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PASSAGENS
Anatoli F. Dobrynin (1919-2010),
personagem da crise dos mísseis
Lenina Pomeranz
Em contraste com a nota formal emitida pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia,
para anunciar a morte do embaixador Anatoli Fedorovich Dobrynin, este acontecimento mereceu
duas manifestações de condolências dos mandatários do país, presidente Dmitri Medvedev e
primeiro-ministro Vladimir Putin, nas quais ressaltam o papel por ele desempenhado na história
diplomática da então URSS.
Segundo o presidente Medvedev, Dobrynin “é uma lenda da história diplomática russa”,
sendo “impossível não superdimensionar a [sua] contribuição pessoal à solução da crise caribenha [dos mísseis em Cuba em 1962] e à normalização das relações soviético-americanas”. Para
Putin, o período de quase um quarto de século, durante o qual Dobrynin foi embaixador da URSS
nos Estados Unidos, foi um dos mais complexos e dramáticos períodos das relações com este país.
“A maestria diplomática e a clarividência de Dobrynin mais de uma vez permitiram encontrar
saídas de situações críticas, solucionar em conversações os mais agudos problemas globais.”
Realmente, Dobrynin serviu nos Estados Unidos, durante a Guerra do Vietnã, as guerras no
Oriente Médio, as invasões soviéticas à Checoslováquia em 1968 e ao Afeganistão em 1979 e a
derrubada do jato coreano que sobrevoou o espaço aéreo russo em 1983, devendo-se ainda ressaltar a crise dos mísseis em Cuba em 1962, momento crucial e delicado da Guerra Fria, logo no
início de sua carreira em Washington, e as longas tratativas para a assinatura do SALT 1, Tratado
para Limitação de Armas Estratégicas, em 1972.
O que tornou possível seu êxito foram as suas características pessoais, a sua vivência com a
cultura americana, no sentido amplo do termo, a amizade desenvolvida com os presidentes americanos – exceção de Reagan, segundo referência que faz em seu livro de memórias [In Confidence.
Moscow’s Ambassador to Six Cold War Presidents, publicado em 1995] e que é lembrada pelo escritor
Lawrence Malkin, que com ele colaborou na sua elaboração – e seus diferentes assessores, que lhe
atribuíram o carinhoso tratamento de “Tio Anatoli” entre o círculo de suas relações pessoais nos
Lenina Pomeranz é professora livre-docente associada do Departamento de Economia da FEA – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, e responsável pela área de estudos sobre a
Rússia no Gacint-USP.
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VOL 19 Nº1
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EUA. Podendo, por isto tudo, ser caracterizado como um “pombo” soviético, era chamado por
Doby entre seus colegas americanos, tinha linha direta de telefone com Kissinger, durante o período Nixon, e um lugar reservado na garagem no Departamento de Estado.
Tudo isso lhe permitiu desenvolver sua habilidade de realizar negociações em caráter privado com as autoridades americanas. Mas não deixou de defender com toda a maestria diplomática referida por Putin os interesses do Estado soviético. A ponto de Malcolm Toon, que
serviu como embaixador dos Estados Unidos em Moscou, entre 1976 e 1979, declarar que, embora o considerando um dos mais hábeis diplomatas do século XX, não se devia tratá-lo como
amigo; “ele é um dos representantes de um governo, um sistema e uma filosofia que é hostil a
tudo que defendemos”.
Como membro do CC do Partido Comunista Soviético depois de 1971, não deixou, porém, de
criticar algumas atitudes da URSS no plano internacional, como o decreto de alerta máximo no
Exército durante a Guerra do Yon Kipur, de l973, e a invasão do Afeganistão, à qual se referia
como “nosso Vietnã”. E, tendo sido assessor de Mikhail Gorbachev, em 1989, atribuiu a este a
responsabilidade principal pelo colapso da URSS.
Anatoli Fedorovich Dobrynin teve, como se pôde observar, uma brilhante carreira diplomática. Nascido em 16 de novembro de 1919, foi nomeado por Khrushev embaixador em Washington,
em 1962, aos 43 anos de idade. Engenheiro de formação, com mestrado em História, começou a
trabalhar no Ministério das Relações Exteriores da URSS em 1946, depois de terminar a Academia
Diplomática. Recebeu treinamento diplomático na embaixada da URSS em Washington, entre
1952 e 1955, inicialmente como conselheiro e posteriormente como funcionário graduado da
mesma. Depois de seu retorno a Moscou, em 1957, foi indicado vice-secretário geral da ONU,
quando a Secretaria-Geral estava a cargo de Dag Hammarksjold, o que deve ter nele reforçado
sua dedicação à causa da paz.
Depois de acompanhar Khrushev em sua visita aos Estados Unidos, em 1959, Dobrynin retornou à URSS no ano seguinte, a fim de preparar-se para a obtenção do título de embaixador, período durante o qual exerceu a chefia do Departamento da América do Norte do Ministério de
Relações Exteriores da URSS.
Serviu como embaixador nos Estados Unidos, nos governos de Khrushev, Brejnev, Andropov,
Chernenko e Gorbachev, tendo retornado em 1986 à URSS, onde trabalhou como funcionário do
CC do Partido Comunista da URSS para as questões de política externa. Aposentou-se em 1988 e,
em 1989, tornou-se assessor de Gorbachev. Em 1992, retornou ao Ministério, na qualidade de
consultor nos assuntos de política externa.
Dobrynin recebeu várias condecorações como reconhecimento pelo seu trabalho. Além de
Herói do Trabalho Socialista, ele foi agraciado, em agosto de 2009, com a Ordem de Honra, pela
grande contribuição à realização do curso da política exterior da Federação da Rússia e pelos
longos anos de serviços diplomáticos.
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POLÍTICA EXTERNA
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