Todos aqueles que não se alistaram em guerras santas tem como

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Achadu ala ilaha ila Allah. Achadu ana Mohammad Rassululah (Testemunho
que não há outra divindade senão Deus. Testemunho que Maomé é seu
profeta mensageiro). Pronunciando este testemunho 3 vezes ante 2
testemunhas, podemos nos converter ao islamismo. Mas o que significa ser
um islâmico?
O islamismo nasceu quando o profeta Maomé “intuiu” o Alcorão. Os
ensinamentos de Allah (palavra árabe para Deus) estão contidos no Alcorão
(Qur'an, "recitação"). Os muçulmanos acreditam que Maomé recebeu esses
ensinamentos de Allah por intermédio do anjo Gabriel, através de
revelações que ocorreram entre 610 e 632 d.C. Maomé recitou essas
revelações aos seus companheiros, muitos dos quais se diz terem
memorizado e escrito no material que tinham à disposição.
Maomé estabeleceu não só uma nova religião, como também uma nova
organização política unificada na península Arábica, a qual logo após sua
morte, sob o subsequente domínio dos califas do Rashidun e Omíadas,
experimentou uma rápida expansão do poder árabe para muito além da
península, sob a forma de um vasto Império Árabe muçulmano.
Edward Gibbon escreveu em sua “História do Declínio e Queda do Império
Romano”, um dos maiores tratados da história das civilizações:
Sob os últimos Omíadas, o Império Árabe estendia-se por uma jornada de
duzentos dias do leste para o oeste, dos confins da Tartária e Índia até as
praias do Oceano Atlântico. [...] Em vão buscaríamos a união indissolúvel e
a obediência fácil disseminados no governo de Augusto e dos Antoninos;
mas o progresso do Islã difundiu por este amplo espaço uma semelhança
generalizada de modos e opiniões. A língua e as leis do Qu'ran eram
estudadas com igual devoção em Samarcanda e Sevilha: os mouros e os
hindus abraçavam-se como conterrâneos e irmãos em peregrinação à Meca;
e a língua árabe era adotada como idioma popular em todas as províncias a
oeste do rio Tigre.
O islamismo talvez tenha atingido seu ápice quando Al-Andalus, ou a
“colonização” islâmica da Península Ibérica, viveu seus dias de paz e
ecumenismo, onde quase todas as grandes culturas da história estiveram
reunidas. A população de Al-Andalus era muito heterogênea e constituída
por árabes e berberes (uns e outros muçulmanos), moçárabes (os hispanogodos que, sob o domínio muçulmano conservaram a religião cristã), e
judeus. Para além destes existia outro grupo, os muladis, que eram os
cristãos que se tinham convertido ao islamismo. Os moçárabes e judeus,
apesar de algumas restrições, tinham liberdade de culto, e se mantiveram
integrados as cidades islâmicas, o que resultou em um período de vivência
pacífica e ecumênica sem precedentes na história.
Abd ar-Rahman II foi um dos primeiros governantes que se esforçou por
converter a sua corte em Córdoba num centro de cultura e sabedoria, tendo
recrutado com esse objetivo vários sábios do mundo islâmico. Essa
integração pacífica de culturas e religiões diversas resultou em inúmeros
legados artísticos e científicos. Principalmente na arquitetura, que até hoje
pode ser admirada em partes da Espanha onde as mesquitas
permaneceram intactas, e na matemática, particularmente pela
disseminação do conceito do número zero – de origem hindu – pelo
Ocidente.
Entretanto, foram os próprios islâmicos ortodoxos quem trataram de
destruir sua “Meca” das artes e ciências. Insatisfeitos com a convivências
harmoniosa entre muçulmanos e não-muçulmanos, enfraqueceram AlAndalus o suficiente para que, ironicamente, fosse reconquistada pelos
cristãos até o fim do século XV. Depois, as Cruzadas e todas essas guerras
inúteis, que são proclamadas “em nome de Deus”, mas que obviamente
servem apenas para que reis e califas conquistem e re-conquistem
territórios e poder econômico.
