Recursos naturais como bens dadivosos? Paulo Rosa Conrad Rodrigues Rosa Faz-se necessário abrir uma discussão sobre Natureza e Patrimônio, principalmente nesse momento em que o Brasil desponta no seio da globalização como um país emergente, tanto em nível de produção como de consumo perpassando as tecnologias de alto desempenho na comunicação e informação. Penetrar no mundo real com os olhos da teoria está ficando cada vez mais próximo das pessoas que buscam o conhecimento. No entanto, antes de ir ao mundo das coisas, que é o mundo dos fenômenos será necessário um passeio pelo universo semântico que abastece o conceito Patrimônio cujo resultado é a Riqueza. A busca pela Riqueza requer a compreensão do conceito de Bem e Coisa. A Coisa é o que existe por si só, ou seja, é o que é espontâneo, logo natural ou a natureza propriamente dita. Esta situação pode ser vista como sendo algo oriundo das “dádivas”, pois nessa visão é o Celestial quem provê. Ledo engano! Muitas Coisas estão acabando pela conceituação de que as Coisas são recursos, ora econômicos ora políticos. A Coisa quando vista como recurso torna-se um Bem útil sendo este capaz de satisfazer uma necessidade econômica (satisfação pessoal ou formação de capital) e também política (para satisfação da necessidade coletiva ou pessoal, neste último caso quando satisfaz ao ego do gestor ou do legislador). O olhar geográfico que não pontua uma Coisa, mas sim muitas outras, este olhar é denotado a partir de inventários cuja região encontra-se no tempo presente não desconsiderando o tempo passado (história natural ou social). Na paisagem natural regional os elementos que mais nos saltam aos olhos, normalmente são o relevo e a vegetação, ou seja, Coisas que se estabeleceram de forma espontânea e ali vão se ajustando com o tempo geológico, histórico e explicado pela geomorfologia, pela geoeconomia e pela geopolítica. A região litorânea paraibana pode ser vista então como uma Coisa, que em muitos momentos se transformou em Bens, Riqueza e, consequentemente, em Patrimônio. Essa situação pode ser vista de várias formas com nuances diversas, mas vamos nos deter na relação planície costeira e o mar, ou seja a Coisa pela Coisa. A planície costeira compreende a zona de praia indo até onde houve deposições de sedimentos em tempos remotos (em torno de 3 a 4 mil anos, segundo literatura especializada). O mar para nossa compreensão deverá ser visto a partir dos elementos maré, correntes marítimas e pelas ondas. Estamos entrando cada vez mais numa aventura em busca da compreensão e do conhecimento e quem nos leva para esse lugar virtual são as palavras, “verdadeiras carruagens de fogo”, depois poderemos caminhar no mundo das coisas. Olhar o litoral e percebê-lo como uma paisagem que se descortina aos nossos olhos é podermos lhe atribuir o sentido e o valor que mais nos interessam. Assim sendo essa paisagem, que é uma Coisa, pode se tornar um Bem, um recurso gerador de Patrimônio podendo gerar medo e pânico diante do que está posto como vulnerabilidades propensas aos desastres. Discutem-se mundialmente as mudanças climáticas no Planeta como se fosse um fato que ainda não aconteceu na história da Terra. O clima já mudou antes por diversas vezes. Isso se deu nos resfriamentos que ocorreram no Planeta fazendo com que o oceano baixasse seu nível, pois a água ficou congelada nos pontos extremos da Terra. Depois houve o degelo e o oceano encheu de novo, nesse caso chegou a pontos bem mais elevados que se encontra agora. Podemos observar como os vestígios dessa subida do mar os depósitos de areia que existem sobre alguns tabuleiros costeiros, principalmente onde existem vales fluviais (Figura 1). Na Paraíba não existem estudos contundentes sobre essa história natural. Faltam recursos financeiros para os pesquisadores que se apresentaram ao Ministério da Ciência e Tecnologia para essa empreitada, também não ouve interesse por parte do governo federal em financiar a busca desse conhecimento de forma científica, porém nada impede que se ensaie, porém com o rigor do método. Recifes Ciclovia Praça de Iemanjá Ponta do Seixas Tabuleiros arenosas e encostas Figura 1 – Ponta do Seixas e a enseada do Cabo Branco A praia é o resultado da acumulação de areia, ora posta e ora retirada, porém numa contabilidade simples da economia na natureza, pode-se ver que quando a areia, oriunda do continente pela ação das chuvas no continente vão arrastando esse material para os lugares de relevo inferior. Esses materiais vão sendo deslocados para o rio e depois para o mar. O mar recebe o material arenoso e a partir de