Maria Beatriz Rocha Ferreira Marina Vinha (Organizadoras) CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE: VENDA PROIBIDA XI Jogos dos Povos Indígenas Porto Nacional – Tocantins, 2011 “O importante não é competir, mas celebrar” é lema que permeia os jogos dos povos indígenas. A importância do celebrar é uma das raízes da saúde social de cada povo, assim como é reconhecido pelos organizadores como um dos eixos de suas identidades. As metas e as ações específicas deste brasileiríssimo evento energizam cada um dos povos participantes. O livro, em seu conjunto, mostra a complexidade étnica diante das questões lúdico-esportivas. O evento constitui espaços que envolvem um grande número de etnias, propicia troca de saberes e encaminhamentos políticos. Revitaliza processos de esquecimento e de salvaguarda das culturas indígenas. Envolve conhecimentos ancestrais, científico e político governamental. A XI edição foi uma realização do Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC) com a parceria do Ministério do Esporte e apoio dos diversos órgãos governamental das esferas do município e estado sede e do governo federal. Dourados 2015 Copyright © 2015 para as organizadoras Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, sem citação da fonte, por qualquer processo Todos os direitos reservados desta edição 2015 às organizadoras COORDENAÇÃO GERAL Maria Beatriz Rocha Ferreira CAPES/PNVS/Universidade Federal da Grande Dourados [email protected] Marina Vinha UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados [email protected] COORDENAÇÃO Vera Regina Toledo Camargo LABJOR - Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp Fotos Fernando Amazônia Roberta Tojal Acervo Jogos dos Povos Indígenas Edição e Produção Editorial Carlos Alexandre Venancio [email protected] Capa Michele Cristina Tieni Bibliotecária Simone Rafael - CRB 9/1356 Tiragem 1000 exemplares Impressão DOURADOS, 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F383c Celebrando os jogos, a memória e a identidade: XI Jogos dos Povos indígenas. Porto Nacional - Tocantins, 2011 / Maria Beatriz Rocha Ferreira, Marina Vinha, organizadoras.-- Dourados: UFGD, 2015. 272 p. ISBN 978-85-917811-7-1 Jogos indígenas - XI Jogos dos Povos indígenas. I. Ferreira, Maria Beatriz Rocha. II. Vinha, Marina. III. Título. CDD 980.41 VENDA PROIBIDA Os Jogos dos Povos Indígenas são um sonho indígena que vem sendo realizado, e por onde passam etnias e etnias, onde o Índio tem voz e onde a celebração e a alegria formam uma convivência intertribal como exemplo de paz, dignidade, soberania e respeito mútuo para o mundo moderno. MARCOS TERENA, 2015 Fernando Amazônia SUMÁRIO Apresentação ......................................................................9 Prefácio ............................................................................ 11 Entrevista Carlos Justino Terena: XI Jogos dos Povos Indígenas ........................................ 17 Entrevista Marcos Terena: A trajetória de um projeto de vida ................................ 23 PARTE I PROCESSOS HISTÓRICOS E SIGNIFICADOS Capítulo 1 A Política Pública do Ministério do Esporte e os Jogos dos Povos Indígenas ................................ 29 Rejane Penna Rodrigues Capítulo 2 Legados dos Jogos dos Povos Indígenas .................. 37 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto Capítulo 3 Memória, celebração étnica e identidade: os jogos indígenas como um caminho para o empoderamento ............................................ 57 Olga Rodrigues de Moraes von Simson Capítulo 4 Jogos dos Povos Indígenas brasileiros: patrimônio, cultura e comunicação ........................ 65 Vera Regina Toledo Camargo Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 5 PARTE II PESQUISAS E LEGADOS Capítulo 5 Contextualizando a avaliação dos XI Jogos dos Povos Indígenas – JPIs........................ 75 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto Capítulo 6 XI Edição Jogos dos Povos Indígenas: organização, etnias, práticas corporais ........................................ 83 Deoclécio Rocco Gruppi Capítulo 7 Jogos dos Povos Indígenas: redes de interdependências, percepções indígenas e mimesis ................................................. 99 Maria Beatriz Rocha Ferreira Capítulo 8 A comunidade indígena e suas percepções dos XI Jogos dos Povos Indígenas - JPIs ...................... 119 Maria Clara Ferreira Guimarães Maria Heloisa Guimarães PARTE III DESDOBRAMENTOS SOCIOANTROPOLÓGICOS Capítulo 9 Iniciativas indígenas: Jogos Escolares Brasileiros e Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena ................................. 169 Deoclécio Rocco Gruppi 6 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Capítulo 10 A União das Nações Indígenas: política, esporte e história...................................... 193 Graziella Reis de Sant’Ana Capítulo 11 Xikunahaty (1914 -2014) ....................................... 211 José Ronaldo Mendonça Fassheber Liliane da Costa Freitag Capítulo 12 Saúde social: fonte revitalizadora dos Jogos dos Povos Indígenas .............................. 229 Marina Vinha Capítulo 13 Fórum social indígena: o esporte e o lazer provocando um diálogo intersetorial ................... 247 Khellen Cristina Pires C. Soares Ana Elenara da Silva Pintos Aportes finais ................................................................. 263 Sobre os autores ............................................................. 265 Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 7 Fernando Amazônia A PRESEN TA ÇÃ O Sinto-me honrada em apresentar este livro - “Celebrando os Jogos, a Memória e a Identidade: XI Jogos dos Povos Indígenas - Porto Nacional – Tocantins, 2011” -, organizado pelas pesquisadoras Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha. O Ministério do Esporte, por meio da sua Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social – SNELIS – têm compromisso com a política de esporte e lazer voltado à garantia dos diretos de todos brasileiros. E por isso vem atuando de forma crescente para a implantação de Políticas Públicas para os Povos Indígenas, com a implantação de um Piloto de Infraestrutura esportiva e de lazer em comunidade indígena, a criação da Coordenação Geral de Políticas Esportivas Indígenas, apoio a Jogos Indígenas locais, Jogos Nacionais e à 1º Edição dos Jogos Mundiais, núcleos em comunidade indígena do Programa Forças no Esporte, Esporte e Lazer da Cidade, pesquisas e publicações sobre Políticas Públicas de Esporte e Lazer para os povos indígenas, implantação da atividade Esporte da Escola/Mais Educação em Escolas indígenas, projetos chancelados na Lei de Incentivo ao Esporte. Esse conjunto de iniciativas resultou numa ampliação de recursos aplicados em demandas indígenas, de 100.000,00 anual até 2013 para 5.700.000,00 em 2014, e para 2015 já previsto 4.100.000,00 nas ações orçamentárias da SNELIS. Portanto essa publicação vem retomar dados levantados por ocasião da realização, em 2011, dos XI Jogos dos Povos Indígenas, e com isso esta a obra coloca em cena este evento que se destaca entre o conjunto de iniciativas acima citadas. O trabalho de avaliação dos Jogos realizado naquela ocasião reuniu a participação de diversos colaboradores, entre pesquisadores, gestores e servidores atuantes no Governo Federal, Estado de Tocantins e Município de Porto Nacional, revelando um exercício coletivo não só de busca de informações que contribuir com maiores conhecimentos valorização da cultura indígena. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 9 e identidade indígena aparecem não só como objeto de várias práticas vividas nas práticas analisadas como também de cenas e linguagens da sociabilidade indígena. O livro reúne 15 artigos, organizados em três partes. A primeira, focaliza deste evento, que é parte do projeto de vida dos irmãos Marcos e Carlos Terena, como a importância dos Jogos dos Povos Indígenas para o empoderamento e a preservação de patrimônio e identidade indígena; quanto o que os Jogos A segunda parte, intitulada “pesquisa e legados”, se detém, especialmente no contexto de realização da XI Edição dos Jogos, realizada em Porto Nacional/TO, apresentando dados interessantes sobre a organização, realização e avaliação das atividades realizadas, destacando a percepção da comunidade indígena sobre esta vivência. A terceira e última parte do livro é dedicada a “desdobramentos socioantropológicos”, que aprofundam a discussão em questões decorrentes do estudo lação dos Jogos dos Povos Indígenas com o esporte, outras práticas culturais, a saúde social e discussões políticas intersetoriais. Os diferentes artigos, redigidos por pesquisadores e gestores com experiência nos Jogos dos Povos Indígenas, apresentam dados relevantes tanto para as pessoas que iniciam suas leituras sobre os Jogos dos Povos Indígenas – sua melhor a vida cotidiana, tradições e práticas corporais indígenas. Por isso, o nosso orgulho em apresentar essa obra, que convido você leitor a mergulhar no que ela nos proporciona e instiga a conhecer mais. Andréa Nascimento Ewerton Diretora do Departamento de Desenvolvimento e Acompanhamento de Políticas e Programas Intersetoriais – DEDAP Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social – SNELIS, Ministério do Esporte. 10 Celebrando os jogos, a memória e a identidade PREFÁ CIO Os artigos reunidos na coletânea Celebrando os Jogos, a Memória e a Identidade Jogos dos Povos Indígenas no Brasil. Trata-se de um evento realizado desde 1996 pelo Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC), coordenado pelos indígenas terena Marcos e Carlos. Essa iniciativa inovadora está articulada, desde suas primeiras edições, com demandas dos próprios povos indígenas, incorporadas em suas várias edições. A coletânea foi elaborada a partir das motivações oriundas das discussões produzidas no XI evento realizado em Porto Nacional, Tocantins, em 2011, mas os artigos aí reunidos permitem visualizar o conjunto dessa experiência e do modo como ela se consolidou ao longo das últimas duas décadas. Vários esportes praticados na sociedade brasileira foram recepcionados pelos indígenas, com destaque para o futebol, profusamente praticado pela maior parte dos povos indígenas. Estas apropriações sempre se realizam em ciabilidade, constituindo um campo profícuo para o esforço de compreensão e análise. Cabe destacar aqui que a partir da experiências da organização dos Jogos Indígenas, estes povos encontraram a oportunidade de trazerem para a cena do esporte nacional as práticas corporais desenvolvidas em suas próprias sociedades desde tempos imemoriais. Tal constatação tem profundas implicações não só no campo das práticas esportivas, mas também no campo da política e, mas diretamente das políticas culturais destinadas ao esporte. Ao longo de sua trajetória o evento dos jogos indígenas se constituiu como espaço ou canal de interlocução entre povos indígenas. Criou-se entre esses povos das várias regiões do país um ambiente apropriado à aproximação, ao Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 11 os próprios jogos e seu papel na produção da indianidade. No ambiente dos práticas corporais e, sobre a necessidade de desenvolvimento de políticas indígenas e indigenistas direcionadas ao fortalecimento de atividades corporais culturalmente valorizadas. Paralelamente, esses eventos propiciam também o diálogo sobre uma série de outros temas que estão na pauta dos povos indígenas na atualidade, tais como a participação indígena na elaboração e implementação de políticas públicas voltadas para a educação, saúde, meio ambiente, sustentabilidade, cultura, etc. A realização dos jogos proporciona ainda a envolve, por um lado, vários povos indígenas e, por outro, os diversos atores da sociedade nacional, envolvidos em um mesmo cenário, como destacam vários artigos da coletânea. Gostaria de destacar a atualidade das temáticas discutidas nos jogos e o modo como tal discussão está em sintonia com tendências atuais de reposicionamento nas formas de interlocução entre o mundo indígena e os Estados nacionais. Como sabemos, historicamente tais relações foram marcadas pela colonialidade do poder e do saber, com transplantação de sociedades nacionais, estabelecidas à força sobre os territórios indígenas, a partir da imposição de formas autoritárias e etnocêntricas, que desconsideravam as práticas culturais indígenas. Grande esforço tem sido dispendido por lideranças políticas e intelectuais engajados na descolonização dessas relações. Creio ser possível defender o argumento de que os jogos se caracterizam como práticas de descolonização, daí mais um destaque a importância da presente publicação, que dá visibilidade e amplia o debate sobre essa importante iniciativa dos povos indígenas. O movimento de descolonização dos povos indígenas ganhou força a partir da segunda Guerra Mundial, quando os horrores da guerra e as tentativas 12 Celebrando os jogos, a memória e a identidade de extermínio de povos, chamaram a atenção dos líderes mundiais reunidos na ONU para a necessidade de descolonizar as relações entre povos. É nesse contexto que a UNESCO publica o documento Raça e História, cujo texto foi elaborado pelo antropólogo Lévi-Strauss, como uma espécie de manifesto relativista e antirracista. A partir dessas mudanças de orientação no nível das organizações internacionais, o povos indígenas conseguiram várias conquistas rar a reversão das relações de colonialidade, abre espaço para a construção de outras estratégias relacionais, às quais os líderes indígenas parecem estar muito atentos. É importante considerar, a favor do argumento da sintonia da experiência dos jogos indígenas com tendências atuais de transformação do lugar a ser ocupado pelos povos indígenas e suas culturas na relação com os Estados nacionais, que o seu principal organizador, o indígena Marcos Terena, é um intelectual com grande circulação em fóruns de discussão da questão indígena fora do Brasil, o parece ter permitido que captasse tendências que circulam nestes espaços. Esta experiência internacional parece ter favorecido para ele vislumbrar nos jogos uma oportunidade para construção de novo campo de diálogo entre os povos indígenas e entre eles e a sociedade nacional. Retomando a perspectiva histórica, é possível dizer que durante muito tempo predominou a tendência de imaginar que o destino irrefutável dos povos indígenas seria o abandono das formas de distintividade étnica e cultural. Dessa forma, acreditava-se que o s sistemas culturais indígenas se extinguiriam com a completa adesão aos sistemas culturais impostos pelos Estados nacionais. Eventos como os jogos indígenas evidenciam que tal movimento não aconteceu do modo como os promotores de políticas e práticas assimilacionistas imaginaram. Pelo contrário, eventos como os jogos indígenas evidenciam a presença de líderes indígenas posicionados como contemporâneos do tempo histórico atual, manifestando grande capacidade e criatividade ao assumirem Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 13 a condução das produções/reproduções/transformações de seus sistemas culturais. O mais incrível é que a inovação e a criatividade aparecem como elementos potenciadores da indianidade, ou da valorização da “tradição” indígena, como muitos desses líderes destacam em seus discursos e em suas ações. Estudos conduzidos por antropólogos até a década de 1980 tendiam a ensubstituição pelas culturas nacionais hegemônicas. A partir desse período, um número crescente de antropólogos começou a se dar conta de um fenômeno novo, podendo ser denominado de renascimento cultural indígena. A mudança da postura dos indígenas frente a sua cultura “tradicional” e às iniciativas de imposição de práticas culturais alienígenas, chamou a atenção do antropólogo Terence Turner. Ele comparou sua experiência inicial com os Kayapó, ainda na década de 1960, com o reencontro com esse povo, mais de trinta anos depois. Na percepção do autor, após o trauma inicial do contato, os Kayapó haviam re-descoberto a “cultura” e aprendido a operar com ela nas inúmeras relações que estabeleciam com a sociedade nacional brasileira. Nesse processo, de certa forma haviam expandido e aprofundado sua indianidade. Assim, o autor acredita que lograram desenvolver importantes formas de autoconsciência étnica e cultural. O desenvolvimento dessa autoconsciência étnica e cultural parece ter se tornado uma necessidade para a continuidade do povo, cuja história é abruptamente transformada pela relação compulsória e necessária com diversos segmentos da sociedade nacional. Entretanto o fenômeno não parece ser restrito aos Kayapó, pelo contrário, é uma experiência comum a diversos povos indígenas no Brasil e em outros Estados nacionais. Os jogos indígenas podem ser considerado como uma expressão dessa autoconsciência étnica e cultura. Permite aos indígenas se reposicionarem nas relações que estabelecem entre si (entre povos indígenas) e com o seu entorno (a sociedade nacional). Nos jogos se apresentam como povos complexos e diversos, com uma gama de 14 Celebrando os jogos, a memória e a identidade expressões corporais e esportivas. Nessas novas formas de interação, trazem para o diálogo suas pautas culturais. Marshall Sahlins, outro antropólogo dedicado a compreensão desse movimento de inovação das relações interétnicas a partir de pautas culturais indígenas, discute em várias publicações o fenômeno por ele denominado de indigenização da modernidade. Na percepção do autor, o pessimismo sentimental, característico do período em que os antropólogos não conseguiam enxergar percepção oposta: os povos indígenas não apenas continuarão existindo, mas serão capazes de exercer a expansão de sua cultura, inclusive sobre as culturas hegemônicas, impostas pelos Estados nacionais. Assim, é possível propor que os jogos indígenas se situam nesse movimenos povos indígenas se reposicionam, rompendo a posição de subalternidade impostas pelos Estados nacionais. Tais práticas são um novo campo de diálogo, rompendo posições de hierarquia arbitrárias e ultrapassadas, constituindo uma nova base para relações mais simétricas. A sociedade nacional é convidada a observar e aprender com as práticas corporais indígenas, que remetem a formas de convivências que podem ser muito úteis para a superação de problemas sociais características dos Estados nacionais, como o recorrente fenômeno da violência. Nesse sentido, parabenizo a sensibilidade dos organizadores da coletânea por motivarem os autores aqui reunidos a nos brindar com o compartilhamento dos resultados de suas pesquisas. Levi Marques Pereira Professor da Universidade Federal da Grande Dourados. Leciona na Faculdade Intercultural Indígena e participa dos programas de pós-graduação em Antropologia e História. março de 2015 Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 15 Fernando Amazônia ENTREVISTA CARLOS JUSTINO TERENA – XI JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS Local por telefone – 18 de janeiro de 2015 Entrevistadora – Maria Beatriz Rocha Ferreira Carlos, boa noite. Estamos fechando o livro sobre os XI Jogos dos Povos Indígenas realizado em Porto Nacional, Tocantins em 2011. Você pode nos responder algumas questões sobre o evento? Como foi a experiência dos XI Jogos e o que foi diferente naqueles Jogos? CARLOS – Acho que ali tentamos fazer depois de muitos anos a estrutura de uma ilha. Tivemos dificuldades de fazer, mas conseguimos construir as ocas dentro de uma ilha, de uma ilha fluvial. Foi a primeira dificuldade, mas a construção deu trabalho, mas ficou muito boa, bonita, pois deu o ar de aldeia a beira do rio. Este foi um diferencial dos outros jogos que fizemos. É a segunda vez que fazemos numa ilha fluvial, pois escolhemos este lugar por estar próximo da água e do ambiente de uma aldeia. A outra coisa foi a participação de outros grupos que não participavam dos Jogos faz muito tempo como os Apinajé de Tocantins. Eles participaram ativamente. E tivemos muitas dificuldades também pois choveu muito. Queríamos fazer os Jogos 1 mês antes e por falta de recursos que chegou atrasado, conseguimos fazer um mês depois, em novembro na época das chuvas. Muitas ocas entraram água. Mas mesmo assim conseguimos superar e realizamos aqueles jogos naquele ano no Tocantins. Naquela época lembro que teve troca de Ministro. CARLOS – Houve esta troca de Ministro, mas o nosso trabalho continuou. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 17 Foi um pouco difícil naquele ano, pois houve denuncia do Ministério e a Presidente Dilma cancelou os convênios relacionados com qualquer evento. Nos estávamos dentro desta situação. Mas mesmo assim conseguimos superar e fizemos os jogos com o Ministro Aldo. Que depois posteriormente vai nos ajudar a construir os jogos mundiais. Então houve essa troca e foi difícil também antes de começar os trabalhos administrativos e também recursos para organizar os Jogos aquele ano, mas mesmo assim conseguimos superar as dificuldades e realizar aqueles Jogos. O que os Jogos puderam contribuir para vocês organizarem os I Jogos Mundiais? CARLOS – Ali já nasceu uma ideia, da gente tentar trazer algumas comunidades internacionais para participar dos próximos Jogos Nacionais que seria posteriormente em Cuiabá. Aonde conseguimos trazer um Grupo Indígena do Peru para participar efetivamente conosco naquele ano. E também começamos a fazer uma conversação com o Ministro Aldo para bancar pelo menos 17 a 18 lideres para Cuiabá para tratarmos dos Jogos Mundiais. Esta conversa começa a partir de Porto Nacional. Depois veio a Rio + 20 aonde nós consolidamos os Jogos Verdes e a conversa com o Ministro Aldo para amarrarmos a conversa dos Jogos Mundiais. Como disse amarramos nos Jogos de Cuiabá e agora estamos nos preparando para o Mundial em Palmas, Tocantins. Em relação aos Jogos Mundiais, toda a experiência que vocês tem de tantos anos, é uma grande celebração. O que você pode nos dizer sobre os Jogos Mundiais? CARLOS – Na verdade no começo tivemos dificuldades de construção de lançar as competições, pois os povos dos outros países não conhecem, não 18 Celebrando os jogos, a memória e a identidade entendem a dinâmica do que seria os Jogos Tradicionais Indígenas. Então a gente trabalhou muito, estudou muito para que houvesse uma adaptação entre o competitivo e o tradicional. Agora estamos chegando num acordo e fechar as novidades que vão ser lançadas sobre o tradicional e o competitivo. Esta seria uma primeira dificuldade. Agora estamos trabalhando no sentido de contatar os outros países para saber exatamente como vai ser a dinâmica dos Jogos dos Jogos Mundiais. Os outros países estão tentando entender e na outra semana vamos mandar os regulamentos da proposta de como seria a participação conosco. Vão ser os primeiros Jogos Mundiais da História. Então vamos fazer uma adaptação e encaminhamento e na verdade vão ser Jogos entre os Povos Indígenas. O Brasil vai entrar com 22 etnias e cada país terá vagas para 50 atletas. Mas nós não cremos que alguns países vão atingir as metas. Alguns países que tiverem mais atletas podem preencher aquelas vagas, ocupar outras vagas dos países que não vierem. A intenção é fazer que todo mundo possa participar, desde atleta que pode não ter rendimento, mas pode ter uma colaboração na área social. Mas na verdade nos estamos entendendo que os outros atletas vem para o Brasil para ganhar. Então temos que preparar muito os nossos parentes daqui, os 22 povos indígenas que vão participar dos Jogos Mundiais. Porque agora não se trata só de celebração, trata realmente de competição mesmo. Outra coisa que está mais ou menos encaminhada é que os países que vêm com 50 atletas, o máximo de atletas, vão competir como um país de uma seleção indígena de um esporte coletivo e como povos indígenas nos esportes individuais. Ah, então, eles vêm para os jogos coletivos e individuais. CARLOS – Sim vão ter os jogos coletivos e individuais, como são os Jogos Nacionais. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 19 Vem alguém da Austrália? CARLOS – Nós não sabemos, mas eles participaram das reuniões em Cuiabá. Se precisar de alguma informação, posso tentar entrar em contato, pois estarei na Austrália de 01 a 17 de fevereiro. CARLOS – É um país tradicional que seria interessante vir alguém. Mas por enquanto estamos falando em termos do governo, um contato oficial para garantir a vinda deles e também garantir financeiramente. Se precisar de algo, poderei levar mais informações para eles. O que esperam de nós enquanto pesquisadores? Como podemos colaborar nestes Jogos? CARLOS – Todo trabalho é bem vindo. Vamos precisar de pessoas na área bilíngue para trabalhar conosco. Porque os jogos vão ser em português e inglês. Teremos que preparar bastante pessoas que queiram trabalhar conosco na elaboração dos Jogos. Esta dificuldade nós vamos ter. Na verdade ninguém sabe como fazemos os jogos, somente nós sabemos. Vai ser uma coisa inédita para nós. Este é o nosso entendimento. Os documentos vão todos em inglês e espanhol para os nossos parentes, para executarmos a nossa linhagem na língua internacional. Encontrei com o Marcos em Brasília e conversamos sobre alguns exames clínicos que os atleta fazem. Solicitei ao Dr. Victor Matsudo, que foi médico da seleção brasileira de basquete e sugeriu alguns exames. Você viu isto? CARLOS – não vi estas informação. Toda intenção é bem vinda. O importante é tornar isto em prática. Nós não temos tempo de ficar elaborando mais projetos. Tivemos uma conversa com o Ministro e estamos super atrasados e não temos tempo de fazer nada. Está tudo atrasado. Não vou dizer que vai 20 Celebrando os jogos, a memória e a identidade comprometer os Jogos, mas está tudo atrasado. Nós não temos tempo de mais nada. As pessoas que quiserem trabalhar conosco precisam entrar no nosso embalo. Ele mandou uma bateria de testes. CARLOS – Se for a partir das aldeias, precisamos ter recursos. Levar os médicos para as aldeias é legal, mas quem vai bancar isto? A minha ideia é para eles irem nos posto de saúde próximo e fazerem os exames. CARLOS – Mas isto tudo vai ter. Estamos em parceria com o Ministério da Saúde e Funasa. E isto é obrigado ter. Vou para as aldeias agora conversar com as lideranças sobre isto. Pode ver com a Funasa, Ministério da Saúde como realizar isto. Eu vou mandar outra vez para você, os testes que o médico enviou. Ai vocês podem ver com a Funasa e Postos de Saúde mais próximo. CARLOS – Isto vai ter sim. Esta dentro da nossa programação. Fizemos uma reunião interministerial. Falta nós executarmos. Victor pode enviar a equipe dele para fazer os testes e medidas antropométrica. Estas medidas foram feitas nos Jogos de Campo Grande. CARLOS – Lembro, na época, a professora que fez as medidas apresentou alguns resultados. A equipe do Dr. Victor pode fazer as avaliações físicas. Mas eles precisam de apoio financeiro do Ministério, pois não estão ligados à universidade e não conseguem recursos com facilidade. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 21 CARLOS – na época, nós recebemos as informações quando a professora fez as medidas, mas ela não fechou o diagnostico. Queremos saber o estado de cada atleta, as habilidades, os problemas, se tem problemas de pressão alta... Os resultados não deram as respostas que queríamos, não sei como foi feito isto. Estamos tentando conseguir a verba de outros locais. Mas se a equipe quiser vir por conta própria será bem recebida. Agradeço a sua atenção e boa sorte com o novo Ministro. Vocês são guerreiros! Obrigada. 22 Celebrando os jogos, a memória e a identidade MARCOS TERENA: A TRAJETÓRIA DE UM PROJETO DE VIDA Marina Gomes1 Marcos Terena é um dos idealizadores e coordenadores dos Jogos dos Povos Indígenas. Seu objetivo sempre foi lutar pelos direitos dos povos indígenas e os direitos humanos, perpassando a questão da cultura, educação, saúde, esporte, e também a efetivação dos direitos por meio da interculturalidade entre os diversos povos indígenas, que muitas vezes não se conhecem. Ao mesmo tempo, buscou conscientizar a sociedade brasileira sobre o significado dos Jogos, eventos em que emerge de forma tão intensa a beleza da confraternização de ricas histórias. Suas ações são mensagens afirmativas para que os povos indígenas resgatem sua identidade cultural, e para compreender melhor essa trajetória, entrevistamos Terena. Ele explicou como o Jogos são um encontro para reunir várias etnias com o propósito de celebrar e mostrar para a sociedade os aspectos culturais dos índios, por meio de demonstrações de jogos tradicionais, rituais sagrados, danças, cantos e artesanato. “Nós mesmos, como indígenas idealizadores e organizadores, aprendemos cada vez mais com os irmãos que vivem nas aldeias. Os símbolos não se restringem às formas do esporte, mas como se faz o esporte, e como isso gera a força física e a celebração”, diz. Os Jogos dos Povos Indígenas fazem parte dos Direitos Humanos. Pode falar um pouco sobre esse tema? 1 Jornalista formada pela Unesp, mestre em Divulgação Científica e Cultural (Labjor-Unicamp) e especializada em Bioquímica, Fisiologia, Treinamento e Nutrição Esportiva pelo Labex (Unicamp). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 23 MARCOS TERENA – No caso dos Indígenas, do nosso ponto de vista, todo evento que organizamos tem que ter um vínculo com os Direitos Humanos, não só pelas denúncias de violações, mas como forma de garantir o bem viver. E isso temos usado dentro dos Jogos Indígenas, inserido em um debate natural de etnias, biomas e formas de viver. Os jogos representam um espaço diversificado importante com ações políticas, sociais e que proporcionam trocas de experiências. Paralelamente, outro evento importante é o Fórum Social, que congrega convidados indígenas e não-indígenas nacionais e internacionais para debater temas como educação, saúde, ecologia, juventude, comunicações, energia, reflexões sobre os jogos e esportes indígenas. Em geral, a reunião é organizada num ambiente próprio, com transmissão das palestras. Como você organiza e planeja os Fóruns Sociais? MARCOS TERENA – Nada do que fazemos nos Jogos se reduz a um tipo de campeonato de Índios. Muita gente pensava que era isso, mas com a inspiração das anciãs e dos grandes chefes das aldeias, fomos vendo que, além do esporte e sua prática, tinhamos que trocar ideias, intercambiar valores e presentes, e com isso atingir as políticas públicas governamentais, assim como debater temas específicos focados na juventude e sua visão de futuro e, ao mesmo tempo, os valores ancestrais, como o sagrado e a oralidade. Assim nasceu o Fórum Social Indígena, que neste ano de 2015 vai debater com irmãos de outros países a criação de uma Comissão Internacional Indígena e o II Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, ou seja, estamos dando exemplos. O que espera dos pesquisadores e da participação deles no desenvolvimento dos Jogos? MARCOS TERENA – No início havia a sensação de que os pesquisadores 24 Celebrando os jogos, a memória e a identidade queriam decifrar os Jogos Indígenas, gerar formas de fazer e, principalmente, criar sobre aquilo que é sempre comum, um modelo inédito de campeonato indígena, mas pouco a pouco esse conceito foi sendo quebrado. Nenhum Jogos Indígenas se parece com o outro. Temos uma base nas nossas cabeças, mas se isso não estiver concatenado com os grandes líderes tradicionais e com um interlocutor que chamamos de Comandante Étnico, nada acontecerá – e isso pode gerar confusão e até brigas. Mas achamos importante a chegada do pesquisador amigo, companheiro capaz de conceituar cientificamente o sentido do esporte indígena perante a modernidade. Qual o impacto dos Jogos dos Povos Indígenas no exterior? MARCOS TERENA – O Comitê Intertribal mostrou, como parte do Brasil, que somos capazes de promover o inédito, o holístico, o físico e o sustentável. Dentro da Declaração da ONU para os Direitos Indígenas há inclusive uma recomendação específica que afirma a importância dos Jogos Indígenas. Em sua opinião, o que diferenciou o XI Jogos dos Povos Indígenas, em Porto Nacional, Tocantins? Quais as maiores conquistas? MARCOS TERENA – Cada evento é único, nenhum modelo se reproduz no evento seguinte. Em Porto Nacional havia um cenário, uma forma específica de fazer acontecer lá, devido à região, os rios, o ecossistema e a sociedade envolvente. Quais as maiores dificuldades que vocês enfrentaram no XI JPI’s em Porto Nacional, Tocantins? MARCOS TERENA – As dificuldades sempre são parecidas. Nós conseguimos os recursos, mas por recomendação governamental federal, não podemos acessar como gestores esses recursos, e sim um ente público como a Prefeitura Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 25 ou Governo do Estado. Isso sempre gera problemas, pois esse sistema de gerenciar o recurso público, que consideramos caduco, é feito da mesma forma para qualquer evento, menos para os Jogos e os Povos Indígenas. O sistema, então, precisa ser educado e adequado para nossas realidades. Como está a programação e organização do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, a ser realizado em setembro, em Palmas? MARCOS TERENA – Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas é outra iniciativa nossa, do Índio Brasileiro. Ele foi aceito como possível de se realizar no Brasil durante os JPI’s em Cuiabá, com a presença de 16 países e 48 etnias brasileiras. Foi importante o apoio imediato do então Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que destacou desde então a quantia de R$ 8 milhões. Já temos tudo pronto do ponto de vista indígena, mas temos que esperar as engrenagens administrativas, políticas e operacionais do sistema que, nesse caso, vem da Prefeitura de Palmas, com adaptações necessárias para um grande e desafiador evento, afinal, nunca foi feito. Gostaria de encerrar a entrevista com alguma mensagem? MARCOS TERENA – Os Jogos dos Povos Indígenas são um sonho indígena que vem sendo realizado, e por onde passam etnias e etnias, onde o Índio tem voz e onde a celebração e a alegria formam uma convivência intertribal como exemplo de paz, dignidade, soberania e respeito mútuo para o mundo moderno. Dourados - Aeroporto de Dourados (DOU) 29/01/2015 às 03:30 26 Celebrando os jogos, a memória e a identidade PARTE I Fernando Amazônia PROCESSOS HISTÓRICOS E SIGNIFICADOS Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 27 Fernando Amazônia CA PÍTULO 1 A POLÍTICA PÚBLICA DO MINISTÉRIO DO ESPORTE E OS JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS Rejane Penna Rodrigues Os “Jogos dos Povos Indígenas” (JPI) são uma realização do Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC), com a parceria do Ministério do Esporte e apoio de diversos órgãos governamentais, das três esferas: do município e estado sede e do governo federal. O entendimento desses Jogos para além de uma atividade e, sobretudo, como um permanente reviver de costumes tradicionais dos indígenas brasileiros, faz dos Jogos um elemento de resistência aos valores que a sociedade moderna muitas vezes nega, ou não o valoriza devidamente. É também falar da conquista de direitos estabelecidos pela Constituição Federal, art. 217, inciso IV, da Constituição Federal do Brasil, que se traduz na “Proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional” e, em seu Art. 231, Capítulo VIII, quando afirma que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, em consonância com a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que, no seu Art. 47, prevê que “é assegurado o respeito ao patrimônio cultural das comunidades indígenas, seus valores artísticos e meios de expressão.” Refere-se também ao Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 29 direito de acesso ao esporte e lazer, previstos pela Política Nacional de Esporte (2005) e direito dos povos indígenas “a manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas” (Declaração da ONU sobre os “Direitos dos Povos Indígenas”, 2007). Essas orientações legais vêm ao encontro das demandas e reivindicações de 896,9 mil indígenas, de 305 etnias, que possuem 204 idiomas (IBGE, 2010), que hoje vivem distribuídos por diversos estados brasileiros, exceto Piauí e Rio Grande do Norte. Povos que vivem em suas terras originais. Povos diferentes entre si, constituindo a diversidade cultural dos povos indígenas brasileiros, com manifestações, usos, costumes, habilidades corporais e tecnológicas, organização social, ritos, crenças, filosofias, espiritualidades e seus esportes tradicionais peculiares, que precisam ser revitalizados. Para Marcos Terena, os Jogos são vistos como ação afirmativa, que dão visibilidade à questão indígena, representando, na sua essência, uma estratégia para responder à lentidão das conquistas legais para os indígenas no Brasil. “Com o esporte, o velho esporte, nós vamos desobstruir o preconceito, a discriminação e valorizar o direito e a realidade de sermos índios brasileiros, acima de tudo, mas povos irmãos, mesmo com as diferenças” (Terena in: PINTO & GRANDO, 2011, p. 19).Mobilizados por esta causa, desde 1980, os irmãos Carlos e Marcos Terena idealizavam e planejavam a realização das “Olimpíadas Indígenas” no sentido de agregar os valores dos esportes indígenas tradicionais, o que não acontecia antes de forma oficial. Depois de longa caminhada em l996, conseguiram o apoio para a realização dos I JPI do Ministro Extraordinário dos Esportes e Turismo Edson Arantes do Nascimento – Pelé, cujo ministério era recém-criado. Em 1996 a realização, em Goiânia-GO, dos I JPI, contou com a participação de 600 indígenas, de mais de 24 etnias. De 1996 a 2011 foram realizadas 11 30 Celebrando os jogos, a memória e a identidade edições do evento nas cidades sede: 1ª Goiânia/GO: 1996; 2ª Guaíra/PR: 1999; 3ª Marabá/PA: 2000; 4ª Campo Grande/MS: 2001; 5ª Marapanim/PA: 2002; 6ª Palmas/TO: 2003; 7ª Porto Seguro/BA: 2004; 8ª Fortaleza/CE: 2005; 9ª Recife/ Olinda/PE: 2007; 10ª Paragominas/PA: 2009; 11ª Porto Nacional/TO: 2011. Enquanto gestora, meu primeiro contato com os “JPI” aconteceu no ano da preparação da sua IX Edição, realizada em Recife/Olinda/PE, em 2007. Na oportunidade, o Ministro do Esporte Orlando Silva estava discutindo em qual de suas secretarias este tema deveria ser tratado, uma vez que sua permanência na Secretaria do Esporte Educacional talvez não fosse o mais adequado, por tratar-se de um tema mais amplo. Assim, os IX JPI aconteceram com uma organização conjunta entre as Secretaria Nacional de Esporte Educacional (SNEED) e Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer (SNDEL). Experiência que oportunizou um contato efetivo com os irmãos Marcos e Carlos Terena, os idealizadores dos “Jogos dos Povos Indígenas”. A avaliação da Edição de 2007 destaca, dentre outras falas indígenas sobre o porquê da avaliação dos JPI, que este é um processo que para eles, até então era questionável, especialmente considerando que os produtos finais das avaliações realizadas em outros Jogos não foram divulgados para as etnias e nem influenciaram nas ações indígenas no campo do esporte e lazer (PINTO & GRANDO, 2011) E, nesse sentido outras perguntas foram postas durante todo o processo dos Jogos de 2007, como por exemplo: como garantir que as práticas tradicionais indígenas fossem revitalizadas? De que forma podemos aproveitar o potencial dos Jogos para pensar uma política mais ampla nesse sentido? Essas questões motivaram não só muitas reflexões realizadas durante as avaliações dos JPI de 2007 como resultaram em respostas importantes da Política Nacional de Esporte desenvolvida pela SNDEL, como: • publicação no livro: “Brincar, jogar, viver: IX Jogos dos Povos Indígenas” de todos os dados levantados na Avaliação do IX JPI; Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 31 • subvenção do livro Jogo, celebração, memória e identidade. Reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos dos Povos Indígenas no Brasil (1996 2009). Campinas: Curt Nimuendajú, 2011. Página web www.labjor.Unicamp.br/indio e banco de dados com informações neste período • http://www.labjor.Unicamp.br/indio/galeria/main.php • apoio continuado do Ministério do Esporte à realização bianual do evento nacional Jogos dos Povos Indígenas; • contatos com os Wai Wai e Matis para realização de jogos nessas etnias, que tiveram que retornar para a aldeia sem participar dos Jogos de 2007, com o apoio da SNDEL, sugestão concretizada com os Wai Wai em dezembro de 2008, pela realização do “Ponto de Encontro de Esporte e Lazer Indígena, reunindo cerca de mil participantes; • apoio para a divulgação dos JPI por meio de exposição fotográfica, documentário, livros e CD; • apoio a estudos sobre esporte, lazer e práticas corporais indígenas divulgados por todo País, garantindo difusão junto às etnias indígenas; • implantação de núcleos dos Programas PELC, Vida Saudável e Segundo Tempo em comunidades indígenas; e estabelecimento de parcerias com o Programa Pintando a Liberdade para produção de materiais esportivos e de lazer para desenvolvimento de atividades nas aldeias indígenas; • ampliação da documentação sobre os jogos tradicionais indígenas (cinematográfica, fotográfica, impressa e outras formas de registro); sistematização dos registros científicos, documentos históricos e gerenciais, legislação, imagens, organizando bancos de dados a serem disponibilizados pelo Repositório da Rede Cedes e outros. 