Entre o Céu e o Inferno A Presidência da União Europeia em exercício – desempenhada pelas autoridades checas de um governo demissionário – resolveu dar vida ao normalmente sensaborão debate parlamentar europeu com um incendiário discurso contra o plano americano de estímulo económico, descrito como o "caminho para o Inferno", nas vésperas da cimeira do G-20 de Londres que irá, justamente, tentar encontrar, senão o caminho para o céu, pelo menos uma forma de sair da tremenda embrulhada em que se encontra a economia mundial. O antiamericanismo primário costuma ser uma aposta de rendimentos seguros no hemiciclo europeu, mas forçoso é constatar que o mediatismo militante da nova Presidência dos EUA tem conseguido bons resultados entre nós e que mesmo os críticos da " fidelidade ideológica aos 'falcões' do Pentágono e do poder económico que estas aves de rapina representam" se têm mostrado invulgarmente comedidos. Nestas circunstâncias, como se pode calcular, as declarações do Primeiro-Ministro Topolanek não surtiram o efeito pretendido e deram antes a oportunidade ao PrimeiroMinistro britânico, o líder trabalhista Gordon Brown, de brilhar ao se fazer o arauto da cooperação euro-americana reforçada. Gordon Brown tem inteira razão quanto à necessidade de se ultrapassarem as divisões transatlânticas como única forma de o chamado Ocidente ainda poder ser tido em consideração na cimeira do G-20 e de resto nos anos que aí vêm. Ninguém pode também ter qualquer dúvida sobre a imperiosa necessidade de, nas presentes circunstâncias, se responder à crise combatendo com todos os instrumentos ao nosso alcance o desemprego e evitando que se percam meios produtivos que serão irrecuperáveis. Para além disso, num país como os EUA, em que as infra-estruturas de comunicação se encontram extremamente degradadas e abaixo dos níveis de eficácia que existem noutras partes do mundo, também se justifica um programa de investimento nesse domínio que se reflectirá sobretudo num estímulo à economia doméstica. Posto isto, tanto nos EUA como no Reino Unido – como, na realidade, na generalidade do Ocidente – penso que se está a falhar no plano financeiro e na compreensão das relações entre o colapso financeiro e os profundos desequilíbrios comerciais existentes no mundo, e que por essa razão se está a marcar passo. O diário parisiense "Le Monde" publicou no dia 24 de Março um importante destacável sobre a geopolítica dos Abrigos Fiscais. Na realidade, penso que os Abrigos Fiscais são só a ponta do iceberg de um vasto complexo de problemas em que estamos mergulhados em função de uma compreensão parcial e disfuncional do chamado capitalismo. Sem reformar profundamente este sistema, e não apenas cosmeticamente, não chegaremos lá. Depois temos o nó górdio da questão: a concepção da infalibilidade do mercado que faria com que as taxas de câmbio nos garantissem o equilíbrio universal, ou pelo menos os meios para que nós pudéssemos atingir estes equilíbrios. A realidade veio a mostrar que as coisas não funcionam desta forma. Mais, não se conseguiram até hoje arranjar meios alternativos às flutuações cambiais que respondam a mudanças dramáticas nas relações de força, como aquelas a que assistimos nas últimas décadas. Não estou a dizer que as alternativas não existem, estou apenas a dizer que elas ainda não foram encontradas e que se continuarmos indefinidamente à espera que elas apareçam corremos o sério risco de vermos o desastre antes de vermos a maneira de nos salvarmos dele. Enfim, em qualquer caso, o discurso do "Caminho do Inferno" vai pelo menos tornar mais difícil que a cimeira de Londres se venha a resumir a um exercício diplomático de frases sem conteúdo e isso, se não nos abrir o "caminho para o Céu" abre-nos pelo menos a perspectiva de vermos melhor o que se irá passar no futuro próximo. Estrasburgo, 2009-03-26 (Paulo Casaca)