caderno técnico 0417 caderno técnico 417 TOMOGRAFIA NA PELOTIZAÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO Evolução da estrutura interna de pelotas em diferentes estágios de produção registrada por meio de tomografia computadorizada de raios X ABSTRACT X-Ray Computed Tomography technique was employed to characterize the inner structures from iron ore pellets during their production process. The present paper analyzes the selection of suitable machine parameters and the handling of the resultant 3D point clouds data. Changes in pellets inner structure along the production stages are also presented and briefly discussed. Diogo Cesar Borges Silva [email protected] Dafne Pereira da Silva [email protected] Sandra Lucia de Moraes [email protected] João Batista Ferreira Neto [email protected] Luciana Wasnievski da Silva de Luca Ramos [email protected] Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT A Tomografia Computadorizada por raios X (TCX) foi utilizada pela primeira vez na década de 1970 para realizar diagnósticos radiológicos, abrindo novas possibilidades de pesquisa para o campo da engenharia biomédica. Oferecendo imagens transversais nunca antes vistas do corpo humano, a TCX se tornou um componente essencial em clínicas e práticas médicas, em um grande número de diagnósticos e tratamentos. Avanços da tecnologia a tornaram adequada para outras aplicações, fora do campo da medicina. Quando empregada como ferramenta de inspeção, descontinuidades, rachaduras e vazios podem ser detectados, sem destruir a estrutura da amostra. Recentemente, a TCX tem sido empregada como técnica de metrologia industrial para o exame de geometrias internas e externas de peças de uma forma não destrutiva[1]. Muitos trabalhos foram publicados recentemente reportando os princípios relevantes da TCX para a Metrologia Dimensional, relacionados ao cálculo de incerteza, à rastreabilidade[2-3] e a potenciais aplicações[4]. Em geral, em um equipamento de TCX, a amostra é rotacionada dentro do campo de radiação de uma fonte de raios X, como mostrado na figura 1. A distribuição da radiação remanescente, após atravessar o objeto em estudo, é determinada por um detector e digitalmente armazenada como uma projeção. As projeções obtidas durante a completa rotação da amostra alimentam um algoritmo matemático que constrói um modelo volumétrico virtual 3D, também chamado de nuvem de pontos, que contém informações da estrutura interna e externa da amostra. set/out 2014 | VOLUME 70 | Revista ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO 418 caderno técnico Figura 1 | Princípio geral de operação de um equipamento de TCX com detector plano e fonte tipo cone A TCX é a seguir apresentada como ferramenta para o estudo da estrutura interna de um conjunto de dez pelotas de minério de ferro, produzidas com diferentes agentes aglomerantes. As pelotas foram tomografadas em três estágios do processo de produção (verde, seca e queimada), totalizando trinta tomografias. Informações como porosidade relativa e distribuição de densidade em cada um dos estágios de produção foram obtidas em função da seleção de parâmetros de medição da máquina de TCX e do tratamento dado às nuvens de ponto 3D resultantes. Pelotas de minério de ferro estão entre as principais matérias-primas utilizadas em siderurgia. Além de aumentar a produtividade dos altos fornos e de ser a principal matéria-prima para redução direta, as pelotas apresentam propriedades físico-químicas e metalúrgicas em conformidade com os processos industriais das usinas siderúrgicas integradas e com as plantas de redução direta. O processo de pelotização foi introduzido no Brasil por meio de um convênio da Vale (na época Companhia Vale do Rio Doce) com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT, na antiga Secção de Matérias-primas Siderúrgicas, atual Centro de Tecnologia em Metalurgia e Materiais. É essencialmente baseado na formação de pelotas “verdes” pelo rolamento dos finos do minério ou concentrado, previamente misturados com os aditivos (calcário, carvão) e o aglomerante. Após secagem as “pelotas secas” são sinterizadas, sendo