32 Celebrando os jogos, a memória e a identidade No ano de 2008, A SNDEL do Ministério do Esporte iniciou, assim, a implantação de uma Política Nacional de Esporte para Povos Indígenas, tendo como público alvo não só etnias indígenas brasileiras, mas também os gestores estaduais e municipais de esporte e lazer parceiros das ações realizadas por este plano e comunidades em geral participantes das ações desenvolvidas (seja como expectadores seja parceiros. O objetivo principal era consolidar a política pública de esporte e lazer promotora da inclusão social e desenvolvimento humano dos indígenas brasileiros, buscando: 1) ampliar o conhecimento das demandas e ações políticas de esporte e lazer desenvolvidas com e para os indígenas brasileiros; 2) promover ações educativas para a conquista do direito ao esporte e lazer, atendendo necessidades específicas das comunidades e lideranças indígenas, assim como dos gestores municipais e estaduais de políticas públicas de esporte e lazer no trato das necessidades indígenas; 3) ampliar o apoio para atendimento de necessidades dos indígenas quanto suas demandas de esporte e lazer. Era necessário priorizar ações que pudessem contribuir com a superação da exclusão social dos indígenas no Brasil, com vistas, especialmente, à conquista do direito ao esporte e lazer pelos indígenas brasileiros. Crescentes demandas de desenvolvimento de ações específicas de esporte e lazer para a população indígena brasileira. Momento histórico privilegiado para o desenvolvimento de uma política pública de esporte e lazer alicerçada pelas parcerias com lideranças indígenas, organizações indigenistas, setores governamentais e sociedade civil. Na X Edição dos Jogos dos Povos Indígenas, realizada Paragominas/PA, em 2009, a Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer - SNDEL não realizou nenhuma avaliação de caráter científico e alguns pesquisadores desenvolveram seus trabalhos de forma independente. Na preparação dos Jogos no ano de 2011, em sua décima primeira edição, uma das preocupações foi com o processo de avaliação. Desde o início Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 33 do planejamento foi dado um destaque especial para este item, oportunidade em que convidamos a professora Leila Mirtes Magalhães Pinto, que havia sido Diretora da extinta SNDEL, responsável pela Rede Cedes e com grande experiência em pesquisa e avaliação para que, de forma voluntária, coordenasse uma equipe de pesquisadores. O desafio desta equipe foi que a avaliação respondesse aos avanços dos Jogos e produzisse registros do interesse e necessidade dos indígenas. Com algumas mudanças no Ministério do Esporte ocorridas no final de 2011, o material resultante da avaliação ficou guardado e com a retomada da Rede Cedes, neste ano de 2014, ocorreu a oportunidade de publicação de seus resultados. Desta forma cumprimos nosso compromisso de retorno destes dados para a comunidade indígena e a comunidade em geral. Afinal, as avaliações dos JPI são sempre significativas para a compreensão da relevância dos Jogos para os indígenas e do papel deste evento como parte da política pública de esporte e lazer no Brasil. Na conclusão dessa avaliação foi muito importante a liderança da professora Maria Beatriz Rocha Ferreira, a quem agradecemos profundamente o acolhimento do nosso convite para coordenar a organização desta obra que registra a avaliação dos JPI de 2011. A professora, que participou do levantamento destes dados, integra a Rede Cedes do Ministério do Esporte e possui larga experiência em pesquisas indígenas, avaliações dos JPI, documentação dos mesmos e a organização do Repositório Indígena da Rede Cedes no LABJOR/Unicamp. Com sua disponibilidade, colaboração e competência, assim como a de sua equipe, prestadas em todos os anos que estivemos responsáveis junto ao Ministério do Esporte e pelo apoio aos Jogos dos Povos Indígenas, a professora Maria Beatriz ajuda-nos a fechar mais um ciclo na produção e difusão de conhecimentos únicos do tema e que são importantes para a qualificação das políticas públicas de inclusão social. 34 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Expressamos ainda um agradecimento especial a todos os pesquisadores e colaboradores que, de forma voluntária, participaram do processo desta avaliação. Obrigada a todos pela dedicação e comprometimento com as políticas públicas, especialmente, a indígena. Concluindo, convidamos você leitor a vasculhar os dados apresentados neste livro e outros documentados nos bancos de dados digitais do Comitê Intertribal (ITC) e Repositórios da Rede Cedes (na Unicamp/Labjor e na Universidade Federal de Santa Catarina/LaboMídias), que revitalizam as memórias dos JPI. Esse mergulho será importante para você conhecer melhor as características dos Jogos, o “olhar” das diversas etnias sobre eles e impactos dos Jogos nas aldeias e políticas públicas. Referências BRASIL. Censo 2010. Censo 2010. ibge.gov.br Acesso net em 05/08/2014. BRASIL. Política nacional do esporte. Brasília: Ministério do Esporte, 2005. BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1988. ITC - Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena. Registros sobre os JPI. https://pt.br.facebook.com/ComiteIntertribalMemoriaECienciaIndigenaItc. Acesso em 06/08/2014. LABJOR/Unicamp. Banco de dados dos JPI. Disponível em: htt://www.labjor.Unicamp.br/indio/galeria Acesso em 08/08/2014. ONU. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 07/09/ 2007. Acesso em 06/08/2014. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 35 TERENA, Marcos. O brincar, jogar e viver indígena: os jogos para o Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena. PINTO, L. M. P. & GRANDO B. S (Orgs). Brincar jogar viver: IX Jogos dos Povos Indígena. 2ed. Brasília: Gráfica e Editora Ideal, 2011. p. 17-19. 36 Celebrando os jogos, a memória e a identidade CA PÍTULO 2 LEGADOS DOS JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto O presente texto se propõe a analisar dados referentes a memórias dos “Jogos dos Povos Indígenas” (JPI), considerando suas várias edições, buscando identificar e compreender os principais legados deste evento para os indígenas e as políticas públicas de esporte e lazer no Brasil, considerando os momentos históricos que foram significativos para a constituição dos mesmos. Os JPI são realizações do Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena e do Ministério do Esporte, em parceria com o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal onde se realizam. Para isso, o evento imbrica suas atividades a outras políticas públicas (cultura, saúde, alimentação, educação, segurança, transporte, promoção da igualdade racial, por exemplo), conquistando apoio de vários ministérios e órgãos como a Funai, Ministério da Justiça, secretarias estaduais e municipais das cidades sedes, além da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Os JPI têm conseguido também o apoio da iniciativa privada, por meio da “Lei de Incentivo ao Esporte”, e a participação da mídia nacional e internacional, além de universidades e outras instituições. A responsabilidade pela elaboração do projeto do evento, a escolha do espaço físico para sua realização, a organização esportiva, cultural, espiritual e tradicional, assim como a realização das atividades programadas e articulação junto aos povos indígenas participantes é do líder indígena Marcos Terena também fundador do Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 37 Carlos Terena, irmão de Marcos, é o organizador executivo e um dos idealizadores dos JPI. Segundo ele, a participação indígena nos Jogos Escolares Brasileiros (JEBs) de 1985 alimentou o sonho da realização de Olimpíadas Indígenas. Participação que marcou a primeira participação indígena em evento esportivo oficial no País (GRUPPI, 2011). Lembrando-se deste fato, Marcos Terena diz que [...] fomos [eu e o Carlos] falar com o Ministro da Educação e perguntamos ‘será que dá para a gente trazer um índio aqui [nos JEBS] para mostrar que ele é um bom arqueiro? Trazer um índio no meio dos estudantes? – perguntou o Ministro. ‘Sim, só para mostrar como atira uma flecha sem “doping”, sem anabolizante’ [...] Com aquela gurizada, estudantes, jovens, era uma maneira de quebrar um pouquinho o conceito de esporte. O que é esporte? O índio estava usando um arco tradicional, uma metodologia tradicional, mas com o objetivo que não era o tradicional, porque lá na aldeia aquele índio não faz aquilo como esporte. Ele faz para acertar uma ave, uma anta, um peixe no meio do rio, que é mais difícil de acertar porque tem aquela coisa de ótica. Então, nós a partir daquele momento começamos a trabalhar esse conceito de Jogos dos Povos Indígenas (Marcos Terena, citado em ROCHA FERREIRA, 2010, p. 66). Marcos e Carlos Terena com essa iniciativa estavam abrindo um caminho a mais para a garantia dos direitos indígenas, consagrados pelos artigos 231 e 232 da Constituição federal brasileira de 1988. Direitos também legitimados pela Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 07/06/1989, homologada pelo Governo Brasileiro por meio do Decreto Presidencial 5.051, de 19 de abril de 2004; a Política Nacional de Esporte (Brasil, 2005); e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 07/09/ 2007. Essas orientações legais reconhecem as diferenças dos indígenas, suas manifestações culturais, formas de organização e protagonismo. Destacam o direito indígena de manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, conhecimentos e expressões culturais tradicionais, assim como 38 Celebrando os jogos, a memória e a identidade manifestações de suas tecnologias e culturas; suas tradições orais, literaturas, artes visuais e interpretativas, seus esportes e jogos tradicionais. Conquistas que implicam o dever do Estado em adotar medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício desses direitos. Dada a riqueza do patrimônio cultural acumulado pelos JPI ao longo de sua realização, nos motivamos a realizar uma leitura sobre os legados dos JPI considerando: (1) conquistas políticas; (2) a revitalização da ludodiversidade cultural; (3) a valorização da visão de mundo indígena, sua espiritualidade e memórias; (4) e as trocas entre indígenas e destes com os não indígenas. 1. Conquistas políticas Os JPI nos mostra que as vozes indígenas têm sido cada vez mais ouvidas na história da Educação Física e do Esporte no Brasil, influindo em conquistas de direito. A partir deste evento [JEBS de 1985] conversamos com o Pelé, que era Ministro dos Esportes, e realizamos a primeira Olimpíada congregando 30 povos indígenas do Brasil em Anhanguera, Goiânia (1996). Utilizamos o termo Olimpíada, pois entendemos que a denominação [desse evento como] Jogos Indígenas, naquela época, poderia dar a conotação de futebol para os indígenas. Foi o primeiro aprendizado com os parentes indígenas. Buscamos sempre dialogar como os índios bilíngues para [...] iniciar um diálogo com a sociedade não indígena (Marcos Terena, citado em ROCHA FERREIRA, 2010, p. 66). Essa primeira conquista ocorreu num momento histórico de um debate importante mobilizado pelo Governo Federal em face de seu dever perante o artigo 217, parágrafo IV, da Constituição Brasileira de 1988, de proteger e incentivar as manifestações desportivas de criação nacional. Direito que exigiu do setor esportivo do nível nacional a constituição de um arcabouço conceitual que pudesse orientar ações a serem desenvolvidas para atender essa nova demanda. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 39 Com esse fim, foi promovido um debate em 29 de abril de 1994, promovido pela extinta Secretaria de Desportos (SEDES/MEC) em parceria com a Universidade Católica de Brasília, sobre: “O que é desporto com identidade cultural?” Para esse encontro, coordenado pelo professor Jairo Bamberg, foi constituído um grupo de trabalho que reuniu cientistas esportivos com reconhecido interesse na aproximação conceitual entre “esporte e cultura”1. Esse debate foi publicado e socializado para todo o País, em 1996, por meio de uma Coletânea intitulada “Esporte com Identidade Cultural”, elaborada pelos professores participantes do encontro de 19942. Iniciativa do Ministério Extraordinário dos Esportes, comandado pelo Ministro Edson Arantes do Nascimento (Pelé) por meio do INDESP (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto), apoiada pela sua meta de fomento a pesquisa e ao conhecimento tecnológico do setor esportivo. Em continuidade, o governo federal foi várias vezes demandado pela população indígena, como mostra a pesquisa de Pinto (2011), que analisou os protocolos do Ministério do Esporte no período de 2001 a 2007, identificando demandas relacionadas a: 1) ações legais; 2) programas sociais; 3) implantação e modernização de infraestrutura física e material; 4) participação/apoio em encontros, seminários, oficinas, exposições sobre questões indígenas; 5) publicações; 6) pesquisas; 7) preservação patrimonial; 8) apoio a eventos propostos por indígenas, especialmente, aos JPI. Já a partir dos IX Jogos (2007), além da consolidação do apoio do Ministério do Esporte aos JPI, a questão indígena passou a ser tratada em outras 40 1 Participaram deste encontro os professores: Silvino Santin (UFSM); Leila Mirtes S. M. Pinto (UFMG), Lamartine Pereira da Costa (UGF), Paulo Vicente Guimarães (UCB); Muniz Sodré (UFRJ), Priscila Ribeiro Ferreira (Secretaria da Educação do Estado de Santa Catarina), Maria Hilda Baqueiro Paraiso (UFBA) e Leopoldo Gil Dulcio Vaz (CEFET/MA). 2 Ver textos: “Esporte: identidade cultural”, de Silvino Santin; “A busca do corpo esportista brincante”, de Leila Pinto; “As corridas do mastro de Oliveira”, de Maria Hilda Paraíso, quando discute “De Corrida de Toras a Puxada de Mastro: um processo de dominação cultural”; e “A corrida entre os índios Canela: contribuição à história da educação física maranhense”, de Leopoldo Vaz. Celebrando os jogos, a memória e a identidade ações do Ministério do Esporte, como, por exemplo, o fomento a pesquisas e implementação programas sociais como o PELC (Esporte e Lazer da Cidade) e o PST (Segundo Tempo). Os JPI reafirmam como objetivo geral “resgatar e valorizar os jogos esportivos indígenas, promovendo congraçamento e intercâmbio entre as etnias participantes, fortalecimento da identidade cultural desses povos e confraternização digna e respeitosa dos índios com a sociedade não indígena” (PINTO & GRANDO, 2011). Esse é um objetivo ousado e complexo, pois são muitas as etnias indígenas, morando em localidades distantes do território brasileiro.3 Além disso, este evento envolve muitos setores e parceiros sociais, com diferentes experiências com Jogos Indígenas. A diversidade de atores e interesses implicados nos JPI contribui também para seja palco de disputas políticas, como aconteceu em Fortaleza, em 2005. Uma decisão do ‘juiz Jorge Luiz Girão atrasou em algumas horas a cerimônia de abertura da 8ª edição dos Jogos dos Povos Indígenas. Girão Bandeira suspendeu a realização do evento alegando não existir autorização oficial para a realização dos Jogos no aterro da Praia de Iracema’ (BARDAWIL, 2005). No momento todos ficaram sem entender, os organizadores, os indígenas e o público [...] As razões e disputas políticas, comentadas no momento, se houveram, não foram esclarecidas. No final a questão foi resolvida com interferência de diferentes representantes, pois a praia pertence à União. [...] A reação dos povos indígenas participantes frente à decisão do Juiz foi de profunda comoção e revolta. Fizeram rituais, danças e cantaram na entrada da arena. Cada um na sua língua, mas numa mesma comunhão. Naquele momento, parecia que a história colonial de desrespeito e desqualificação aos indígenas se repetia (ROCHA FERREIRA, 2010, p. 70). Para investir na conscientização dos indígenas e na formação de novas lideranças que possam lidar com as questões políticas em defesa da continuidade 3 O Censo de 2010 (IBGE) mostrou aumento da população indígena no Brasil para um total de 896,9 mil pessoas, de residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça, mas se consideravam indígenas de acordo com aspectos como tradições, costumes, entre outros. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 41 do evento e de outras demandas indígenas, os JPI incluem em sua programação o Fórum Indígena, fomentando o exercício o político. A cada edição do Fórum amplia-se o número de participantes indígenas e não indígenas, com crescente participação de jovens e mulheres nas discussões realizadas. Em geral, as atividades do Fórum acontecem no mesmo local de realização dos JPI, num ambiente próprio, com transmissão das palestras e debates por multimídia4. Nos Fóruns procuramos esclarecer numa linguagem mais acadêmica e conversar com formadores de opinião como os professores, alunos universitários, a própria criança, buscando conscientizar o que é uma cultura autóctone [natural da região habitada e descendente das raças que ali sempre viveram] e não um folclore. Todo esse conhecer afasta o preconceito, pois o desconhecer gera discriminação (Carlos Terena em RUIZ, 2011, p. 17). O legado político dos JPI é, pois, consolidado pela continuidade da realização do evento, ampliando a cada Edição, a participação indígena na preservação de suas tradições e debates sobre questões dos indígenas brasileiros. 2. A revitalização da ludodiversidade cultural Um legado dos JPI igualmente importante é a preservação da ludodiversidade cultural indígena. Esta revela a busca da “identidade de cultural reivindicada” que, segundo Santin (1996), não significa apenas reconhecer-se nos valores e construção simbólica herdada dos antepassados. É também 4 42 O Fórum dos XI JPI foi realizado em três dias, sendo iniciado, no primeiro dia, com Celebração Cultural e Espiritual Karajá; no segundo dia, com Cerimônia Espiritual Indígena Tapirapé e, no terceiro dia, com Cerimônia Espiritual Indígena Xavante. As sessões diárias também tiveram apresentações culturais, como a dos Kayapó. O Fórum culminou com a Palavra dos Caciques do Tocantins e um encerramento intercultural. A mesa de abertura do Fórum contou com as palavras do Indígena Marcos Terena; do Ministro do Esporte; do Governador do Tocantins; e da Prefeita de Porto Nacional. A programação incluiu debates concluídos com recomendações, abordando os temas: Os XI Jogos dos Povos Indígenas. Igualdade Racial e os Direitos da Mulher Indígena: Terra é Vida! Direito Indígena - Identidade, Cultura e Educação. RIO+20 – Economia Verde, Povos Indígenas e a Kari-Oca. Juventude Indígena Formação Superior ICT) Celebrando os jogos, a memória e a identidade reconhecer-se na elaboração de futuras utopias, que irão influenciar decisões sobre rumos de seus destinos. Por isso, os JPI incluem modalidades tradicionais relacionadas à sobrevivência indígena (arco, flecha, arremesso de lança e canoagem), rituais sagrados (lutas e corrida de tora; brincadeiras; jogos demonstrativos) e outras atividades cotidianas (jogos com bola, cabo de guerra/de força, natação/travessia e zarabatana), assim como incluem modalidades esportivas não indígenas, mas que são vivenciadas nas aldeias (corrida de 100 metros, corrida de fundo e o futebol) (PINTO & GRANDO, 2011). Estudando o futebol entre os Kaingang, Fassheber faz uma proposta de etnodesporto, compreendido como [...] a prática das atividades físicas tanto sob a forma de jogos tradicionais específicos e a mimesis que dinamiza estes jogos, quanto sob a forma de adesão ao processo de “mimesis do esporte global”. Em outros termos, é a capacidade de adaptarem-se aos esportes modernos, sem, contudo, perder a indianidade. Já por etno-futebol indígena, entendemos ser o processo pelo qual a mimesis do esporte – pela via da transformação dos jogos tradicionais e da incorporação do Futebol nas aldeias – permite-nos pensar a afirmação da identidade étnica de forma singular, se considerarmos a construção e o uso específico que cada grupo faz de sua corporalidade (FASSHEBER, citado por ROCHA FERREIRA, 2010, p. 74). Nesse sentido, o futebol é um exemplo. Ele é praticado em todas as aldeias brasileiras mesmo sendo uma manifestação cultural gestada na lógica racionalista ocidental, que privilegia a universalização e homogeneização de suas regras, técnicas e competição, fundadas na disputa pela alta performance técnica e melhores resultados. Já os JPI buscam a prática esportiva nascida da valorização da criatividade do impulso lúdico e do espírito de celebração, considerando as construções simbólicas das culturas indígenas. Ao contrário dos esportes modernos ocidentais, as formas lúdicas não são Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 43 universais. O jogo lúdico exige organização, mas não com rigidez de regras. Suas expressões são particulares, levando a marca da construção simbólica criada pelos participantes da ação. Por isso, varia de acordo com a liberdade de escolha do lugar onde acontece o jogo, o tempo vivido e os materiais usados para a sua prática, as regras acordadas entre os participantes e o imaginário lúdico de cada comunidade. A alegria e sentido de celebração coroam essa vivência (SANTIN, 1994; PINTO, 1994). Nesse sentido, destacamos um exemplo citado por Vianna (apud ROCHA FERREIRA, 2011, p. 74) ao identificar que [...] o futebol entre os Xavante faz interessantes relações com a corrida toras, a produtividade sociológica das metades, os grupos de idades e clãs nos times, o parentesco na organização dos times, as relações com a natureza e animais, as negociações, os espaços dos jogos e as diferentes formas de se lidar com o futebol, sentidos de vitória e derrota. Carlos Terena sempre enfatiza que o futebol praticado nos JPI precisa atender ao princípio do ‘celebrar e não do competir’. E como exemplo lembra de um fato, quando [...] após a realização dos III Jogos (Marabá, PA, 2000), o chefe da delegação do povo Xavante, Adriano Tsererawau, procurou o coordenador dos Jogos dizendo que os Xavante foram campeões três vezes e não queriam mais vencer. Gostariam de dar oportunidade para que outra etnia pudesse ser campeã. Assim, os atletas bons de bola não mais participariam, somente os mais velhos. Assim foi feito, e os Xavante nunca mais foram campeões no futebol, demonstrando que ganhar não é o mais importante (TERENA, apud ROCHA FERREIRA, 2011, p. 74). A valorização do esporte, na perspectiva da identidade cultural reivindicada, vem sendo difundida a cada nova edição dos Jogos. Entretanto, nos 1º JPI, realizados em Anhanguera (1996), foi diferente, pois [...] todos os participantes queriam só jogar bola, os pódios foram montados para a premiação com as medalhas de 1º, 2º e 3º, uma das provas de natação foi 44 Celebrando os jogos, a memória e a identidade realizada numa piscina olímpica, houve uma disputa de voleibol. Poucos vieram com seus trajes típicos. Mas algumas práticas de modalidades tradicionais foram realizadas [...] A cada edição dos jogos as ‘regras’ foram sendo criadas, aperfeiçoadas e fomos ‘limpando’, até chegar ao que é atualmente (Terena citado por RUIZ, 2011, p. 16). Complementando, Marcos Terena (citado por CAMARGO, 2011, p. 22) afirma que o primeiro JPI foi importante ainda [...] porque precisávamos também conscientizar o Ministério do Esporte de que essa atividade não era um campeonato de índios, de esportes indígenas, mas tinha toda uma celebração, uma tradição, um rito que a gente faz na aldeia e que precisava ser trazido para a cidade; onde os flecheiros mais capazes de atingir o alvo são os mais velhos, então não havia a coisa da idade, a simbologia da força física e então esse tipo de trabalho fez com que a gente fosse promovendo ao longo dos anos e em lugares diferentes o sentido dos JPI. Por isso, Santin (1996) ressalta que a promoção de esportes com identidade cultural implica resgatar as atividades lúdicas, que por sua vez, mera reprodução da tradição cultural. Não pode ser também compreendido como a organização de uma mostra exótica ou apresentação de tradições folclóricas. Esse resgate [...] para que possa efetivamente revitalizar a identidade cultural precisa ser reincorporado a práticas sociais vigentes. É preciso que ele se torne novamente uma forma viva cultural do grupo social. Para que isso aconteça, provavelmente, deverá ficar atento às alterações introduzidas pela intencionalidade de seus praticantes. É possível, também, promover esportes através do intercâmbio cultural [...] como um processo de adaptação e assimilação [...] que considere o outro [seu jeito de ser, ginga, intencionalidades [...] (SANTIN, 1996, p. 24-25). A valorização da identidade cultural indígena muitas vezes enfrenta dificuldades uma vez que é pouco re/conhecida no País, onde a cultura esportiva ocidental é a mais usual e difundida pelos meios de comunicação de massa e Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 45 seus patrocinadores. Com isso, por exemplo, o fato do locutor dos JPI incentivar o público a aplaudir seus atletas gera, com frequência, a divulgação de comentários equivocados pela mídia (televisão, jornal, rádio) que cobre os Jogos, entendendo-os com mesmo significado das competições esportivas ocidentais (ROCHA FERREIRA, 2010). 3. A valorização da visão de mundo indígena, sua espiritualidade e memórias Na sabedoria milenar, a cultura indígena valoriza os ritos tradicionais, fundados [...] na celebração do encontro com a grande família, o repartir, festejar o nascer, o rito de passagem, a formação do homem adulto, o ancião e nossa ida [morte]... Os jogos nasceram nessa inspiração e com essas essências (Carlos Terena citado por RUIZ, 2011, p. 17). Nesse sentido, os JPI são festas que celebram vidas humanas e sua relação com a natureza: terra, meio ambiente. Mas, como os JPI são realizados fora das aldeias, seus organizadores sempre respeitam o sistema e o povo indígena local, ressignificando os lugares onde são realizados, buscando uma ambientação que estreite as atividades com a natureza, integrando os rituais à convivência na Arena dos Jogos como uma “aldeia”. A escolha do local da sede dos JPI passa por orientações dos pajés, líderes indígenas e parceiros dos governos federal, estadual e municipal. No lugar escolhido são construídas ocas para abrigar os povos participantes, tendas para venda de artesanatos, realização do Fórum, instalação da mídia, de serviços e, especialmente, da Arena Círculo Indígena onde se realiza a programação dos Jogos. A cerimônia para acender o fogo sagrado de forma tradicional com o atrito de gravetos é realizada ao por do sol, no dia anterior [ao início dos jogos]. Entre os diferentes significados, o fogo representa a união entre os povos, costume ancestral quando não estavam em guerra. Atualmente, o fogo continua sendo aceso em 46 Celebrando os jogos, a memória e a identidade situação de união com a sociedade. No dia seguinte se inicia o revezamento da tocha para ser conduzida até a Arena, local da realização dos Jogos. A cerimônia de abertura é uma composição de elementos culturais, ancestrais e políticos. Há a pajelança, momento de muita espiritualidade. A tocha com o fogo sagrado chega a Arena e é entregue para um ‘guerreiro’ que percorre a Arena e acende outras tochas até chegar à pira. Em seguida, acontece o desfile de abertura com a participação dos povos participantes. Cada etnia segura uma placa com seu nome e os participantes chamados de ‘guerreiros’ e/ou ‘atletas’ se apresentam com os adornos e vestimentas típicas. A diversidade dos povos indígenas pode ser observada nas plumagens e pinturas corporais. Em algumas ocasiões, as etnias fazem pajelança, dançam e cantam na concentração (fase que o público não participa [...] As tendas de artesanatos são montadas próximo a arena e funcionam durante todo o dia até o final das atividades do evento (ROCHA FERREIRA, 2010, p. 68). Os JPI representam, sobretudo, uma ocasião privilegiada de preservação do princípio dos Jogos que é a celebração com símbolos da natureza: água, semente e fogo. O fogo, que nós chamamos o ‘Fogo Sagrado’, é um pouquinho diferente do da Tocha Olímpica [...] o fogo pros povos indígenas significa exatamente a possibilidade de você construir novos cenários de relacionamento humano. Os jogos são como se fossem iluminar novos caminhos [...] Quando a gente precisa de calor humano a gente acende o fogo, mas o fogo também pode matar, por isso é que ele tem essa simbologia sagrada da vida (Marcos Terena, 2011, 22-23). A visão de mundo indígena, sua espiritualidade, demandas e memória orientam a escolha dos temas de cada Edição dos Jogos, que foram: I JPI: Goiânia/GO, 1996: Programa do Índio - Os povos indígenas vão mostrar que esporte não é reserva de branco. II JPI: Guaíra/PR, 1999 (na fronteira Argentina-Paraguai): A Terra de todas as Tribos. III JPI: Marabá/PA, 2000 (na Amazônia brasileira): A União das Tribos. IV JPI: Campo Grande/MS, 2001 (região do Pantanal): Compromisso com nossas Tribos. V JPI: Marapanim/PA, 2002: Jogos do Homem-Natureza. VI JPI: Palmas/TO, 2003: Esta Terra é Nossa. VII JPI: Porto Seguro/BA, 2004 (local da chegada dos “caraíbas” portugueses): 1994/2004 - Década Internacional do Índio. VIII JPI: Fortaleza/CE, 2005: O Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 47 importante não é competir e, sim, celebrar. IX JPI: Recife e Olinda/PE, 2007: Água é vida, direito sagrado que não se vende. X JPI: Paragominas/PA, 2009: O importante não é ganhar e, sim, celebrar. XI JPI: Porto Nacional/TO, 2011: Importante não é ganhar e, sim, celebrar. XII JPI: Cuiabá/MT, 2013: Soberania alimentar: alimentação e respeito à Mãe Terra (Fontes: Site do ITC; banco de dados LABJOR/Unicamp). Também as logos de cada Edição expressam o universo cultural dos indígenas - suas pinturas corporais, materiais usados nos Jogos e no seu cotidiano -, como pode ser visto a seguir (Fontes: Site do ITC; banco de dados LABJOR/Unicamp). Fonte: Ministério do Esporte. 