ANÁLISE DOS CONTEÚDOS GEOGRÁFICOS DA OBRA CAPITÃES

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ANÁLISE DOS CONTEÚDOS GEOGRÁFICOS
DA OBRA CAPITÃES DA AREIA DE JORGE AMADO
Lais Nascimento Uehbe
Orientador: Prof. Fabio Betioli Contel
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
[email protected]
Resumo
A pesquisa teve como objetivo analisar os conteúdos geográficos presentes na obra Capitães da Areia do
escritor Jorge Amado. Através da análise geográfica do romance, conseguimos traçar interfaces entre os
espaços vividos e sua representação, e mostrar como o espaço romanesco se encontra com o espaço
concreto da cidade. Dessa forma, a análise dos conteúdos geográficos nos permitiu trabalhar a relação
existente entre Geografia e Literatura e resgatar conceitos geográficos como “lugar”, “paisagem” e “espaço”,
presentes em uma obra literária.
Palavras Chaves: Geografia e literatura, Conteúdos Geográficos, Jorge Amado.
Abstract
This research aims to analyze the geographical content of the book Captains of the Sands, written by Jorge
Amado. Throughout the novel’s geographical analysis, we could trace interfaces between everyday space
and their representation and show how the novel’s space meets the city’s concrete space. Thus, we draw
some parallels between Geography and Literature and we also try to work with some geographical concepts
like “place”, “landscape” and “space” present in the literary work.
Key words: Geography and Literature, Geographical contents, Jorge Amado.
SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP
Introdução
A busca de conteúdos geográficos em obras romanescas, o diálogo entre Geografia e Literatura, o encontro
entre a literatura e a ciência nos leva a uma reflexão acerca das fronteiras entre as distintas formas de
saber e o conhecimento. Carlos Fuentes (2007), em sua obra Geografia do Romance, nos coloca a seguinte
questão: “O que é a imaginação senão a transformação da experiência em conhecimento?” Ainda segundo
o autor, a literatura em todos os seus gêneros, produz uma espécie de conhecimento que cientista nenhum
produz. Não o conhecimento objetivo, colado tal como uma descrição ou reprodução de um lugar, mas um
conhecimento criativo, que estimula o pensamento e a imaginação que, na literatura, é o nome do
conhecimento (FUENTES, 2007).
Segundo Maria Geralda de Almeida (2010), existem literaturas geográficas que são obras de geógrafos no
exercício de seu labor; e existem as outras literaturas de interesse geográfico, frutos de intenções criativas,
nas quais o geógrafo-cientista aflora de modo indireto, como parte de uma ficção, do imaginário, de uma
sensibilidade do autor para ler a paisagem, o lugar e o mundo. Ainda de acordo com a autora, são
justamente esses aportes literários que retificam o fato de que em cada realidade geográfica “convivem
sempre uma dimensão real e outra percebida” (ALMEIDA, 2010, p.4) e que esta última é aquela que dá o
componente conotativo que acaba sendo, também, “parte inseparável da mencionada realidade”.
Partindo destas considerações iniciais, a literatura consegue ampliar visões e permite diferentes percepções
e interpretações acerca de uma mesma realidade. O professor Carlos Augusto Figueiredo Monteiro defende
ideias como esta em seu livro O mapa e a Trama (2002). Para o autor, por mais tabelas, dados e
comprovações científicas que uma análise geográfica possa fornecer, haverá uma possibilidade para que,
um escritor, com outros recursos, tenha o poder de criar uma “realidade infinita”, ainda que “ficcional”, sendo
que o imaginário, mítico, metafísico, não substitua o “real”. Mas é muito provável que isso venha “iluminar” e
ampliar a percepção de conteúdos geográficos em obras literárias.
É importante destacar que a busca de “conteúdos geográficos” em obras literárias, segundo Monteiro (1988,
p. 117), não é de nenhum modo utilizada para “substituir a análise científica pela criação artística, mas
apenas retirar desta (literatura) novos aspectos de interpretação: reconhecê-la como um meio de
enriquecimento”. O autor denomina esses “conteúdos geográficos” como algo que vai além da mera
descrição do “lugar”, pois há uma relação espacial indissolúvel que embaralha as “escalas”, e o espaço está
irremediavelmente unido ao tempo que diversifica e amplia os contextos sociais, políticos e econômicos que
refletem em uma trama romanesca.
Para tanto, o autor ainda afirma que, a análise voltada apenas para o cenário da obra, poderia ajustar-se à
simples consideração geográfica da “paisagem”. Contudo, se associarmos o conteúdo geográfico
(realidade) da obra, somos levados a admitir que este vai muito além desses estreitos limites, abrange muito
1
mais elementos da realidade :
É por esse universo cultural, especificamente da literatura, que o trabalho a seguir procura fazer uma
análise dos conteúdos geográficos na obra do escritor baiano Jorge Amado. Buscaremos identificar, em
especial, os conteúdos deste tipo presentes em seu livro Capitães da Areia, escrito originalmente em 1936.
No que se refere ao estudo da obra em questão, buscarei analisar principalmente o que se pode chamar de
“realidade espacial” da obra, traçando paralelos com o livro O Centro da cidade de Salvador do professor
Milton Santos (1959).
Objetivos
A pesquisa tem como objetivo geral relacionar o estudo da Geografia com a Literatura, mostrando as
interfaces possíveis desse estudo a partir de uma perspectiva interdisciplinar buscando, dessa forma,
conceitos geográficos presentes numa obra literária. Como objetivo específico, a pesquisa visa analisar os
conteúdos geográficos presentes na obra Capitães da Areia do escritor Jorge Amado.
Materiais e Métodos
1
“A realidade do conteúdo geográfico transcende a simples visualização do concreto da paisagem. Isso porque na real
concepção atual de Geografia: a) o espaço é indissociável da noção de tempo; b) a visão antropocêntrica da Geografia
considera o Homem ser social, o que nos obriga à consideração de todo o conjunto complexo que é a realidade
humana, em suas diferentes dimensões: social, econômica, política, cultural, enfim.” (MONTEIRO, 2010 p.126).
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Do ponto de vista da metodologia científica, a pesquisa foi realizada através de dois recursos básicos: a
pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A pesquisa bibliográfica foi elaborada a partir da leitura de
autores da geografia humana que têm trabalhado com os “conteúdos geográficos” de romances e obras
literárias. Destacam-se algumas obras neste contexto: o livro do professor Carlos Augusto Figueiredo
Monteiro, O Mapa e a Trama (2002); o conjunto de ensaios reunidos no livro organizado por Eduardo
Marandola Jr. e Lúcia Helena Batista Gratão, Geografia e Literatura: ensaios sobre geograficidade, poética
e imaginação (2010); a obra Geografia e Literatura: A representação de Goiânia em fragmentos de viver é
devagar de Brasigóis Felício, escrito por Andréia Aparecida Moreira de Sousa (2010); assim como a obra
Geografia, literatura e artes: reflexões, organizado por Maria Auxiliadora da Silva e Harlan Rodrigo Ferreira
da Silva (2010). Serão importantes também para a análise o livro Ideologias Geográficas, de Antonio Carlos
Robert Moraes (1988), conjuntamente com a leitura de artigos em periódicos sobre Geografia Cultural. A
leitura da obra O Centro da Cidade de Salvador (1959) – do professor Milton Santos – também se mostrou
de grande importância para a investigação, assim como seu livro A natureza do espaço (1999).
A pesquisa documental, aquela que confere os conteúdos mais “empíricos” de cada investigação (e que é
elaborada a partir de material que não recebeu tratamento analítico ou interpretativo), será circunscrita na
obra de Jorge Amado, em especial seu livro Capitães da Areia. Este livro se constituirá na principal fonte
documental da pesquisa. Vale ressaltar que outras obras do autor, assim como livros que tratem de sua
época e de sua biografia, serão também de extrema valia para a investigação.
A “realidade espacial” analisada foi dividida em 3 subitens, definidos em função das próprias características
da descrição de Amado do “espaço urbano” de Salvador. São eles: “A cidade de Salvador”; “A Cidade Alta e
a Cidade Baixa” e “As rua, bairros e espaços construídos”. Como dito anteriormente, a análise espacial do
romance escolhido foi pautada em grande parte através de um diálogo entre esta e a obra do professor
Milton Santos (O Centro da Cidade de Salvador). Através deste livro foi possível realizar comparações e
cotejamentos entre o espaço romanesco e o espaço concreto da cidade, já que ambos têm como substrato
o mesmo universo (a cidade de Salvador).
Resultados
Como resultado da pesquisa obtivemos primeiramente uma recomposição do contexto histórico-literário do
livro Capitães da Areia. Para tanto, foi de fundamental importância a leitura sistemática da obra de Eduardo
de Assis Duarte (1996), intitulada Jorge Amado: Romance em tempo de utopia, que nos permitiu mostrar a
influência do contexto histórico mundial da primeira grande guerra e a ascensão dos ideais comunistas, nas
obras do escritor Jorge Amado (e de outros autores da época). Um capítulo voltado para os estudos de
Geografia e Literatura ajudou a compor o trabalho, demonstrando possibilidades de estudos dessa
interface, e um capítulo sobre a biografia do autor auxiliou a compor o pano de fundo para a análise de sua
obra.
Por fim, realizamos a análise geográfica da obra, que nomeamos de “Realidade espacial: A cidade de
Salvador e o espaço romanesco”. É nesta parte do trabalho que obtivemos a análise dos conteúdos
geográficos propriamente ditos. O autor compõe o espaço em seu romance através, principalmente, da
descrição dos contextos em que se dão a mobilidade e ação das personagens, e da percepção destas em
relação a estes contextos.
Dessa forma, pode-se dizer que a realidade espacial descrita é composta por diferentes escalas. A maior
delas é a cidade de Salvador, que contempla todo o espaço físico da cidade. Numa segunda escala,
teríamos a chamada “Cidade Alta” e a “Cidade Baixa”, marcadas pelas diferenças sócio-econômicas, e,
dentro delas, a terceira escala, dos bairros e ruas, com suas habitações, fixos produtivos, de comércio,
transportes, entre outros. A análise partiu, então, dessa divisão. Para tornar ainda mais clara esta proposta
de entendimento da obra, utilizamos o já mencionado livro O Centro da Cidade de Salvador, que nos
permitiu traçar paralelos e contrastes entre uma análise romanesca e uma obra científica que tratam de uma
mesma “realidade”.
Conclusões
Através da analise geográfica do romance, conseguimos traçar paralelos e mostrar como o espaço
romanesco mostra interfaces com o espaço concreto da cidade, e realiza esse encontro entre a Geografia e
a Literatura, num diálogo que nos é capaz de demonstrar a enorme contribuição que essa
interdisciplinaridade pode nos trazer.
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A obra Capitães da Areia nos trouxe reflexões acerca de categorias geográficas presentes no romance. Ao
analisar como o autor descreve a “Cidade da Bahia”, observamos que esta se encaixa na categoria de
“lugar” através de uma análise do espaço geográfico da obra. Pois ela é compreendida como um espaço
dotado de símbolos e significados, os quais proporcionam sensações e sentimentos, pois é nele que
acontecem as atividades cotidianas. Santos (1999, p.251) diz que o lugar pode ser visto como “intermédio
entre o mundo e o indivíduo” e que essa “é uma realidade tensa, um dinamismo que se está recriando a
cada movimento”, ou seja, torna-se “uma relação instável”, pois ela se refaz frequentemente.
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