então chamadas de “pelotas queimadas”. A avaliação das propriedades das pelotas é extremamente importante, visto que pelotas de minério de ferro de alta qualidade e alto teor aumentam significativamente a produção do alto-forno. Parâmetros que caracterizem as propriedades das pelotas têm sido objetos de intensivos Método e análise da tomografia estudos desde o princípio da pelotização. A porosidade, por exemplo, exerce grande influência na qualidade física e metalúrgica da pelota, afetando diretamente a resistência à compressão e redutibilidade nos fornos de redução e, consequentemente, na eficiência dos reatores. Neste contexto, a avaliação de estruturas internas de forma não-destrutiva, possível por meio de ferramentas como a TCX, vem trazer avanços significativos nesta área. A seleção adequada de parâmetros na TCX impacta diretamente no tempo necessário de varredura e, especialmente, na qualidade dos resultados. Tais parâmetros são descritos na tabela 1. Neste trabalho, para a melhor observação dos poros internos das pelotas e para que uma melhor qualidade de imagem fosse alcançada, alta resolução foi Tabela 1 | Descrição dos parâmetros de configuração de uma máquina de TCX Ampliação / Janela de medição: Define a posição relativa na qual a amostra é posicionada com o objetivo de alcançar1uma determinada ampliação. Quanto maiorde a ampliação, menor é de a janela demáquina medição e também menor é Tabela | Descrição dos parâmetros configuração uma de TCX Revista ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO | VOLUME 70 o nível de potência tolerado para que se obtenham imagens de alta qualidade, devido a limitações do ponto focal da fonte de raios X. Por diminuir a janela de medição, uma tomografia de alta resolução tende a aumentar o tempo total de varredura, de acordo com o tamanho da amostra. Corrente aplicada: Define a população de fótons produzida pela fonte de raios X. Maiores níveis de corrente podem aumentar o número de fótons passando através da amostra e chegando ao detector. Entretanto, demandam também mais potência, o que pode afetar a qualidade das imagens, devido a limitações do ponto focal da fonte de raios X. Tensão aplicada: Define a energia dos fótons produzidos pela fonte de raios X. Maiores níveis de tensão são necessários para varrer amostras de alta densidade e podem também aumentar o número de fótons passando através da amostra. Entretanto, podem levar a um maior consumo de potência, o que pode afetar a qualidade das imagens, devido a limitações do ponto focal da fonte de raios X. Tempo de exposição: Define o tempo em que o painel detector captura fótons para compor uma projeção. Maiores tempos de exposição podem diminuir a demanda de potência, mas aumentam o tempo total de varredura. Passo angular: Define o número de posições em que a máquina irá capturar uma projeção, durante a rotação da amostra. Um maior número de passos melhora a qualidade dos resultados, mas aumenta o tempo total de varredura. Média de imagens: Define o número de imagens que o algoritmo matemático deve considerar em cada posição para compor uma projeção. Um maior número de imagens pode melhorar a qualidade dos resultados, entretanto aumentará também o tempo total de varredura. Filtros: Sendo os raios X produzidos pela máquina definidos como uma onda eletromagnética polienergética, o posicionamento de uma placa de metal, ou outro material, à frente da fonte de raios X pode filtrar fótons de baixa energia, antes que estes atinjam a amostra. O uso de filtros pode controlar a população de fótons de baixa energia, que podem causar distorção nas imagens, permitindo o uso de mais potência, sem saturar o painel detector. | set/out 2014 caderno técnico 419 Tabela 2 |Setup de parâmetros comum, determinado para otimizar o tempo total das 30 tomografias realizadas Janela de medição 16 mm Corrente aplicada 84 µA Tensão aplicada 190 kV Tempo de exposição Passo angular Média de imagens Filtro Figura 2 | Curva de densidade, com cores atribuídas e uma função de transferência de opacidade definida para ocultar a presença do ar 2s 0,225o 2 imagens 1 mm de estanho