Alguns creem que o passado é uma nação estrangeira, mas este precioso
mito das nações sempre foi um poderoso aliado para que os reis, califas e
ditadores pudessem manter seu próprio povo sob rédeas curtas – rédeas
para a mente. Desde a derrocada de Al-Andalus (e, de certa forma, desde a
morte de Maomé e da divisão entre muçulmanos xiitas e sunitas), o grande
Império Árabe descrito por Gibbons tem somente se dividido e
enfraquecido.
O Pan-islamismo é um movimento político que evoca a unidade dos Estados
islâmicos, cujas raízes se situam em Jamal al-Din al-Afghani, divulgador de
ideais pan-islâmicos no mundo árabe. Ele possuía uma visão romântica da
história do povo árabe e marcada por um profundo pensamento antiiluminista, renegando as ideias de Jean Jacques Rousseau e François
Voltaire, por exemplo.
Em 1969, o revolucionário Muammar Gadafi tomou o poder na Líbia através
de um golpe de estado. Na qualidade de presidente do conselho da
revolução, nacionalizou a indústria do petróleo e converteu-se no primeiro
representante do pan-islamismo. Gadafi fechou as danceterias, bordéis e
bares trazidos pelos americanos, impondo a toda Líbia respeito aos
preceitos e morais do islamismo, proibiu a exportação de petróleo para os
EUA e confiscou propriedades internacionais. A Líbia tornou-se então, por
décadas, um exemplo vivo da decadência do islamismo, um exemplo que
refletia-se em ditaduras simulares por toda a região do Oriente Médio.
Apesar das condições de não-liberdade a que submetia seu próprio povo,
em sua loucura Gadafi aparentemente acreditava que o islamismo ainda iria
dominar novamente a Europa. Toda a reestruturação do Império Árabe,
assim como o novo avanço sobre o continente europeu, se daria por um
mecanismo tão antigo quanto o ser humano, a natalidade:
Há sinais de que Allah garantirá vitória ao Islã na Europa sem espadas, sem
armas, sem conquistas. Não precisaremos de terroristas ou bombas
homicidas. Os mais de 50 milhões de muçulmanos na Europa a
transformarão em um continente islâmico em poucas décadas.
Teria ele razão? Sim e não.
De fato, o crescimento do islamismo é exponencial. Durante séculos, o
catolicismo desfrutou o privilégio de ser a religião com o maior número de
fiéis. Já não é assim. Em 2008, o monsenhor Vittorio Formenti, que trabalha
na edição do relatório anual de estatísticas do Vaticano, revelou ao
L’Osservatore Romano, órgão oficial da Igreja, que atualmente há 1,3
bilhão de muçulmanos no mundo e apenas 1,1 bilhão de católicos. O futuro,
de todo modo, favorece os seguidores de Maomé. No ritmo atual de
expansão do islamismo, em menos de vinte anos os muçulmanos serão
30% da humanidade. O número de católicos então representará 16,7% da
população mundial e os cristãos serão 25%.
A despeito do desespero de certos cristãos ante tal situação, fato é que a
taxa de natalidade fará com que os muçulmanos continuem em crescimento
avançado... Mas será que isso bastará para que o pan-islamismo declare-se
vitorioso na Europa?
Ora, o alto índice de fertilidade tem a ver com o papel subalterno da mulher
e a valorização da família numerosa na sociedade islâmica. Mas as
condições socioeconômicas influenciam tanto quanto as normas religiosas.
Em mais da metade dos países com maioria muçulmana, o PIB per capita
está abaixo de mil dólares anuais. Isso equivale a um quarto da renda
brasileira. Países pobres, famílias maiores. Um temor crescente entre os
países europeus é ter sua identidade cultural – marcadamente cristã –
ameaçada pelo crescimento da população muçulmana. Na França,
imigrantes islâmicos e seus descendentes representam 10% da população.
Entre os jovens franceses, o porcentual de muçulmanos sobe para 30%.
Sim, ao que tudo indica Gadafi estava correto quanto ao crescimento do
expoente islâmico na Europa. O que ele não contava é que isso não
garantiria um Império Árabe unificado, nem na Europa nem na própria terra
de Maomé, a começar pelo seu próprio país...