seus agentes (marés, correntes e ondas) ora movimenta ora deposita assim a planície se amplia ou encurta. Ao olhar desavisado, a Ponta do Seixas que tinha sido apropriada pela Palhoça do Seixas, esta não existe mais. A Palhoça foi a primeira edificação comercial naquele lugar hoje só há um espaço vazio, pois a palhoça foi levada pelo mar (Figuras 2, 3 e 4 abaixo). Figura 2 – Palhoça do Seixas, edificação Figura 3 – A Edificação da Palhoça do Seixas comercial isolada em1990 sendo degradada pelo mar em2005 Em 2006, o fenômeno erosivo continuou degradando outras edificações como a Praça de Iemanjá e a ciclovia imediatamente à Praça (Figura 5 e 6). A maré Espaço onde ficava a Palhoça do Seixas e mais outras duas que foram degradadas pelo mar em 2006 Figura 4 – O vazio que ficou quando o mar levou a edificação da Palhoça do Seixas - 2009 nesses anos chegou a 2.8m, essa foi uma situação que no intervalo de 3 anos (2005/06 e07) sucedeu-se (17 vezes) de forma concentrada entre os meses de fevereiro a abril, com maior concentração em março e depois nos meses de agosto, setembro e outubro. As marés 2.7, que também são bem altas, nesse mesmo ano ocorreram mais 43 vezes. Figura 5 - Praça de Iemanjá degradada pelo Figura 6 - Ciclovia na enseada degradada mar – data 05/04/2008 pela ação do mar – data 27/01/2006 Conforme já foi anunciado o fenômeno maré conjugado às ondas e às correntes tem uma ação degradadora. Ficou bem nítida essa situação, com as edificações sendo demolidas por ação marinha. O mar sobe a encosta praieira sem problemas tendo como agente impulsionador a maré e o vento que produz as ondas, e assim vai remodelando o litoral. A ação da corrente que, ora põe areia ora tira é outro agente. Se tiver areia a Corrente marinha a arrasta e a deposita na praia se não tem retira de outro lugar (Figuras 7 e 8). Figura 7 – O mar subindo a encosta Figura 8 – A lixeira não resistiu a ação do mar. Como se vê o patrimônio está sendo degradado, não me refiro aqui a lixeira, este é um Bem que já foi Coisa, mas a referência é a praia enquanto Coisa que já se tornou um Bem de sustentação ao entretenimento dos banhistas que se utilizam do lugar para suas horas de lazer. As praias estão diminuindo? Sim, tanto em extensão horizontal quanto em estoque de areia no sentido vertical. As praias estão perdendo sedimentos e, por isso, estão ficando mais baixas, submergindo diante de qualquer maré mais alta, restando apenas aquelas que são povoadas por vegetação que auxiliam as dunas a resistirem (Figura 9). Por que o estoque de areia está diminuindo nas praias? Esse é um fato que se relaciona a intervenção humana em provocar a retenção dos sedimentos arenosos. Num primeiro momento, nas barragens de açudes noutro, na construção de gabiões, como é o caso de inúmeros estendidos ao longo das praias, um deles, mais marcante, é o hotel Tambaú (Figura 10) em que a edificação retém os sedimentos de um lado, no outro a perda. Desnível que denota a perda de sedimentos na zona de praia e pós-praia Figura 9 – O rebaixamento da linha de praia (Manaíra março de 2009) Figura 10 – O hotel Tambaú como gabião de retenção de areia num lado e vazio do outro. Acessado em 17/03/2009 - http://www.ecotabatinga.com.br/galeria/IMGP6865.JPG A partir dessas situações pode-se dizer que as praias enquanto Coisa são muito dinâmicas e funcionam como um lugar de estocagem de areia e esse estoque acabam por formar um patrimônio. Olhando esse patrimônio de forma contábil, se não houver reposição a tendência será a diminuição e dependendo da velocidade da retirada logo se perceberá a perda. A areia é, pois, o resultado da relação clima com estrutura de relevo com vegetação. Enquanto a chuva lava as superfícies do relevo e retira os sedimentos das encostas, levando-os para os rios e este para o mar, se o trajeto for interrompido, os sedimentos aí ficarão estocados, como é o caso do fundo dos açudes que não chega mais ao mar. Edificações para conter o “avanço do mar” são meros paliativos, pois, se houver o degelo tão anunciado pelos cientistas para os próximos 50/100 anos, o mar inevitavelmente irá entrar muito na área de planície e atingirá algumas falésias inativas, porém são essas falésias irão conter o adentramento do mar, como é o caso do Cabo Branco que ainda é uma falésia ativa, logo não recuada em relação a ação marinha, isso é o que demonstra a superposição de imagens nas últimas três décadas. As praias estavam se enchendo de areia, crescendo e empurrando o mar, ou seja, aumentando o continente. Hoje a situação está inversa o mar está tirando a areia e entrando no continente.