necessária, limitando o uso de potência. Adicionalmente, sendo as diferenças de densidade interna de cada pelota também objeto de interesse, o conjunto de parâmetros deveria garantir que a diferença entre o pixel mais escuro e o mais claro, em cada projeção, fosse a maior possível, oferecendo um intervalo maior de informações relacionadas à variação de densidade das pelotas. Desse modo, a configuração a ser definida deveria atender simultaneamente aos requisitos de qualidade de imagem, de alta resolução e contraste de pixel. Determinação de um setup comum Usualmente, uma TCX requer um conjunto de parâmetros a ser determinado para cada amostra, pois estes dependem das características físicas da amostra e do resultado desejado. Testes preliminares com diferentes pelotas mostraram que, independentemente do aglomerante usado ou do estágio de produção avaliado, seria possível a determinação de um conjunto de parâmetros único para todas as pelotas. Desta forma, determinou-se um setup comum para as trinta tomografias realizadas, apresentado na tabela 2, minimizando o tempo total de análise. Considerando a máquina de TCX empregada nesse estudo e o conjunto de parâmetros descrito, o tamanho do voxel - definido como o tamanho do menor elemento distinguível de uma tomografia, quando representada na forma de imagem - tem seu valor contido no intervalo de 5 µm a 10 µm. Configurações de visualização da nuvem de pontos resultante Programas de computador especializados permitem a observação de uma curva de densidade, definida pelos valores de densidade contra o tamanho da população daquela densidade em particular, a partir de uma nuvem de pontos. Desta curva, é possível atribuir a cada grupo de densidade uma cor de visualização e uma função de transferência de opacidade. Assim, se uma configuração adequada é aplicada, o objeto pode ser observado com suas densidades ocultadas ou enfatizadas, conforme a necessidade de análise, oferecendo uma compreensão única da amostra. A figura 2 oferece um exemplo de curva de densidade de uma TCX, de uma pelota de minério de ferro, onde o programa de computador VGStudio MAX 2.1 foi utilizado. A opacidade referente à região que se sabe ser o ar tende a zero e as cores são selecionadas de modo a exibirem a distribuição de densidade dentro da pelota. A figura 3 mostra uma imagem obtida a partir dessa configuração. Figura 3 | Captura da tela do programa de computador, mostrando a renderização resultante a partir da curva, cores e função de transferência de opacidade, descritas na figura 2 set/out 2014 | VOLUME 70 | Revista ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO 420 caderno técnico Tabela 3 | Valores médios de porosidade relativa das pelotas em cada um dos estágios de produção Figura 4 | Observando as imagens I, II e III, é possível perceber diferenças na densidade e na distribuição da porosidade, seguindo o comportamento de trincas e poros ao longo do processo de produção da pelota “13 A” Porosidade (%) Pelota Verde Seca Queimada 01 A 17,06 11,49 21,06 02 A 6,79 7,17 18,85 03 A 8,37 7,20 13,47 04 A 8,10 9,41 20,37 05 A 8,05 9,83 27,47 06 A 10,45 13,03 14,57 07 A 7,74 8,79 17,20 08 A 8,41 9,41 19,83 12 A 8,99 10,79 28,65 13 A 8,38 9,84 34,65 ANÁLISE DE RESULTADOS Estrutura interna das pelotas ao longo do processo de produção A figura 4 apresenta imagens da pelota “13 A” em seus três estágios de produção. Cada cor representa uma faixa de densidade, tornando possível observar sua variação ao longo dos estágios. É também possível notar mudanças da porosidade da estrutura, observando as regiões em preto dentro da pelota, em cada imagem. Porosidade relativa Por meio do uso do programa de computador VGStudio MAX 2.1, em cada uma das nuvens de pontos resultantes das tomografias, a região da curva de densidade referente à pelota foi isolada. O algoritmo de cálculo de porosidade foi então aplicado a essa região isolada, sendo a linha de “background” posicionada na área da curva representando a menor densidade e a linha “material” para a área representando a maior densidade. A linha “iso-surface” foi posicionada no ponto médio do intervalo. Para