT, PRES
(9)
a. PAST(∃e)[Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & Culminação (e)]
b. PRES(∃e)[Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & Culminação (e)]
c. FUT(∃e)[Apunhalar(e) & Agente (e, Brutus) & Objeto (e, Cesar) & Culminação (e)]
‒
‒
‒
Passado: É a culminação do evento que está no passado. Para estados, postular que a duração está
no passado levaria a crer que o estado não é mais verdade no presente, o que não pode ser
afirmado.
Presente: A forma lógica dá conta do uso “reportivo” do presente, que o autor considera mais
básico, e não o habitual/iterativo.
Futuro: O uso futuro de estados implica que ele não é verdade no presente, mas isso é apenas
implicatura pragmática e não precisa estar previsto pela forma lógica. O mesmo vale para a
implicação de que eventos com futuro ainda não começaram.
3.5 Estados, proposições e fatos
 Proposições: objetos de crença aparecem sempre quando há uma that-clause/whether-clause como
complemento do verbo ‘acreditar’, que criam contextos opacos. Há ambiguidade de dicto/de re.
 Fatos: são proposições verdadeiras.
 Estados: têm participantes únicos e correspondem unicamente a sentenças simples.
3.6 Testes para distinção entre categorias
 Sessão do texto dedicada a revisar os testes para distinguir os tipos de eventualidade em termos linguísticos
existentes na literatura (Ryle, 1949; Kenny,1963; Vendler, 1967; Dowty, 1979; Bach, 1981)
 Uso do progressivo: teste que divide accomplishments e processos de um lado e achievements e estados de
outros.
‒ Accomplishment: Sally is making a birdbath.
‒ Processo: Sally is running.
‒ Estado: *This book is being pink.
‒ Achievement: *Martha está alcançado o topo da montanha.
 Problema 1: alguns sentenças cópula, tidas como estados, aceitam o progressivo (Ex: John is being silly)
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 Discussão: Neste caso, ‘be’ se refere ao comportamento de John, sendo uma ação. Por isso, ao invés
de estado, seria classificada como processo ou accomplishment.
 Problema 2: Algumas sentenças de estado ocorrem no progressivo. (Ex: You will be waiting to turn right
at the next corner)
 Discussão: Embora ‘wait’siga o paradigma de um verbo de estado, aceita o progressivo. No entanto,
a versão no progresso tem um sentido distinto da versão não progressiva.
 Problema 3: Alguns verbos achievement normalmente ocorrem no progressivo. (Ex: She is winning)
 Discussão: pode haver dois verbos ‘win’ no vocabulário ou isto é uma indicação de que a distinção
entre as duas classes não é clara. Isso mostra que o testo do uso do progressivo é mais eficiente para
distinguir estados de eventos.
 How long?: distingue estados e processos de um lado e accomplishments e achievements de outro.
‒ Estado: OK - How long was the book pink?
‒ Processo: OK - How long did Mary run?
‒ Accomplishment: Ruim - How long did Mary make a birdbath?
‒ Achievement: Ruim - How long did Mary win the race?
***
‒ Estado: Ruim - How long did it take to the book to be pink?
‒ Processo: Ruim - How long did it take Mary to run?
‒ Accomplishment: OK - How long did it take Mary to make a birdbath?
‒ Achievement: OK - How long did it take Mary to win the race?
 Ocorrência em pseudo-clivadas: distingue estados de outras eventualidades.
‒ Estado: Ruim - What John did was know the answer.
‒ Processo: OK - What John did was run.
‒ Accomplishment: OK - What John did was make a birdbath.
‒ Achievement: OK - What John did was win the race.
 Progressivo acarreta o perfeito (vs. negação do perfeito): eventos satisfazem (a) e processos
satisfazem (b).
a. If x is V-ing then x has not V-ed
b. If x is V-ing then x has V-ed
i. Accomplishment: If x is building a birdbath, the x has not built a birdbath.
ii. Achievement: If x is reaching the summit then x has not reached the summit.
iii. Process: If x is running then x has run.
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