Amparados pelas riquezas do outro negro, o petróleo que existe em
abundâncias (por enquanto) em diversas regiões do Oriente Médio, os
ditadores, reis e califas mantiveram-se no poder, sob o discurso religioso de
um Império Árabe unificado. Mas ao longo dos anos, a despeito de suas
restrições a qualquer liberdade de pensamento contrário ou oposição
política, esqueceram-se que um Império se faz também para seu próprio
povo, e não única e exclusivamente para o benefício de algumas elites
governantes.
Com o advento da internet e das redes sociais, tornou-se cada vez mais
complexo para ditadores como Gadafi impedirem que as vozes contrárias e
insatisfeitas se reunissem e ganhassem força juntas... Ainda mais quando
os insatisfeitos, os pobres e miseráveis, se tornam a grande maioria da
população jovem.
No fim, a estratégia dos ditadores pan-islâmicos virou-se contra eles
próprios: a taxa de natalidade provocará o seu fim. O novo sempre vem, e
não há Império que resista ao pensamento de um povo oprimido, quando
este conquista sua liberdade – a liberdade de pensar e se comunicar.
Dessa forma, ironicamente através dos avanços da modernidade que se
devem também as grandes contribuições científicas de Al-Andalus, o povo
islâmico uma vez mais chegou à conclusão que sempre ocasionou a
derrocada dos grandes impérios: sim, a nação é um mito, o passado é uma
nação estrangeira, e o único país que existe é o país de todos nós, seres
livres em busca de sua felicidade.
O ano de 2011 começou com o advento das revoltas de populações em
diversos países árabes. Obviamente cada país tem o governo e a política
que merece, mas é impossível não notar que este contágio de liberdade,
disseminado pelas redes de internet, é tão somente a hecatombe de um
processo até mesmo inevitável – não há como manter um povo longe de
sua liberdade por muito tempo, e os próprios textos sagrados denotam isso
muito bem. A história se repete, em um novo tempo, em um novo contexto,
mas ainda assim se repete – o novo sempre vem.
Neste processo, uma imagem é tão marcante que resumirá muito bem onde
o pan-islamismo estava errado... Durante os protestos no Egito, que
culminaram com a renúncia de seu então ditador, milhares de
manifestantes de reuniram na Praça Tahir (“da libertação”), no Cairo, para
um protesto na maior parte do tempo pacífico. Ainda assim, durante o
Salat, um dos 5 períodos de oração diários do islamismo, pudemos ver os
muçulmanos ajoelhando-se em direção a Meca, enquanto o restante dos
manifestantes, aparentemente não-islâmicos, permanecia de pé.
Esta imagem é marcante porque demonstra claramente que uma crença
religioso não é nem nunca foi motivo para que seres acreditassem que
deveriam viver separados, ou como inimigos.
Ser islâmico é submeter-se a Allah, e talvez nesta submissão as palavras
ditadas pelo anjo Gabriel devam ser seguidas acima de todas as outras. Mas
em nenhum momento Gabriel afirmou que os não-islâmicos eram inimigos,
ou que mereciam morrer – ainda que se recusassem a se converter ao Islã.
De nada adiante tentar converter aos outros pela força, o máximo que
conseguiremos, nesse caso, foi o que os últimos 2 mil anos nos
demonstraram: ora conquista-se este ou aquele território, ora os perdemos
novamente; ora oprimimos a liberdade deste ou daquele povo, ora todo
povo readquire sua liberdade, ou é extinto; ora matamos, ora morremos,
mas o novo sempre vem.
E a verdade derradeira é aquela que sempre populou as mentes dos
verdadeiros profetas, dos místicos, dos poetas, dos seres amorosos, dos
sábios: somos tolos por fazer guerra a nossos irmãos.
Al-Andalus foi resultado da conquista, mas não da guerra. Após as
desavenças iniciais, eis que as três religiões fontes de tantos conflitos
mundiais puderam conviver em harmonia por breves períodos de glorioso
ecumenismo cultural, artístico, filosófico, científico, e até mesmo religioso.
Queira Deus, queira Allah, que da reconquista de sua liberdade perdida, o
povo muçulmano se reúna não em um novo Império Árabe, que em verdade
nunca foi totalmente unido, mas em uma Nova Andalus, um novo país além
de tantas nações ilusórias, um país de almas afins, que não necessitará de
guerras santas para se afirmar – mas apenas da única submissão que
sempre nos será a mais cara das conquistas, a submissão ao amor.
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