cada nuvem de ponto, a porosidade foi calculada três vezes, sendo o maior desvio padrão encontrado inferior a 2 %. A tabela 3 e a figura 5 apresentam os valores médios de porosidade relativa, em cada um dos estágios de produção. Esses valores devem ser tratados de forma qualitativa, pois a comparação desses resultados com os de porosímetros tradicionalmente utilizados para essa análise ainda não foi concluída. É esperada uma diferença de resultados, devido a limitações de resolução da máquina de TCX empregada nesse estudo, onde poros menores que 5 µm não podem ser propriamente detectados, e poros que possuem comunicação com a superfície externa da pelota podem não ser considerados no cálculo. Densidade das estruturas internas A tabela 4 apresenta imagens de cortes transversais das nuvens de pontos 3D, correspondentes a cada pelota analisada nos estágios verde, seca e queimada, onde é possível observar variações de densidade, distribuição e tamanho de poros. A variação de cores observada nas imagens da tabela 4 é relacionada à densidade particular de cada uma das regiões. As cores indicam a densidade em ordem ascendente, partindo do azul (menores Figura 5 | Valores médios de porosidade relativa das pelotas em cada um dos estágios de produção Revista ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO | VOLUME 70 | set/out 2014 caderno técnico 421 densidades), para o verde, depois o amarelo, e então para o vermelho (maiores densidades), como indicado na figura 4. Pode-se notar que, em geral, as pelotas apresentam um aumento do número de regiões de maior densidade, identificadas pela cor vermelha, ao atingirem o estado de pelota queimada. Além disso, é possível verificar uma distribuição não uniforme dessas regiões de maior densidade entre as pelotas analisadas, como pode ser notado, por exemplo, ao se comparar as distribuições das pelotas “02 A” e “13 A”. É importante notar que as imagens observadas na tabela 4 não descrevem Tabela 4 | Imagens das trinta TCX realizadas, organizadas por pelota e estágio de produção de forma integral as variações de porosidade e densidade das pelotas, por se tratarem de um conjunto reduzido de imagens transversais, selecionados para exemplificar as possibilidades de análise. Para uma avaliação completa, uma análise das nuvens de pontos 3D em sua totalidade deve ser realizada, buscando observar variações de densidade e porosidade em direções transversais não contempladas pelas imagens da tabela 4. Considerações finais A TCX foi empregada para obtenção de imagens das estruturas internas de um conjunto de pelotas de minério de ferro, oferecendo informações qualitativas a respeito da porosidade e da distribuição de densidade de cada pelota. Os próximos passos incluem a comparação dos valores de porosidade com aqueles obtidos por porosímetros tradicionalmente utilizados para esse tipo de análise, ajuste de métodos e validação com maior amostragem. No IPT, o estudo do uso de agentes coloidais em pelotização de minério de ferro com o emprego da TCX como ferramenta de análise, é inédito. Este trabalho está em andamento e foi financiado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. n REFERÊNCIAS [1] Weckenmann, A., Krämer, P., “Application of computed tomography in manufacturing metrology”, Technisches Messen, 76 (2009), 7-8. [2] Kruth, J.P., Bartscher, M., Carmignato, S., Schmitt, R. De Chiffre, L., Weckenmann, A., “Computed tomography for dimensional metrology”, CIRP Annals - Manufacturing Technology, Volume 60, No. 2, Pages 821-842, 2011. [3] Schmitt, R., Niggemann, C., “Uncertainty in measurement for x-ray-computed tomography using calibrated work pieces”, Measurement Science and Technology, Vol. 21, 2010. [4] Salvo L., Cloetens P., Maire E., Zabler S., Blandin J.J., Buffiere J.Y., Ludwig W., Boller E., Bellet D., Josserond C., “X-ray micro-tomography an attractive characterisation technique in materials science”, Nuclear Instruments and Methods in Physics Research Section B: Beam Interactions with Materials and Atoms 200 (2003) 273–286. set/out 2014 | VOLUME 70 | Revista ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO