INTERFACES ENTRE PSICO-ONCOLOGIA E PACIENTES COM CÂNCER DE MAMA¹ JUNGES, Nilve²; QUINTANA, Alberto Manuel³; DALMOLIN, Anaíse4 1 Trabalho referente ao Projeto de extensão:Ações de psicologia hospitalar no ambulatório de mastologia do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) – Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Apoio Financeiro: Fundo de Incentivo à Extensão (FIEX). ² Acadêmica do curso de Psicologia da UFSM, Santa Maria,RS, Brasil. 3 Doutor em antropologia, professor adjunto do curso de Psicologia UFSM, Santa Maria, RS, Brasil 4 Psicóloga, mestranda em Psicologia UFSM, Santa Maria, RS, Brasil E-mail: [email protected]; RESUMO O câncer é uma doença grave, ligada a questões de luto e morte, e que gera conseqüências importantes na vida da pessoa acometida. Assim, entende-se necessário proporcionar um ambiente de escuta e acolhimento onde as pacientes possam expor suas dúvidas e angústias relativas à doença. Dessa forma, o presente trabalho se propõe a apresentar as atividades desenvolvidas pelo projeto de extensão “Ações de Psicologia hospitalar no ambulatório de mastologia do HUSM”. Para isso, uma acadêmica do curso de Psicologia realiza atendimentos no período pré e pós retirada de tumor no hospital e como suporte acadêmico semanalmente acontecem supervisões. Tem se observado no desenvolvimento do projeto uma facilitação no enfrentamento do tratamento nas pacientes atendidas, além de uma sensação de leveza relatada por muitas após os atendimentos. Desta forma, chegamos próximos à conclusão de que este apoio auxilia na elaboração da doença que não foi conseguida por si só. Palavras-chave: Psicologia Hospitalar; Terapia de apoio; Hospital; Câncer de mama. 1. INTRODUÇÃO O câncer de mama é o tipo de neoplasia mais frequente em mulheres e se destaca como a terceira causa de morte entre brasileiras adultas, sendo a região sul e sudeste do 1 Brasil as que apresentam a maior taxa de mortalidade (INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, 2011). Dessa forma, o diagnóstico de câncer de mama gera conseqüências importantes na vida da pessoa acometida e de seus familiares. Isso por que causa mudanças nos hábitos e rotina, a necessidade de adaptar-se ao ambiente hospitalar e o fato de passar por procedimentos invasivos e dolorosos como a quimioterapia e a cirurgia de retirada total ou de parte da mama, chamada mastectomia. Além disso, o diagnóstico de câncer gera grande repercussão por se tratar de uma doença que, na maioria das vezes, é relacionada com a morte. Dessa forma, essa etapa geralmente é percebida e vivenciada como um momento de intensas mudanças, perdas e adaptações e onde a morte, até então não lembrada, passa a aterrorizar como uma possibilidade real (NASCIMENTO et al., 2005). E, no caso das pacientes com câncer de mama, fala-se de uma morte que não é apenas a morte física. Esta se refere também ao ego, como ameaça de perda dos seus objetos, o que implica em luto de experiências e fantasias que possam a ele estar associadas como representante simbólico (ZECCHIN, 2004). Isso por que o seio é um órgão que culturalmente e biologicamente é ligado à feminilidade, então a mulher com câncer de mama questiona-se sobre seu corpo tanto em aspectos eróticos como também maternos. Em meio a isso é possível observar que existem vários fatores emocionais relacionados ao câncer de mama. Assim vêm crescendo no Brasil uma nova especialização para os psicólogos, denominada Psico-oncologia. O psicólogo atuante na área de psicologia oncológica visa manter o bem-estar psíquico do paciente, identificando e compreendendo os fatores emocionais que intervêm na sua saúde (VENÂNCIO, 2004). Nesse sentido, o projeto no qual este trabalho se baseia é desenvolvido em hospital geral, que é um dos locais de possível atuação do psicólogo que trabalha com a oncologia, e tem como objetivo através dos atendimentos realizados minimizar as dificuldades de cunho emocional para que a paciente com câncer de mama esteja mais preparada a fim de enfrentar a doença e o tratamento. Dessa forma, este trabalho pretende apresentar uma relação entre o trabalho do psicólogo oncológico e a experiência de atuação clínicoinstitucional da acadêmica desenvolvida no projeto. 2. METODOLOGIA 2 Há onze anos foi criado o projeto de extensão: “Ações de Psicologia Hospitalar no ambulatório de mastologia do Hospital Universitário de Santa Maria” do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) cujo propósito é acompanhar pacientes com diagnóstico de câncer de mama. As pacientes são atendidas quando estão internadas para pré ou pós cirurgia de retirada de tumor da mama (mastectomia) no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). O projeto realiza um acompanhamento psicológico de apoio com aquelas pacientes com câncer de mama, bem como os familiares das mesmas que demonstrarem necessidade de apoio. O atendimento é feito nos moldes da terapia breve de apoio descrita por Cordioli (1998), a qual busca auxiliar o sujeito a superar crises vitais e acidentais. Assim, segundo colocações do próprio autor, procura-se apoiar e incentivar as atividades do ego onde são utilizadas defesas adaptativas e desencorajar defesas desadaptativas. Dessa forma, uma primeira sessão é feita após o diagnóstico e no final desta é avaliada a necessidade de haver mais encontros. Se sim, estes são previamente agendados com a paciente, porém sem ultrapassar 5 sessões, pois se configura terapia breve, e também o limite dado pela internação hospitalar, que em torno de uma semana. São atendidas pacientes internadas nos leitos que são encaminhadas pela equipe de enfermagem e também, pôr vezes, o projeto recebe solicitação de atendimento feita por profissionais de outros setores do hospital ou que fazem parte da mesma rede de atendimento da cidade. Como suporte, a acadêmica escreve um diário de campo com as atividades realizadas no projeto e semanalmente ocorrem supervisões acadêmicas orientadas pelo professor coordenador e uma mestranda da mesma área. Os materiais necessários para a elaboração deste trabalho se resumem à presença da acadêmica no setor e um espaço físico para o atendimento, que é disponibilizado pela equipe de enfermagem do setor. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesse momento será apresentada uma correlação entre a teoria e prática. Para isso, serão utilizadas algumas falas retiradas do diário de campo da extensionista, e estas serão relacionadas com o que diz a literatura da área. Os nomes das pacientes foram substituídos 3 por códigos assim descritos (Letra alfabética, idade), a fim de preservar a identidade das pacientes. O adoecer é entendido como uma ameaça à auto-imagem corporal idealizada, à identidade e a própria existência do indivíduo. Dessa forma, as experiências relacionadas ao câncer são sempre negativas, podendo gerar transtornos afetivos e fazer com que, muitas vezes, o paciente só veja a doença e suas conseqüências reais ou fantasiosas (MICELI, 2006). Assim, o psicólogo hospitalar trabalha para resgatar a essência de vida do paciente que foi revista por conta da doença crônica. Segundo Ferreira (1997), os temas que mais preocupam os pacientes com câncer e que devem ser focos das intervenções psicoterápicas são: sensação de falta de controle sobre a própria existência, temor da solidão e da própria morte, sentimento de impotência e fracasso e temor dos efeitos adversos do tratamento oncológico. Com relação ao primeiro tema, que traz sobre a falta de controle sobre a própria existência no momento em que as pacientes se deparam com o câncer, muitas vezes, elas buscam religiões para se apoiar nesse momento (AQUINO e ZAGO, 2007). Com relação a isso em diversos atendimentos as pacientes trazem relatos como “Vou colocar na mão de Deus agora e ele que vai me curar” (A, 58 anos) ou ainda, “Vou ter que aceitar, se Deus quis isso pra mim não tem o que fazer” (C, 75 anos). Deve-se entender que esse tipo de apoio também é importante para a paciente a partir do momento que ela crê nisso. Nos atendimentos, no entanto, o psicólogo deve observar até que ponto essa relação com a religião está sendo saudável para o tratamento. Além disso, o psicólogo que trabalha com pacientes portadores de doenças crônicas deve ter uma postura mais ativa, com um foco no adoecimento e nas preocupações do momento, visando sempre um atendimento humanizado e global ao doente (CANTARELLI, 2009; SANTOS, 1996). Para dar conta disso, muitas vezes, é necessário confrontar a paciente buscando o melhor enfrentamento e aceitação da doença. Como no caso da paciente M (70 anos) que no decorrer no atendimento após a cirurgia de retirada das duas mamas tentava mostrar-se muito bem, dizendo “Eu sempre fui de aceitar tudo desde criança e acho não adianta ficar só chorando... Eu tô muito bem”, após essa fala a acadêmica traz que o processo de sofrimento, em certa medida, é esperado em mulheres com a condição como a que ela se apresenta, de mulher com câncer de mama mastectomizada. 4 Após essa colocação a paciente traz que trabalhava numa associação que atendia pacientes com câncer e que quando ela via alguém triste ela ia até lá conversar para que a pessoa se sentisse melhor. Pode-se entender essa fala como uma representação do atendimento que ela estava recebendo, que após a conversa com a acadêmica ela também se sentia melhor. Pois, por fim, trouxe “Eu gosto de conversar contigo sabia? Eu lembrei de ti esses dias quando veio a menina da fisio e disse vamos conversar? Eu perguntei se era a psicóloga por que pensei que podia ter trocado”. Nesse sentido, os atendimentos buscam possibilitar a paciente um olhar diferente da posição que ela apresenta que por vezes é de negação, raiva e, nesse caso, auxiliar a paciente no entendimento da situação em que se encontra. Dessa forma, o atendimento psicológico abre espaço para dúvidas e angústias onde se pode avaliar o grau de entendimento da paciente em relação a seu diagnóstico e sua doença, além do conhecimento prévio sobre o tratamento e a própria doença. Assim, o psicólogo intermediará a relação da paciente com a equipe médica, fazendo com que esta exponha de forma mais clara e acessível às respostas que a paciente necessita, já que o que a torna agitada e angustiada, muitas vezes, é a falta de informações sobre seu estado e o que acontece com ela (ROMANO, 1999). Durante o atendimento pré cirúrgico de N (58 anos) a acadêmica pergunta se ela tem alguma dúvida com relação ao procedimento, ao que ela responde “Eu quero saber quanto tempo demora a cirurgia porque a minha nora vem de tarde da cidade X daí eu quero avisar ela”. Assim, a acadêmica foi buscar essa informação com a equipe de enfermagem, presente no setor, para depois repassar a ela, tendo o cuidado de utilizar uma linguagem acessível e certificando-se de que a paciente realmente compreendeu a orientação. Nesse sentido, também se explica à equipe de enfermagem a necessidade de passar informações mais numerosas e claras aos pacientes, que não estão compreendendo partes do processo de internação e tratamento. Com o decorrer dos atendimentos têm se observado uma facilitação no enfrentamento da doença e do tratamento. Como no caso da paciente D (59 anos), no primeiro atendimento ela estava muito nervosa, trazendo em suas falas mecanismos de defesa como a negação: “Quando eu descobri a doença eu pensava que era um pesadelo, eu dizia que os médicos também erram”. Depois disso, ao saber que precisava de uma acompanhante, primeiramente ela disse que não tinha ninguém para ficar com ela, mas logo após encontrou a companhia de uma sobrinha, que se disponibilizou a ficar com ela durante 5 a internação. Nesse primeiro encontro, coube a acadêmica dar suporte ao que a paciente trazia e tentar prepará-la para o procedimento cirúrgico. No segundo encontro, após a cirurgia de retirada de tumor, a paciente apresentava um quadro mais depressivo “Eu não esperava que ia ficar assim, quando eu vi achei muito feio. Como eu vou continuar sem esse pedaço de mim? Eu gostava tanto do meu seio, que era grande, eu usava uma blusa apertadinha, ficava levantado, tão bonito!”. Em meio a isso a acadêmica tenta trabalhar dois aspectos com ela: primeiro em buscar outras partes do corpo para valorizar e, segundo usar prótese mamária externa. Nesse encontro a paciente já conseguiu trazer outras questões, tirando o foco da cirurgia e dando início ao processo de elaboração de sua doença que até então estava sendo negada. “É agora eu já tenho que me preparar para o resto, pra fazer as quimio...” e “Agora que eu tirei ta caindo a ficha, eu quero ver quando eu sair daqui como vai ser”, como exemplo. No terceiro atendimento a paciente já estava bem mais calma, aceitando melhor sua condição e fazendo planos de acordo com isso “Eu vou sair daqui e comprar aqueles sutiã com enchimento de um lado e fingir que eu tenho um seio”. Assim, é possível observar que com o decorrer dos atendimentos foi estabelecido um vínculo entre a acadêmica e a paciente, esta conseguiu elaborar sua condição, o que possibilitou uma melhora no enfrentamento da doença e também tornou sua estadia no hospital menos dolorosa. Também percebe-se o início a elaboração do luto pela sua condição, tendo claro as fases de negação inicial, com posterior raiva pelo seu estado, depressão ao entender sua condição e aceitação final (KÜBLER-ROSS,1996). Dessa forma, percebe-se que à paciente que obteve este acompanhamento foi possibilitada uma melhor elaboração desta vivência, proporcionada pela doença, e recebe alta hospitalar em melhores condições de retorno à casa em sua nova condição. Nesse sentido, pesquisas com pacientes portadoras de câncer de mama também demonstram que as pacientes que se submetem a intervenções psicológicas além dos tratamentos médicos habituais possuem um diferencial qualitativo e quantitativo em sua saúde aumentando significativamente seu tempo de vida (LEAL, 1993; PIMENTEL, LIMA e FONSECA, 2009). E a experiência de atuação da acadêmica no projeto através dos atendimentos realizados, relatados nesse trabalho, igualmente confirma esta realidade. 4. CONCLUSÃO 6 A partir do levantamento da literatura da área, somado à experiência com atendimentos às pacientes com câncer de mama através projeto que vem sendo efetivado, constata-se a relevância do trabalho do psicólogo junto a essas mulheres. A atuação desse profissional deve se adequar à demanda que lhe é feita, traçando intervenções que possam ter efeitos positivos no enfrentamento da doença e dos tratamentos. Nos atendimentos busca-se possibilitar a mulher com câncer de mama uma melhor qualidade de vida. Com a possibilidade de expor, durante as intervenções, seus medos e angústias, as pacientes desenvolvem estratégias que as auxiliam no enfrentamento da doença. Além disso, percebe-se uma melhor comunicação da paciente com a equipe de saúde, mesmo que pôr vezes intermediado pela psicologia. Afinal, o trabalho em conjunto entre os profissionais da saúde, a multidisciplinariedade, é uma modalidade que ainda está sendo construída. Sendo assim, novas pesquisas no âmbito hospitalar se fazem necessárias, com o objetivo de melhorar a fundamentação teórica dos profissionais que atuam nessa área, adquirindo mais conhecimento específico. Para que, assim, se possibilite um melhor atendimento e tratamento dos pacientes dentro do hospital, atendendo as principais demandas para que todos os recursos sejam bem utilizados. REFERÊNCIAS AQUINO, V. V. ; ZAGO, M. M. F. 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