48 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Além disso, os Jogos preservam artes indígenas – artesanatos, cantos, músicas e danças –, cultos, línguas, religiosidade e formas de ser, viver e entender o ciclo da natureza. A presença das famílias dos povos participantes representa outro meio de educar pela transmissão das sabedorias milenares de uma geração a outra, valorizando a sabedoria dos anciãos. Os mais velhos são vistos pelos jovens como detentores de conhecimentos que dão novo sentido ao seu futuro. Mulheres realizam trabalhos coletivos, participam dos jogos e debates. Crianças crescem ouvindo a língua que os avós falam. Grupos se aproximam de outras comunidades. Nessas trocas tradições são apresentadas e memórias revividas. Afinal, a tradição só tem sentido na preservação de suas memórias, transmitidas e atualizadas de geração a geração, respeitando-se seus valores, a comemoração uns com os outros e a gratuidade do festejar. É muito bom aqui, porque a gente conhece a parte do ritual deles, dos instantes deles, do pisado deles, do modo deles se pintar, a língua, sua pintura corporal, suas vestes, suas lanças, as borduras de seus colares [...] e eles vê também a parte do nosso ritual [...] é bom essa troca de conhecer, de tá mais próximo do outro pra ter essa interação (Líder Pankararu citado em PINTO & GRANDO, 2008). Eu estou achando muito bom também lá na arena [...] as pessoas chegam, ficam olhando meio que curioso, ou meio amedrontado, admirados [...] Aí, chegou um menino e falou bem assim: ô índio, ô índio, eu falei oi. Ele falou assim: é verdade que a gente era bem nervoso? Eu falei não, nós não somos nervosos não. Ficou olhando admirado, aí ele falou: você poderia arrumar um daquele pra mim, era um colar que eu tinha, né, aí eu falei: posso sim. Aí foi que dei uma pulseira pra ele. Ele ficou muito alegre, acho que ele se sentiu muito feliz, saiu correndo, aí de repente veio um bocado de gente vindo pra cá, acho que era os pais dele. Cumprimentaram eu e puxaram conversa. Aquilo criou um clima legal, e começaram a ficam bem à vontade e a conversar, perguntar como que é na aldeia, como que é... se a gente vive como branco... a gente gosta de conversar... gosto muito de arrumar amizade, falar sobre minha cultura, minha língua, eu gosto disso (Atleta Bororo citado em PINTO & GRANDO, 2008). Também eu acho bom, porque a gente passa a conhecer outras etnias, conhecer a dança, a cultura, os artesanatos [...] a gente tira foto, a gente grava um bocado de filme e a gente leva pra mostrar na aldeia que tem outras etnias e que a gente Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 49 tem que manter a nossa, pra ter uma coisa diferente da outra (Líder Assurini citado em PINTO & GRANDO, 2008). Há uma dupla admiração do diferente: não índio registrando (filme e fotografia) os índios e estes os registrando. Nisso, os Jogos influem na vida de todos. Eu aprendi sobre a cultura deles, o artesanato, muita coisa bonita e a união deles, o respeito [...] que eles vêm pros jogos como se fossem pra uma guerra, com os adereços, as danças, o toré, essas coisas que me chamou a atenção (Um espectador citado em PINTO & GRANDO, 2008). Eu achei maravilhoso ver a tranquilidade. Eu acho que a gente vive no corre-corre, trabalho manhã, à tarde e a noite, e eles são bem tranquilos, são leves, livres, soltos. A escola passa pra gente a vida toda que índio é preguiçoso, índio não gosta de trabalhar, índio é isso, é aquilo [...] mas os professores têm que mudar a sua fala, que não tem nada ver com o que a gente está vendo e ouvindo aqui (Uma espectadora citada em PINTO & GRANDO, 2008). 4. As trocas entre indígenas e destes com os não indígenas Por reunir etnias que vivem distantes uma das outras, os JPI representam uma oportunidade muitas vezes única de povos virem para a cidade, encontrar com parentes e trocar experiências uns com os outros nos diferentes locais: alojamentos, traslados de um local para outro, refeitório, locais de venda de artesanato, concentrações, rituais, pajelanças, arena de jogos e fórum social (ROCHA FERREIRA, 2006). Nos encontros entre indígenas uns observam como os outros mantêm a cultura tradicional e buscam fazer o mesmo. Muitos voltam para as aldeias com vontade de recuperar festas, cantos e os próprios esportes. O encontro entre etnias contribui para a recuperação e ressignificação de práticas que muitos indígenas não tinham mais contato (PINTO & GRANDO, 2011). Isso ajuda na preservação da cultura das etnias participantes, no fortalecimento da autoestima dos participantes e na recuperação das suas identidades, 50 Celebrando os jogos, a memória e a identidade como aconteceu em 2007 com o povo Pataxó. Ao longo do evento seus participantes foram assumindo sua identidade e tradições, culminando a festa de encerramento com grande emoção. Os Pataxó vivem em 25 aldeias na Bahia, em Minas Gerais e no Espírito Santo. Com a ajuda de antropólogos e linguistas buscam resgatar a tradição. Segundo eles, seu povo perdeu a identidade com a colonização – quando foram dizimados por doenças e proibidos de falar a língua nativa e praticar rituais (PINTO & GRANDO, 2008). O evento gera, ainda, oportunidade para que a sociedade não indígena possa conhecer um pouco mais dos elementos de construção das culturas vividas pelos indígenas brasileiros participantes, suas artes, seu artesanato e significado de ser índio. Para entendermos o alcance dessa intercomunicação, lembramos que, nas suas 12 edições (de 1996 a 2013), os JPI reuniram 148 etnias, que vivem em todas as regiões do País. São elas: Aikewara/PA; Apinajé/TO; Arara/PA; Arawete/PA; Assurini/PA; Asurini/TO; Asurini do Xingu/MT; Atikum/PE; Awá Guajá/MA; Aweti/MT; Bakairi/MT; Bororo/MT; Bororo Boe/MT; Cinta Larga/MT; Cinta Larga/RO; Enawenê-Nawê/MT; Erikbatsa/MT; Fulni-ô/PE; Gavião/RO; Gavião Ikólóéh/RO; Gavião Kyikatêjê/MA; Gavião Kyikatêjê/PA; Gavião Parkatejê/PA; Gavião/PA; Gavião/ RO; Guarani/MS; Guarani/SP; Guarani Kaiwá/MS; Guarani/SP; Guató/MS; Ikpeng/MT; Irantxe/MT; Javaé/TO; Javaé Itya/TO; Kaapor/PA; Kaapor/MA; Kadiwéu/MS; Kaiapó/PA; Kaigang/RS; Kaingang/PR; Kaingang/SC; Kaingang/SP; Kaiowá/MS; Kalapalo, Xingu/MT; Kalapalo/MT; Kamayura/MT; Kambiawá/ PE; Kanamari/AM; Kanela/MA; Kanela Ramkokamekra/MA; Kantaruré/BA; Kapinawá/PE; Karajá/TO; Karajá/MT; Kariri/AL; Kariri-Xocó/AL; Karitiana/ RR; Kayabi/MT; Kayapó/PA; Kayapó Mekrãngnoti/PA; Kayapó Metyktire/MT; Kiriri/BA; Kokama/AM; Krahô/TO; Krenak/MG; Krikati/MA; Krikati/MA; Kuikuro/MG; Kuikuro, Xingu/MT; Kuikuro/MT; Kuntanawá/AC; Kura Bakairi/MT; Macuxi/RR; Mamaindê/Nhambikwara/MT; Mamaindê/RO; Manoki/ MG; Manoki/MT; Matis/AM; Maxacalí/MG; Maxakali/MT; Mayoruna/AM; Mbyá/PA; Mehinaku /MT; Mehinaku, Xingu/MT; Munduruku/PA; Nambikwára/RO; Nhambikwara/MT; Ofaié/MS; Panará Kreeakarore/MT; Pankará/PE; Pankararé/BA; Pankararu/PE; Parakanã/PA; Paresi/MT; Paresi Haliti/MT; Paresi/MT; Parkatêjê/Kyikatêjê/PA; Parkatêjê/PA; Pataxó/BA; Pataxó-Hã-Hã- Hãe/ Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 51 BA; Pataxó/BA; Potiguara/PB; Pytaguary/Tabepa/CE; Rikbaktsa/MT; Saterê-Maués/AM; Shanenawa/AC; Suruí/PA; Suruí/RO; Suruí Paiter/AC; Suyá/ MT; Suyá, Xingu/MS; Tapirapé/MT; Tapirapé/TO; Tauarepang/RR; Tembé/PA; Tenharim/AM; Terena/MS; Tikuna Magüta/AM; Trumai, Xingu/MT; Trumai/ MT; Tukano/AM; Tukano Ye’pâ-masa/AM; Tuxá/PE; Umutina/MT; Wai Wai/ PA; Waiãpi/AC; Waimiri Atroari,/AM; Waiwai/PA; Wapichana/RR; Wará/MT; Waurá, Xingu/MT; Waura/MT; Wajãpi/AM; Xacriabá/MG; Xambioá/TO; Xavante/MT; Xerente/TO; Xerente/TO; Xickin/MT; Xikrin/PA; Xokleng/SC; Xucuru - Kariri/AL; Xucuru/AL; Yanomami/RR; Yaunauwa/AC; Yawalapiti, Xingu/MT; Yawalapiti./MT (Fonte: Site do ITC). O evento já contou, também, com a participação de 18 delegações indígenas estrangeiras, vindas da Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Guiana Francesa, México, Nicarágua, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. Ampliando a participação estrangeira, em 2015 o Brasil sediará os Jogos Mundiais Indígenas, em Palmas/TO, realizando um antigo sonho dos organizadores dos JPI. Carlos Terena (2011, p. 17-18) lembra que [...] em cada edição, embora quase sempre temos as mesmas etnias, elas porém são de aldeias diferentes, buscando sempre conscientizar a proposta e os objetivos dos Jogos [...] o critério primordial para a escolha da etnia convidada é o fator cultural – costumes originais: línguas, ritos, danças, cantos, instrumentos musicais, artesanatos, pinturas corporais e, principalmente, os seus esportes tradicionais; que [a participação indígena] não obedece ao critério de escolha por estado da federação, pois trata-se de jogos inter étnicos, ou seja, respeitando-se o mapa geográfico indígena. Assim, se reforça um encontro das culturas e dos esportes. Os “atletas” indígenas estão cientes que vêm representar seu povo, para mostrar ao público presente sua identidade e cultura. Os organizadores procuram atender demandas para que os JPI aconteçam em regiões onde se concentram maior número de etnias, a fim de ampliar a participação indígena. Para isso, a cada nova edição o Comité Intertribal de 52 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Ciência e Cultura as negociações com os parceiros são retomadas. Em cada uma, os organizadores dos JPI procuram consolidar mais a aproximação de confiança estabelecida entre lideranças indígenas, o Ministério do Esporte e outros parceiros na realização de cada evento. Aproximação desafiante se considerarmos as diferenças entre poder público, áreas relacionadas ao esporte e linguagens, saberes ancestrais e conhecimentos dos indígenas, que muitas vezes dificultam o diálogo e a compreensão sobre o significado destes Jogos. Ao mesmo tempo, por outro lado, essa troca leva à negociação, respeito às diferenças e à necessidade da equidade. No olhar indígena, não é possível organizar os Jogos como os não indígenas tratam seus eventos. Cada Edição dos JPI é única, desafiando a execução articulada. Nesse sentido, os JPI de Pernambuco representaram um momento importante “na superação” de muitas dificuldades na gestão dos Jogos. O planejamento mais antecipado é uma solução apontada para a superação das dificuldades vividas. A preparação dos atachês com antecedência e adequadamente foi outra iniciativa destacada. Mas, especialmente, ficou claro que a operacionalização do evento deve ser de responsabilidade do Comitê Intertribal, definindo-se as competências do Governo Federal e demais instituições envolvidas no processo (PINTO & GRANDO, 2008). Quanto ao orçamento necessário à realização dos jogos, avaliações dos Jogos mostraram que, entre 1996 e 2007, houve um vácuo em que não houve tratativas com o Ministério do Esporte para a realização dos Jogos, o que procurou ser modificado com a inclusão dos Jogos como uma das ações deste Ministério a partir de 2008. Enfim, são muitos os legados dos JPI. Dentre outros destacamos os Jogos como um relevante movimento indígena do Brasil contemporâneo, espaço cidadão de construção étnica do ser índio por meio da visibilidade e do reconhecimento da diversidade cultural de suas manifestações ludoesportivas e Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 53 artísticas, do fortalecimento do parentesco, da valorização de suas diferenças, do intercâmbio e intercomunicação entre povos participantes e índios com não índios. Experiência que envolve diálogos, trocas, tensões e negociações entre parcerias diversas. Jogos que destacam o protagonismo indígena e comunicação, sobretudo, pela oralidade, com liderança do ITC na criação e organização dos JPI. Movimento histórico que mobilizou a implantação de Políticas Públicas de garantia de direitos, especialmente de Esporte e Lazer, contribuindo com o repensar da identidade lúdica do esporte ocidental tanto pelos povos indígenas como pelos não indígenas. Referências BRASIL. Censo 2010. Censo 2010.ibge.gov.br Acesso net em 05/08/2014. BRASIL. Política nacional do esporte. Brasília: Ministério do Esporte, 2005. BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1988. GRUPPI, Deoclécio. Jogos Estudantis Brasileiros e os Jogos dos Povos Indígenas. In.: CAMARGO, Vera R. T., FERREIRA, Maria Beatriz R. F. & Von Simson, Olga R de M (Orgs.) Jogo, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos dos Povos Indígenas (1996-2009). Campinas: Editora Curt Nimuenfajú, 2011. p. 67-84. CAMARGO, Vera Regina T. Entrevista com Marcos Terena. In: CAMARGO, Vera R. T., FERREIRA, Maria Beatriz R. F. & Von Simson, Olga R de M (Orgs.) Jogo, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos dos Povos Indígenas (1996-2009). Campinas: Editora Curt Nimuenfajú, 2011. p. 21-23. 54 Celebrando os jogos, a memória e a identidade ITC - Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena. Registros sobre os JPI. https://pt.br.facebook.com/ComiteIntertribalMemoriaECienciaIndigenaItc Acesso em 06/08/2014. LABJOR/Unicamp. Banco de dados dos JPI. Disponível em: htt://www.labjor.Unicamp.br/indio/galeria Acesso em 08/08/2014. OIT. Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 07/06/1989, homologada pelo Governo Brasileiro por meio do Decreto Presidencial 5.051, de 19 de abril de 2004. Acesso em 06/08/2014. ONU. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 07/09/ 2007. Acesso em 06/08/2014. PINTO, Leila M. & GRANDO, Beleni S (Org.). Brincar, jogar, viver: IX Jogos dos povos indígenas. 2.ed. Brasília: Editora Ideal, 2011. PINTO, Leila P. A busca do corpo esportista brincante. In.: BRASIL. 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Jogo, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos dos Povos Indígenas (1996-2009). Campinas: Editora Curt Nimuenfajú, 2011. SANTIN, Silvino. Esporte: identidade cultural. In: BRASIL. Ministério Extraordinário dos Esportes - Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto. Esporte com identidade cultural. Publicações INDESP, Série Esportes de Criação Nacional. Ouro Preto: Editora da Universidade Federal de Ouro Preto, 1996. p. 13-25. 56 Celebrando os jogos, a memória e a identidade CA PÍTULO 3 MEMÓRIA, CELEBRAÇÃO ÉTNICA E IDENTIDADE: OS JOGOS INDÍGENAS COMO UM CAMINHO PARA O EMPODERAMENTO Olga Rodrigues de Moraes von Simson5 Memória é a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações. Esse registro se faz através de diferentes suportes: voz, imagem, textos literários (poesia, biografias), filmes, obras pictóricas, MAS TAMBÉM ATRAVÉS DE CELEBRAÇÕES, sejam elas de pequenos grupos ou de toda uma sociedade. Existe uma Memória individual que é aquela guardada por um individuo e se refere às suas próprias vivências e experiências, mas guarda também aspectos da memória do grupo social a que este individuo pertence e onde ele foi socializado. Isso acontece porque é pelo processo de socialização, realizado por instituições sociais como a família, a igreja, a escola, o partido político, os movimentos sociais e pelas grandes celebrações que constituem as bases concretas para a formação da nossa memória individual. Existe também a Memória Coletiva que é aquela formada pelos fatos e 5 Pesquisadora do Centro de Memória da Unicamp. Professora Colaboradora Voluntária Plena do DECISE – Departamento de Ciências Sociais na Educação – FE/Unicamp. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 57 aspectos julgados relevantes pelos grupos dominantes de uma determinada sociedade e que nos é transmitida como a memória oficial desta mesma sociedade. Essa memória oficial fica gravada no que chamamos de lugares da memória que são museus, memoriais, monumentos, quadros famosos, obras literárias, músicas e CELEBRAÇÕES que expressam a versão sobre o passado que o grupo dominante deseja ver veiculada e difundida. Por outro lado existem as memórias subterrâneas ou marginais que correspondem às versões do passado construídas pelos grupos dominados. Elas não estão monumentalizadas e só se expressam, de maneira indireta, de forma metafórica ou ritualizada em festividades familiares ou de pequenos grupos ou ainda, mais diretamente, quando emergem conflitos sociais. Uma maneira de reconhecer e registrar essas memórias subterrâneas é possibilitada pelas pesquisas com o método da História Oral uma metodologia de pesquisa que nos permite buscar na oralidade a base para a reconstrução dessas memórias dominadas. Todas essas considerações se aplicam à nossa sociedade, branca capitalista, cristã, ocidental, cujos membros são denominados (em inglês) pela abreviação WASP (White anlo-saxon protestant). Entre nós brasileiros da sociedade capitalista urbano-industrial poderíamos criar uma sigla semelhante, expressa na abreviatura BRABC (brasileira branco cristão). Assim como os wasps não representam, de forma alguma, a maioria dos habitantes da América do Norte, mas detém certamente o poder político e econômico naquela sociedade, também os brabcs seriam uma minoria neste país tropical, formado pela miscigenação dos três grupos étnicos constituintes da nossa nacionalidade: europeus, afro-descendentes e indígenas. Mas também entre nós o poder político e econômico não está em mãos dos representantes das etnias de cor. Os nossos compatriotas, de origem afro-brasileira, vêm realizando um importante trabalho de reconstrução e perpetuação da sua memória ancestral, 58 Celebrando os jogos, a memória e a identidade através de numerosos grupos organizados em pontos de cultura em várias regiões do nosso país. Em décadas mais recentes foram criados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste memoriais voltados para a perpetuação da trajetória secular de luta e resistência afro-brasileira, reafirmando a importância da contribuição cultural dessas etnias na constituição da brasilidade. Observamos, entretanto, que a batalha das comunidades indígenas em busca da reconstrução de sua própria trajetória histórica (que em nosso país é ainda mais longa do que a saga africana), com o objetivo de reconstruir e valorizar sua identidade étnica e cultural, ainda está apenas começando. Nesse sentido a importância da pesquisa que ora relatamos é indiscutível e constitui uma oportunidade excepcional de, através de uma parceria entre a universidade e as entidades representativas dos povos indígenas, possibilitar o registro e a análise de um movimento ímpar de reconstrução histórico-identitária, cuja forma é original e inovadora, ao se expressar através de celebrações esportivas e lúdicas. Tais festividades, reunindo numerosas etnias indígenas, foram regularmente realizadas nos últimos dez anos em espaços apropriados e especialmente preparados para receber os assim denominados JOGOS INDÍGENAS. A originalidade dessa reconstrução histórico-identitária indígena possui uma característica que deve ser salientada: se faz de maneira pacífica, alegre e envolvente, ao utilizar a estratégia da celebração esportivo-cultural para difundir suas prodigiosas riquezas culturais, sendo também capaz de cativar o público e difundir, de maneira prazerosa, sua visão de mundo, seu orgulho étnico, além dos objetivos de suas lutas afirmativas. A essa capacidade de lutar por seus objetivos, sem se valer de qualquer agressividade, mas sim criando ocasiões de fruição e prazer chamamos, em trabalho anterior, de resistência inteligente6. Ao pesquisar a trajetória da cultura 6 Cf. VON SIMSON, Olga R. de Moraes & GUSMÃO, Neusa M. Mendes. A criação cultural na diáspora e o exercício da resistência inteligente. In.: Ciências Sociais Hoje. 1989, Vértice/ANPOCS. p. 212-243. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 59 afro-brasileira na região sudeste do nosso país, notamos que ela se utilizou a princípio das luxuosas e ritualizadas procissões coloniais dos séculos XVIII e XIX, valendo-se, posteriormente, da riqueza visual e musical dos festejos carnavalescos para construir, com maestria, uma trajetória bem sucedida de luta e afirmação étnica, em uma sociedade branca e discriminadora como a nossa. No projeto de pesquisa, cujos resultados finais agora relatamos e que teve como objetivo reconstruir, registrar e avaliar a riqueza da memória de mais de uma década de jogos indígenas, a oralidade foi importante, mas também a visualidade esteve presente, com toda a sua capacidade de captação da pluralidade das manifestações e salientando as particularidades das numerosas celebrações que pretendíamos conhecer e registrar. Na verdade foi a especificidade da cultura indígena, que se manifesta preferencialmente através da força dos vários e múltiplos sons e da beleza das ricas imagens, fatores constituintes e indispensáveis nas celebrações dos nossos silvícolas, o que acabou determinando quais seriam as estratégias metodológicas a serem utilizadas pela equipe de investigadores. Com a preocupação de divulgar os resultados da pesquisa não só no espaço das instituições científicas e universitárias, mas também entre a sociedade mais ampla, buscamos maneiras mais acessíveis e eficazes de transmitir as conclusões da investigação para um público não acadêmico. Sendo assim, novamente a oralidade e a visualidade se mostraram caminhos privilegiados para obter os melhores resultados. A equipe optou então pela realização de vídeos que discutissem o fenômeno dos jogos indígenas e pela montagem de um site que apresentasse textos, imagens fixas e imagens em movimento resultantes do trabalho investigativo. Mas, dentro de uma posição teórico-metodológica que afirma ser tarefa indispensável de todo projeto de pesquisa, realizado por investigadores socialmente conscientes e participantes, a devolução dos resultados de forma 60 Celebrando os jogos, a memória e a identidade transparente, em linguagem acessível e captável pelos membros do grupo pesquisado, esta foi certamente uma atitude promotora de processos de empoderamento, voltados para tais grupos. Por empoderamento compreendemos um “processo de emancipação individual, mas também de aquisição de uma consciência coletiva da dependência social e da dominação política” (cf.http//:www.eicos.psycho. ufrj/portugues/ empoderamento/empoderamento.htm). Essa atitude de transparência no processo de divulgação da pesquisa buscou contribuir com os parceiros de investigação, para que pudessem incorporar de maneira rápida e eficiente o conhecimento produzido pelos pesquisadores e assim crescer na busca de melhores condições para engendrar suas lutas socioculturais e políticas. Assim, o fato de termos como parceiros de pesquisa os grupos indígenas, que são, em sua maioria, ágrafos, constituiu uma das razões mais fortes que nos levou a optar pelas metodologias que utilizam o som e a imagem. Estávamos conscientes de que elas nos permitiriam a elaboração de materiais de devolução adequados, na forma de vídeos, data show e sites na internet, além de exposições fotográficas, todos eles permitindo uma compreensão muito mais efetiva dos resultados finais, quando comparados com a tradicional forma livresca de apresentação das conclusões de pesquisa. Desse modo, ao longo do desenvolvimento do trabalho investigativo, fomos nos dando conta de que nossos parceiros indígenas estavam se transformando. De indivíduos que buscavam integrar-se rapidamente à sociedade branca dominadora, e para isso tentavam negar sua origem étnica, assumindo a condição de caiçaras ou caboclos e aceitavam viver nos níveis mais precários da escala social, observamos surgir entre eles uma crescente capacidade de organização na consecução dos jogos indígenas que, a cada realização, iam reconstruindo e alimentando seu orgulho étnico e incentivando, tanto a Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 61 reconstituição de traços culturais já abandonados, como o retorno ao domínio da língua de origem. Com o passar do tempo, nos víamos diante de velhos, mas também de homens e mulheres adultos, de jovens e crianças, todos muito orgulhosos da sua capacidade de jogar, sejam as antigas brincadeiras tribais ou os novos esportes aprendidos na convivência com os parceiros brancos e, nesse processo, eles se reafirmarem como membros importantes e indispensáveis da nacionalidade brasileira. Dessa forma agradável, mas também extremamente trabalhosa, uma outra realidade cultural indígena passou a vigorar em nosso país, podendo agora ser mostrada e difundida em toda a sua riqueza e diversidade, às novas gerações brasileiras como a real expressão da grandeza do capital cultural que os habitantes originais da nossa terra trouxeram para a constituição da nação brasileira. Referências ALVISI, L. (2008). Memória, Resistência e Empoderamento. A constituição do Memorial Padre Carlos de Poços de Caldas/MG. Campinas, FE/Unicamp (tese de doutorado). DAVIS, K. (2003). Biografia como metodologia crítica. In.: Historia, Antropologia y Fuentes Orales. Memoria Rerum, n. 30, 3ª. época, Barcelona, p. 133-160. FRISCH, M. (2008). Towards a Post-Documentary Sensibility: the Democratic Uses of a Broadened Conception of Method and Practice in Oral History.” Seminário Sharing Authority. Building Community Alliance Through Oral History, Digital Story-Telling and Collaboration. Montreal: University of Concordia (mimeo) 62 Celebrando os jogos, a memória e a identidade FRISCH, M. (1990). A Shared Authority – essays on the Craft and Meaning of Oral and Public History. Albania, State University of New York. HALBAWCHS, Maurice. A memória coletiva. S.Paulo. Vértice/Rev. dos Tribunais.1990. NORA, Pierre. Les lieux de la memoire. La Republique, Paris, Gallimard, 1984. PERKS, R. & THOMSON, A (org) (2006) The Oral History Reader. 2a. ed, London/New York: Routlegde PORTELLI, A. (1997). Forma e Significado na História Oral – A pesquisa como um experimento de igualdade. Revista Projeto História. São Paulo: PUC/SP, n. 15, abr., p. 13-19. VILANOVA, M. (2003). Rememoración em la Historia. In.: Historia, antropologia y fuentes orales. Memoria Rerum, n. 30, 3ª epoca, pp. 23-40. Barcelona. VON SIMSON, Olga R. de Moraes. Construindo a história recente de Jarinu através da memória compartilhada. In.: PARK, Margareth B. (org.) Memória em Movimento na Formação de Professores: prosas e histórias. Campinas: Mercado de Letras, 2000, p. 9-12. VON SIMSON, Olga R. de Moraes (Org). Os desafios contemporâneos da História Oral. Campinas: Centro de Memória da Unicamp, 1997. VON SIMSON, Olga R. de Moraes. Memória e Identidade Socio-Cultural: reflexões sobre pesquisa, ética e compromisso. In.: PARK, M. (Org). Formação de Educadores: memória, patrimônio e meio-ambiente. Campinas: Mercado de Letras, 2003, p. 85-105. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 63 Fernando Amazônia CA PÍTULO 4 JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS BRASILEIROS: PATRIMÔNIO, CULTURA E COMUNICAÇÃO Vera Regina Toledo Camargo1 Esta reflexão é parte de um estudo que busca construir as vertentes teóricas acerca da Divulgação Cientifica e Cultural. A proposta pretende relacionar os processos culturais e suas interfaces com as mídias. Objetiva-se a ampliação das fronteiras sobre o entendimento e a concepção de cultura popular e sua incorporação como status aureático cientifico, com foco nos estudos sobre os 1 Professora de Educação Física com doutorado em Comunicação, pós-doutorado em Multimeios. Pesquisadora A do Laboratório de Estudos Avançados da Unicamp (Labjor) Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 65 Jogos dos Povos Indígenas. Buscamos compreender como os meios de comunicação poderiam contribuir para o entendimento sobre o patrimônio cultural de um povo, para salvaguardar e valorizar a memória coletiva e divulgar cientificamente os seus conteúdos. Nossa proposta neste texto é estabelecer as aproximações entre as áreas de ciência e cultura especificamente em relação ao patrimônio indígena brasileiro. Um sonho idealizado pelos irmãos da etnia Terena: Carlos e Marcos, que desde a década de 1980, em visita a várias comunidades indígenas, vislumbraram que as expressões de alegria dos povos indígenas brasileiros, oriundas de suas manifestações culturais, estavam muito presentes quando da preparação de seus enfeites plumários, contornos dos desenhos, de suas pinturas corporais, danças, cantos, instrumentos musicais e nas práticas corporais. Os irmãos Terena compreenderam que a partir dessas manifestações poderiam ser (re)conhecidos e (re)significados pela sociedade mais ampla. Surgiu deles a iniciativa de organizar os Jogos dos Povos Indígenas e mostrá-los aos não-índios, assim como aproximar as diversas etnias e línguas2 indígenas ainda existentes no Brasil, especialmente para que essas pudessem se conhecer e fortalecer sua cultura. Desde 1996, quando dos I Jogos dos Povos Indígenas, realizados em Goiânia-GO, os índios brasileiros reúnem-se em um grande evento, com o objetivo de valorizar e fortalecer a cultura. Verificamos nestes anos de pesquisa3, que os Jogos dos Povos Indígenas fortalecem a identidade cultural, celebram o espírito de confraternização com a sociedade não-indígena, cultivam a espiritualidade 66 2 Para ilustração, o censo de 2010 informa que existem 305 etnias e 275 línguas indígenas no país http:// www.ibge.gov.br/indigenas/index.htm. 3 As pesquisas sobre os Jogos dos Povos Indígenas iniciaram em 2005, quando também da aproximação com o professor espanhol. Dr. Manuel Hernandez Vasquez, e sua vinda para o Brasil. Ganhou importância com os trabalhos com a profa. Dra Maria Beatriz Rocha Ferreira, antropóloga que desde os anos 1980 estuda esses eventos. Em 2006 iniciamos um estudo aproximando esses dois líderes de pesquisa e também foi um marco na constituição de uma equipe multidisciplinar constituída por professores de educação física, antropólogos, comunicadores e com o envolvimento de alunos, consolidando as pesquisas e o envolvimento com a temática dos Jogos dos Povos Indígenas do Brasil. Celebrando os jogos, a memória e a identidade e divulgam a cultura dos povos indígenas como forma de conscientizar a sociedade brasileira sobre sua importância no cenário cultural e os seus direitos também como cidadãos brasileiros. O esporte mediatizado e suas representações cientificas e culturais “Mediatização” é o termo utilizado por Muniz Sodré (2001) para caracterizar a vinculação das instituições com os meios de comunicação, e o estabelecimento da produção de bens simbólicos ou culturais. Nesse sentido, o que se compreende por bens e consumo culturais passa necessariamente através das ações dos meios de comunicação. Um filme, um livro, uma fotografia ou uma obra de arte assumem o papel de produto cultural. Bourdieu (2005) menciona dois enfoques importantes acerca dos bens simbólicos: são caracterizados ao mesmo tempo como significações e mercadorias. No entanto, a valoração destes bens, seja especificamente cultural ou econômica coexiste independentemente uma da outra. Além de Bourdieu, renomados autores, como Benjamin e Baudelaire abordaram conceitualmente os bens culturais e as formas de consumo, assim como a necessidade de posse. Nesse panorama de culturalização é muito importante compreender as relações, ideologias e poderes que estão nestas estruturas e que devem ser incorporados nos produtos culturais. A produção cultural a que nos reportamos apoia a iniciativa de que os próprios atores do processo cultural possam criar, dar vozes e registrar suas atividades culturais em detrimento da cultura massificada, dominante, ou da interferência de outras culturas, na divulgação do seu conhecimento e ainda ao criar todo o suporte para que tenham também um canal de divulgação. Nossas ações no projeto sobre os Jogos dos Povos Indígenas foram nessa direção, apoiando e incentivando a utilização dos meios audiovisuais e a circulação das informações. Surgiram, dessa forma, as premissas para um estudo maior sobre a Divulgação Cientifica e Cultural. Ramírez y Moral (1999) afirmam que os Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 67 próprios meios são, em si mesmos, elementos culturais já que são transmissores de conhecimentos, construindo valores culturais e possibilitando uma difusão de informações. Através do estudo Jogo, Celebração, Memória e Identidade: Reconstrução da Trajetória de Criação, Implementação e Difusão dos Jogos dos Povos Indígenas no Brasil (1996-2009)4, estávamos diante das inúmeras possibilidades de trabalhar o acervo, iniciamos a construção de um espaço, através de uma página na Internet5, que proporcionou, ao mesmo tempo, o registro e as ações do projeto e se tornou referência para as questões dos jogos dos povos indígenas. Através do acervo de seu banco de dados, enfatizamos os grupos de pesquisa, a bibliografia e pesquisas na área, os aspectos históricos e conceituais sobre os jogos e a riqueza do material audiovisual. O site possui uma linguagem clara e objetiva, voltada para a divulgação científica, aproximando os pesquisadores, o objeto de pesquisa e a sociedade. Uma inquietação do grupo de pesquisadores foi em relação ao acervo das fotografias, entrevistas e vídeos realizados sobre a construção das edições dos jogos, como poderiam estar disponíveis. Também foi objetivo do projeto compreender como a mídia pautou os Jogos e a construção das notícias. Construímos então um acervo de imagens com aproximadamente cinco mil fotografias. Estão inseridas em um banco de dados na web e podem ser visitadas e consultadas a partir de palavras-chave, sendo necessário ter uma senha para entrar no sistema. Essas imagens foram catalogadas a partir da metodologia desenvolvida pela Profa. Dra. Olga von Simson, de modo que as fotografias vão contando, 68 4 Projeto de Pesquisa subvencionado pelo Ministério do Esporte, que relacionou o campo da memória, com o esporte e a divulgação científica. Foi um estudo interdisciplinar que integrava textos de diferentes origens e linguagens (textuais, orais, visuais e hipermídia), na reconstrução da criação dos jogos indígenas no Brasil, cujos objetivos era construir um acervo sobre os jogos. Com a contribuição da área da antropologia, ampliou esse entendimento, pois um grande acervo imagético não seria somente tratado no aspecto da imagem, mas também com a possibilidade de salvaguardar uma cultura. 5 www.labjor.unicamp.br/indio Celebrando os jogos, a memória e a identidade através das imagens, a trajetória dos Jogos dos Povos Indígenas, enriquecendo as informações sobre os mesmos. Em relação às entrevistas realizadas com os atores (pesquisadores, lideranças, indígenas etc.), depois de transcritas, passaram a integrar também o acervo do projeto. Os jornais também passaram pelo mesmo procedimento metodológico, cada matéria jornalística foi digitalizada e inserida em uma categoria preestabelecida. Era importante entender como a mídia trata as questões dos Jogos indígenas. Construímos, ainda, uma trilogia audiovisual sobre os jogos, abordando inicialmente os Jogos Interculturais dos Povos Indígenas, em um segundo momento com a Tocha Olímpica, um chamado Intercultural e no documentário os Diálogos Interculturais, em que abordamos as temáticas dos Jovens, mulheres e a questão da saúde dos indígenas. Organizamos também um livro contando toda a trajetória dos Jogos e as etapas e construção dos produtos elaborados no projeto. A intertextualidade facilitou a produção de materiais escritos e audiovisuais que contém a memória dos jogos indígenas para as próprias etnias que deles participaram, quanto para a sociedade mais ampla. O envolvimento dos alunos em todas as fases do projeto e a participação dos mesmos na construção de um livro com toda a memória do projeto foi fundamental. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 69 A parceria interdisciplinar realizada com instituições através do projeto, o envolvimento dos pesquisadores, bolsistas e alunos proporcionou compreender melhor a trajetória dos Jogos Indígenas e trouxe para o cenário nacional a importância e o lugar de destaque que a iniciativa dos Jogos dos Povos Indígenas merece. É importante compreender seu papel e relevância para a sociedade como um instrumento para o desenvolvimento social. Concluindo Camargo (2010) enfatiza que é importante demonstrar a visão de cada uma das etnias, com sua língua, seus ritos, suas plumagens e pinturas corporais, e a clareza de que existe toda aquela diferença em cada detalhe. É justamente o trabalho desenvolvido pelo divulgador cientifico que colabora para que o pesquisador possa ter acesso a imagens que podem ser utilizadas nas pesquisas, que ilustrem a riqueza cultural que existe no movimento do jogo que combina as características físicas de cada um e a expressão de cada povo que compõem esta identidade étnica. É preciso retratar os diferentes aspectos dos jogos, sua importância na valorização e intercâmbio cultural entre as etnias e com o não-índio. Um dos objetivos foi também apresentar os conhecimentos tradicionais, na fala dos Terena, o legado dos seus antepassados. E creio que nossas ações pautam por esses aspectos. 70 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Referências CAMARGO, V.R.T, BRAGION, L. TOJAL, R. ROCHA FERREIRA, M.B. Mídia e divulgação científica e instrumentos para a preservação das culturas: um olhar sobre os jogos interculturais dos povos indígenas. Revista Eletrônica CEDOC/SEME - ISSN 2176-963X, Ano 1, n. Especial, março 2010. MIRANDA, Luciano. Pierre Bourdieu e o campo da comunicação: por uma teoria da comunicação praxiológica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005; RAMÍREZ, Francisco E.; MORAL, Javier Fernandez do. Área de Especialización Periodística. Madrid: Editorial Frágua, 1999. SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 71 Fernando Amazônia PARTE II PESQUISAS E LEGADOS Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 73 Maria Beatriz Rocha Ferreira CA PÍTULO 5 CONTEXTUALIZANDO A AVALIAÇÃO DOS XI JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS – JPIs Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto Os XI JPI, do qual tratamos neste livro, foram realizados em Porto Nacional/TO, no período de 05 a 12 de novembro de 2011. O Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC)1 foi o responsável pelo seu projeto e realização, contando com o patrocínio do Ministério do Esporte e de empresas estatais e privadas, além de parcerias com o Governo do Estado do Tocantins, a Prefeitura de Porto Nacional, o Ministério da Educação, o Ministério do Turismo, o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça, a FUNAI, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPIR e o Gabinete do Senador Vicentinho Alves – TO/PR. O projeto dos Jogos destaca a sabedoria da cultura indígena, que valoriza o “celebrar” e, não, o ganhar –, elegendo como lema dos XI Jogos dos Povos Indígenas – OLÍMPIADA VERDE 2011. O importante para os organizadores dos Jogos é que, acima de tudo, possam afirmar os princípios indígenas, reverenciar e praticar os ensinamentos de seus ancestrais, valorizar suas raízes tradicionais, culturais e espirituais, fortalecendo-se cada vez mais como povos originários e autênticos! 1 ITC - Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena. Projeto dos XI Jogos dos Povos Indígenas. Brasília: ITC, 2011. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 75 Seus jogos, festas, manifestações de amor à vida e à natureza têm, pois, como referências suas tradições e espiritualidade. Nesse sentido, os XI JPI entendem os jogos indígenas como vivência tradicional das práticas corporais competitivas das culturas autóctones (de quem é natural do país, ou descende das raças que ali sempre viveram), com caráter socioeducacional, espírito coletivo e de celebração. Este é um evento também importante para o congraçamento dos povos indígenas participantes, promotor de um relacionamento entre culturas indígenas e com a sociedade mais ampla. Oportuniza um conhecer das culturas ancestrais e estabelece uma relação de oportunidades e diminuem as brechas históricas nas relações de poder com a sociedade não indígena. O evento se fundamenta nos valores principais dos elementos da natureza e no intercâmbio das suas manifestações das praticas culturais, espirituais dos ancestrais e esportivas. Como consequência, espera-se uma diminuição do preconceito e a valorização do orgulho do brasileiro nato, do ser Indígena. Por isso, o projeto elaborado pelo Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC) para os XI JPI (2011) destaca como principais características do evento: Olimpíada Verde: todo material utilizado nas modalidades tradicionais dos jogos é fornecido pela natureza e não industrializado; elaborado de modo artesanal pelos próprios indígenas, reciclável; Participação e celebração: em todas as provas tradicionais não há a figura de um juiz (árbitro), exceto na modalidade do futebol, que apesar de não ser indígena vem sendo incorporado à sua cultura; não há o pódio para premiação ou destaque para os “campeões”, todos participantes ganham sua medalha; Intergeracionalidade: os jogos não restringem faixa etária: todos participam em igualdade, dos 06 meses aos 80 anos; Diversidade cultural: são faladas mais de 25 línguas e dialetos, o acendimento do fogo é feito em três formas tradicionais: atritando as pedras, esfregando bastões de madeiras ou usando fios de cordas em madeiras; nas Noites Culturais, os Povos Indígenas participantes dos Jogos fazem suas manifestações culturais 76 Celebrando os jogos, a memória e a identidade como: cantos, danças, pinturas corporais e instrumentos musicais, obedecendo sempre seus costumes tradicionais; a sociedade não indígena local participa com suas manifestações artísticas ou folclóricas de tradição regional, no sentido de estabelecer um intercâmbio dos valores culturais brasileiros; Raízes espirituais: a abertura dos jogos é precedida sempre pela benção de um líder espiritual indígena, obedecendo todos os rituais tradicionais; Geração de renda: os indígenas têm no evento uma excelente oportunidade de comercialização do artesanato produzido nas aldeias; Promoção bianual: os Jogos são realizados de dois em dois anos (nos anos ímpares); o período de realização dos jogos é no segundo semestre do ano, entre os meses de setembro/outubro, obedecendo o calendário indígena: no início das primeiras chuvas, nos dias que antecedem ou envolvem o período da lua cheia; Reflexão: considerando a realização de Fórum que discute as questões indígenas durante o evento. A realização dos XI Jogos dos Povos Indígenas, com base nesses fundamentos, assumiu, assim, como seu principal objetivo realizar, intersetorialmente, a XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas, promovendo a revitalização das culturas indígenas e o congraçamento dos povos de distintas etnias, por meio das práticas corporais e do esportes das sociedades autóctones, com caráter socioeducacional e o espírito de celebração. A programação do evento organizada pelos Comitê Intertribal de Ciência e Memória Indígena incluiu: Modalidades de integração indígena: 1) Arco e Flecha Masculino; 2) Arremesso de Lanças; 3) Canoagem; 4) Cabo de Força Masculino e Feminino; 5) Corrida de Tora (Masculino); 6) Corrida de Velocidade - 100 m (Masculina e Feminina); Corrida de Fundo Masculino Feminino e 7) Natação (Travessia em águas abertas). Modalidades demonstrativas tradicionais indígenas: 1) Corrida de Tora Feminina – Khwra reni; 2) Lutas Corporais Masculinas – Huka Huka, Wakmeti, Idjassú; Lutas Corporais Femininas – Yamurikumã, Huka Huka; 3) Jikunahati; 4) Jawary; 5) Tihimore; 6) Rõnkran; 7) Peikran Akô; 8) Kagót; 9) Zarabanata; 10) Khwra reni; 11) Khwra ro rôno; 12) Pásy hrã dáki, 13)Pẽnsôg thâky, 14)Xaká-akere; 15) Kaipy; 17) Haindu; 17) Uwa Uwa. Modalidade ocidental: Futebol de Campo - masculino e feminino. Entretenimentos culturais: exposição, artesanatos, pinturas corporais. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 77 Rituais: cerimônia de acendimento do fogo ancestral indígena. Apresentações culturais indígenas e regionais. Fórum (Ciclo de Palestras). Os XI Jogos reuniram um total de 1.300, das 28 etnias seguintes: Apinajé/TO; Assurini/PA; Bororo Boe - MT, Cinta Larga/MT; Erikibaktsa/MT; Guarani Kaiwá/MS; Javaé/TO; Kaingang/RS; Kanela Rãmkokamekra/MA; Karajá/TO; Kayapó/PA; Kamayura/MT; Krahô/TO; Kura Bakairi/MT; Mamaindê/ Nhambikwara/MT; Manoki/MT; Matis/AM; Paresi/MT; Parkatêjê/Kyikatêjê/ PA; Pataxó/BA; Suruí/RO; Suyá/MT; Tapirapé/TO; Tembé/PA; Terena/MS; Xavante/MT; Xambioá/TO; Xerente/TO; Xicrin/PA.; Saterê Mawê/AM; Kambeba/ AM, Tikuna/AM. A preparação dos Jogos de 2011 teve um diferencial importante: na gestão do Ministro Aldo Rebelo, por razões de mudanças internas no Ministério do Esporte, a SNDEL – Secretaria Nacional do Desenvolvimento do Esporte e Lazer e SNEED – Secretaria Nacional de Esporte Educacional foram extintas, surgindo uma nova Secretaria que integrou as políticas sociais: a Secretaria Nacional de Educação, Esporte e Lazer de Inclusão Social (SNELIS). Mas, neste período de transição, a responsabilidade de acompanhamento dos XI JPI ficou com o mesmo grupo que havia realizado as duas edições anteriores. Partindo do acúmulo adquirido nas edições anteriores foi proposta uma Comissão de Avaliação cujo passo inicial de seu trabalho foi dado em uma reunião presencial em Brasília, realizada no dia 29 de agosto de 2011, com objetivo de levantar subsídios para o planejamento da Avaliação dos XI, encontro que contou com a participação dos seguintes representantes: Comitê Intertribal: Marcos Terena; Ministério do Esporte: Rejane Penna Rodrigues; Ministério do Esporte: Cláudia Regina Bonalume; Ministério do Esporte: Muriel Plautz; Ministério da Educação: Raquel Ribeiro Martins; Ministério da Cultura: Joana Arari; Ministério da Cultura: Raoni Machado; SEPPIR/PR: Nilo 78 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Nogueira; Governo do Estado de Tocantins: Khellen Cristina Pires Correia; Pesquisadora convidada para avaliação: Leila Mirtes Magalhães Pinto. Nesta reunião foram delimitados os objetos de Avaliação da XI Edição dos JPI, que partiu do projeto dos Jogos, definindo os objetivos e resultados esperados para cada etapa do processo avaliativo, a execução de cada ação e efeitos esperados pelo seu conjunto. Discutiram-se os fins do conhecimento a ser produzido e sua socialização, destacando o retorno para os indígenas organizadores e participantes dos Jogos. Para o levantamento de dados foram indicados representantes do Ministério do Esporte e pesquisadores voluntários de todas as Regiões Brasileiras, selecionados dentre os inscritos no Edital específico para este fim. A equipe organizada a partir destas indicações foi composta por 24 representantes das cinco regiões brasileiras, 09 Estados e o Distrito Federal, integrando a participação de: Região Centro Oeste: Distrito Federal: Rejane Penna Rodrigues; Muriel de Carvalho Plautz; Ana Elenara da Silva Pintos e Artur José M. de Almeida; Mato Grosso: Aline Pereira Dutton. Região Norte: Pará: Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar; Angela Santos; Aida Svanam Rodrigues dos Santos e David Pires; Tocantins: Khellen Cristina P. Correia; Maria Istélia Coelho Folha; Lídia Soraya Liberato; Conceição Siqueira da Cunha; e Aldeli Alves Mendes Guerra. Região Nordeste: Pernambuco: Tereza Luiza de França; Rio Grande do Norte: Marco Aurélio L. de Farias. Região Sudeste: Minas Gerais: Leila Mirtes de Magalhães Pinto; Patricia Zingoni Machado de Morais; Espírito Santo: Juliana Guimarães Saneto; São Paulo: Maria Beatriz Rocha Ferreira; Deoclecio Rocco Gruppi; Claudeni Fabiana A. Pereira. Região Sul: Santa Catarina: Eliton Clayton R. Seara; e Antônio Luis Fermino. Já em Porto Nacional/TO, os integrantes dessa equipe, treinada ao longo do processo, participaram de reuniões diárias visando discutir o projeto da avaliação e validar os instrumentos de levantamento de dados, ajustando-os às Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 79 necessidades do monitoramento das atividades realizadas, do levantamento e tratamento de problemas relacionados a esse processo, dentre outras demandas surgidas ao longo dos Jogos. Este trabalho, realizado durante a realização dos XI JPI, envolveu a participação de 134 indígenas, 45 mulheres e 89 homens. Os dados levantados consideraram a importância: a) do registro da história dos JPI (por meio de entrevistas com 02 representantes do Comitê Intertribal, idealizadores dos Jogos – Marcos Terena e Carlos Terena); b) da valorização da diversidade dos povos indígenas participantes da XI edição dos Jogos (por meio de entrevistas com lideranças indígenas participantes); c) do reconhecimento das demandas e necessidades dos jovens indígenas, assim como do protagonismo das lideranças jovens na preservação do JPI (por meio da realização de 03 “Rodas de Conversas”, que foram convidados os jovens de cada etnia que participaram espontaneamente; d) do reconhecimento das demandas e necessidades das mulheres indígenas, assim como de suas experiências com os Jogos Tradicionais Indígenas nas aldeias (por meio de entrevistas com 45 mulheres e 89 homens indígenas participantes dos XI JPI); e) das atividades do Fórum (por meio da filmagem das palestras e discussões desenvolvidas no Ciclo de Debate realizado durante os XI Jogos, conforme sua programação); f) da preparação, organização e realização dos Jogos pelos indígenas (por meio de questionários/complementados com entrevistas, respondidos por atletas e artistas indígenas participantes dos Jogos, na tentativa de termos 08 indígenas de cada etnia participante); g) da organização e realização dos XI JPI (por meio de entrevistas respondidas por pessoas atuantes na organização do evento). 80 Celebrando os jogos, a memória e a identidade h) dos JPI para as políticas públicas (Ministro, Governador, Prefeita, Secretários de Estado e do Município sede dos Jogos, representantes do Governo Federal, Deputados e Senador); i) dos JPI para o município sede (por meio de entrevistas com pessoas da população local, expectadores das atividades realizadas na Arena Central da Ilha Porto Real); j) dos JPI para o Brasil e outros países (por meio de entrevistas com representantes da imprensa local e órgãos internacionais que estavam fazendo a cobertura jornalística do evento, além de gravação das coletivas com a imprensa, com a participação dos organizadores dos Jogos e autoridades presentes). A participação integrada de lideranças indígenas, representantes dos órgãos envolvidos com a promoção dos Jogos, dos demais parceiros e da população em geral no processo avaliativo tem em vista ampliar o levantamento de subsídios que possam contribuir com a valorização da realização deste evento, assim com a elaboração de políticas indígenas integradas de esporte, lazer, cultura, educação e garantia de direitos. A participação de pesquisadores e estudantes com experiências em estudos e documentação dos JPI, nas ações desenvolvidas pela avaliação dos XI JPI, procura contribuir com a realização cada vez maior de estudos sobre os Jogos Indígenas e a valorização da revitalização dos jogos tradicionais desses povos. A ação integrada dos processos de avaliação e documentação dos XI JPI tem em vista contribuir com a revitalização da memória dos XI JPI por meio de filmagens, gravações em áudio e registros escritos levantados. Mencionamos a filmagens, pois elas não vão fazer parte do livro. Os dados levantados foram reunidos com o apoio de Muriel Plautz (Ministério do Esporte); Patricia Zingoni M. Morais (pesquisadora voluntaria); Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 81 Khellen Cristina P. Correia e Maria Istelia Coelho Folha (representantes da SEDUC de Tocantins); e Leila Mirtes Magalhães Pinto (pesquisadora voluntaria). Sob a coordenação da professora Maria Beatriz Rocha Ferreira foi realizada a etapa de final da avaliação que incluiu a, estabelecimentos de códigos para inserção da questões fechadas dos questionário em planilhas excel, estatística de frequências das informações, transcrições das fitas, organização das informações orais em categorias. As transcrições foram realizadas por pessoas treinadas em transcrições, Maria Heloisa Ferreira Guimarães, Maria Clara Ferreira Guimarães, Deoclécio Gruppi e Rafael da Silva Macedo. As falas foram gravadas e transcritas observando a forma de falar, as exclamações, suspiros, tiques de cada entrevistado. E depois adaptadas seguindo as normas gramaticais da língua portuguesa. Os assuntos foram categorizados pelos conteúdos. A etapa final dos trabalhos foi a organização do livro CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE. Os capítulos foram organizados da para atender diferentes enfoques sobre os Jogos. 82 Celebrando os jogos, a memória e a identidade CA PÍTULO 6 XI EDIÇÃO JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS: ORGANIZAÇÃO, ETNIAS, PRÁTICAS CORPORAIS Deoclécio Rocco Gruppi A organização da décima primeira edição dos Jogos dos Povos Indígenas teve como responsável pelo projeto o Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC), com financiamento do Ministério do Esporte por meio da Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social e do Ministério da Cultura. Em reunião, os representantes desses setores escolheram a Cidade de Porto Nacional na Ilha de Porto Real, cidade localizada no Estado do Tocantins. Porto Nacional com 273 anos de história e 173 anos de emancipação política, localizada a 63 km Palmas capital do Estado, com uma população de 49.143 hab (IBGE/2010). Outras entidades parceiras fizeram parte da organização dos Jogos, a saber: Ministério da Educação, Ministério do Turismo, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde – SESAI, Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Ministério da Cultura, Secretaria de Promoção Social da Igualdade Racial, Gabinete do Senador Vicentinho Alves – TO/PR, Governo do Estado do Tocantins, e Prefeitura de Porto Nacional. Após determinarem o local dos Jogos dos Povos Indígenas, o período escolhido foi de 08 a 15 de outubro de 2011 para o lançamento no dia 08 de agosto Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 83 de 2011 em Porto Nacional. Na época contou com a presença de pelo menos um representante de cada setor envolvido no lançamento dos Jogos. Os preparativos para do local do evento consistiram na construção de uma “Aldeia Olímpica Indígena” na Ilha de Porto Real, para receber aproximadamente 1300 indígenas de cerca de 35 etnias, de diferentes regiões do país, além da montagem de uma estrutura para receber uma plateia de aproximadamente oito mil pessoas. “Além disso, eram esperados líderes e observadores indígenas de outros países (Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá, Equador, EUA, Guiana Francesa, Peru e Venezuela)” conforme informação de Marcos Terena. No contexto das articulações um fato inesperado e relevante se tornou obstáculo para a realização dos XI Jogos dos Povos Indígenas no período determinado: um novo padrão de convênio de contratos e rapasses é estabelecido pelo Governo Federal. Com a publicação do Decreto nº 7.568 de 16 de setembro de 2011, que “Altera o Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, o Decreto nº 3.100, de 30 de julho de 1999, que regulamenta a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, e dá outras providências”, o período estabelecido foi alterado de 08 a 15 de outubro de 2011 para 05 a 12 de novembro de 2011. Em virtude da alteração do Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007 no seu artigo 1º que “Regulamenta os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento Fiscal da Seguridade Social da União”, pelo Decreto nº 7.568 de 16 de setembro de 2011. Tornou-se necessária a publicação de uma portaria de instituição de chamada pública para a realização dos XI Jogos dos Povos Indígenas, para selecionar projetos que receberão recursos do Orçamento Geral da União, que prevê a organização, a realização e a avaliação do evento. 84 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Entretanto, o então Ministro de Estado do Esporte, Orlando Silva, instituiu uma chamada pública para a realização da XI Edição dos Jogos dos Povos Indígenas, com a finalidade de selecionar os projetos que receberão recursos do Orçamento Geral da União, na Portaria nº 165, de 10 de outubro de 2011, publicada no Diário Oficial da União – Seção 1 nº 196 de 11 de outubro de 2011, página 78, e o edital de chamada pública na Seção 3 do Diário Oficial da União de 11 de outubro de 2011 nas páginas 124 e 125. Teve o período de 11 a 25 de outubro para cadastramento e envio das propostas e uma segunda fase análise e seleção das propostas entre os dias 26 e 27 de outubro. O projeto do Comitê Intertribal - Memória e Ciência Indígena - ITC foi escolhido para organizar, realizar e avaliar a XI Edição dos Jogos dos Povos Indígenas de 2011. Quanto ao investimento conforme Planilha2 detalhada da Presidência da República – Controladoria Geral da União – CGU – Convênios por Estado/ Município de 28/11/2011, tendo como órgão superior o Ministério do Esporte como Concedente e Convenente o Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena – ITC com o valor do Convênio e valor publicado em 01 de novembro de 2011 de R$ 1.292.955,15 com início da vigência em 28/10/2011 e fim da vigência 31/01/2012, e com data da última liberação desse valor em 04/11/2011. O custo total previsto foi de R$ 1.800.000,00 e portanto o Comitê Intertribal previu outros financiamentos através do Governo do Estado do Tocantins de R$ 300.000,00, do Ministério do Turismo de R$150.000,00 e patrocínio de R$ 50.000,00. A realização da XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas As atividades foram distribuídas na cidade de Porto Real e na arena localizada na Ilha de Porto Real. Na cidade foram realizadas as seguintes atividades: 2 Portal da Transparência: htpp://www.portaldatransparencia.gov.br/convenios, acesso em 01/12/2011. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 85 acendimento do fogo, jogos de futebol e corridas de fundo e na arena os jogos, danças e rituais. Especificamente na cidade ocorreram as seguintes atividades: 1) O acendimento do fogo realizado pelo povo Xerente indígenas anfitriões nesses Jogos, no dia 04 de novembro ao anoitecer, na Praça central de Porto Nacional, Largo da Catedral Nossa Senhora das Mercês. Contou com a presença do público não-indígena e indígena, repórteres, fotógrafos, pesquisadores, autoridades, além dos organizadores, havia um caminhão com equipamento de som potente e microfone para o locutor animar o público e para um dos organizadores, Marcos Terena, pudesse falar sobre os significados do que estava sendo demonstrado, também houve apresentações de práticas corporais indígenas, como a Dança da Ema do povo Terena e a apresentação do povo Xerente. 2) Os jogos de futebol masculino no estádio General Sampaio e o feminino no Centro de Treinamento Nego Júnior, sendo as finais tanto masculinas quanto femininas no estádio General Sampaio. 3) As corridas de fundo masculina e feminina, na avenida Beira Rio. 4) Entrevista coletiva de Carlos Terena e Marcos Terena para imprensa no auditório da Câmara Municipal. Na Ilha Porto Real ocorreram as seguintes atividades: 1) Abertura Oficial. 2) Entretenimentos Culturais – Exposição, venda de artesanatos, pinturas corporais. 3) Apresentações Indígenas e Regionais; 4) Fórum (ciclo de debates); 5) Jogos Nativos de Integração (Arco e Flecha, Arremesso de Lança, Canoagem, Cabo de força, Corrida de Tora, Corridas de velocidade, corrida de resistência, e Natação). 86 Celebrando os jogos, a memória e a identidade 6) Jogos Tradicionais de demonstração (Corrida de tora, Lutas Corporais, Jikunaahti, Hipipi, Katulaywa, Jawary, Tihimore, Rõkran, Peikran, Kagót, Insistró, Jãmparty, Nhwra reni, Ngokhôn Kaseke, Khwra ro nô, Kgwra remi, Pásy hrã dáki, Pênsog thâky, Xaká-akere.). 7) Esportes aquáticos – natação e canoagem. 8) Encerramento Oficial. Pudemos observar ao longo da semana na qual estivemos realizando nossa pesquisa de campo, que houve muitas etnias aproveitando o tempo livre, já que não estavam nas apresentações ou participando de alguma atividade prevista no cronograma dos Jogos, fazendo seus cantos, danças, agradecimentos, dando entrevistas, sendo fotografados pela imprensa, pelos visitantes e entre elas mesmas. Podia-se perceber a alegria de estarem entre outros povos, parentes, conhecendo outras culturas. Esse evento contou com a participação de 39 etnias. Cada etnia esteve presente com no máximo 40 integrantes, haja vista que algumas etnias estavam sendo representadas por apenas um participante e especificamente os Matis – etnia do Amazonas, estava com cinco integrantes participando das atividades, de alguma prática corporal. No entanto conforme informações dos organizadores encontravam-se nesses Jogos aproximadamente 1300 indígenas. Havia representações de todas as regiões brasileiras, inclusive os representantes do Estado do Tocantins como anfitriões. Etnias participantes Nos Jogos dos Povos Indígenas em Porto Nacional participaram as seguintes etnias. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 87 Apinajé – TO Assurini – PA Bororo Boe – MT Cinta Larga – MT Erikibaktsa – MT Guarani Kaiwá – MS Javaé – TO Kaingang – RS Kanela Rãmkokamekra – MA Karajá – TO Kayapó – PA Kamayura – MT 88 Tronco – Macro-Jê Família – Tupi-Guarani Língua –Apinajé Tronco - Tupi Família – Tupi-Guarani Língua – Assurini Tronco: Macro Jê Família: Boróro Língua: Bororo Tronco - Tupi Família – Tupi-Guarani Língua – Kakim, Kaban ou Maan. Tronco – Macro-Jê Família – Tupi-Guarani Língua - Erikibaktsa Tronco: Tupi Família: Tupi-Guarani Língua: Guarani- Nhandevá Tronco: Macro-Jê Família – Jê Lingua: Karajá Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Kaingang Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua :Timbira Tronco: Macro-Jê Família: Karajá Língua: Karajá Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Kayapó Tronco: Aruak, Familia: kama e yula Linguá: Kamayurá Celebrando os jogos, a memória e a identidade Krahô - TO Kura Bakairi - MT Mamaindê/ Nhambikwara – MT Manoki – MT outra denominação Irantxe – MT Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Timbira Tronco: Família: Karib Língua: Bakairi Tronco: Negarotê Família: Nambikwara Língua: Mamainde Tronco: sem tronco Família: isolada Língua: Manoki Manoki ou Irantxe (língua isolada) Tronco: sem tronco Família: Pano Paresi - MT Parkatêjê/Kyikatêjê - PA conhecido como Gavião Parakatêjê Pataxó - BA Suruí – RO outra denominação Paíter Suyá - MT Tapirapé - TO Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) Tronco: sem tronco Família: Aruák Língua: Paresi Tronco – Macro Jê Família – Jê Língua Timbira Oriental Tronco – Macro-Jê Família - Maxakali Língua – Pataxó Tronco: Tupi Família: Mondé Língua Suruí – (Paitér) Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua :Suyá Tronco – Macro-Jê Família - Tupi Língua – Tapirapé 89 Tembé – PA Terena - MS Xavante - MT Xambioá - TO Xerente - TO Xicrin – PA Tronco – Macro-Jê Família - Tupi Língua – Tembê Tronco: sem tronco Família: Aruák Língua: Terena Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Akwén Tronco: Familia: Carajá Lingua: Xambioá Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Akwén Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Kayapó - Xikrin As atividades corporais apresentadas foram as seguintes: Modalidades de integração indígena Arco e Flecha Arremesso de Lanças Canoagem Cabo de Força Corrida de Tora Corridas de Velocidade (100 m e 4 x 100m). Corrida de Resistência (5.000 metros). Natação (Travessia em águas abertas). 90 Modalidades Modalidade ocidental e ‘tradicionais’ indígenas Corrida de Tora Lutas Corporais Modalidade ocidental: Futebol de campo Katulaywa, Jawary, Tihimore, Rõkran, Peikran, Kagót, Insistró, Jãmparty, Akô, Zarabanata, Ngokhôn kasêkê, Nhwra reni, Khwra ro nô, Kgwra reni, Pásy hrã dáki, P nsôg thâky, Xakáakere artesanato, danças e pintura corporal Celebrando os jogos, a memória e a identidade As descrições das modalidades foram obtidas de diferentes fontes (Gruppi, 2013)3: Apañara (lançamento de flecha): Trata-se de um lançamento de flecha em que o alvo é um guerreiro que tentará agarrar a flecha com as mãos. Outra variante praticada pelos Xavante é o lançamento da flecha na vertical e esta deverá ser recolhida antes que caia no solo. Corrida de tora: É uma corrida entre equipes onde um dos atletas de cada equipe transporta um tronco de árvore no ombro, existe sempre a possibilidade de fazer rodízios entre os membros da equipe. O peso da tora varia de 70 a 100 quilos na categoria masculina e de 50 a 70 quilos na categoria feminina. Cada equipe pode ter no máximo 15 atletas. A corrida é feita em círculos, são três voltas e termina no centro do estádio, quando a tora é posta no chão. A maioria das toras é feita com o tronco da palmeira chamada Buriti e cada grupo tem um ritual próprio para sua confecção. A corrida de toras é uma prova de força e resistência, praticada em rituais, festas e jogos por várias etnias: os Xavante; os Gavião Kyikatêjê/Parakateyê; os Xerente; os Krahô; os Kanela; os Krakati; e os Apinaje. Cabo de força: Realiza-se em duas categorias: feminina e masculina. Cada equipe é formada por, no máximo, dez participantes, pode ter também duas reservas e um técnico. Os participantes se colocam em fila para agarrar a corda. Cada equipe agarra uma das extremidades, os atletas devem puxar a corda em sentido oposto, o objetivo é puxar a corda e arrastar a equipe adversária até a área demarcada. Jogo de bola (variação) - Katulaywa: Jogo de bola com os joelhos, praticado 3 Gruppi, D.R. Jogos dos Povos Indígenas: trajetória e interlocuções. Tese de doutorado, Unicamp, 2013. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 91 pelos grupos indígenas do Xingu. Jogo de Bola com a Cabeça: Denominado Zikunariti, na língua dos Paresi, e Hiara, na língua dos Enawenê Nawê, esta modalidade é parecida com o jogo de futebol, mas, ao invés de chutar, as equipes devem cabecear a bola. Trata-se de um esporte exclusivamente masculino, praticado tradicionalmente pelos Paresi do Mato Grosso. O jogo é disputado por duas equipes, com dois atletas em cada uma delas. A partida se realiza em um campo de terra batida para que a bola ganhe impulso há uma linha no centro que delimita o espaço de cada equipe. A partida começa com atletas veteranos que se dirigem para o centro do campo e decidem quem vai começar a lançar a bola com a mão o adversário deverá cabecear de volta. E assim sucessivamente, quem deixar cair a bola no chão cederá o ponto ao adversário quando tocar em outra parte do corpo ou não houver rebote. Kagót: Praticado pelo povo Xicrim, os participantes dividem-se em dois grupos com o mesmo número de participantes, que não é fixo. A modalidade inicia-se com danças e canções de ambos os grupos que se aproximam gradativamente se enfrentando. Durante a dança atiram flechas preparadas (sem ponta) quando se cruzam, cuja meta é atirar em algum membro da equipe adversaria. Ao receber a flechada, o jogador avisa e a equipe adversaria recebe pontos. É uma forma de confraternização entre os grupos. Lutas corporais: Praticadas por homens e mulheres, de vários grupos indígenas, as lutas corporais são bastante diversificadas. Fazem parte da cultura tradicional dos povos xinguanos (Kayapó, Kamayurá, Tchukarramãe),Bakairi, Xavante, Gavião Kyikatêjê/Parakatêye e Karajá. 92 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Arco e flecha: cada etnia pode inscrever apenas dois índios. Cada um deles tem direito a três flechadas em direção a um alvo (desenho de um peixe) que está localizado a 30 m do arqueiro. Ganha mais pontos quem acertar mais próximo do olho do peixe. Arremesso de lança: É uma modalidade masculina na qual o atleta deve atirar a lança com o objetivo de atingir a distância máxima. Todos os participantes usam as mesmas lanças. Cada um deles pode fazer três lançamentos consecutivos, dos quais é considerado apenas o melhor. A técnica de lançamento varia de uma etnia para outra. A maioria utiliza uma das mãos para o lançamento, embora tenha também lançadores que utilizam as duas, estes apoia uma delas no extremo oposto da ponta da lança. Existe uma área onde o atleta pode realizar uma corrida a fim de impulsionar ao lançamento. Os lançamentos fora da zona delimitada são anulados. Canoagem: É uma competição com canoas disputada nos rios, lagos ou mar. Geralmente, a distância é de cerca de 400 metros, mas pode variar. A disputa é feita em dupla e, no final, a dupla vencedora é a que ultrapassa em primeiro lugar a linha de demarcação com a ponta da proa da canoa. As canoas são comuns a todos os participantes, que devem levar os seus remos. A cada corrida as canoas são sorteadas, atualmente utiliza-se canoas fabricadas pelos Rikbatsa do Mato Grosso. A canoa ainda hoje é empregada como meio de transporte e de pesca por muitos grupos indígenas e apresenta grande diversidade. Entre os Karajá, por exemplo, as canoas são mais estreitas e mais velozes. Cada etnia pode inscrever uma dupla de indígenas do sexo masculino. Os remos e as canoas são confeccionadas pelos próprios indígenas. Natação (travessia): a prova de natação é disputada em rio ou mar aberto e é dividida em uma etapa masculina e uma feminina. Cada etnia pode inscrever Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 93 dois atletas no masculino e dois no feminino. Os participantes aguardam o sinal sonoro de largada na areia, semelhante à prova do triatlo, e só então podem sair correndo em direção à água. O percurso tem aproximadamente 100 metros e é disputada uma única bateria. Rõkrã : já é um jogo coletivo disputado por equipes com dez ou mais atletas e em um campo do tamanho de um campo de futebol. Os atletas carregam bordunas (espécie de bastão) e devem ir rebatendo um coco para que ele ultrapasse a linha de fundo do campo do oponente. Tihimore: Esta é uma modalidade disputada apenas por mulheres, geralmente jovens e adolescentes, entre clãs ou famílias do povo Pareci. Semelhante ao jogo de boliche, é realizada em festas e rituais de iniciação e nominação, quando as crianças recebem nomes próprios. A disputa ocorre em um campo de 10 metros de largura por um metro de comprimento, com ripas de madeira fixadas no solo nas duas extremidades onde se colocam espigas de milho. O jogo é disputado com duas bolas de marmelo verde e o objetivo é tirar o milho das adversárias que estão nos últimos paus. É jogado com quatro atletas de cada lado e não tem juiz, apenas um observador de cada lado adversário, que tem a função de verificar se houve toque e a pontuação. Zarabatana é uma prova individual onde o participante se posiciona a 20 ou 30 metros do alvo. O objetivo é atingir o alvo o maior número de vezes. A zarabatana é uma arma artesanal feita pelo povo Matis da Região Amazônica No orifício da zarabatana se introduz uma pequena seta de 15 centímetros. Os Matis usam a zarabatana para caçar já que ela é silenciosa e precisa. Corrida de 100 metros: cada etnia pode inscrever duas equipes – masculina e feminina – compostas por dois atletas. O número de séries eliminatórias 94 Celebrando os jogos, a memória e a identidade varia de acordo com o número de atletas inscritos. Corrida de fundo: essa modalidade também possui uma prova feminina e outra masculina, porém, não há limite de inscrição de atletas por etnia. Os atletas devem percorrer um trajeto de aproximadamente 3 mil metros e podem correr calçados ou não. Danças: Representações das diferentes etnias, e também do não índio com características regionais. Futebol: cada etnia pode inscrever uma equipe no masculino e feminino com, no máximo, 18 atletas. O jogo dura 40 minutos, sendo dividido em dois tempos de 20 minutos cada. O lema celebração e não competição traz um sentido lúdico das partes envolvidas. A classificação é motivo de celebração pela etnia. Apresentamos os resultados finais disponibilizado pelo Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena. MODALIDADES CLASSIFICAÇÃO DAS ETNIAS 1º Pataxó 2º Kamayura 3º Kura Bakairi Arremesso de lança 1º Tapirapé- Ricardo Tapirapé (38,10m) 2º Terena - Eid Pereira Terena (34,86m) 3º Javaé - Ixariri Javaé (32,50m) Canoagem 1º Xerente 2º Tembé 3º Kamauyrá Cabo de força feminino 1º Javaé 2º Bororo Boe 3º Xavante Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 95 Cabo de força masculino 1º Kamayurá 3º Xerente Corrida com tora 1º Kanela 2º Xavante 3º Krahô Corrida de fundo – feminino (2.500 metros). 1º Kaiapó - Bekwynhkaro 2º Xavante - Pewahu Sueli 3º Guarani-Kaiowá - Cleonícia Lopes Corrida de fundo – masculino (4.000 metros) 1º Xerente - Júnior Wakezane 2º Assuriní – Passewaia 3º Guarani-Kaiowá- Ailquison Ferreira Corrida de velocidade – feminino (100 metros) 2º Xambioá - Kuaribú Xambioá Corrida de velocidade – masculino (100 metros) 2º Kanela – Anjipá Kanela Futebol feminino 1º Karajá 2º Bororo Boe 3º Kamayurá Futebol masculino 1º Xerente 2º Kaingang 3º Xikrin Natação masculina Natação feminina 2º Manoki - Kayol 3ª Tapirapé - Makapukui 1º Kaiapó - Bekuynhkaro 2º Xavante - Sueli 3ª Rikbatksa – Muikbra Referências BRASIL. Decreto 7568 de 2011. Obtido em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7568.htm. Acesso em: 30/09/2011. 96 Celebrando os jogos, a memória e a identidade BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Obtido em: www. ibge.gov.br Acesso em: 30/09/2011. GRUPPI, Deoclecio R. Jogos dos Povos Indígenas: trajetória e interlocuções. 2013, 165fls. Tese de Doutorado (Faculdade de Educação Física) Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. OLIVEIRA, B. M.; GRANDO, B. S. Práticas corporais e manifestações culturais indígenas e suas relações com os Jogos dos Povos Indígenas do Brasil. In.: IV Congresso interno de iniciação científica da Unemat, 2008, Cáceres-MT. Anais IV Congresso Interno de Iniciação Cientifica da Unemat, 2008. p. 1-4. ROCHA FERREIRA, M.B.; VINHA, M.; FASSHEBER, J.R. M.; TAGLIARI, I. A. UGARTE, M.C.D. Cultura Corporal Indígena. In.: Atlas do Esporte no Brasil. (Org). Lamartine Pereira da Costa, Shape Editora e Promoções Ltda. Rio de Janeiro, 1ª Edição – 2005. ISBN: 85-85253-62-2, p. 35-36. ROCHA FERREIRA, M. B. Jogos Tradicionais e Esportes em Terras Indígenas. In.: Cultura e Contemporaneidade na Educação Física e no Desporto. E Agora? Coleção Prata da Casa. Edição Especial, p. 193-196, 2002. ROCHA FERREIRA, M.B., FASSHEBER, J.R., TAGLIARI, I.A., SILVEIRA, D. Cultura Corporal Indígena. Unicentro. Editora, 2003. ROCHA FERREIRA, M. B.; VINHA, M. Olimpíadas na floresta. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2, n. 22, p. 26-30, 2007. ISSN 18084001. ROCHA FERREIRA, M. B. O processo de mudanças na sociedade e os jogos tradicionais indígenas. CD Rom: X Simpósio Internacional Processo Civilizador. Sociabilidades e Emoções. Unicamp, 2007. ISBN 978-85-99688-0201. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 97 Fernando Amazônia 98 Celebrando os jogos, a memória e a identidade CA PÍTULO 7 JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS: REDES DE INTERDEPENDÊNCIAS, PERCEPÇÕES INDÍGENAS E MIMESIS Maria Beatriz Rocha Ferreira Jogos dos Povos Indígenas são eventos no ‘plural’ não somente por ter várias atividades e versões, mas por representarem teias de interdependências complexas ou figurações. Historicamente as iniciativas partiram dos líderes Carlos Justino Terena e Mariano Marcos Terena, os quais são os principais interlocutores no processo entre o universo indígena e não indígena nas realizações dos eventos. Informações podem ser acessadas em diferentes fontes e nos sites http://www.gov.br, www.labjor.unicamp.br/indio, http://www.jogosmundiaisindigenas.com Para a realização do evento, uma rede de instituições e atores se inter-relacionam a partir da iniciativa do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena, o poder público - Ministério do Esporte, Ministério da Justiça, Ministério da Educação, Governo do Estado e Municipal, Universidades, Fundação Nacional do Índio - FUNAI e o poder privado – a mídia, universidades privadas, ONGs e voluntários. Estes atores e instituições se interrelacionam durante todo o processo com diálogos, tensões e negociações. Cada evento pode ser considerado de médio porte, mas complexo pela magnitude da extensão que alcança. Os processos nas organizações destes jogos, desde 1996, indicam ganhos e superações de Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 99 todas as pessoas e instituições envolvidas. Menciono abaixo os passos principais na organização dos Jogos dos Povos Indígenas. Fase preparação As negociações são importantes elementos do líderes Marcos e Carlos Terena representando o Comitê Intertribal de Ciência e Memória Indígena com o Ministério do Esporte para a organização do evento. Estes instituições são as principais responsáveis pelos Jogos, que por sua vez se associam com outros Ministérios e outras instituições. As negociações das escolhas da cidade sede passa pelo aval político de diferentes setores Governamentais Federais, Estaduais e Municipais. A espiritualidade indígena é uma questão importante no processo. O pajé visita o local e influencia na escolha e abençoa. Ocorre negociações com a mídia, as universidades interessadas em desenvolver pesquisa, organizações não governamentais e voluntários fazem parte da complexidade das ações. As escolhas das etnias são importantes momentos no processo. Em geral elas ocorrem por indicação dos líderes Marcos e Carlos Terena e por solicitação das próprias etnias. Uma das características principais na escolha é a existência da práticas corporais da ‘tradição’ na vida diária nas aldeias. A organização do Fórum Social fica a cargo do líder Mariano Marcos Terena. São escolhidos temas da atualidade e trazem um debate profícuo envolvendo as etnias e a sociedade mais ampla. A planta arquitetônica dos jogos é feita com muita antecedência. Prevê a arena, o alojamento feito com elementos da tradição indígena, a oca da sabedoria a feira de artesanato, o campo de futebol, uma área de água (rio, praia ou lago), a oca digital, a oca literária e a feira de agricultura tradicional indígena. 100 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Durante e após os jogos Os jogos tem a duração de 7 dias com a chegada das etnias e a partida das mesmas. Os seguintes momentos fazem parte do evento. 1o dia que antecede o inicio dos Jogos. A cerimônia para acender o fogo sagrado de forma tradicional, com o atrito de gravetos realizado ao por do sol. Entre os diferentes significados, o fogo representa a união entre os povos, costume ancestral quando não estavam em guerra. Atualmente o fogo continua sendo aceso em situação de união com a sociedade. 2o dia - Início dos Jogos. Chegada do atleta [chamado de ‘guerreiro’ pelo locutor em alguns momentos] na arena segurando uma tocha, simbolizando o fogo sagrado. Esta é entregue para um outro atleta que percorre a arena e acende outras tochas até chegar na pira. Em seguida ocorre o desfile de abertura com a participação dos povos participantes, que se apresentam com os adornos e vestimentas típicas. A diversidade dos povos indígenas pode ser observada nas plumagens e pinturas corporais. Em geral num momento anterior a entrada na arena, as etnias fazem pajelança, dançam e cantam na concentração. Este é um momento muito forte em espiritualidade que o público não visualiza. Após a entrada de todas as etnias, ocorrem diferentes momentos, tais como pajelança [momento de muita espiritualidade], hino nacional, discursos dos organizadores, entre outros. No palanque ficam os representantes governamentais, Ministros, Secretários e outros convidados. Os pronunciamentos de alguns deles e do líder Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 101 indígena Mariano Marcos Terena oficializam a abertura dos Jogos dos Povos Indígenas. Os jornalistas e as comissões organizadoras têm um local específico com material adequado de multimídia e internet. Atividades nos dias seguintes Nos dias seguintes ocorrem diferentes praticas corporais, as quais foram categorizadas recentemente pelo Comitê Intertribal e o Ministério do Esporte por: modalidades de integração indígena, modalidades demonstrativas ‘tradicionais’4 indígenas, modalidade ocidental e modalidades artísticas. Estas modalidades ocorrem na arena no final da tarde. Mas as outras modalidades são alocadas em locais específicos, como o futebol de campo nos estádios da cidade e a canoagem e a natação realizadas no rio ou no mar durante o dia. As tendas de artesanatos são montadas ao redor da arena e funcionam durante todo o dia até o final das atividades do evento. São momentos de trocas entre as etnias participantes e o público de maneira geral. O Fórum social organizado por Marcos Terena congrega convidados indígenas e não indígenas nacionais e internacionais, visando debater temas, tais como educação, saúde, ecologia e juventude, comunicações, utilização de energia solar, reflexões sobre os jogos e esportes indígenas, entre outros. Em geral a reunião é organizada num ambiente próprio, com multimídia para transmissão das palestras. Lema e temas dos Jogos dos Povos Indígenas O lema dos Jogos dos Povos Indígena é “O IMPORTANTE NÃO É COMPETIR E SIM, CELEBRAR”. Mas a cada ano são escolhidos temas para serem 4 102 O termo tradicional entre aspas é grifo meu, para enfatizar que esta praticas são adquiridas por transmissão ao longo de sucessivas gerações, mesmo quando se trata de invenções recentes, e às quais o grupo atribui um estatuto diferenciado. O saber tradicional não representa a sua antiguidade, mas a maneira como ele é adquirido e como é usado, ou melhor representa formas particulares, continuamente colocadas em prática na produção do conhecimento (Gallois, 2006). Celebrando os jogos, a memória e a identidade desenvolvidos nos Jogos e nas cidades sedes. Pode-se perceber que algumas etnias participam em diferentes anos, mas não necessariamente são as mesmas aldeias e atletas. Tabela 1. Local, ano, tema e etnias participantes dos Jogos dos Povos Indígenas I JPI - 1996 Goiania - GO II JPI - 1999 Guaíra - PR (na fronteira ) III JPI - 2000 Marabá - PA (na Amazônia brasileira) IV JPI - 2001 Campo Grande - MS (região do Pantanal) Tema: Programa do Índio Os povos indígenas vão mostrar que esporte não é reserva de branco Tema: A Terra de todas as Tribos Tema: A União das Tribos Tema: Compromisso com nossas Tribos Etnias: Bakairi - MT; Bororo- MT; Fulni-ô - PE; Gavião RO; Guarani - SP e MS; Guató - MS; Javaé - TO; Kadiwéu - MS; Kaiapó PA; Kaingang - SP, SC e RS; Kaiowá - MS; Kalapalo, Xingu - MT; Kamayurá Xingu - MT; Kanela - MA. Karajá - TO e GO; Krahô - Etnias: Bakairi - MT; Bororo - MT; Erikbaktsa - MT; Guarani - SP; Jawaé - TO; Kadiwéu - MS; Kaingang-SC; Kaiowá - MS; Kamaiurá, Xingu - MT; Kanela - MA; Karajá - TO; Kayapó - PA; Krahô - TO; Krenak - MG; Kuikuro, Xingu - MT; Etnias: Arara - PA; Arawete - PA; Assurini – PA; Asurini - PA; Bakairi - MT; Bororo - MT; Erikbatsa - MT; Gavião Parkatejê - PA; Guarani - SP; Jawaé - TO; Kaapor - PA; Kaingang – PR; Kaiowá – MS; Kalapalo, Xingu - MT; Kamayura, Xingu - MT; Kanela - MA; Karajá TO; Kayapó – PA; Krahô - TO; Kuikuru, Xingu – Etnias: Arara - PA ; Arawete - PA; Assurini – PA; Bakairi - MT; Bororo – MT; Erikbatsa – MT; Fulni-o/PE; Gavião Parkatejê – PA; Gavião/RO; Guarani – SP; Guarani – MS; Guato/MS; Jawaé – TO; Kadiwéu – MS; Kayapó – PA; Kaingang - SP; Kaingang - SC; Kaingang – RS; Kaiowá – MS; Kalapalo, Xingu - MT; Kamaiurá, Xingu – MT; Kanela – MA; Karajá – TO; Kariri/AL; Krahô – TO; Xingu - MT; Mehinaku, Xingu - MT; Ofaié - MS; Paresi - MT; SaterêMaués - AM; Terena - MS; Trumai, Xingu - MT; Tukano - AM; Wuará, Xingu - MT; Xavante MT, Xucuru - Kariri - AL; - MG; Pankararu - PE; - PB; Suyá, Xingu - MT; MT; Waurá, Xingu – MT Xacriabá - MG; Xavante - - PA; Mehinaku, XingúMT; Munduruku - PA; Parakanã - PA; Pataxó - BA; Suruí - PA; Suyá, Xingu - MS; Tembé PA; Terena - MS; Wai Wai - PA; Waurá, Xingu – MT; Xavante - MT; Xingu MT – AM; Maxacalí – MG; Mbyá – PA; Mehinaku, Xingú- MT; Munduruku – PA; Ofaié - MS; Pankararu – PE; Parakanã – PA; Paresi – MT; PB; Saterê-Maués - AM; Suruí - PA; Suyá, Xingu – MT; Tembé – PA; Terena – MS; Trumai, Xingu - MT; Tukano Wai – PA; Waurá, Xingu – MT; Xacriabá – MG; Xickin/ Xingu - MT Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 103 V JPI - 2002 Marapanim - PA Tema: Natureza Etnias: Arara/PA; Arawete/ PA; Assurini – PA; Bakairi/MT; Bororo/ MT; Erikbatsa; Fulni-o/ PE; Gavião/PA; Gavião Parakatêjê/ PA; Guarani/SP; Guató/MS; Javaé/TO; Kadiwéu/MS; Kayapó/ PA; Kaigang/RS; Kaiwá/MS; Kalapalo/ MT; Kamayurá/MT; Kanela/MA; Karajá/ TO; Krenak/MG; AM; Maxakali/MT; Mbyá/PA; Mehinaku/ MT; Munduruku/PA; Ofaié/MS; Pankararu/ PE; Parakanã/PA; Paresi/MT; Pataxó/BA; Maues/AM; Suruí/ RO; Suyá/MT; Tembé/ PA; Terena/MS; Trumai/MT; Tukano/ Waiwai/PA; Wará/MT; Xickin/MT; Xucuru/AL; 104 VI JPI - 2003 Palmas - TO Tema: Esta Terra é Nossa VII JPI - 2004 Porto Seguro - BA (local da chegada dos "caraíbas" portugueses) VIII JPI - 2005 Fortaleza – CE Tema: 1994/2004 - Década Internacional do Índio Tema: O importante não Etnias: Aikewara/PA; Apinajé/ TO; Avá Canoeiro/ GO; Awa Guajá/MA; Etnias: Aikewara/PA; Asurini do Xingu/ MT; Awá Guajá/MA; MT; Bororo/MT; Cinta Larga/RO; Enawêne Nawê/MT; Gavião Kyikatêjê/PA; Guarani/ MT; Bororo/MT; Enawenê-Nawê/MT ; Etnias Australianas, Etnias Canadenses, Gavião/PA; Guajajara; Guarani/SP; Ikpeng/ ; Irantxe; Javaé/TO; Kaapor/MA; Kadiwéu/ MS; Kaigang/RS ; Kaiwá/MS ; Kalapalo/ MT ; Kamayurá/MT; Kanela; Kantaruré; Karajá/MT; Kayabi; Kayapó/PA ; Kiriri; Krahô/TO ; Krenak/ MG; Kuikuro/MT; Etnias: Assurini – PA; Asurini – TO; Bakairi/MT; Bororo/MT; EnawenêNawê/MT ; Guarani/ SP; Gavião Kyikatêjê/ MA; Javaé/TO; Kaiwá/ MS ; Kanela/MA; Karajá/MT; Kayapó/ AM; Javaé/TO; Ka'apor/MA; Kaiwá/ MS; Kalapalo/MT; Kamayurá/MT; Kanela Ramkokamekra/MA; Karajá/TO; Kayabi/MT; Kayapó/PA; Krahô/TO; AM; Nambikwára/ RO; Parakanã/PA; Paresi/MT; Pataxó/BA; Rikbatsa/MT; Suruí/ RO; Tapirapé-TO/MT; Tembé-PA; Terena/ MS; Uru-Eu-WauWau-/RO; Wai Wai/ PA; Waiãpi/AC; Waimri Atroari/AM; Waura/ MT:; Xavante/MT; Xerente/TO; Xikrin/ PA; Xucuru Kariri/ AL; Yanomami/RR; celebrar AM; Manoki/MT; Nambikwára/RO; Parakanã/PA; Paresi/ MT; Rikbaktsa/MT ; Suruí/RO; Pytaguary/ Tabepa/CE; Terena/ MS; Xavante/MT; Xerente/TO; Xikrin/PA; MT ; Nambikwara/ RO; Pankararé; Pankararu/PE; Paresi /MT ; Pataxó/BA; Rikbaktsa/MT ; Suruí/ RO ; Tapirapé/TO/ MT; Terena/MS; Tuxá/; Wai Wai,PA; Waiãpi/AC ; Waimiri Atroari,/AM; Waura/ MT; Wayapi ; Guiana Francesa, Xakriabá; Xavante/MT; Xerente/ TO; Xikrin/PA; Xukuru/ AL; Yanomami/RR; Celebrando os jogos, a memória e a identidade IX JPI - 2007 Recife e Olinda – PE X JPI - 2009 Paragominas – PA XI JPI - 2011 Porto Nacional – TO XII JPI - 2013 Cuiabá - MT Tema: Água é vida, direito sagrado que não se vende Tema: O importante não é ganhar e, sim, celebrar Tema: Importante não é ganhar e, sim, celebrar Tema: Soberania alimentar: alimentação e respeito à Mãe Terra. Etnias: Etnias: Aikewara/PA; Assurini/ PA; Bakairi/MT; Cinta Larga/RO; Bororo Boe/ MT; Enawenê-Nawê/ MT; Gavião Kyikatêjê/ PA; Gavião Parkatejê/ PA; Javaé/TO; Kayapó/ PA; Kamayura/MT; Krahô/TO; Kuikuro/MT; Etnias: Apinajé/TO; Assurini/PA; Bororo Boe/MT; Cinta Larga/MT; Erikibaktsa/ MT; Guarani Kaiowá/MS; Javaé/TO; Kaingang/RS; Kanela Rãmkokamekra/ MA; Karajá/TO; Kayapó/ PA; Kamayura/MT; Krahô/TO; Kura Bakairi/ MT; Mamaindê/ Nhambikwara/MT; Etnias: Assurini/PA; Bororo Boe/MT; EnawenêNawê/MT; Erikibaktsa/ MT; Gavião Ikólóéh RO; Guarani Kaiwá/ MS; Ikpeng/MT; Javaé Itya/TO; Kaingang/PR; Kanamari/ AM; Kanela Rãmkokamekrá/MA; Karajá/TO; Kariri-Xocó/ Paresi/MT; Parkatêjê/ Kyikatêjê/PA; Pataxó/ BA; Suruí/RO; Suyá/MT; Tapirapé/TO; Tembé/PA; Terena/MS; Xavante/MT; Xambioá/TO; Xerente/TO; Xicrin/PA; Saterê - AM MT; Kokama/AM; Krahô/ TO; Krenak/MG; Kuikuro/ MT; Kuntanawá/AC; Kura Bakairi/MT; Macuxi/ RR; Mamaindê/RO; Bakairi/MT; Bororo/Boe/ MG; Gavião Parkatejê/ PA; Kambiawá/PE; Kanela Ramkokamekra/ MA; Kapinawá/PE; Kayapó/PA; Kuikuro/MG; Manoki/MG; Pankará/ PE; Pankararú/PE; Paresi Rikbaktsa/MT; Tapirapé/ MT; Tenharim/AM; Xavante/MT; Xerente/TO; Xikrin/PA; Xokleng/SC Maxacali/MG; Paresi MT; Shanenawa -AC; Tapirapé/TO; Tembé/PA; MT; Wai Wai/PA; Xavante/MT; Xerente/TO; Xicrin/PA; Xokleng - SC; Yaunauwa - AC Maxacali/MG; Mayoruna/ AM; Mehinaku /MT; Nhambikwara/MT; Panará Kreeakarore/MT; Paresi Shanenawá/AC; Suruí Paiter/AC; Tapirapé/ TO; Tauarepang/RR; Tembé/PA; Terena / MS; Tikuna Magüta/ AM; Tukano Ye’pâ-masa/ Wai/PA; Wapichana/RR; Xacriabá/MG; Xambioá/ TO; Xavante/MT; Xerente/TO; ETNIAS INTERNACIONAIS Canadá; Chile; Colômbia; Costa Rica; Equador; Estados Unidos; Guatemala; Guiana Francesa; México; Nicarágua; Noruega; Panamá; Paraguai; Peru; Venezuela Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 105 Pesquisas realizadas nos Jogos Os organizadores sempre tiveram abertos aos pesquisadores para realização de seus estudos e publicações acadêmicas. Publicações e filmes podem ser obtidos nos seguintes eventos: IV JPI – 2001 Campo Grande – MS, VII JPI – 2004 Porto Seguro – BA,VIII JPI – 2005 Fortaleza – CE, IX JPI – 2007, Recife e Olinda – PE, X JPI – 2009, Paragominas – PA, XI JPI – 2011, Porto Nacional – TO, XII JPI – 2013, Cuiabá - MT. As pesquisas puderam fornecer diferentes visões sobre os Jogos. Entendo que algumas vezes as percepções dos pesquisadores não indígenas foram influenciadas pelas experiências das áreas acadêmicas dos mesmos. Sites e bancos de dados foram organizados para que pudéssemos ter um acervo da memória dos Jogos Indígenas (www.labjor.unicamp.br/indio). Resultados da pesquisa realizada nos XI JPI – 2011 Porto Nacional – TO As informações relatadas a seguir são dos questionários sobre “Avaliação com indígenas atletas e artesãos”. As perguntas do questionário eram fechas, semi-abertas e abertas (dissertativas). As duas primeiras foram anotadas no formulário da entrevista (questionário) e as outras foram gravadas. As respostas gravadas foram transcritas e apresentadas no capítulo - A Comunidade Indígena e suas Percepções dos XI “Jogos Dos Povos Indígenas” – JPIs. As informações das perguntas registradas no formulário foram codificadas e inseridas em planilha excell. Foi realizada uma análise estatística cruzando as variáveis: etnia, sexo e as informações dos entrevistados. Participaram desta fase Maria Beatriz Rocha Ferreira, Deoclécio Rocco Gruppi e Philippe Devloo. Dados informativos Foram entrevistados 45 mulheres e 89 homens. No quadro abaixo apresentamos as etnias que participaram dos Jogos. Os espaços em branco representam as etnias ou o sexo que não foram entrevistados, por motivos diversos. 106 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Nota: o número de entrevistados está entre parênteses. Os participantes tiveram diferentes funções, vieram como atletas, artesã/ão, coordenador/responsável pela etnia. Algumas das funções foram acumuladas, portanto aparecem como atletas e artesã/ão, ou atleta e coordenador ou todas as funções. Os espaços em branco significa que não tivemos informações. ETNIA MULHERES HOMENS Apinajé – TO Tronco – Macro-Jê Família – Tupi-Guarani Língua –Apinajé Assurini – PA Tronco - Tupi Família – Tupi-Guarani Língua – Assurini Idades – 17 (2), 30 a 34 (3) Função – artesã (3), dança e artesã (1) e pintura corporal e artesã (1) Idades – 16 (1) 17 (1) 27 (1) Função – atleta (2) artesão (1) Bororo Boe – MT Tronco: Macro Jê Família: Boróro Língua: Bororo Idades 16 (1) 55 (1) Função – atleta (1) artesã (1) Idades 17 (1), 26 (1), 42 (1), 45 (1) Função: atleta (2), atleta e artesão (1), atleta, artesão e coordenador (1) Cinta Larga – MT Tronco - Tupi Família – Tupi-Guarani Língua – Kakim, Kaban ou Maan. Idades – 20 (1), 23 (1), 17 (1) Função – atleta e artesã (2) e artesã (2) Idades 25 (1), 26 (1), 52 (1), 54 (1) Função: atleta (4) Guarani Kaiowá – MS Tronco: Tupi Família: Tupi-Guarani Língua: Guarani- Nhandevá Idades – 16 (1), 24 (1), 50 (1) Função atleta (2) não respondeu (1) Idades: 16 (1), 34 (1), 39 (1) Função: atleta (1), atleta e artesão (1), atleta, artesão e coordenador (1) Javaé – TO Tronco: Macro-Jê Família – Jê Lingua: Karajá Idades: 18 (1), 25 (1), 29 (1), 49 (1) Função: atleta (3) Artesã (1) Idades: 18 (1), 22 (1), 30 (1), 46 (1) Função: atleta (3), atleta e Artesão (1) Kaingang – RS Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Kaingang Idades (18 (1), 29 (2), 33 (1) Função – atleta (1), atleta e artesã (2) e atleta, artesã e outros (1) Idades: 27 (1), 28 (1), 32 (1), 53 (1), 55 (1) Função: atleta (1), atleta e coordenador (1), coordenador (1) Erikibaktsa – MT Tronco – Macro-Jê Família – Tupi-Guarani Língua - Erikibaktsa Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 107 Kanela Rãmkokamekra – MA Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua :Timbira Karajá – TO Tronco: Macro-Jê Família: Karajá Língua: Karajá Idades: 23 (1), 25 (1) Função: atleta (2) Idades: 20 (1), 22 (1), (23 (1), 27 (1), 39 (1), 48 (1) Função: atleta (3), Artesão (1), atleta e Artesão (1), coordenador (1) Kayapó – PA Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Kayapó Idades: 22 (1) Função – atleta (1) Idades: 21 (1), 26 (1), 29 (1), 31 (1), 67 (1) Função: atleta (1), artesão (2), coordenador (2) Kamayura – MT Tronco: Aruak, Familia: kama e yula Linguá: Kamayurá Idades: 21 (1), 22 (1), 23 (1), 32 (1), 36 (1), 39 (2), 41 (1), 48 (1) Função: atleta (2), artesão (3), atleta e artesão (1), coordenador e artesão (2), coordenador, atleta e artesão (1) Krahô - TO Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Timbira Kura Bakairi - MT Tronco: Família: Karib Língua: Bakairi Mamaindê/Nhambikwara – MT Tronco: Negarotê Família: Nambikwara Língua: Mamainde Idades: 17 (1), 29 (1) Função: artesã (2) Idades: 14 (1), 18 (1), 23 (1) 28 (1), 32 (1), 56 (1) Função: atleta (2), artesão (2), atleta e artesão (1), atleta, artesão e coordenador (1) Manoki – MT outra denominaçãoo Irantxe – MT Tronco: sem tronco Família: isolada Língua: Manoki Manoki ou Irantxe (língua isolada) Idades: 14 (1), 16 (1) Função: atleta e artesã (2) Idades: 15 (2), 19 (1), 24 (1), 25 (1), 29 (1) Função: artesão (1), atleta e Artesão (5) Tronco: sem tronco Família: Pano 108 Idades: sem informação (3), 23 (1) Função: atleta (4) Celebrando os jogos, a memória e a identidade Paresi - MT Tronco: sem tronco Família: Aruák Língua: Paresi Idades: 19 (1), 25 (1), 29 (2) Função: atleta e artesão (4) Parkatêjê/Kyikatêjê - PA conhecido como Gavião Parakatêjê Tronco – Macro Jê Família – Jê Língua Timbira Oriental Pataxó - BA Tronco – Macro-Jê Família - Maxakali Língua – Pataxó Idades: 17 (1), 18 (1), 29 (1) Função – atleta e artesã (3) Idades: 21 (1), 24 (1), 29 (2), 32 (1) Função: atleta (1), atleta e artesão (2), artesão e coordenador (1), atleta, artesão e coordenador (1) Suruí – RO outra denominação Paíter Tronco: Tupi Família: Mondé Língua Suruí – (Paitér) Idade: 22 (1) Função – atleta (1) Idades: 19 (1), 20 (1), 22 (2), 23 (2), 33 (1) Função: atleta (6), atleta e artesão (1) Idades: 14 (1), 16 (1), 21 (1) Função atleta (4) Idades: 17 (1), 18 (1), 20 (1), 39 (1) Função: atleta (2), coordenador (1), artesão e coordenador (1) Suyá - MT Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua :Suyá Tapirapé - TO Tronco – Macro-Jê Família - Tupi Língua – Tapirapé Tembé – PA Tronco – Macro-Jê Família - Tupi Língua – Tembê Terena - MS Tronco: sem tronco Família: Aruák Língua: Terena Xavante - MT Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Akwén Xambioá - TO Tronco: Familia: Carajá Lingua: Xambioá Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 109 Xerente - TO Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Akwén Idades: 15 (1), 16 (1), 17 (1), 18 (1) Função: atleta (1), atleta e artesã (1), atleta, artesã e outros (2) Idades: 16 (1), 19 (1), 21 (1), 36 (1) Função: atleta (1), atleta e artesão (3) Xicrin – PA Tronco: Macro-Jê Família: Jê Língua: Kayapó - Xikrin Idades: 20 (1), 27 91), 28 (1), 30 (1), 37 (1) Função: atleta (1), atleta e artesão (2), atleta, Artesão e coordenador (1), coordenador e atleta (1) 30. Saterê Mawê - AM Idades: 34 (1) Função: atleta (1) Na tabela acima podemos observar que as idades variaram. Este fato reflete uma dinâmica própria dos indígenas. Eles participam dos Jogos, independentemente da idade. A ideia de ‘celebração’ é permeada nos JPIs. A classificação das três modalidades foram feitas pelo Comitê intertribal Memória e Ciência Indígena e o Ministério do Esporte. As modalidades de Integração Indígena que participaram foram Arco e Flecha, Arremesso de Lanças, Canoagem, Cabo de Força, Corrida de Tora, Corridas de Velocidade (100m e 4 x 100m), Corrida de Resistência (5.000 metros), Natação (Travessia em águas abertas). As modalidades Demonstrativas Tradicionais Indígenas: Corrida de Tora, Lutas Corporais, Jikunahati, Hipipi, Katulaywa, Jawary, Tihimore, Rõkran, Peikran, Kagót, Insistró, Jãmparty, Akô, Zarabanata, Ngokhôn kasêkê, Nhwra reni, Khwra ro nô, Kgwra reni, Pásy hrã dáki, Pẽnsôg thâky, Xaká-akere. A modalidade ocidental foi o futebol de campo. Este jogo reflete a diversidade cultural das etnias e pode ser observado durante e após a competição. Eles dançam e celebraram quando ganham, mas sem ostentação e respeito ao adversário. As descrições de cada modalidade estão no capítulo organizado por Deoclécio Rocco Gruppi sobre ‘XI edição Jogos dos Povos Indígenas: organização, etnias, praticas corporais’. 110 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Evidências a respeito dos benefícios gerados pela iniciativa dos JPIs A seguir informo as respostas das perguntas fechadas e semi abertas do formulário de entrevista “Avaliação com indígenas atletas e artesãos. As respostas apontam a importância do evento no cenário nacional indígena. O ‘P’ significa a pergunta do questionário e o ‘R’ a resposta dos entrevistados. Tema: Sobre evidências a respeito dos benefícios gerados pela iniciativa dos JPIs. Você acha que os Jogos de Porto Nacional deram oportunidade para: P: Preservação das culturas indígenas, das práticas de seus esportes tradicionais, de seus rituais, artesanato e pintura corporal? R: Sim, pois são temas importantes, percebem que todos gostam e incentivam os jovens. P: Os participantes conhecerem novas modalidades esportivas tradicionais indígenas? R: Sim, pois podem conhecer outros povos e visualizarem as demonstrações. P: A preservação da relação homem e natureza? R: Sim, pois a mãe natureza está em primeiro lugar. Alguns consideram que eles já são os maiores preservadores e estão fora do habitat. Os jogos poderiam ser maiores neste aspecto, mas depende também de cada povo. A preservação dos valores: P: Da participação lúdica (alegria, liberdade, valorização da participação e não da vitória)? R: Sim, gostam, divulgam os jogos, nos eventos tem competição, cultura e lúdico, e aprendem a ganhar e perder. P: Da celebração (vivência de ritos tradicionais)? Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 111 R: Sim, gostam e tem emoções, embora alguns entendem que não preservam pois eles já tem festas nas aldeias que contribuem melhor. P: Do espírito coletivo (valorização da atividade em grupo)? R: Sim, aprendem coisas novas, outros entendem que já tem o espírito coletivo, a seleção gera conflito e nos jogos falta a integração com o ‘branco’. P: Do respeito ao outro (aos índios da mesma etnia, aos índios de etnias diferentes e os não indígenas)? R: Sim, é importante respeitar todos, aprender as diferenças entre as etnias e alguns momentos pode contribuir. P: Da valorização das diferenças (entre as etnias e em relação aos não indígenas)? R: Sim, pode divulgar, mas alguns entendem que contribui para valorização das diferenças. P: Da intergeracionalidade (das vivências que envolvem participantes de todas as idades juntos)? R: Sim, ocorre participação dos mais jovens,, devem dar prioridade para mães com crianças e também as crianças, e estas vivencias acontecem na aldeia. P: O domínio socioafetivo: autoestima, orgulho do homem índio, valorização do indígena no seu grupo familiar, esportivo e das liderança? R: Sim, contribui para o sócio-afetivo, mas alguns entendem que já possuem este domínio. P: Sejam afastados preconceitos em relação aos indígenas, estimulando o respeito a eles? R: Sim, os jogos podem diminuir os preconceitos, mas somente eles não bastam. P: Mudanças de comportamento: reflexão sobre questões indígenas, aquisição de conhecimentos sobre novas modalidades esportivas e tradicionais? 112 Celebrando os jogos, a memória e a identidade R: Sim, os jogos contribuem para a cultura ou brincar, local que propicia o bem estar e gostam do cabo de força para mulheres, e alguns não entendem que haja mudança no comportamento. P: Ganhos socioeconômicos para a aldeia: geração de renda pela produção e comercialização de artesanatos? R: Sim, os ganhos variam entre as etnias, mas divulga a cultura e alguns já ganham em outros locais. P: A consolidação de políticas públicas tendo em vista a melhoria da qualidade de vida dos indígenas: parceria de políticas públicas (federais, estaduais e municipais) nos jogos e nas aldeias: esporte, lazer, educação, saúde, cultura, segurança, direitos humanos, outras? R: Sim, podem contribuir, pois querem participar de tudo, passam a conhecer as políticas públicas, muitos desconhecem as esferas políticas e criticam a FUNAI. P: Haja o envolvimento de diversas instâncias do governo e da sociedade, que atuam ou estão vinculadas às questões dos povos indígenas? R: Sim, foram importantes para visibilidade, deram oportunidade indiretamente, ocorre o envolvimento mas pode ser melhor, falta envolvimento da Funai e outros órgãos. P: Haja a integração do esporte com outras áreas das políticas públicas como educação, cultura, turismo, saúde, segurança pública e outras? R: Sim, os jogos deram oportunidade para educação e política. Sobre a organização dos XI Jogos dos Povos Indígenas Para você: P: Correu tudo bem na viagem de sua etnia para participar dos Jogos? R: Faltou dinheiro e comida, faltou respeito nas paradas dos ônibus com os Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 113 indígenas, alguns não tinham costume de andar de ônibus, o ônibus quebrou e foi problema. P: Sua etnia está gostando da convivência com os moradores de Porto Nacional? R: Houve pouca convivência, gostaram e tiveram oportunidade para conhecer, ocorreram novos aprendizados, e uns tratam bem e outros não. P: Vocês estão gostando da organização desses XI Jogos? R: Sim, mas houve distância com os moradores, faltou attaché para maior convivência, e houve respeito. P: O que você sugere para melhorar ainda mais a organização desses XI Jogos? R: Arena - Melhoria da arena, foi pequena e apertada e faltou segurança, houve desorganização e atraso na montagem, arena fraca e com areia, gostaram das quadras esportivas. Hospedagem – foi ruim pela falta d’água, chuva molhou as ocas, teve ocas sem nomes, não tinha local para ficar com a chuva, as ocas não ficaram prontas, problemas na infraestrutura, construíram ocas e alguns ficaram sem attaché, outros entendem que houve melhora. Alimentação – foi ruim pois faltou sal, desorganização, pequena, tem plástico, tempero, poderiam melhorar, uns acharam a comida boa, mas as filas longas. Modalidades – houve acidentes, desorganização, muita gente junto, medidas mais corretas nos resultados, respeitar a fila, futebol com tempo normal e mais chances, não gostou do alvo do arco e flecha pois foi uma sucuri, falta de informação, attaché para levar para arena. Abertura – foi boa, mas demorou muito, melhoria da locução e achou simples. 114 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Baladas após o evento – gostaram. Jogos dos Povos Indígenas e a mimesis O leitor pode observar a riqueza dos Jogos dos Povos Indígenas nos diferentes tipos de modalidades, nas respostas, nas percepções. Para encerrar este capítulo trago uma reflexão sobre o fator mimético dos Jogos (ROCHA FERREIRA & FASSHEBER, 2009). O termo mimesis tem significados diferentes na filosofia grega. Para Platão “toda a criação era uma imitação, até mesmo a criação do mundo era uma imitação da natureza verdadeira (o mundo das ideias). Sendo assim, a representação artística do mundo físico seria uma imitação de segunda mão.... E Aristóteles via o drama como sendo a “imitação de uma ação”, que na tragédia teria o efeito catártico. Como rejeita o mundo das ideias, ele valoriza a arte como representação do mundo”.5 O antropólogo Michael Taussig (1993) diz - a faculdade mimética pertence à “natureza” que tem as culturas de criar uma “segunda natureza”. Esta faculdade, no entanto, não se dá meramente pela cópia do original. Ao contrário, Taussig aponta para as ressignificações que cada cultura consegue do original e também influencia este original. Através da mimesis torna-se possível a construção de novas relações sociais. Esta capacidade humana de perceber, sentir, transformar em imagens mentais, reinterpretar e ressignificar, no caso dos jogos favoreceu o aprendizado, a criação e transmissão do conhecimento ancestral. A mimesis traz um sentido subjacente de ordenação, categorização, transgressão, superação, mesclas e significações que servem para construir identidades. Transmite também valores de sociabilidades, o lugar das pessoas e das coisas perante a coletividade, as redes sociais e espirituais. 5 http://pt.wikipedia.org/wiki/Mimesis Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 115 Neste sentido os jogos (no sentido geral) se inscrevem nas atividade miméticas. Possuem atributos do prazer, da sensibilidade, das emoções. Os sociólogos Norbert Elias e Eric Dunning (1992, p. 128) nos trazem uma característica importante do termo mimesis referente ao esporte e lazer, relacionam com um aumento de tensão, [...] aquilo que as pessoas procuram nas suas atividades de lazer não é o atenuar de tensões, mas, pelo contrário, um tipo específico de tensão, uma forma de excitação relacionada, com frequência, como notou Santo Agostinho, com o medo, a tristeza e outras emoções que procuraríamos evitar na vida cotidiana. Esta tensão ou excitação podem ser observadas nos jogos indígenas. Há uma descontinuidade do cotidiano para um/a: - tempo mítico, união indivíduo-cosmo, prazer, alegria, tristeza, dor, medo, raiva, momento transformador, passagem de um estado para outro, superação. O jogador transcende às necessidades imediatas do cotidiano, passa por uma esfera não-material. Como diz Huizinga, desde 1938 (1993), jogo é [...] uma ação livre, que é não-séria e conscientemente existe fora do espírito da vida normal, que pode absorver completamente o jogador, que não tem uma relação direta concernente ao material ou a ganhos, que desenvolve num tempo e espaço definidos e progride ordinariamente de acordo com certas normas, que evoca relações sociais, que prefere estar envolvida por mistérios ou através de ênfases camufladas em si mesmo como sendo diferentes do mundo convencional. Um dos mais expressivos estudos sobre jogos indígenas na América do Norte (1902-1903) foi o de Stuart Culin publicado originalmente em 1907 e aprofundado na segunda edição em 1975. Nos seus estudos, o autor conclui que “por trás das cerimônias e jogos existem mitos dos quais ambos derivaram seus impulsos” (Culin, 1975, p. 32). 116 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Referências a jogos são comuns na origem dos mitos, em várias etnias. Eles usualmente consistem na descrição de uma série de contextos nos quais a entidade representada pela força sobre-humana, homem primordial, o herói cultural, ganha do oponente, um inimigo da raça humana, pelo exercício de uma astúcia superior, habilidade ou magia. O autor diz que “em geral os jogos são apresentados cerimonialmente, como que para agradar aos deuses, com objetivo de obter certeza de fertilidade, trazer chuvas ou para gerar vida longa; expelir demônios ou curar doenças” (CULIN, 1975, p. 34). A definição no Atlas do Esporte no Brasil (ROCHA FERREIRA et. al., 2005, p. 6) sintetiza os atributos fundamentais dos jogos indígenas. Jogos “tradicionais”6 indígenas são atividades corporais, com características lúdicas, por onde permeiam os mitos, os valores culturais e que, portanto, congregam em si o mundo material e imaterial, de cada etnia. Os jogos requerem um aprendizado específico de habilidades motoras, estratégias e/ou sorte. Geralmente, são jogados cerimonialmente, em rituais, para agradar a um ser sobrenatural e/ou para obter fertilidade, chuva, alimentos, saúde, condicionamento físico, sucesso na guerra, entre outros. Visam, também, a preparação do jovem para a vida adulta, a socialização, a cooperação e/ou a formação de guerreiros. Os jogos ocorrem em períodos e locais determinados, as regras são dinamicamente estabelecidas, não há geralmente limite de idade para os jogadores, não existem necessariamente ganhadores/perdedores e nem requerem premiação, exceto prestígio; a participação em si está carregada de significados e promove experiências que são incorporadas pelo grupo e pelo indivíduo. Os Jogos Indígenas são representações miméticas, tanto os realizados nas aldeias e quanto os trazidos nos eventos como nos Jogos dos Povos Indígenas. Nestes eventos eles são ressignificados. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 117 Referências CULIN, S. Games of the North American Indians. New York: Dover Publications, 1975. ELIAS, N., DUNNING, E. A busca da excitação. Memória e Sociedade. DIFEL, Lisboa 1992. GALLOIS, D.T. Patrimônio Cultural Imaterial e Povos Indígenas. São Paulo, IEPÉ, 2006. ROCHA FERREIRA, M.B. VINHA, M., FASSHEBER, J.R., TAGLIARI, J.R. UGARTE, M.C.D. Cultura corporal indígena. In.: Atlas do Esporte no Brasil. Org. Lamartine Pereira da Costa, Shape Editora e Promoções Ltda. Rio de Janeiro, 1ª Edição – 2005, p. 35-36. ROCHA FERREIRA, M.B & FASSHEBER, M.B. JUEGOS INDIGENAS: FIGURACIONES Y MIMESIS EN NORBET ELIAS. In.: KAPLAN, Carina V., ORCE,Victoria. (Org.). Poder, prácticas soliales y proceso civilizador. Los usos de Norbert Elias. Buenos Aires: Noveduc, 2009, v. 1. TAUSSIG, M. Mimesis and alterity a particular history of the senses. New York/Londom: Routledge, 1993. TERENA, M. O Esporte como resgate de Identidade e Cultura. ROCHA FERREIRA, M. B. et al.. Cultura Corporal Indígena. Guarapuava: Ed. Unicentro, 2003, p. 15-24. TERENA C. J. O importante não é ganhar, mas celebrar. Revista de História da Biblioteca Nacional, julho 2007, p. 31. CA PÍTULO 8 A COMUNIDADE INDÍGENA E SUAS PERCEPÇÕES DOS XI JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS - JPIs Maria Clara Ferreira Guimarães e Maria Heloisa Guimarães Analisar um trabalho realizado é essencial para que se possa realizar outros projetos e eventos similares com maestria. A melhor forma de se saber resultados e impressões daquilo que foi executado é saber a opinião de participantes. Neste capítulo é tratada e apresentada a compilação das impressões dos participantes indígenas sobre os XI Jogos dos Povos Indígenas, o que foi possível através das entrevistas realizadas durante os Jogos e do trabalho de transcrição destas entrevistas. Foram realizadas durante os jogos indígenas, diversas entrevistas com objetivos distintos; como explanado no capítulo Contextualizando a avaliação dos XI “JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS” – JPI. O objetivo das entrevistas aqui compiladas é entender a experiência dos povos indígenas em relação aos JPI, não apenas durante os Jogos, bem como o que fora preparado e as expectativas daquilo que os Jogos poderiam mudar (parte do ponto j do capítulo já citado). Foram aplicados três questionários com o mesmo grupo-pesquisa, porém apenas um deles englobava perguntas dissertativas que serão tratadas neste capítulo. No momento de transcrição, manteve-se a escrita de acordo com a fonética falada, palavras que, por exemplo, são escritas com e final, geralmente são ditas Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 119 com /i/, essa é uma regra do quadro fonético de um dialeto do português brasileiro (não há /e/ final não tônico), portanto palavras como geralmente, foram transcritas como geralmenti. Há, então, muitas informações linguísticas bastante ricas e interessantes, tanto nas transcrições que foram fiéis ao momento de fala, quanto no áudio. O objetivo deste livro não é analisar linguisticamente o português do indígena. Desta forma, as falas dos entrevistados foram adaptadas à escrita, salvo exceções. As características de fala mantidas foram algumas marcas da oralidade como pausas e interjeições (típicas da oralidade), o verbo estar foi mantido na sua forma oral (ex.: tá, tô, tão e tamos), e marcas claras por se tratar de um falante não nativo do português – como: escolha errada do gênero (ex.: Homens, questão (5) Surui 1: da nosso cultura), seleção errada da categoria morfológica (ex.: Homens, questão (8) Manoki 1:... Ah, porque representando a etnia é boa né?!) e seleção errada do verbo auxiliar (ex.: Homens, questão (6) Xicrin 1:... sou organizando...). Foram acrescentadas dentro de chaves [ ] o conteúdo de algumas elipses que comprometiam o entendimento (ex.: Homens, questão (1) Kaingang 1:... lá no Rio Grande do sul, ela [a cultura]...), ou por vezes o preenchimento de elipses colaborativas (ex.: Homens, questão (8) Javaé 1: Sim, tô né [gostando dos Jogos]) daquilo que o entrevistador já havia falado. Foram também explicados conteúdos do que foi falado pelo entrevistado, pois o entendimento só era possível se houvesse conhecimento prévio do tema (ex.: Homens, questão (7) Xicrin 1: tem preparação dela (mulheres indígenas), tem preparação dele (homens indígenas)). Outra questão linguística são as formas desviantes do português padrão normativo, que são por vezes utilizadas no momento de fala. Desvios que não são exclusivos do falante não nativo, muito menos do falante indígena, desvios que se observam como tendências de mudança em um dialeto do português 120 Celebrando os jogos, a memória e a identidade brasileiro. Algumas destas formas desviantes foram mantidas para ilustração – ex.1: Homens, questão (9) Mamaindê 1:... que nós conhecia... ; ex.2: Homens (8) Xerente 3:... tô aqui... só se divertindo aí... É bastante interessante observar que certos conteúdos não são possíveis de serem entendidos devido a uma não inserção no universo cultural indígena. Essa impossibilidade de compreensão não se caracteriza através das palavras em si, que fazem parte do português, mas do não entendimento da metáfora utilizada. Ex.: Homens, questão (7) Javaé 1: Que [é] pra o atleta ser duro e passa latir, né, é dente de cachorra. Respostas dos homens Muitos dos entrevistados não permitiram que a entrevista fosse gravada entrando assim para a contabilização dos questionários de sim e não e não fizeram parte dos entrevistados que responderam as questões dissertativas. Algumas observações sobre as respostas: o Kamayurá 1 era um grupo de 7 homens porém apenas um fala, os outros apenas completam uma ou outra frase, assim com Assurini 1 que são dois homens, porém, da mesma forma apenas um se pronuncia e o outro apenas completa e concorda. Por quais motivos você participa dos jogos? Bakairi 1: Éhh... eu participo por causa que eu sou jogador e atleta e também representante da minha nação indígena bakairi, né. Xerente 1: Éhhh... o motivo que eu tô participando dos jogos né, é que eu, a gente tá incentivando nossos jovens né, os jovens xerente pra valorizar a nossa cultura, a nossa identidade né, e também tô participando porque eu tô ajudando eles a... a... a cantar né, puxando o canto, porque todo ahh..., na nossa cultura sempre tem a pessoa que puxa né, que começa tudo, aí eu tô aqui ajudando na cantoria né, e também vou ajudar como atleta no cabo de guerra Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 121 né, isso é também importante né, demonstrando a força do nosso povo, e isso é muito importante pra nós né, ... é importante por isso. Karajá 1: Motivo éhh, nós estamos tudo preocupados também pra não esquecer, é que a nossa cultura não tem que deixar pra trás né, bom, pra mim importante é isso, os adultos né, tem que incentivar aqui, éhhh, os menores né, pra eles ir sabendo a negócio do canto, é tudo. Monoki 1: O motivo que todos vieram né... participar... O motivo é de representar sua cultura, representar seu povo, essas coisa aí, e aprender mais com outra etnia. Xerente 3: Pra se ter mais conhecimento né, conhecer outros, assim, outros costumes porque... tem costumes diferentes, éhhh, outros povos né, eu tenho assim, o meu objetivo é conhecer e... alcançar o que eu tô sonhando né, sempre sonhei de tá conhecendo outros povos, com xavante eu tenho curiosidade, assim, ehhh, e eles são muito fortes, e eu tô conhecendo agora eles, mas primeiro no meu conhecimento e esse é o meu obejetivo de estar aqui. Javaé 1: Motivo é competir e conhecer os outros parentes, né. Kaingang 1: A gente aprecia mais... assim a questão da cultura né, nós lá pela tribo kaingang, lá pro Rio Grande do Sul, ela [a cultura] tá assim bem, bem dispersada né, os jovens já não têm mais muito orgulho de ser índio, nós não temos como trabalhar lá a educação lá com eles. Na tribo como professor, a gente vê né, como o jovem tá pegando mais a cultura do não índio, eles já não se sentem bem a vontade de andar pintado, então a gente veio né, com o objetivo de tentar levar lá pra eles como é a importância do índio, da identidade [do índio]. Por causa que, tu andar pintado tu não vai ser menos... mostrar que a cultura é importante pra nós lá, é importante conhecer outros povos, como que eles vivem, ... tem os nossos vaqueiros..., a cultura é muito importante pra nós lá e o objetivo é esse mesmo, e principalmente né, divulgar a nossa cultura também, [divulgar] pros outros povos né, porque aqui a gente não é muito 122 Celebrando os jogos, a memória e a identidade conhecido, os índios kaingang, eles até acham que a gente não é índio, já é a segunda vez que a gente tá aqui, como eu te falei. A gente tem esse... de não pertencer a esses... como do norte, a gente vem lá do sul, tem a pele mais clara né, eles acham que..., eles consideram a gente como não índio, nós não temos uma língua que falamos, a cultura..., então é mais pra isso também... pro nosso povo levar. Pataxó 1: O meu motivo é..., todos os pataxó tem interesse de participar mas como as vagas são bem limitadas, então vem definido, cada aldeia tem um certo tipo de vaga, tem uma quantidade de vagas, e eu fui selecionado pela minha aldeia, vim também com o intuito de aprender um pouquinho mais, é a segunda vez que participo, participei na edição que teve em Recife e Olinda, e também adquirir um pouco mais de conhecimento, não só sobre os povos que estão aqui, tem vários povos também que gostariam de estar aqui mas não estão presentes, também adquirir um pouco mais de conhecimento sobre eles, como que é a cultura deles, apesar de ser cultura indígena, mas a cultura indígena varia de uma pra outra, de uma etnia pra outra, então, são várias culturas diferentes, isso aí é muito importante pra gente, estar mostrando que cada região tem uma cultura... tem uma etnia que tem uma cultura diferenciada. Mamaindê 1: [nós] Veio participar no [nosso] primeiro evento do... encontro dos povos indígenas, aí nós estamos conhecendo muitos vários jogos. Nós viemos representando né, nossa cultura, porque... nossa cultura é mais isolada né. Nós entramos no... email né, vimos o parente que tava convidando né, aí nós entramos [em] contato com... tem a coordenação daqui né, então nós entramos em contato com eles pra poder... chamar nós né, aí nós preenchemos umas folhas pra poder... eles responderem né, aí nós respondemos e eles convidaram nós. [Nós viemos] porque nós queria representar nossa cultura né. Xicrin 1: Eu sou o líder da aldeia daqui, e sou comandante dos atletas mesmo, tudinho. Aã sim, a gente vem participar, apresentar nossa cultura, Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 123 [apresentar] a flecha e... aquela peteca [que a gente] chama de peikran, [com] a flecha que a gente acerta algum parente nosso, que chama de kagót, [ isso é o] que a gente apresenta nosso nesse evento. Xerente 4: É ter..., usar meu... cultura né, dos jogos e mostrar nossa cultura pras demais etnias que estão presentes aqui conosco Assurini 1: Veio representando meu povo. Kamayurá 1: Nós... éh... [porque] nós fomos convidados, né..., [é a] primeira vez que a gente tá vindo aqui, porque no Xingu tem quatorze etnias, e sempre quando tinha jogos, tá na décima primeira edição..., das outras edições só vinham dois povos diferentes lá do Xingu, que era povo Iaualapiti e kuikuro e... pra gente nunca... [a oportunidade] só chegou esse ano de 2011, nessa edição. Surui 1: Éh... primeiro... na verdade... éh... a gente tá... esse aqui é o oitavo jogos que a gente participa e a delegação foi convidada né, foi convidada pra participar desse jogo, pra apresentar nossa... [pra] demonstrar nossa cultura né?! Porque tem vários povos pra... [com] cultura diferente, ... tradicionais né, na verdade a gente, Suruí Paiter de Rondônia, vem pra... pra demonstrar nossa cultura, como que nós vive na nossa terra indígena, na nossa região lá né, então e que nós existe [existimos], um povo indígena no Brasil né. Karajá 2: A gente veio para participar pela primeira vez. E os jogos demonstram a parte da nossa cultura e a parte de esporte que a gente tem, viemos participar de outros esportes indígenas e levamos o conhecimento para nossas aldeias, vejo como uma forma de troca e de conhecimento. E por outro lado a gente cria amizade com outras etnias, fazer amizade, criar dialogo, e nos fóruns troca uma ideia que podemos falar, reclamar, ouvir, tem as autoridades que a gente faz reclamação que tem, e a importância para nossa saúde também, na verdade com o esporte a gente esquece das coisas ruins. Pataxó 2: Pra acompanhar né? E até mesmo adquirir mais experiência por causa dos jogos nossos lá, apesar de ter participado, eu vim até mesmo pra 124 Celebrando os jogos, a memória e a identidade fazer uma pesquisa também. Pra ver como funcionam os jogos daqui nacional, pesquisar e observar pra gente levar e pra gente tá construindo o nosso jogos lá também, tá melhorando né? A ideia é melhorar. Pesquisa e integração também né... que é fundamental... tá participando dos debates, isso é importante. Xicrin 2: Conhecer outras etnias, conhecer os jogos que estão acontecendo, mostrar a cultura xicrin, os jovens aprendendo e ensinando as crianças. Curabacari 1: A gente veio porque a gente tinha o interesse de participar. Porque a gente teve em Goiânia até agora, no momento o meu povo tá de parabéns, até no momento a gente tá participando... até no momento, agora a gente tá feliz por causa disso. Sobre os conhecimentos tradicionais dos JPIs (as práticas e saber fazer), como está hoje em sua etnia? Bakairi 1: Éh... na minha etnia a gente sempre preserva a nossa cultura igual aqui né, principalmente a língua e... e... tradicionais né. Xerente 1: [o pessoal na aldeia] Pratica né, lá na aldeia eles praticam ainda corrida de tora né, agora que estão vendo aí esse cabo de força né, cabo de guerra e os outro esporte né, que são da nossa cultura, assim, flecha, lança... arremesso de lança, ou... arco e flecha, e corrida de velocidade né, e tudo isso tá sendo ainda praticado né, assim na área, no povo xerente né, que a gente pode falar. Karajá 1: Bom, isso aí éhhh [tem] vários né, porque nós estamos praticando negócio da festa do retoucã né? Do jeito nós vai tocando... aí também é bastante a caça, a luta né, as vezes nós convidamos os de outra aldeia, pra competir com nós né, negócio do mato ehhh [nós] disputamos a derrubada da tora né, assim... Manoki 1: É legal, tem muitas coisa. É legal, [a gente] faz dança, festa. Nós sempre faz festa. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 125 Xerente 3: [Na nossa aldeia, a gente pratica] muito. Corrida de tora... damento de flecha e... arremesso de peso também. Javaé 1: Sim, nós praticamos idiaçu..., éhh..., canoagem, natação, pesca. Pataxó 1: Hoje na nossa comunidade, como eu falei, eu dou aula de língua pataxó, na nossa comunidade temos aula de patxohã, falamos sobre tudo, sobre a nossa cultura, desde pintura, cantos, danças, éh... modalidades indígenas, tudo é pessoa dentro dessa disciplina, todos finais de semana nós realizamos nossos rituais, nosso auê, conversamos com nossos anciãos que são os mais velhos de nossa comunidade, éhhh... preferimos fazer nossos remédios que vêm da nossa floresta, não usar muito as coisas do homem branco, então isso aí é uma coisa que, apesar que nós morarmos próximo da cidade, nós tentamos preservar ao máximo, então porque, como nós temos já 511 anos de convivência com o não indígena, então isso aí pra gente... se a gente tentar preservar o máximo, cada vez é melhor pra gente. Mamaindê 1: [Nhão Haide (futebol com a cabeça), artesanato, dança, pintura de corpo] participamos. No nosso, na minha etnia, nós estamos representando é uma festa de menina moça, aí todo mundo queria enfeite tudo igual, elas pediram isso daí né, ... representando, aí então cada etnia teve [enfeite] diferente, então nós usamos o nosso né, aí então outros foram diferente, aí nós conhecemos mais um costume diferente. Xicrin 1: Ah... nós tamos praticando esses jogos também... os [jogos] que a gente apresenta [aqui tem] também na aldeia, também. Xerente 4: Isso aí nós participamos com os... principalmente [com] os nossos velhos ancião, ainda [eles] ensinam nós pra gente não esquecer a nossa cultura né, sempre pra nós tá lembrando da nossa cultura tradicional. Assurini 1: [Dos conhecimentos tradicionais trouxemos] Dança... Tem artesanato também, arco e flecha, bodim, bordura, capacete e taquaqui. Kamayurá 1(7 entrevistados, porém, só um fala): [Wawá] É um jogo né, 126 Celebrando os jogos, a memória e a identidade com aquele negócio [uma espécie de alvo] ali, o pessoal fica no centro com a flecha e outro mais afastado, aí joga aquele negócio no chão, aí os que estão no centro têm que acertar. É, acertar no meio, tem que flechar, esse é o objetivo dele (Os outros 6 entrevistados falam ao mesmo tempo) Quem vence, quem ganha, vai pra lá, quem ganha né, aí tem que ir lá no, no [lugar do] outro, aí o outro vai vir pra cá também, no lugar dos outros (O representante retoma a fala) Como se fosse eliminatória né. Aí o melhor vai encontrar o melhor depois. Assim, aquela brincadeira não é assim, qualquer brincadeira tem um dono. Tem um dono, aí o dono convoca a outra aldeia, ele escolhe um dia, convoca outra aldeia, aí a gente vai lá ou eles vêm na nossa aldeia pra praticar, pra a disputar desse jogo. [Tem também] Luta... luta corporal. Já apresentou, walari, zarabata... pera aí, ele vão ver aqui... (diante de uma lista de esportes demonstrativos tradicionais eles consulta alguém para saber se tem algum que não falaram)... tem algum outro jogo aqui? Da gente? Esse não? Tem não, só esses dois mesmo. [Artesanato, danças e pintura corporal, modalidades artísticas] essas também. Então, como eu já te contei do wawá né, tem um dono, o dono convoca pra fazer esse jogo, vai em outra aldeia, convoca pra disputar quem é o melhor né, quem tem boa mira. Isso tá presente, a gente pratica, mas não diariamente né, mas a gente pratica anualmente, e essa flauta taquara também a gente pratica diariamente pra alegrar a aldeia, deixar o pessoal alegre, e assim, nós do Xingu né, a gente é bem presente na nossa cultura né, fala nossa língua... Maioria não fala português, não sei se você percebeu, meus tios que estavam aqui, eles não falam bem... né? Então, lá é assim, lá tá bem vivo ainda né, a gente dorme em e casa de sapé, oca né, como vocês dizem, todas as nossas casas são assim... Surui 1: Como nós apresentamos ontem, o nome desses dados culturais é maki maí, uma festa tradicional que acontece anualmente né. Como tá acontecendo [aqui], a gente pratica vários esportes tradicionais lá na nossa aldeia, Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 127 como o arco e flecha, então principalmente como eu falei, existem festas tradicionais normalmente e essas festas [tem] uma duração de aproximadamente quase duas semanas, dentro de duas semanas, que realiza essa festa, nós apresentamos [aqui] vários esportes tradicionais dela né, como arco e flecha, os idosos contam história, como tem vários né. Karajá 2: Sim na verdade a gente celebra nos dias de festa, no dia a dia o futebol, e o esporte tradicional celebra nos dias de festa. Pataxó 2: A gente pratica, hoje agora através [por causa] dos jogos daqui, nacional né... [desde a] da primeira vez que os Pataxó participaram e hoje já é a décima edição. E temos, lá tem dois municípios né? Cabrália e Porto Seguro. Porto Seguro também faz agora os jogos e Cabrália faz [também], então a gente tem dois jogos lá e a gente tá se preparando pros jogos nacionais, nacional não, estadual e aí, hoje, por exemplo, esses esportes que são praticados aqui, como arco e flecha, a gente já começou a levar pra escola, pra cada aldeia e fazer torneio de arco e flecha, arremesso de tacape, até mesmo pra ter uma qualificação pros meninos se prepararem pros jogos municipais e estaduais né? E não só futebol né, e aí isso ajuda a preservar e manter os outros, os outros esportes. Xicrin 2: Só a cultura, assim que a gente mostra. Curabacari 1: O jogos tradicionais, até no momento ele tá em pé... o que a gente pratica também né? Por causa das origens né? Lá da nossa aldeia. Pataxó 3: Os pataxó na verdade, a qual eu faço parte né... e assim foi conhecido de uns quinze anos pra cá, porque Pataxó não era conhecido e não só o povo Pataxó, mas assim, como as outras etnias também né? Foi bem divulgado depois que a gente veio pra cá. O povo não índio começou a saber que tinha índio no Brasil e no mundo inteiro né?... Que ninguém valorizava e hoje valoriza bastante a cultura indígena, não só Pataxó mas todas etnias. 128 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Como você, na sua aldeia, aprendeu essa(s) modalidade(s)? Bakairi 1: Éh... jogar futebol, isso aí é diversão já vem desde pequeno né, e o força de cabo a gente aprendeu aqui né. Xerente 1: Isso aí a gente aprende desde nossa, [desde] criança né, nossos velhos, o pai que ensina né, avô... né, e também pela visão e a pela participação da festa indígena, mas na aldeia mesmo a gente já começa a aprender, a gente já começa a ver, a gente já começa a praticar, tudo isso a gente já começa desde pequeno. O cantorio também né, o cantorio eles aprendem desde pequeno, nós aprendemos, eu aprendi desde pequeno, participando, cantando junto com os outro, então hoje eu canto né, eu puxo o cântico pros nossos... pros jovens né... É importante pra mim ficar muito alegre, porque quando... eu sou também educador, professor e nesse ponto o professor né, ele é respeitado dentro da comunidade, e a comunidade confia no professor pra ser educador, assim como eu canto, que eu puxo canto, e praticamente eu sei quase todos cantos né, sem nomeação..., canto de maracá, canto da corrida de tora, esse... por quê isso eu aprendi, porque eu tô valorizando né, eu tô esforçando, e também eu quero repassar pro meu filho, os jovens que estão aqui, eles cantam bem demais, os jovens... é só uma pessoa puxá, aí eles acompanham, as meninas,tem que ter o puxador, porque se não puxar... se não puxar eles não, não contam. Karajá 1: ….(inaudível)... mais velha que, eu dançava né, eu tava observando a dança, depois quando fui crescendo, crescendo e fui na qua de aruaná, porque primeira vez, quando adolescente gente [não] ficava só não, só [com] a mãe mesmo na, na fogaduto, né. Depois quando com quase mais o menos onze anos, doze anos aí vai, aí vai indo lá pros lado do no meio do adulto, né, aí... vai aprendendo a dançar, né, como se fosse aruaná.. (inaudível)... aí eu falei né, agora o negócio do, do dançar mesmo como nós se fosse, como tamos apresentando aí, éhhh seria mais fácil pra aprender, né. Manoki 1: Nós aprende muita coisa né. Aprende perguntando pras pessoas... Conversando... Olhando também. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 129 Xerente 3: Sim, com nossos pais né, eles sempre praticaram e esse costume não pode acabar né, tem que deixar pros descendentes que vem atrás aí, eles que ensinam, e desde pequeno a gente já começa assim, correr, pegar coisas pesada e a gente tá costumando assim e vai, e vamos levando né, a vida. Pataxó 1: Aprendi mais com os mais velhos, com os mais velhos, com alguma liderança que estão hoje aqui participando, como o Raoni que é campeão nacional de arremesso de tacape, então nós temos muito que aprender com ele também, pegar algumas experiência que ele já viveu pra tá passando também pros mais jovens, então também tem uma grande importância, e sobre a nossa cultura também, sobre ervas, cantos, nossa medicina tradicional, nossa culinária, aí já aprendemos mais com os anciões, que já sabem falar mais sobre essa parte, então tudo que nós temos na nossa comunidade nós aproveitamos bem, a juventude, os anciões, todo mundo participa dentro da comunidade da parte cultural. Mamaindê 1: Isso nós aprendemos através dos anciões né, contavam história pra nós né, que é... começamos, levamos, retiramos um monte de revistas dos parentes, aí um, os anciões explicaram pra nós..., nós temos outro jogo que é o jogo de cabeça né, aí que nós começamos. Xicrin 1: A gente está pedindo professor que, lá em São Paulo ele é um jogador internacional e nós pedimos ele, [a gente] ia pagar pra ele e ele ensinava nós, ensinando, que a gente vai preparar o físico, e até agora que a gente aprende e agora nós estamos participando nesse jogos. E jogos do xicrin que a gente [aprende desde que] nasce, que o pai fala pra gente, avô fala pra gente, e [desde] quando a gente [tem] mais de cinco anos, [depois] de dez anos, que já reuniram e chamam a gente pra gente ficar aqui nessa cultura até... É, [através dos] mais velhos, não pode esquecer nossa cultura. Assurini 1: aprendemos com os velhos né. Kamayurá 1: Eu sou aluno né, eu tô aprendendo [a dançar] ainda porque 130 Celebrando os jogos, a memória e a identidade isso daqui, de cada flauta sai um som diferente, aí você tem que esperar a primeira tocar, pra outro tocar, tem uma sequência certa, então não é assim simples, tocar flauta é um pouco assim complicado né, tem que estudar um pouco e assim vai aprendendo no dia a dia né, vai passando os dias, tem professores, esses que estavam aqui são todos professores de flauta e vou aprendendo com eles no dia a dia. Surui 1: Éh... como a gente aprende é assim, é como eu falei, dos antigo né, repassa pros jovens né, como é a festa, como são esportes tradicionais né, e daí mantém aquela... não pode deixar, porque a gente éh..., [está] cultivando aquela cultura, esportes tradicionais, uma coisa que valoriza nossa cultura né, os velho passam, passam pra nós os jovens né, e vai seguindo assim. Pataxó 2 Lá hoje, por exemplo, o arco e flecha é um instrumento antigo, hoje praticamente não é usado, e a gente, através do resgate, pratica como esporte mesmo né, não como caçada, o arremesso de lança também. O futebol que não tem jeito, tá em todas aldeias. Procuramos também ter brincadeiras esportivas, a gente faz o levantamento com os mais velho né, então tem muitas brincadeiras que a gente tem e que às vezes não é apresentado, e aí, através dos mais velhos, e da prática e alguns, da convivência mesmo, do dia a dia. Canoagem mesmo é um, tem muitos canoeiros bons né... jogador de futebol tem bom também, e aí vai. Xicrin 2: Aprendi com o guerreiro velho que ensina. Curabacari 1: Aprendi com meus avôs né? Porque tinha avôs mais velhos e meu pai sempre praticava as coisas, então a gente vem de avô para pai e de pai para filho né? Assim que a gente aprendeu. Como vocês, na sua aldeia conheceram o futebol? Bakairi 1: Ah... isso aí acho que a gente teve o primeiro contato quando a gente entrou na escola, né. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 131 Manoki 1: Consegui... é... eu vi éhh, vi os caras jogando... vendo jogar. Xerente 2: Isso aí nós aprendemos né pelo não índio né... eu vi futebol na minha vida, [eu tinha] mais ou menos 12 anos né, e na minha época o futebol não era muito praticado não, agora, hoje não, hoje já é... todos... todas aldeias né, eles praticam futebol e na minha época, não era muito futebol na aldeia, hoje em dia não, hoje em dia na minha aldeia tem 5, 6 bolas né, e na minha época faltava bola. Eu mesmo fazia bola assim, de plástico né, que não tinha muito lixo, hoje não, hoje só na minha casa eu posso fazer 5 ou 6 bola do plástico que a gente leva da cidade pra aldeia. Xerente 3: Olha... eu... assim... quando eu era 9 anos eu, eu assistia, assim, na televisão... aí comecei a gostar... queria jogar também... eu hoje tô praticando. Javaé 1: Sim, aprendi na minha aldeia, né, éhh..., aprendi também na cidade com os brancos, mas, mas foi na aldeia né. Foi assistindo televisão, pela televisão, e outra, futebol já tá no sangue né, em todo lugar né. Kaingang 1: Assim... tem assim... times que já participaram, já há anos né, então não é de agora que acontece lá pra nós, então já aderiu né. O futebol assim, [é] como uma prática que quase que fazendo parte da cultura mesmo, né, por mais que ela não é da cultura. É praticado sim, assim por exemplo, arco e flecha né, a gente já tinha esquecido então, a gente tá perdendo muito lá as coisas da cultura lá mesmo. É o futebol, tem o arco e flecha, tá se perdendo aos poucos, então a gente veio pra esses jogos pra tentar levar coisas da cultura mesmo. Kaingang 2: É... o único esporte que existe lá mesmo, principalmente é o futebol, né. Pataxó 1: O futebol hoje, independente da gente ser um povo que tá afastado, ou um povo que tá mais próximo da cidade, futebol não tem como você [não conhecer]... que é todo mundo conhece hoje em dia, não tem como a gente falar que ninguém conhece nada sobre futebol... futebol a gente joga todo 132 Celebrando os jogos, a memória e a identidade dia na nossa comunidade também, até depois dos nossos rituais fazemos uma partidinha de futebol com todo mundo, pra confraternizar ali todo mundo, mais um dia que nós celebramos ali, é uma maneira da gente tá participando, convidando toda a comunidade pra que venha participa Mamaindê 1: Esse nós começamos em... a ver um jogo na fazenda né, assim nós conhecemos também. Quando nós vimos um... futebol diferente né, nós interessamos, nós jogamos, nós treinamos... com eles né... Aí eles ensinaram pra nós pra poder jogar. Primeiro, antes, nós jogávamos bola de cabeça só entre nós né. Agora nós tamos aprendendo né, nós tamos jogando... Xicrin 1: isso aí, que... eu não conheci... eu já nasci de setenta e quatro né, quem mais conhece é meu irmão né, que mais conhece de futebol. Eu já nasci conhecendo. Xerente 1: É também eu pratiquei desde criança, até... e aprendi bem e depois que eu jogava né. Assurini 1: [A gente] joga [futebol]. Já [faz muito tempo] Kamayurá 1: Ah... isso daí já é desde... antigo né... isso daí é antigo né... tem fotos de muito tempo... preto e branco... quando Orlando chegou lá, o pessoal já praticava futebol já... camisa de time... então futebol lá pra gente é coisa séria né, que nem é... coisa séria pra gente também é luta né, luta é que nem futebol, coisa séria né?! Então, a gente não... não só pra gente, pra mulherada também, mulherada leva muito a sério futebol. Ganhamos hoje, duas vitórias... mulherada também ganhou ontem, duas vitórias, estamos indo bem aí nessa competição de futebol. Surui 1: Éh... futebol... a gente conheceu há pouco tempo né, isso não... não é esporte tradicional pra nós, isso a gente aprendeu com a não... com a não sociedade indígena né, que tem a... a gente vê já o esporte através da televisão, éh... assim né, e a gente pegou aquele ritmo e tá praticando até agora né?! Então... isso no é esporte, a gente conta como esporte tradicional né, mas a gente Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 133 tá... pegando firme nesse esporte... Éh... nosso contato com a sociedade não indígena já faz quarenta e cinco anos né, então já faz uns trinta, trinta anos... a gente já tem esse esporte dentro da nossa comunidade né, futebol né... Então esse esporte tá cada vez mais... tá evoluindo né, porque maioria dos jovens, até nossas... atletas femininas tão praticando futebol dentro da comunidade... Karajá 2: a gente aprendeu quando [o futebol] entrou no meio da sociedade indígena, nós imitamos e assim gostamos de jogar bola. Pataxó 2: O futebol, quando eu nasci já existia já a bola, já o futebol, não teve jeito. Futebol hoje é a paixão nacional né? Então, lá pra nós lá... é por isso que a gente quer esse [esporte]... acho que o objetivo dos Jogos também é valoriza os outros esportes né? Principalmente esporte tradicional. E o futebol, ele, ele [tá] em todas etnias... ele é bem preferido né? Xicrin 2: Pra mim nós aprendemos através do rádio, ouvindo, depois comecei assistir televisão. A gente foi aprendendo. O branco que foi na aldeia ensinar como jogar, quantos na linha, antigamente os xicrin não praticava jogos. Hoje a gente está aprendendo mais, treinando bastante, e melhora mais ainda. Curabacari 1: O futebol... esse futebol não índio né? Porque tinha um branco lá... chegou com o chefe do posto... que praticou os vídeos pra... pra aprender as coisas... como... como futebol. Na sua etnia, vocês estão interessados em praticar outros esportes? Quais? Bakairi 1: Eu creio que sim né, por exemplo, vôlei, éh... corrida né. Manoki 1: É... futevôlei né? Essas coisas assim... Ehhh, natação. Xerente 2: É eu acho que é, assim não, a gente tem mais só que é difícil dos outros jovens, dos outros povos indígena né, mas assim do não índio nós quer, nós queria né. Assim de, nós temos uma quadra de esporte, de futebol de salão na aldeia, não é um ginásio mais pelo menos [tem] uma quadra né, pra gente tá incentivando nossos, nossos meninos, nossos... nossas crianças a jogar futebol 134 Celebrando os jogos, a memória e a identidade de salão, jogar basquete, handebol né, voleibol né, e isso falta né, das nossas autoridades que tá vendo as nossas aldeias. Xerente 3: Não. Kaingang 1: esses esportes assim que é de outros povos né, que é de povos indígenas que a gente é pra conhecer e tentar trazer pra lá né, porque nosso... Eu acho que como todas modalidades esportivas dependendo da realidade de onde que vai trabalhar ela (a modalidade), tu pode até trabalhar ela, mais ela não vai ter sequência né... pode até colocar lá, a luta corporal do povo kamayurá por exemplo – que acabou de terminar um jogo ali – talvez não vá ser bem aceita lá pelo nosso povo, não vai ter uma sequência. É... é... futebol é mais praticado, daí vamos ver, começar um outro, o vôlei, aí o pessoal já não tem aquele estímulo né, eles acham que não é muito legal praticar, mais que a gente vai tentar levar pra lá, a gente vai... A expectativa, até que pode ser que, como eu trabalho na escola né, pode até dar certo né... Kaingang 2: Eu acho que é mais pra ele responder por ele trabalhar com educação, né [referência ao Kaingang 1] Agora, agora não adianta nós virmos aqui e aprender a luta corporal, não adianta nós virmos e levarmos lá pros nossos, pros nossos alunos lá, porque não é da nossa cultura também. Podemos até fazer uma demonstração, mas não é da nossa cultura isso, então acho que não... que não vai ser de grande influência lá pra eles, porque a nossa cultura não pratica esses tipos de jogos, de lutas, mas podemos até fazer uma demonstração lá pra eles. É, podemos até ensinar, mas não vai, eu acho que... na minha opinião, acho que não vai ter, não vai ter sequência desse trabalho lá, porque não é da nossa cultura isso, o povo de lá não lida com esse tipo de modalidade. Pataxó 1: esporte a gente sempre tem vontade de aprender algo, mais tem esporte que é mais de resistência e o porte físico da gente também não ajuda, como luta corporal, com cabo de força, cabo de guerra, que todo mundo conhece, corrida de tora, são esporte pra quem tem o porte físico mais Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 135 avantajado, mas tenho muita vontade de... como é que fala? éh... aprender um pouco mais de arco e flecha, zarabatana, são alguns esporte que convém mais com meu porte físico, que não exige muita força. O pataxó, pela nossa história é um dos... era um dos melhores arqueiros que tinha na nossa região, depois tivemos todo esse contato, perdemos um pouco da nossa língua, tamos agora em resgate, então atrapalhou um pouco, mas tamos aí, temos um guerreiro, o Torrão que participou da modalidade arco e flecha, ficou em segundo lugar. 511 anos de luta de história, os outros povos que tem pouco... que tá em contato com o não índio, conseguimos ficar em segundo lugar, e tamos classificados agora pras finais, isso aí pra gente é um orgulho muito grande, tamos mostrando que apesar de tudo isso que acontecia, o pataxó não deixou de ser um bom arqueiro apesar de todo esse contato que nós temos. Mamaindê 1: Nós tem um interesse de... aprender uma... tem cada tipo de jogo né, então nós interessamos mais é no futebol. Xicrin 1: a gente tá precisando fazer outros esporte pro povo, né... que... pra gente aprender com alguns parentes... nossos... ficar... aprender... jogar, fora assim, igual... igual seleção assim... é principal né. Xerente 4: Sim, atletismo. Assurini 1: Corrida de tora. Kamayurá 1: não... acho que... só futebol mesmo. Surui 1: Com certeza, porque como a gente participa dos jogos, a gente tem que criar mais... criar outros esporte pra nós... que é da nosso cultura né, que é da nossa cultura suruí né, pra apresentar... apresentar aqui... aqui nos jogos, nos jogos que vem né?! Karajá 2: O que cabe é a parte dos esportes dos indígenas, acredito que participar da corrida de tora, carregar peso... Pataxó 2: Esporte, sem ser esporte tradicional? Tênis mesmo, acho legal né... mas eu não... futebol... não jogo muito futebol, mas... tranquilo, acho que 136 Celebrando os jogos, a memória e a identidade [é] o tênis, o vôlei também os meninos gostam pra caramba... é isso. Xicrin 2: para mim, além do futebol, aprender vôlei, eu gosto de natação sim eu quero aprender mais sim. Curabacari 1: Sim... sim... porque a gente tem só esse futebol né? Não esse futebol [indígena]... [aprender] como... como basquete... essas coisas podemos praticar, porque lá no momento agora não chegou na minha aldeia. Como você foi selecionado(a) para vir participar dos Jogos aqui em Porto Nacional? Bakairi 1: Eu acho que... é igual eu falei né... foi como bom atleta e com boa saúde né... Karajá 1: Foi o coordenador, o Iuraro, né, ele convidou, que primeira coisa que é convidado lá é minha filha que tá aí, a mocinha né. Aí tem como, que como pensei, não sei como que me convidou né, essa aqui segunda vez que eu fui convidado né, primeira coisa que eu... o cacique... me convidou nos jogos [anteriores], dos jogos indígenas né, e decidimos... tava assistindo né, porque tive problema né... [nesses] jogos acabei que fui convidado por causa da minha filha parece, aquela mocinha né. Manoki 1: Eles vieram, foram pegar meu nome, em cada pessoa, né e várias pessoas aqui desistiram, aí... Nós temos um grupo de dança né, que representa várias aldeias quando nós vamos, aí representar nosso grupo, nós todos, o grupo [todo] vai… Xerente 2: Não isso aí a gente... foi escolhido né como também nós... eu atendi o pedido do nosso colega que trabalha na organização dos povos indígenas, que é o nosso amigo Edson, e eu atendi porque eu amo a minha cultura né, eu amo a cantoria, eu amo a pintura corporal, eu podia tá dando aula lá, mas o que é que eu fiz? Eu me forcei pra ir pra cá, eu deixei meus planos de aula, pra pessoa me substituir que é o diretor né, [ele] tá me substituindo Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 137 esses dias, uma semana né, mas eu participar né, eu queria vibrar junto com nossos... nossos atletas indígenas, e também incentivar eles... por isso eu achei muito importante o pedido né?! Xerente 3: Hum hum, o organizador né, assim..., ele foi assim, ele saiu selecionar os que são... os que são os melhores jogadores... ehhh... eu me destaque no treinamento, aí o organizador né, o treinador me chamou e me convidou de participar do décimo primeiro né, os jogos indígena, então eu vim, é assim. Javaé 1: Ah foi feito ummm..., acho que escolheram os melhores né, e eu tava incluído entre os melhores (risos). Pataxó 1: o cacique, juntamente com as lideranças da comunidade se reuni e vê a possibilidade de cada pessoa tá participando, o interesse também de cada pessoa né, tem pessoas que tem um interesse mais de participar, outros menos... e também tem alguns que também não podem porque exerce algum cargo dentro da comunidade que não pode se ausentar por muito tempo. Eu mesmo tive o apoio da comunidade, do cacique e suas lideranças, da escola onde eu trabalho, e a vontade minha que eu tinha de participar novamente. Da primeira vez gostei bastante, aprendi muita coisa, a tá aprendendo um pouco mais, então como eu já vinha pra participar como atleta então a escola resolveu então colocar eu como pesquisador pra tá levando algo pra escola, como: vídeo, tô fazendo alguns vídeos, fotos, depois nós vamos fazer um slide pra tá mostrando pra toda comunidade o quê que aconteceu aqui, quais foram as modalidades, quais foram os povos que participaram... pra tá mostrando, mesmo eles não tão participando, mas não... pra também saber, conhecer um pouco mais. Mamaindê 1: Aí é um... uma liderança escolheu pra poder participar né Xicrin 1: A gente tava escolhendo seleção, tamos formando seleção... trazer pra cá pra gente... tão precisando... [na] aldeia tão precisando... tipo... o... éh... o cacique... tipo igual presidente, igual prefeito, tão pedindo a vitória, pra gente 138 Celebrando os jogos, a memória e a identidade levar pra aldeia, mas nós tamos perdendo semifinais, e agora a gente vai lutar, que a gente vai começar a lutar de novo e formar outra seleção pro próximo evento. Tem dois professores aí, tem dois preparadores de físico aí... éh... ele escolheu seleção, mas eu só cometo tudo, seleção... éh... técnico... comissão de técnico... aí eu trouxe pra cá, eu sou organizando as coisas pra que, qualquer coisa ele pede pra mim e eu falo com as pessoas de organizador por aqui. Xerente 4: Essas pessoas que vieram só... vieram só quem ainda não participou dos jogos, né aí foi dada essa oportunidade pra nós, pra jovens tarem aqui, nós tamos aqui né, eu fui selecionado por isso. Kamayurá: Eu fui selecionado porque eu morei tempo assim, na cidade né, falo bem português, né... entendo o que eles tão falando... aí... por isso fui escolhido né. Surui 1: Éh... nós... nós temos um líder do nosso grupo né... Que tem a diretoria né, e... aí ele que seleciona né, aí... escolhe os... um dos melhores de cada aldeia né, que vai competir aquela modalidade, não sei o que lá... assim né, dança, futebol, canoagem, corrida, arco e flecha, arremesso de lança... então, tem vários... ele que observa né, que tem aquela própria... tem possibilidade de fazer aquilo, então ele que decidi, não é uma coisa que eu vou lá... não ele que decidir que ele (um atleta) vai lá [competir]. Karajá 2: através da amizade, o nosso coordenador que me convidou, eu vim coordenar o jogos das mulheres. Pataxó 2: A gente lá por exemplo, é os Jogos Indígenas, a coordenação dos jogos, teve essa preocupação de ser rotativo né? Atletas rotativos, então, aqui a maioria nossa aqui é... que nunca veio, mas é... a gente também priorizou algumas pessoas que já vieram né, que seja três ou quatro ou cinco, pra poder ajudar, ajudar a organizar os outros né, e ai porque se vem um grupo todinho diferente, acaba também ficando perdido né? Então a gente teve essa preocupação também e de manter outras pessoas que nunca participaram. E aí a gente Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 139 fez uma seleção através por aldeia né, procuramos alguns jovem que tão mais envolvidos com esporte, com a cultura né... como uma forma de premiação pra poder ele vir pros jogos. E aí acaba também motivando os outros também né. “Ah! Eu quero aprender, vou tá mais envolvido pra mim poder ir também”. Xicrin 2: Eu estava trabalhando como professor na escola indígena, também eu estava jogando bem, no ataque, fazendo muitos gols e trabalhando bem com o grupo que estava pra vir. E o técnico do xicrin me escolheu pra vir depois conversou se vou ou não e conversei com a coordenadora da escola para deixar vir para os jogos. É a segunda vez que participo. Curabacari 1: Lá na aldeia (etnia) a gente tem dez aldeias né? Porque a gente pega dois, três de cada aldeia... porque minha aldeia (etnia) tem dez aldeias... porque lá no “Paguera”... é lá é “Ru... .” né? Aí depois, a gente pega a gurizada pra vir pra cá pra esses jogos olímpicos. Você se preparou para a participação nessas modalidades? Em caso afirmativo, como foi essa preparação? Bakairi 1: Nos preparamos no cabo de guerra né Karajá 1: Se preparei sabiamente né, eles me convidaram... quando, faltando mais ou menos dois dia, né, éhhh tô pra aqui. Manoki 1: Treinaram. Ensaiar, nós não ensaiamos muito, mais nós sabe nossa [dança]... Mas várias vezes tem que ensaiar porque algumas pessoas aqui erram ainda. Os pés tem que ser batidos tudo igual. Xerente 2: Nós nos preparamos sim, assim de... ensaiamos cantoria, isso que nós vamos cantar, que tem muitos cântico né, então nós escolhemos só uns... uns quatro ou cinco né, e aí a gente foi preparando dentro, um mês né, para que nós viéssemos aqui e todo grupo conhecendo né, eles conhecem e também já [conhecem]... a gente já vem treinando né, como na cantoria, na cabra de coxo, na dança, tudo né, então não tem erro... 140 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Xerente 3: Com certeza né, dois meses antes, foi... assim, treinamento bom e... por isso nós tamos assim né, nós tamos se destacando principalmente no futebol, que não é o nosso (futebol de cabeça indígena), e... na corrida de tora também nós apresentamos assim... bem certo mesmo... esse treinamento, aí foi... assim... foi muito bem né, foi muito bom pra nós, assim, fazer o melhor aqui. Javaé 1: E como né?! Me preparei, passei... éh... que nós costumamos né... faz parte da nossa cultura... a gente passa pimenta malagueta no reto. Que [é] pra o atleta ser duro e passa latir, né, é dente de cachorra... ah vim preparado. Pataxó 1: Com todo o grupo não foi possível a gente fazer esse treino, porque os jogos tavam marcado pra uma data e logo depois foi adiado. Então não teve como, a gente não tinha como, como nossas aldeias [são] um pouco afastadas uma da outra, e cada um exerce uma função dentro da comunidade, não tem como a gente ficar... ir para uma certa aldeia e ficar quatro ou cinco dias pra tá realizando os treinamentos, mas dentro da comunidade própria nós já fazíamos esses treinos. Mamaindê 1: Aí a liderança diz né, liderança falou pro cacique né, cacique organizou todo o trabalho e o que pode fazer, aí deixou em ordem pra gente fazer tudo isso aí. Colar, cortar, ensaio das mulheres, ensaio dos homens, o chuçai, aí tinha um que foi aberto pra nós, que foi fazer brinco né... Aí... só esse foi autorizado aí o resto deixamos né, aí arco e flecha pra ser guerreiro, trouxeram né, só que trouxeram pouco também, só pra aqueles que vão participar né, agora aqueles que nós íamos ficar na arena, então nós ficamos de fora né. Aí nós preparamos porque nós temos rio também né, aí nós teve o treinamento né. Fazer natação e canoagem. Xicrin 1: Tem preparação dela (mulheres indígenas), tem dele (homens indígenas) também que a gente tá preparando todas coisas que a gente tá preparando, é remessa de lança, que é uma flecha de arco, cabo de guerra, a gente Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 141 preparou, tem professor... a flecha e arco, arco e flecha, tem cabo de guerra também, tem professor e corrida de cem metros, corrida de cinco mil metros, futebol, e nós tamos... aí eu tô fora, mas só eles que tão organizando... só mi chamar que eu venho trazendo pra cá. Xerente 4: Muito, muito, a gente preparou bastante, e nós tamos com vitória hoje aqui, representando nosso estado né, Estado Tocantins como xerente, pra nós é uma alegria muito grande isso. Assurini 1: nós nos preparamos bastante. Kamayurá: Então, como já disse, a gente se preparou no futebol e eu me preparei pra corrida né, eu vou correr, eu sou corredor. Os outros... os outros cada um preparou um pouco também né, o que vão praticar né Surui 1: Sim, eles fazem o treinamento base né, pra antes de vim pra cá... Éh... a gente... ele escolhe uma aldeia central né, aonde que os atletas vão pra fazer o treinamento assim... tudo junto né, não é um local só né então... ali que eles realizam o treinamento. Karajá 2: a gente tentou se preparar, só que não deu certo, porque aconteceu duas mortes de jovens, e nossa aldeia ficou paralisada, ficamos tristes e não deu tempo de treinar as meninas, ainda bem que elas jogam bem, jogaram bem, aproveitamos esse jogos que fizemos na aldeia para fazer o treino delas. Pataxó 2: Com certeza, a gente tava lá já na correria né? Na correia, da comunicação, até mesmo éh... tem que tá se preocupando com os meninos que... que tão vindo... organizando seu material. Na aldeia, a distância na aldeia, localizando ponto pra poder pegar e... de uma forma ou outra... sendo a aldeia distante, diferente uma da outra a gente tem que ter muita preocupação com quem realmente vem, se é um menino que tá praticando, e ai a gente se prepara de uma forma... de tá enfrentando aquilo né, já as atividades, a viagem mesmo pra poder chegar aqui e fazer um bom, um bom trabalho né. Xicrin 2: na aldeia sempre [tem] treino depois do trabalho, pela manhã, a 142 Celebrando os jogos, a memória e a identidade tarde, todas as modalidades como o arco e flecha. Quem é melhor vai participar daquela modalidade, depois acabei gostando de vir pra cá no futebol, fui melhor da aldeia, eles me chamaram. Curabacari 1: Sim, nós preparamos pra... pra vim pra cá né?! Pra participar dos jogos. Como você sente que foi a sua participação aqui? Bakairi 1: Eu não... não senti muito bem não, por que aqui os almoços não saíram, almoço, café da manhã não saíram na hora certa né, saia muito tarde né, já também saiu muito tarde. Karajá 1: Ah, tô achando muito bem mesmo [participar], mas acontece que que pessoal eles tavam reclamando também, tem os velhos. Na minha visão... no... também negócio do problema da casa aqui.. (inaudível)... mas tudo bem, acontece, acontece, esse aí acontece, não é todo dia não, (inaudível) as vezes acontece, nós.. (inaudível)... que tá acontecendo, então pra mim é ótimo, aqui o lugar tá maravilhoso, as paisagem, o jogo tá muito bem, comida também tá bom, só que o problema esse aí... que tá... (palmas no fundo - inaudível)... uma coisa só, só um pedaço só, o restante tá beleza. Manoki 1: Ah... tô achando legal... Ah, porque representando a etnia é boa, né?! Xerente 2: Eu tô gostando muito né, tô gostando muito porque a gente conhece nossos parentes que a gente nunca viu né, você conhece a outra cultura, outra pintura corporal né, outra dança né, isso é muito importante pra nós... Xerente 3: Olha... por enquanto, nos dias que resta aí... por enquanto eu tô assim, me sentindo muito bem, tô aqui... só se divertindo aí. Javaé 1: Sim, tô né [gostando dos jogos], assim... me falaram né, que não tá um dos melhores, que já foi um melhor, e eu tô percebendo isso, né, na desorganização aí no... na hora das refeições, lá na oca, que nos primeiros dias a Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 143 gente molhou muito... pra conseguir a lona foi maior dificuldade, então essas coisas, é razoável né. Pataxó 1: Pra mim tá sendo muito importante, porque da primeira vez que eu fui, teve alguns povos que tão aqui hoje e que não participaram da vez que eu estava, então pra mim tá sendo muito importante. Já peguei alguns depoimentos de alguns professores que também são indígenas, de algumas lideranças, até mesmo próprio da nossa comunidade, os pataxó que é mesmo até bem difícil de tá reunido nosso próprio povo assim, em grande evento, então pra mim tá sendo um conhecimento muito grande, uma aprendizagem muito grande. Então, tá sendo uma aprendizagem muito grande pra mim e espero também tá pra poder representar a minha comunidade, tamos representando a aldeia, o nome do povo pataxó, espero tá representando bem o nome do meu povo e espero também tá mostrando o que tá sendo passado aqui. Mamaindê 1: Ah tá... sentindo melhor né, porque vou ter que conhecer quem que tava participando mais né, aí que nós vamos tirar a experiência deles também. Xicrin 1: eu tô, ... eu tô sentindo muito alegre e muito bem, cheguei com... encontrar com parente com, que eu não conhece parente outro... de fora... de Mato Grosso, eu tô... fico muito contente com ele. Assurini 1: Foi boa, gostei. Kamayurá 1: No momento tá sendo boa né, porque a gente não tem nenhuma derrota no momento, então pra gente tá sendo ótima, estamos indo bem. Karajá 2: Sim, está sendo muito importante essa participação que a gente tem. Pataxó 2: Pra mim tá sendo mais uma vez né, tranquilo, e... e mais uma vez uma oportunidade pra gente Pataxó né, e mais uma experiência é... tem como a gente observar bastante detalhamento e aprender, e o interessante mais agora que eu como vim mais como... a gente, eu reuni, o pessoal começou a se 144 Celebrando os jogos, a memória e a identidade interessa pelo... de tá participando dos fóruns né, que é além disso, não é só os jogos aqui, a gente tem que tá participando e até, dando opinião politicamente pra os próximos jogos né? De que forma vai ser os jogos, como é que o... qual o olhar do governo, dos ministérios e a opinião de todas liderança né? Pra gente tá trabalhando pros próximos jogos nacionais. Xicrin 2: segunda vez que venho, falta muita coisa, a casa está ruim, a comida está muito ruim. A primeira vez que fui a comida estava melhor um pouco. A arena está ruim, não tem nada de segurança. Curabacari 1: A minha participação tá quase cem por cento né? Porque minha comunidade aqui, que tá aqui presente, está mostrando bom... a prática aqui. Nesses jogos de Porto Nacional você conheceu alguma modalidade que não conhecia e que quer aprender? Bakairi 1: Não. Karajá 1: Não. Manoki 1: Conheci. Tive [vontade de aprender]. Ah, vendo esses outros índios né. Fazendo esses, esses ca... aqui, esses canta (cantos). Tá interessado né, de cantar com eles. Todo dia eles vem, alguns tribos, eles vem passa aqui, ai vai acompanhando né, acompanhando tudo, cantando coisa, aprendendo. Xerente 2: Eu gostei mais do, da dança do, do, do Terene, né, e o barroso, os Kamayurá né, eles tem a dança diferente de que a gente né, éhhh... e também do... lá do... Pataxó né... Xerente 3: Não, ainda não. Javaé 1: Sim. Era o... de brincar de peteca que na hora que cai, aí... aí cobre de chute, porrada. Kaingang 1: Sim... a questão de... das lutas corporais né, que não importa em praticar né, por mais que não vai servir na nossa cultura mas, acho que Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 145 pode mostrar no estudo de educação física, uma cultura que dá pra gente trabalhar com tudo lá … Kaingang 2: Além de vir, que aprender culturas diferente né, índos diferentes, a gente veio mostrar também a nossa cultura como ele falou, devagarinho a gente está tentando lá na nossa... na nossa tribo, no nosso povo lá erguer de novo a cultura que já tá lá quase meio esquecida e da minha parte eu gostei no ano de 2009, que a gente foi pro Pará né, que foi muito bem aquilo lá, e a minha vontade era grande de vim de volta, de novo, e a gente está aproveitando o máximo dos jogos. Pataxó 1: Assim, pra gente, a gente conhecia por ver os parentes, falar né, que... os parecidos aí... tem o futebol de cabeça, modalidade que nós não temos em nossa comunidade, é uma modalidade diferenciada pra gente, tinha ouvido falar bastante, mas ainda não tinha visto realmente como que é feito, como é que é, quais são as regras. Então, isso aí eu tinha curiosidade de conhecer, o uka uka também, que é uma luta também, que é usada no parque do Xingu ou alguns povos lá. Então, são algumas modalidades que eu não conhecia e passei a conhecer e gostei bastante. Mamaindê 1: Nunca tinha visto esse... uma... o cabo de guerra né, que... era outro jogo né, que nós conhecia. Nossa aldeia não tem. Xicrin 1: Conhecia todos Xerente 4: Sim, dos etnia de outro estado... que mostraram, jogo de cabeça, jogava com a... jogavam bolinha né, e os outro também né, eu não lembro muito bem mas... Peteca também... Assurini 1: Corrida de tora. Kamayurá 1: Não, nenhuma, todas que já... que já tinha conhecido já. Karajá 2: vários esportes, [o que] joga com cabeça me interessou muito, foi a primeira vez que vi. Gostei muito. Pataxó 2: única brincadeira que eu não conhecia era o dos Caiapó né, que é 146 Celebrando os jogos, a memória e a identidade aquele lá das peteca que eles joga, e... nunca tinha visto aquilo, achei muito interessante, o restante eu já conhecia já, futebol de cabeça dos Parici, o Rocã dos Caiapó... essas aí são já conhecidas por todas já. Mas tem as que eu já conhecia. Tem... os Caiapó mesmo tem as brincadeiras diferentes da nossa, os Xinguanos têm, e como a gente também tem né... seria interessante a gente aprende né... e poder levar até mesmo pra praticar lá na nossa aldeia... tem lutas... as lutas mesmo, são diferentes uma da outra né... a Uca-Uca é diferente da nossa que é o “Patchu... ” então e aí vai. E aprende, cada vez mais aprende é melhor né? Isso é fundamental. Xicrin 2: dos Pareci o futebol de cabeça eles filmaram aqui e conheci pela televisão agora conheci de perto pelos Pareci. A corrida de tora do Gavião. Curabacari 1: No momento não. Porque... o modalidade que nunca viu... do pari... esse aí achei muito interessante, pra mim. Na sua aldeia tem alguma modalidade que não ocorreu nos Jogos? Bakairi 1: Não. Karajá: Tem, tem vários cantos e até... eu mesmo até não sei, mais velho que sabe muito também sei não, agora.. (inaudível)... cantar, dançar, tem pessoal lá que é como se fosse transformando, negócio dos animais.. (discurso no fundo impossibilita o entendimento)... e assim por diante né, ariranha... imitando né, imitação. Manoki 1: Tem algumas dança dos animais que eles cantam, né. Xerente 2: Apareceu que é a corrida de tora de dupla, nem uma etnia não tem isso aí né, pra nós isso aí, nós somos rico nisso aí né, e também que é a tora em com a cabo de força né, essa tora né, que pesa cento poucos quilos né, nem uma etnia não pratica né, então pra nós é uma rica, e também ficamos alegres quando, ficamos alegres quando nós abrimos a abertura né, com a... apresentando a corrida como é que é... como é que nós praticamos né, de dois Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 147 né... de dois, e o outro grupo, e esse grupo também é dividido em dois partido né, que é stãmã e strelaquá. Pataxó: Temos a corrida de maracá, que é um esporte pataxó mesmo, que é um tipo de revezamento com o maracá, o maracá é um instrumento que usamos pra fazer nossos rituais... éh... duas equipes que nós fazemos o revezamento, a equipe que chegar em primeiro lugar é a vencedora, é uma modalidade que nós não temos aqui nos jogos, mas daqui pra frente, como tem demonstração dos outros povos, a gente também poderia tá... demonstração do povo pataxó também. Mamaindê 1: Não, quase todos nós temos esse trabalho né, agora que nós não temos é uma dança ritual diferente do nosso povo né, que não vimos até agora. Gostaria [de botar em prática] aqui era uma... como que é foi o corte de madeira com machada de pedra e acende de fogo né Xicrin 1: Não, tem tudinho aqui. Xerente 4: Não é a mesma, é a cultura nossa que a gente pratica mais. Assurini 1: Não. Kamayurá 1: humm... acho que não... tudo que a gente faz... a não ser festa né, tem festa que não tem como porque... integrante também... mas o que a gente pode trazer a gente trouxe né. Pataxó 2: A gente tem sim, tem o... corrida de Maracá né... que é bastante interessante também, é... como o pessoal falou também, a gente lá hoje o desfile [de mulher indígena] é também uma forma também de incentiva também a pintura, os adereços tradicional, a gente faz uma... né, os critério do desfile, que também deveria tá fazendo aqui, por etnia pra cada povo tá desfilando, mostrando sua própria beleza, quem sabe daqui sai uma miss né? Uma índia pra representar, fazer revista, fazer propaganda, pode ser uma forma também né? Deixa ver outras brincadeira... Arremesso de Tacape a gente faz aqui, faz lá também a zarabatana que a gente lá pratica por todos e aqui, só os Matis faz 148 Celebrando os jogos, a memória e a identidade também a zarabatana, apenas demonstração, acho que é isso só. Xicrin 2: tem a que a gente não mostra aqui é Macanõe, de outro tipo, diferente do Kamayurá, de derrubar pra valer (Mecanõe – luta corporal). Curabacari 1: Sim porque... lá arco e flecha lá... tá meio fraco né? Por isso que a gente... a gente quer mais... negócio né... Você acha que a participação de sua etnia nesses Jogos vai mudar alguma coisa na sua aldeia? Em caso afirmativo, o que você acha que vai mudar? Bakairi 1: Eu creio que sim, né, principalmente na educação e no lazer né. Karajá 1: Bom,.. (discurso no fundo - inaudível)... tem que lembrar... contar pro pessoal lá, as vezes que eu vou imitar também aquelas danças que tô vendo né, tudo, e tô levando assim. Manoki 1: Acho que... vai né, alguma coisa (risos). Mudar alguma coisa... mudar o que... da uns (fala abafada pela timidez) Ah... vai mudar algumas coisas lá, né... Xerente 2: Não, eu acho que não porque vai só enricar mais né... Xerente 3: Óh... a diferença é pouco né, mas assim, pelo que eu tô conhecendo aqui, vendo e assistindo, esse é o conhecimento que eu vou levar né, nunca vai se acabar e eu vou contar lá né, pras famílias... Hum hum, [incentivar] os mais novos, é principalmente assim também né, incentivar os mais novos aqui... outros também querem aprender, né, ouvi o que... contar histórias também faz parte da nossa vida, e isso faz bem pra nós. Javaé 1: Com certeza, eu já tive trocando ideias com as lideranças de outros povos, né, então assim, isso eu já tô levando como exemplo, proposta lá pro meu povo, né, a gente vai, daí a gente vai sentar pra fazer melhor, né? Vou, vai ser... a ideia pego... gente tá pegando deles pra fazer um pouquinho, pra fazer do nosso jeito lá. Kaingang 1: Na parte cultural vai mudar bastante, é como eles falaram né, Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 149 quando eles vieram pra cá a questão da pintura já tava esquecida, não era, não era bastante usada, a questão que eles levaram pra lá, as pinturas né, e hoje eles já... principalmente nas escolas, eles já tão bem adaptados a essas pintura né, então qualquer apresentação que eles fazem referente a cultura, eles usam essas pinturas, foi uma coisa que foi tirada dos jogos. Kaingang 2: Eu acho que na parte cultural, que a gente já tá implantando isso né, as pinturas corporais, a gente já tá fazendo lá, que isso desdo ano pa... retrasado né, que a gente foi pro Pará que a gente começou a fazer essas pinturas, o povo não aceitava, isso agora já tão aceitando, os alunos, os professores já tão trabalhando com isso, então isso já é uma evolução e eu acho que isso, isso, a parte cultural vai influenciar bastante lá. Pataxó 1: Eu acho que vai mudar alguma coisa sim, pelo menos eu tento né... assim, o jeito, o olhar do índio para o outro índio, porque tem muitas pessoas na minha aldeia que tem vontade de conhecer outros indígena mas não tem, assim, a oportunidade que eu tô tendo agora de está aqui, então... até mesmo se sente assim um pouco inferior a outros indígena, por ter mais característica, por ter mais traços indígena, por morar mais afastado das cidades, então nós tentamos levar isso pra comunidade que não é desse jeito, apesar da gente tá morando próximo da cidade, nós tamos preservando nossas culturas, nossas tradições, nós nunca vamos deixar de ser índios, então tem vários outras etnias aqui também, outros povos que mora bem próximo da cidade e nem por isso deixou de ser índio, por isso não deixou de tá praticando seus rituais, tá praticando suas tradições, então isso que eu tento mudar na cabeça das pessoas que tem dentro da nossa comunidade, tem muitas pessoas que tem ainda esse certo tipo de pensamento, índio é só aquele que mora no meio do mato. Mamaindê 1: Vai mudar por causa que nós vamos treinar mais o futebol de campo né, e não vai ser mais aquele de cabeça. De cabeça nós temos mais outros alunos né, mais pequeno, porque antes nós não deixávamos criança 150 Celebrando os jogos, a memória e a identidade mexe né. É só era mais adulto, então nós vamos repassar pros, pras crianças pra poder futuramente, pra eles né. Então, nós na... na nossa... grupo aqui, nós seria... nós vamos melhorar mais ainda por causa que... na início da abertura nós... erramos a nosso... erramos na, no ensaio... que era pra ser tudo mundo dançar igual né, aí os outros começaram... ensaiando. Xicrin 1: Eu tô... eu tô pensando em chegar por lá que a gente vamos... em próximo evento que a gente vamos... que a gente vai apresentar a nossa cultura muito importante no pessoal do imprensa pro Carlo Terena que vai... ele vai olhar como é que é a apresentação do Xicrin. Como tá riscado aqui, esse aqui a gente vai apresentar no próximo jogo. Isso aí é o riscado do dente do peixe, e aí bota, passa pimenta também. E arde se vou chorar, se vou gritar eu não passo guerreiro. Não pode gritar nem chorar. Xerente 4: É isso com certeza que vou estar levando... meu conhecimento daqui pra estar... quando eu chegar, falar pras comunidades que também que nunca foram pros jogos indígena né, e vou estar compartilhando isso com eles que os jogos indígenas também é mostrar nosso cultura também, conhecer a cultura de outra pessoa também, de outro estado né. Assurini 1: Vai. Kamayurá 1: Ah, acredito que sim né, com... mais... a convivência né, o pessoal vai contar que conheceu os outros povos né, como eles são, do que eles gostam, porque os outros povos sempre vem aqui, trocar, comprar nosso artesanato, né, informar os outros quando encontrar assim pra... né... isso é um dos benefícios. Surui 1: Com certeza, vai mudar sim e chegar lá no... nossa equipe, especificamente a diretoria, com certeza nos vão avaliar, porque o grupo participou desse evento né, que do lado quanto ruim e o do lado bom também, qual foi bom e assim, aonde que foi a nossa falha, então vamos ter que reuni o grupo né, e acertar aquele, e também ver né, que qual o esporte que a gente pode Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 151 apresentar que é da nosso cultura né... Eu acho que... éh sempre tem alguma mudança né. Karajá 2: Da para melhorar se tiver pessoas que se interessam, de organizar um grupo, para fazer isso aí só depende de cada pessoa, para fazer e praticar algum esporte, quando a gente chegar lá claro que a gente joga, a maioria gosta de futebol, a gente não para de jogar. Pataxó 2: com certeza, saindo daqui a gente já tem tudo anotado, já se preparando para os jogos indígenas no mês de abril lá. Então tiramos bastante fotografias, olhamos bastante detalhes de tudo, como funciona, o que não está funcionando e que esta dando certo, a estrutura, qual estrutura a gente vai estar trabalhando lá, o objetivo dos jogos. A gente fez filmagem da abertura, tem coisas aqui que estamos aproveitando e vai ser levado pra lá. Então chegando lá a gente já está como o relatório pronto. Xicrin 2: pra mim ano que vem [vai] melhorar mais com o apartamento (ocas), comida, arena, tem que melhorar então. Chegar lá na aldeia ensinar para as crianças aprenderem, entenderem que quando vierem ver que é verdade do que falo para elas. Foi bom a gente mostrar a cultura, para os xicrim [ficarem] mais fortes pela cultura, aprender a ensinar para as crianças. Aprender outras brincadeiras de outras etnias. Ver outras culturas e modalidades de outros povos para ensinar. Curabacari 1: Sim, porque vi muitas coisas boas aqui, porque chegando aqui, eu quero que as minhas pessoas pratiquem mais ainda pra pode vim pra cá. Mulheres: Muitos dos entrevistados não permitiram que a entrevista fosse gravada entrando assim para a contabilização dos questionários de sim e não e não fizeram parte dos entrevistados que responderam as questões dissertativas. Muitas mulheres não aceitaram responder aos questionários por timidez ou 152 Celebrando os jogos, a memória e a identidade por uma questão cultural. As mulheres jovens, que responderam, por vezes responderam em grupo ou com um representante masculino que respondeu por elas e por ele – como foi o caso das respostas dadas pelo Xerente 2, que estava acompanhado de mais 3 meninas Xerente – o representante respondeu ao entrevistador aquilo que as meninas não sabiam responder, porém elas foram instruídas a responder por elas mesmas e então uma das meninas continuou a responder pelo grupo de meninas jovens. Houve também o caso de um casal Surui, em que a mulher, muitas vezes, apenas completou as respostas do seu marido ou concordou em silencia com as respostas dadas. Por quais motivos você participa dos jogos? Karajá 1: Porque eu acho bonito, a gente encontra outra etnia, outra dança, outra palavra, outra pintura, essas coisas... conhecer outras etnias, criar amizades com eles, conhecer cultura deles e conhecer nossas culturas também. Pataxó 1: Éh... pra mim é muito importante, né, porque a gente lá na aldeia tem um grupo jovem, que a gente tá assim, sempre preservando, a gente ta sempre ensinando a cultura e assim, é a sexta vez que eu estou participando dos Jogos do Povos Indígenas nacional, então assim, eu estou mantendo a aldeia assim também né, de que eu faço parte né, e sempre quando eu sou convidada sempre eu tô participando. E pra mim é muito importante isso aí, é desde quando eu nasci vou levar até o fim, a minha cultura é essa. Paresi 1: Trouxe... faço artesanato, e trouxe muito pouco... eu mesmo não [faço artesanato]. As meninas que fizeram para nós. Eu vim porque eu nunca tinha vindo né, então daí eu me coloquei porque eu queria vir pra mim conhecer né, conhecer os outro parentes que a gente só vê através da... de vez em quando... da televisão, quando passa, mas assim... a gente só ouvia dizer por nome, agora aqui não, aqui a gente tá vendo pessoalmente né, convivendo Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 153 com eles aqui junto, perto um do outro né, então isso é muito bom, é por isso que eu quis vir também. Ver de perto e conhecer de perto. Não sabia como era. Kaingang 1: Eu vim, como colaboradora pra trabalhar a questão formação e da capacidade dos povos indígenas pra Rio+20 e pra 11ª Convenção das Partes sobre diversidade biológica da ONU, ambas vão ser no ano que vem, a Rio+20 em junho no Rio de Janeiro e a COP 11 na Índia, no 2º semestre. Então eu entrevistei vários indígenas pra saber que ferramentas eles esperam utilizar nas aldeias pra tá fazendo uma participação plena e efetiva. Foi feita uma mesa nos jogos pra tratar disso, infelizmente a gente não conseguiu trazer o ministério do meio ambiente mas foi uma mesa bastante participativa, os povos indígenas mostraram bastante interesse de estar, de tá entendendo melhor desse tema, porque a questão ambiental está ligada diretamente à nossa cultura. Minha função era assessorar a elaboração de propostas, de documentos, mas enfim, a própria coordenação decidiu que os jogos não produzem manifestações, documento né, então a gente fez o que? [Fez] O levantamento das demandas pra tá levando pro governo, então eu tô aqui trabalhando com os jogos pela perspectiva de cultura, não é? Então de trabalhar a autoestima, trabalhar a questão do combate à droga adição, o combate ao alcoolismo, valorização cultural, nível de realização de arte, de pintura, de artesanato, de adorno, de cestaria, de vestimentas, os Jogos são o maior evento positivo cultural que se tem notícia na América Latina. É grande, é diverso, é bonito e mostra os 240 povos indígenas do Brasil aqui, não é? Porque são um milhão de pessoas, mas ele [os Jogos] mostra um pouco do que é a diversidade dos povos indignas do Brasil, então por exemplo, a lei 11.645 que obriga o ensino [ou melhor] o reensino de história dos povos indígenas e afrodescendentes, nos jogos se tem um espelho do que pode se colocar em prática na 11.645, as escolas vieram, a sociedade envolvente veio, apesar da pouca divulgação, apesar de todo um trabalho que não foi feito, a mídia, a grande mídia teve aqui, né então Band, Globo, muitos 154 Celebrando os jogos, a memória e a identidade jornalistas que trabalham com web jornalismo. Então assim, a divulgação de que nós não estamos só na beira das rodovias, nós não estamos só protestando contra Belo Monte, nós não estamos só sendo queimados vivos por aí, a gente também tem cultura pra mostrar, as culturas mais nativas do Brasil, acho que essa é a alma dos jogos, e a interação que acontece e é festa mais bonita dos jogos e a arena não vê, é aqui dentro e é de noite, que é quando os povos brincam uns com os outros, ensinam os seus cantos, cantam em homenagem uns aos outros, cantam e dançam na frente de cada maloca pra homenagear o parente que veio e eles não conheciam. Eu acho que essa interação é a celebração de que se fala na plenária e muita gente não entende, porque a gente comemora quando a gente ganha, a gente entristece, as meninas choram quando perdem, agora... a celebração da diversidade ocorre aqui dentro mais do que lá fora. Pataxó 2: Pra eu adquirir mais conhecimento, espero levar pra minha comunidade para tá contribuindo com os nossos jogos lá... Manoki 1: Ahhh por interesse, nunca tinha participado, e também por causa do grupo nosso, lá que a gente tem um grupo de dança né, que se chama “uatirroli passikirri” criado pelo, pelo ponto de cultura do povo manoki, aí nós, aí meu irmão que é o coordenador do grupo, aí ele falou que era pra gente vim, aí nós viemos. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Pra mim tê mais conhecimento né, adquirir mais conhecimento, conhecer os outra etnia que eu não conhecia, só isso... Sobre os conhecimentos tradicionais dos JPIs (as práticas e saber fazer), como está hoje em sua etnia? Karajá 1: –Um jogo tradicional a gente não tem, só o futebol que a gente tem, nos finais de semana jogamos. E a luta corporal é durante o ano que fazemos na festa, e a dança. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 155 Pataxó 1: Os pataxó na verdade, a qual eu faço parte né... e assim [ficou] conhecido de uns quinze anos pra cá, porque Pataxó não era conhecido e não só o povo Pataxó, mas assim, as outras etnias também né? Foi bem divulgado depois que a gente veio pra cá. O povo não índio começou a saber que tinha índio no Brasil e no mundo inteiro né? Que ninguém valorizava e hoje valoriza bastante a cultura indígena, não só Pataxó mas todas etnias. Paresi 1: Vamos apresentar agora o jogo de... de timori né. É um jogo, o que as mulheres vão fazer é isso. E o de jikunahati é só os homens. Pataxó 2: Só o cabo de guerra, que é cabo de força né? Que vocês falam arremesso de tacapi, corrida, futebol, natação e canoagem. Manoki 1: Arco e flecha, canoagem, natação, tem várias modalidade... Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): é... que o arco e flecha, futebol, zarabatana, arremesso de tacapi e corrida, cabo de força, que vocês falam, que a gente fala é cabo de guerra. Representante: (um representante entra na fala da menina) Normalmente, só cortando a..., [essa é] a quarta vez que eu participo, né, talvez nós o povo pataxó temos muito a agradecer aos jogos, os jogos indígenas realizados, através dos representantes nossos nos jogos nós conseguimos realizar os jogos dentro das nossas comunidades em Porto Seguro, tem em Coroa Vermelha também, mas tudo só do povo Pataxó, e até mesmo já participaram outros povos do próprio Estado da Bahia, né, como o Xacriabá, tem os Queriri [que] são do próprio Estado da Bahia que conseguimos já trazer, então já através dos jogos nacionais conseguimos realizar né, já tá sendo conhecido em nível do estado, em nível nacional, estamos tentando buscar o estadual agora, né, não pro ano que vem, mas daqui a dois, três anos dependendo das políticas que tá se envolvendo lá no Estado da Bahia, a gente vai conseguir fazer no do estado pra envolver os 14 povos que tem lá no Estado da Bahia, e... as modalidades, éh... nós temos canoagem, arco e flecha, éhhh... tem também a zarabatana que é, que é nossa. 156 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Meninas: kaúco também né, é... Representante: A gente tem a corrida do maracá, também, que é diferente né, não se pratica aqui mas a gente pratica lá, que é um esporte nosso, só do povo pataxó, a gente temos patiu miu kaai, que é a luta do povo pataxó, ela é praticada da cintura pra baixo, se um guerreiro tocar na parte de cima, ele tá desclassificado, então é praticado da cintura pra baixo, se tem um pedaço pau, ou se não, o próprio instrumento, faz um círculo, põe ele fincado, o objetivo é pegar na perna do guerreiro, puxar ele pra poder derrubar o instrumento que tá no meio da roda, do círculo, esses são dois esportes praticados pelo povo pataxó. A gente também tem o pula peixe né, que é uma prática do povo pataxó também, você tem dois pedaços de madeira grande, arremessa ele, o que for mais longe ele tem que ir quicando no chão né, é chamado o pula peixe, a prática esportiva também com um pedaço de pau do povo pataxó, e aí tem as apresentações culturais, uma coisa diferente que, que a gente pratica lá, entre nós, no povo pataxó, é um desfile, um desfile nosso, só de cada aldeia se tem um casal né, pra poder desfilar, aquele que tiver bem mais caracterizado com as origens mesmo do povo pataxó, as pintura, os colares, tipo assim, coisa industrializada, se a coordenação dos jogos pedir que não é pra usar, então o povo pataxó de cada comunidade vai tentar buscar as origens mesmo, lá atrás mesmo, de como eram as pinturas, de como era o artesanato, de como eram os cocar, aqui tem até um cocarzinho aqui,que é..., foi aonde começou tudo, foi aonde começou a história do povo pataxó, a luta e... então os jogos tão buscando lá atrás essa questão que tava enterrada lá a muito tempo né, talvez os nossos velhos não praticaram pela questão da..., na década de 40, de 30 né, então eles não praticavam porque normalmente era esquecido ou pela questão de perseguições, então tinham que negar sua própria cultura pra poder sobreviver, e hoje não, hoje a gente tem a nossa liberdade garantida por lei, se expressar pra mostrar onde quiser, então hoje a gente busca essa prática né, se a coordenação Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 157 pedir pra riscar um desfile da origem mesmo, sem utilizar coisa industrializada, é uma coisa diferente que assim, eu e o outro rapaz, o Uhuari, queríamos até colocar né, colocar um desfile aí de um, das 28 etnias aí, quem sabe nos próximos jogos né, pra poder... [mostrar] as sua pinturas corporais, os seus adereços, os seus traços de pintura, tudo mesmo, lá atrás mesmo seria interessantíssimo a gente ter isso, o diferencial nosso. Só não tem a queima de fogos né, mas aí ah..., veio uns representantes nossos lá que realiza os jogos pra poder ver aqui como acontece né, ela gostou e já vai, já entrou em contato com o pessoal que faz a, a... compra de fogos pra abertura dos jogos nacionais, pra poder ver se acendia lá também. Aí tem a questão também da músicas né, que é as musica de entrada, do Zé Ramalho, tal com uma galera, aí ela já pegou também tudo, e aí é dessa forma né, pelo menos uma ideia, tipo assim, lá a gente não, não fica assim não, a gente fica em hotéis né, e tipo assim, pra nós seria mais interessante essa coisa caracterizada mesmo né, ter um espaço só pra galera poder interagir mais né, tipo assim, é a comunidade pataxó, é o povo pataxó, mas tipo, somos 29 aldeias do povo pataxó, temos 8 em Minas Gerais, 7 em Minas Gerais, 22 tá no extremo sul da Bahia, norte de Minas, e... é diferente né, é diferente..., tem duas, três comunidades que já estão bem próximas aos centros urbanos que já tem um costume diferente, um hábito diferente, quando você pega uma aldeia que já tá mais distante ainda, que tá a cem quilômetros fora da cidade é mais fechada, mas o diálogo é menos, então quando cê pega os indígena que tá bem próximo à cidade, eles dialogam mais, se expressam mais, vai mais pra frente, tem outros hábito diferentes, então eu acho que serve também como um modo de intercâmbio entre nós como povo pataxó, pra nos conhecer melhor como juventude, como os anciões mesmo, esses últimos jogos mesmo, teve... foram seiscentos pataxó que participaram, só do povo pataxó, foram seiscentos, em Porto Seguro, uma quantidade já bem grande, o ano que vem já tá programado pro mês de abril do dia 24 ao dia 28, é isso né? 158 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Meninas: Do dia 20 ao dia 24 Representante: Do dia 20 ao dia 24, de abril, já tá programada já... pra, pro ano que vem, vai talvez 2013 vai ser modificado a data, pra pegar, abranger a parte de dezembro em diante, no verão, tá chegando muitas pessoas e tal, e também o interessante a..., esses jogos agora que vão ser realizados lá questão do, da mídia né, a divulgação dos jogos, poder divulgar nos aeroportos, na própria... nos blog mesmo, a galera já tá acessando muito, querendo saber como que vai ser, e tal, já tá buscando muito, essa informação, aos poucos tá crescendo. Tem [um site]. Como você, na sua aldeia, aprendeu essa(s) modalidade(s)? Karajá 1: Aprendi com meu pai e minha mãe, eles gostam muito de esporte eu aprendi com eles Pataxó 1: A gente aprende na aldeia né, porque na verdade são... é os esportes que tem as duas é... índio e branco, que faz esse tipo de esporte, então a gente já tava aprendendo também na aldeia também se aprende e pratica. Paresi 1: Desde pequeno... Desde pequeno, vai aprendendo... Pataxó 2: Com os anciões e com os professores de cultura dentro da aldeia... Manoki 1: Ah..., vendo esses jogos também, a gente vê os esporte dos outros parentes também... A gente vai aprendendo. [Mas só depois que tá grande]. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Com os mais velhos, são com os mais velhos que, eles vão passando de geração pra geração, deles pros filhos, dos filhos já vai passando de geração em geração, e a gente vai aprendendo. Como vocês, na sua aldeia conheceram o futebol? Pataxó 1: O futebol a minha família né? Pelos meus irmãos, eles jogam desde pequenos, então assim, mulheres não jogavam antigamente mas agora jogam. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 159 Paresi 1: Na aldeia dos paresi é, vivendo, vendo, saindo fora... há muito tempo [se] conheceu [o futebol] e trouxe, saíram fora assim pra vê, viajando né, tendo participação só junto com os branco né, aí gostaram e aprenderam... aí eles... foram aprendendo né. Kaingang 1: Então, o futebol é uma questão nacional né?! O esporte é uma das maneiras de se trabalhar, existe muito pouca alternativa de lazer dentro das terras indígenas, talvez seja uma das causas de adição, do alcoolismo, a gente... éh..., os jogos, eles têm contribuído pra valorizar os esportes tradicionais que estavam sendo deixado de lado, o tiro com arco, a pintura corporal, pra você trabalhar a questão da autoestima, por quê? Porque a gente só tava pintando o rosto, só os pequeninhos pintavam, os adolescentes já não mais... Pataxó 2: Eu... conhecia agora através do que Raoni falou né? Como ele surgiu na aldeia, foi através de Raoni... foi através dele... [E na minha época, eu aprendi] na escola indígena. Manoki 1: Ah, lá na aldeia direto, joga futebol. Desde criança que, lá desde criança já começa a jogar futebol, desde pequenininha. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Acho que foi com a chegada dos branco dentro da aldeia, que teve o conhecimento do futebol, foi com a chegada dos branco dentro da aldeia... não é... Raoni... Raoni, como que foi a chegada do futebol na aldeia, o conhecimento do povo pataxó do futebol? Representante: O futebol, ele surgiu lá na nossa comunidade quando a FUNAI foi criada em 73, o povo pataxó não praticava futebol, as primeiras bolas eram bola mesmo de couro né, eles faziam a bola aí depois que veio a primeira bola, que foi pra comunidade do povo pataxó, eles passaram um tempo né, jogando sem chuteira, sem a prática de..., sem saber como conduzir aquele instrumento de esporte, e aí foi surgindo aos poucos, foi crescendo, e quando se furou essa bola eles inventaram de fazer uma bola com o leite de mangaba, como se fosse de seringa né, lá nós temos a mangabeira que ela dá muito leite 160 Celebrando os jogos, a memória e a identidade né, fizeram uma bolinha e começaram a praticar, praticar... aí em 80 eles já tavam já muito bem, já começavam sair pras cidades vizinhas e hoje o povo pataxó, lá na nossa região, já participa dos campeonatos municipais que acontecem lá, tem campeonatos entre o próprio povo pataxó, isso acontece também, regulamento normal e tal... lá já tem uma prática bastante boa na questão do futebol, mas começou a surgir nessa época, na época de 70, 73 pra cá, 75, quando a FUNAI começou a atuar nas comunidade, aí levava bola, levava uniforme, normalmente essa pessoa, esse chefe que ia pra aldeia já sabia mais ou menos a noção do futebol né, então acabava levando e tal né..., onze de lá, onze de cá, então de lá pra cá veio surgindo e hoje já tem uma prática boa de futebol. Na sua etnia, vocês estão interessados em praticar outros esportes? Quais? Karajá 1: Claro, muitos. Corrida de tora é interessante, a gene não tem prática, e arco e flecha para incentivar as crianças, porque a gente não tem, só usamos na época de peixe, pra pescar, caçar, acho interessante incentivar as crianças para fazer na nossa aldeia. Pataxó 1: A maioria dos esportes, natação, canoagem, cabo de força, corrida rústica, a maioria dos esportes que tem com o branco, o povo dos índio também faz. Paresi 1: Que eu saiba não, até agora não... Mas se tiver um, um outro esporte diferente que ninguém saiba... aí, com certeza. Pataxó 2: Como Marcelhe falou, vôlei, futebol, ... o vôlei... voleibol, é... handebol, basquete... acho que seria interessante! Manoki 1: Vôlei e basquetebol. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Eu tenho né... tem vôlei, aliás, tem vou lei lá, só que a gente não sabe, handebol, tudo... sem ser o futebol eu desejava aprender todos, seria muito bom pra mim Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 161 Como você foi selecionada para vir participar dos Jogos aqui em Porto Nacional? Karajá 1: meu pai, ele é responsável por tudo, aí fui convidada para participar, pra jogar, puxar corda, porque eu era atleta quando era nova, eu corria, ganhava sempre em primeiro lugar, ciclismo em primeiro lugar, e natação primeiro lugar, canoagem em primeiro lugar, quando casei acabou minha historia só que tenho alguma coisa a força essas coisas força, e sempre ele me convida. Pataxó 1: Tem um... porque na verdade são quarenta pessoas, quarenta indígena tem aqui, então de cada aldeia tem um pouco, tem várias aldeias, lá no... extremo sul da Bahia, são vinte e cinco aldeias Pataxó, então de cada aldeia tem um pouco, não é só de uma aldeia são de várias aldeias a gente tem. Tem né, o cacique, tem as outras lideranças lá, né, que na verdade vinha outro povo, só que como quem mora em outras aldeias [distantes] e as vezes quando chove não entra carro, então ficou difícil né, com dificuldade pra vim, então quem tava mais próximo foi convidado. Paresi: nosso coordenador... nossa coordenadora Pataxó 2: Pessoas que não tinham vindo nos últimos jogos anteriores e que estavam envolvidos nos jogos culturais dentro da aldeia. Manoki: Então... eu também sou do grupo de dança, aí ele falou que era pra gente vir, aí nós viemos, nós, às vezes, nós apresentamos pra outros lugares a cultura do povo manoki, a gente divulga pra outro povo, pra outras... outra cidade, aí a gente vai divulgando. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Foi escolhido por aldeia... da minha aldeia mesmo veio sete pessoas, foi três mulheres, não foi? Quatro mulheres... não... quatro mulheres e três homens. Eu acho [que a seleção] foi assim... porque já teve várias outras pessoas que vieram né, agora eles escolheram os que nunca tinha participado, que nunca tinha vindo. 162 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Você se preparou para a participação nessas modalidades? Em caso afirmativo, como foi essa preparação? Karajá 1: a gente na verdade não treinou, as meninas foram convidadas porque trazer para cá nossas mães não deixam, porque nossas meninas solteiras não podem andar sozinhas, tem que ser acompanhadas do pai da mãe, só que mesmo assim a gente vem convidado, por causa de nossos parentes próximos, ou amigas próximas, a gente não fez treinamento, a gente está perdendo muitos parentes, então ficamos de luto por muito tempo, a aldeia fica muito de luto. E não deu tempo pra treinar.,.só que mesmo assim a gente está ganhando. Pataxó 1 Treinamento a gente sempre faz lá, direto! Paresi 1: trazer, fazer os preparamentos dos artesanato né, que eu ia apresentar... pra poder vim... reuniu todo mundo e explicar e passar lá através da palestra né... Treinamos já sabe né Pataxó 2: Sim. Temos preparação dentro da aldeia, todos finais de semana. Manoki 1: Nós treinamos lá jogando futebol, nadando, é que lá nós nada direto né... tomar banho no rio. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): A gente, la da aldeia Barra Velha sim, né, porque a gente lá também tem um, um time e sempre participa, tá treinando, agora só não sei as outras aldeia, se eles participarem, né, porque são distantes, as aldeia uma da outra, a lá de Barra Velha a gente sempre tava treinando. Como você sente que foi a sua participação aqui? Karajá 1: Achei boa a participação. Pataxó 1: pra mim, sempre gostei né?! Está tudo bem até agora, o que está estragando um pouco é a chuva. Paresi 1: Ah... eu achei que foi bom... Tô gostando. Pataxó 2: Assim, minha primeira vez que tá sendo muito emocionante né? Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 163 Pra poder levar nossos conhecimentos pra dentro da nossa comunidade, tô gostando muito! Manoki 1: Ah... eu acho que tá sendo legal [por que] tô representando o povo manoki... divulgando a cultura... isso. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Eu acho muito importante, tô achando bom, porque tô aprendendo também, né, muitas coisas que eu não sabia, eu tô aprendendo, aprendi, espero tá passando também lá na aldeia o que eu aprendi aqui. Nesses jogos de Porto Nacional você conheceu alguma modalidade que não conhecia e que quer aprender? Karajá 1: Não, participei muito e vejo as mesmas coisas. Pataxó 1: Ah, vamos dizer assim que é só o futebol de cabeça que... que são dos parente aqui dos... Paresi, né, dos parente dos paresi. Paresi 1: Eu conheci, muito, só que eu não tenho vontade, é muito pesado, principalmente aquela corrida de tora. Pataxó 2: Conheci sim, não conhecia algumas que são dos outros povos né? Apesar de sermos indígenas mas de culturas diferentes, foi o futebol de cabeça, e as lutas corporais que são diferentes das nossas. Se tivesse a oportunidade [gostaria de aprender]. É muito diferente, nunca tinha visto. Manoki 1: Sim, lá dos xinguano. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Eu via aqui foi, eu vi um aqui foi uma (outra menina fala alguma coisa, sugerindo uma modalidade) de som? Esse eu não vi não, foi jogo e cabeça que os meninos tavam jogando de outra etnia... [Futebol de cabeça] que eu nunca tinha visto e gostaria [de aprender] Na sua aldeia tem alguma modalidade que não ocorreu nos Jogos? Pataxó 1: É, a corrida de Maracá que a gente faz em todas as aldeias e 164 Celebrando os jogos, a memória e a identidade também os desfiles indígenas que aqui nunca vi, desde os jogos que eu participei internacional, nunca teve e lá a gente faz o desfile da mulher indígena. Paresi 1: Não, só dança mesmo... Eles praticam aqui também. Pataxó 2: Tem sim! Corrida de Macará, o desfile cultura viva Pataxó, só que aqui seria de todas as etnias né, as 28 etnias e, qual o nome do outro do peixe? Pula peixe, pega peixe... sei lá, já esqueci já até o nome... Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): são três, agora só não lembro... é... patiu miu kai, corrida de maracá e o tal do pula peixe Você acha que a participação de sua etnia nesses Jogos vai mudar alguma coisa na sua aldeia? Em caso afirmativo, o que você acha que vai mudar? Karajá 1: Acho que não, os meninos mostram as danças que são interessantes e mostram na aldeia, mudar não. Pataxó 1: Vai porque aqui nós tá representando o povo Pataxó e, a cada jogos que, não só que eu vou, mas que todos parente vão, aprende muitas coisas boas e levam isso pra aldeia. Paresi 1: Vai sim, muda sim... é mais participação... Participação assim, em apresentação cultural. Pataxó 2: Vai sim. Vai mudar os nossos jogos né? A gente vai poder acrescentar algumas coisas que a gente ainda não tem, então a gente leva experiências para poder tá modificando algumas coisas nos nossos jogos. Kaingang 1: Com certeza [essa é uma forma de levar conhecimento para a aldeia], nós temos vários pesquisadores aqui, vários acadêmicos aqui de educação física, vários professores pro pessoal olhar, tá todo mundo vestido, pintado mas eles têm, fizemos filmagens, fizemos fotos e a gente tem toda a intenção de editar isso pra levar pras nossas escolas, pra levar pras nossas crianças, o que é a diversidade do nosso país, porque da mesma forma que as pessoas não conhecem, não sabem que existiam índios no sul, nossos pequenos também não sabem como vivem os índios do norte, como vivem os índios do semi Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 165 árido, como vivem os índios do centro oeste, os jogos são uma oportunidade de mostrar isso, de vivenciar isso, de mostrar essa experiência. Manoki 1: Vai [ser a mesma coisa na aldeia]. Não [vai mudar nada]. Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Acho que vai né, pra mim vai né, porque eu, quando eu chegar lá mesmo vou lá dentro da [aldeia], pra mim lá a gente vai ter que explicar né, falar o que a gente aprendeu aqui... Acho não! Vai mudar. 166 Celebrando os jogos, a memória e a identidade PARTE III Fernando Amazônia DESDOBRAMENTOS SOCIOANTROPOLÓGICOS Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 167 Fernando Amazônia CA PÍTULO 9 INICIATIVAS INDÍGENAS: JOGOS ESCOLARES BRASILEIROS E COMITÊ INTERTRIBAL MEMÓRIA E CIÊNCIA INDÍGENA Deoclécio Rocco Gruppi 1. Participação Indígena nos Jogos Escolares Brasileiros Períodos históricos, contexto dos Jogos Escolares Brasileiros (1969-2012) Os períodos pelos quais passam esses Jogos são marcantes no que diz respeito às políticas de Governo, iniciados no período de regime militar chegam à Nova República. No seu processo sofrem modificações relevantes no que diz respeito às questões políticas em nível nacional como afirmam Borges e Buonicore (2007 p. 16) “os Jogos perpassam governos e políticas, passando pela ditadura militar, pela democratização”, pelos anos Costa e Silva,7 Médici8, Geisel9, Figueiredo10, Sarney11 Collor12, FHC13, Governo Lula14 e Dilma15. 7 Artur da Costa e Silva, mandato de 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969. 8 Emílio Garrastazu Médice, mandato de 25 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974. 9 Ernesto Geisel, mandato de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979. 10 João Baptisa de Oliveira Figueiredo, mandato de 15 de março de 1979 a 15 de março de 1985. 11 José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (Sarney) em 15 de abril de 1985 até 15 de março de 1990. 12 Fernando Affonso Collor de Mello, foi mandato de 15 de março de 1990 até 29 de dezembro de 1992. 13 Fernando Henrique Cardoso, mandatos de 1° de janeiro de 1995 a 1° de janeiro de 2003. 14 Luiz Inácio Lula da Silva, mandatos de 1° de janeiro de 2003 a 1° de janeiro de 2011. 15 Dilma Vana Roussef, mandato: 1° de janeiro de 2011 a atualidade. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 169 Pensar no contexto brasileiro nas décadas de 60, 70 e 80 nos remete ao que muitos trabalhos já explicitam sobre a ditadura militar e ao processo de democratização política. Sobre esses temas encontramos (SORJ e ALMEIDA, 1983) que elucidam esses períodos possibilitando-nos uma compreensão desse processo. No contexto brasileiro, os movimentos populares começam a aumentar nas décadas de 1960 e 1970. Os movimentos populares lutam “pelo reconhecimento de seus direitos como cidadãos e viabilizar suas demandas, diminuindo suas carências” (CARDOSO in SORJ e ALMEIDA, 1983, p. 226) nos apresentando que as manifestações populares ganham espaço na sociedade e como se dá a ação conjunta de associações populares, partidos e sindicatos que demonstra um sentimento comum de opressão num sistema de ditadura (idem, p. 236). Os anos de 1968 a 1973 são os de maior repressão no Brasil embora a vigência da ditadura militar seja de 1964 a 1984. No regime ditatorial revela-se o projeto de sociedade que se pretende “nas suas diversas estratégias (econômica, política, militar, psicossocial)” (REZENDE, 2001, p. 1). O ano de 1968 é marcado, entre outros fatos, pelo protagonismo do movimento estudantil. Esse movimento aparece com “protestos estudantis contra a política educacional do governo” (VALLE, 2008, p. 35) cujas diretrizes são delineadas desde 1964 e que tomam ênfase em 1968. Nesse ano também há um grande descompasso entre o governo de Costa e Silva e a sociedade civil como embate às pressões da política nacional (idem, p. 37). Em meio aos acontecimentos que perpassam essas décadas, surgem os Jogos Estudantis como proposta do Governo para o Esporte, que se encontra num momento de transformações em suas estruturas com uma dimensão social. Possivelmente, para os governantes, sendo este um potencial transformador da sociedade por meio do sistema educacional. 170 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Esses Jogos iniciam-se num contexto de transformações do Esporte Moderno, que objetivam o alto rendimento. A implantação das competições ligadas ao sistema educacional no Brasil foi influenciada por este contexto, a busca de resultados esportivos de alto rendimento no interior da Escola, fazendo com que a Escola reproduza esse tipo de Esporte. Segundo Borges e Buonicore (2007, p. 21) “Também não há dúvida de que esse despertar para o esporte de rendimento no país está relacionado ao contexto internacional do esporte”. No texto introdutório (1971; p. 35) os organizadores dos Jogos Estudantis Brasileiros demonstram a necessidade de se realizar o evento preferencialmente na mesma cidade e mesmo período do ano, para que cada unidade da federação possa se organizar e efetivamente participar: Por essas razões, e movidos por um alto espírito de colaboração, tomamos a liberdade de apresentar as seguintes sugestões: a) manter, apesar das dificuldades a realização dos Jogos numa mesma localidade e numa mesma época, a fim de permitir a reunião de todos os representantes de todas as Unidades da Federação, possibilitando uma visão de conjunto do Brasil unido, em busca de um mesmo objetivo, e mantendo na retina a grandiosidade e a beleza do espetáculo que esses jogos, dessa forma, se constituem; b) custear integralmente o preparo e o comparecimento das representações dos Estados mais pobres e dos Territórios Nacionais, a fim de que todos, sem exceção participem dos Jogos Estudantis Brasileiros e recebam a influência por eles irradiada; c) incentivar ou promover competições locais em épocas antecedentes à dos Jogos Estudantis Brasileiros, com o objetivo de aprimorar o preparo dos participantes desses jogos e, com isso, obter melhores resultados (DUTRA; ROLIM e MARCELLOS, 1971). Percebe-se, nesse texto, a preocupação dos organizadores com a efetiva participação de todos os Estados bem como Territórios Nacionais que são “mais pobres” e que consequentemente não participariam do referido evento. Ainda é visível a preocupação com a visibilidade do evento e a influência por ele alcançada, e, não obstante essas preocupações, o aprimoramento do preparo dos participantes com intuito de se obter melhores resultados. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 171 Nos juramentos podemos notar como essa competição estudantil está comprometida com as questões relativas aos bons hábitos, cumprimento das regras e sobretudo às questões da nacionalidade ditada pelo regime militar, por meio do desporto. Um novo olhar se dá a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois as atividades esportivas são consideradas como atividades formais e não formais possibilitando uma maior agregação de pessoas praticantes de atividades esportivas e não apenas, como era antes, a de agregar somente atividades de alto rendimento, o que exclui uma grande parcela da população. O denominado esporte educação marca uma nova dimensão social do esporte no contexto brasileiro, abre desse modo, novas perspectivas para a prática dessas atividades. Embora haja essa perspectiva da nova dimensão social do esporte, os JEBs têm variáveis de referencial (BORGES E BUONICORE, 2007, p. 29). Os Jogos Escolares Brasileiros são definidos por Ferreira et al (2005, p. 20.3) como: [...] peculiares quando não são locais – ou seja, municipais ou intermunicipais – por assumirem proporções de mega-eventos ao estilo de competições internacionais, e por representarem municípios e cidades... Outro aspecto redefinido por esses jogos foi a integração da juventude por meio do esporte. No decorrer de sua história o envolvimento sempre crescente do número de atletas e estudantes, melhoria técnica dos esportes olímpicos, o aparecimento de uma mentalidade entre a classe estudantil com relação a atividade física, a reciclagem de professores e técnicos, são pontos principais propostos pelos Jogos Estudantis Brasileiros (GRUPPI, 2011, p. 57). Em 1987 em Campo Grande ano em que, no Fórum de Debates, aparecem questões referentes à compreensão sobre os JEBs, os posicionamentos quanto 172 Celebrando os jogos, a memória e a identidade ao esporte participação, esporte performance e esporte de rendimento, contudo, são momentos de reflexão sobre sua finalidade (BORGES E BUONICORE, 2007, p. 63). Ainda os autores afirmam: Também houve espaços de debates, dentre eles o Fórum de debates sobre os JEB’s, que buscou refletir sobre as seguintes questões: qual a compreensão sobre os JEB’s? Qual o posicionamento sobre o esporte de participação, o esporte de performance e o esporte de formação? Qual deveria ser a linha do JEB’s? A equipe médica também colocou algumas questões para discussão: condições de saúde dos atletas, obrigatoriedade dos exames médicos nas escolas, sugestão de um modelo de avaliação do atleta participante dos JEB’s. Tratava-se de um novo momento para a competição, de muita reflexão sobre sua finalidade e de acertos em seu formato. O modelo dos JEBs começa a ser questionado, assim como sua finalidade como competição, bem como a quem se dirige. Outra questão que se torna relevante é quanto às condições de saúde dos atletas, nesse embate considera-se o aluno no contexto escolar como um atleta em potencial, haja vista a sugestão de se colocar a necessidade de exame médico no interior da escola. Do mesmo modo que as questões levadas ao Fórum demonstram certa preocupação no formato no que diz respeito ao esporte participação, de performance ou de formação, ainda consideram o espaço da escola como local revelador de talentos esportivos. Nesse contexto de mudanças é redigida a “Carta Brasileira do Esporte na Escola” após discussões e subsídios veiculados na I Conferência Brasileira do Esporte na Escola16. Em 1989 Manoel Tubino assume como dirigente da SEED, 16 Na I Conferência Brasileira do Esporte na Escola apresentaram-se pesquisadores de universidades brasileiras, a saber: Prof. Cristóvam Buarque, Prof. Silvino Santin, Prof. Roberto Crema, Prof. João Batista Freire da Silva, Prof. Laércio Elias Pereira, Prof. Paulo Roberto Gomes de Lima, Prof. Paulo Rubem, Prof. Jorge Sergio Pérez Gallardo, além de contar com a participação de Marcos Terena como integrante da comunidade indígena para uma das mesas de debates levando às questões relacionadas a existência de nações indígenas e às práticas esportivas dos indígenas. Entre outros participantes têve Georgeocohama D. A.Araujo e Paulo Roberto de Oliveira, Antonio Batista Pinto (Mestre Zulu – Capoeira), Nilton Agra Vasconcelos Galvão, Paulo Roberto Bukhardt, Rene Augusto Otrenba Eiras (BRASIL, 1989) Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 173 por indicação do ministro Carlos Sant’Anna, e estabelece um referencial teórico baseado em suas concepções sobre educação, no qual define cinco princípios socioeducativos, a saber: “o da participação, da cooperação, da coeducação, da corresponsabilidade e da integração” (BRASIL, 1989, p. 30). A partir desses princípios o autor defende que a prática esportiva dentro dos JEBs deverá ser de direito de todos, e que não se poderá continuar como um evento no qual se privilegia o esporte de alto rendimento, proporcionando dessa forma a discussão do papel desse esporte no interior da Escola. Conforme Tubino: A publicação, por outro lado, de uma Carta de Princípios para o Esporte-Educação para o Brasil, sem dúvida, deixará uma referência muito forte desse momento, em que se rompe todo um status quo que de certa forma deformava o esporte como fato educacional (BRASIL, 1989, p. 30). A defesa pela publicação da Carta Brasileira do Esporte na Escola reafirma o comprometimento do dirigente com as densas mudanças, no conceito de Esporte, as quais se podem ser assentadas no interior da Escola e reafirmando a presença do esporte como evento educativo. Identificação da filosofia e objetivos dos Jogos Escolares Brasileiro A filosofia e objetivos dos JEBs não aparecem especificados nos Boletins, podemos encontrar nos discursos de governantes ou de organizadores. Como um dos objetivos, podemos identificar, a preocupação com a formação da juventude brasileira por meio do Esporte. Conforme o texto de introdução do Boletim de 1971: Temos que ressaltar as consequências redundantes da execução desses Jogos de grande importância para a formação de nossa juventude e que se apresentam sobre um quádruplo aspecto: cívico, moral, social e desportivo. Eles promovem, de um lado, a integração nacional [...], possibilitando-lhes sentir com mais nitidez a grandiosidade de nossa Pátria e as suas responsabilidades no seu desenvolvimento. Por outro lado, propiciam o contato sadio de adolescentes de ambos os sexos, favorecendo a aquisição de hábitos e atitudes socialmente 174 Celebrando os jogos, a memória e a identidade construtivos e adequados ao nosso meio social. Além disso contribuem para a formação do caráter e da personalidade do adolescente, procurando desenvolver-lhe senso moral e social, bem como suas qualidades de liderança, educando-o pra a vida democrática. Finalmente, contribuem para assegurar a saúde, desenvolver o gosto pelas atividades físicas e o preparo de atletas que integrarão a representação do Brasil nos futuros Jogos Olímpicos (DUTRA; ROLIM e MARCELLOS, 1971). A formação da juventude nos aspectos apresentados nessa introdução refere-se ao comportamento e mudanças de atitudes, à crença de que, por meio do esporte e práticas corporais, se atinja os objetivos desse evento. O futuro da nação, a formação do caráter dos jovens também se busca, no entanto o que se tem como escopo é a preservação da saúde, bem como o desenvolvimento da aspiração pelas atividades físicas e preparo dos atletas para representarem o país em grandes eventos. Além da exigência de índices que pode demonstrar a busca de talentos esportivos, há para cada modalidade a aplicação das regras internacionais nas suas execuções bem como a presença de árbitros com experiências internacionais ou renomados em suas atuações, ou melhores do Brasil em suas modalidades, perfazendo no universo das competições uma experiência para os atletas que se destacarem em suas modalidades e seguirem seus talentos para competições semelhantes de alto nível. Acerca dos objetivos dos JEBs: O foco na realidade era o desenvolvimento do esporte brasileiro, o objetivo principal era descobrir atletas para o desporto de alto rendimento, para você ter uma base para o desporto de alto rendimento. Esse foi o grande objetivo dos JEBs. A linha de pensamento muda mas sempre com foco na medalha olímpica, de ser o melhor do mundo, essa é infelizmente ou felizmente eu acho felizmente, essa é a realidade de qualquer país, nós temos que buscar essa qualidade nos atletas para poder chegar nessa performance. Agora lógico com um método legal, nada de dopping, isso foi uma coisa sempre batida (FERRACIOLLI FILHO, 2012). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 175 Nota-se, nessa fala, como o objetivo principal é disseminado, para os organizadores, a existência dos JEBs possibilita a revelação de atletas conhecidos na atualidade e que fizeram história nas suas respectivas modalidades. Para exemplificar como os objetivos são alcançados, no Boletim dos V Jogos encontra-se enaltecidos os atletas que conquistaram medalhas no Campeonato Mundial de Atletismo Estudantil e que participaram dos I Jogos Estudantis Brasileiros: A semente plantada em 1969 germinou, a arvore cresceu, e os primeiros frutos vieram: Pedro Teixeira (400m e 4x100 rasos), Geraldo Rodrigues (salto tripo e 4x100 rasos), Jalmerson Carvalho (4x100 rasos), Carlos Alberto Cavalheiro (4x100 rasos) Armando de Zordi (arremesso de peso), Carlos Eduardo Galvão (arremesso do disco) e Roberto Quita (salto com vara), e foram levados à Grécia por Nelson Barros (chefe da delegação), Frederico Hochsttater (técnico) e Ulisses Laurindo dos Santos (jornalista), mostrando ao mundo o que valemos. Esse foi o primeiro ramo que deu frutos os outros já estão em flor, a próxima primavera dirá a qualidade. Viva os nossos estudantes atletas, viva nosso desporto amador (BOLETIM OFICIAL, 1973). Para os organizadores dos JEBs esse destaque motiva os jovem a praticarem com mais dedicação ao desporto e aos professores e técnicos uma demonstração de estarem no caminho certo de condução dos jovem nos desportos. Conforme saudação feita pelo então Ministro da Educação e Cultura Ney Braga encontramos indícios dos objetivos dos Jogos: Nada mais belo poderia a atual geração madura reivindicar, do que a glória e a ventura de ter trazido, para o mundo moços como vocês. Se o movimento de 31 de março foi a renovação trazida pela Revolução, que a mocidade do Brasil seja a Revolução da Renovação, trazendo, ao organismo jovem do país, o sangue, a fibra, a pureza, a confiança, tudo aquilo afinal, que caracteriza distingue a adolescência que sabe ter um encontro marcado com o futuro e, para tanto, entrega-se à sua preparação mental e corporal, como exigência de patriotismo, de brio, de confiança no amanhã que nós, mais velhos, queremos que seja mais feliz do que hoje, exatamente porque será vivido por vocês (Boletim, 1974, p. 1). 176 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Os envolvidos nos Jogos Estudantis acreditam que nesse espaço poderão detectar talentos, os futuros desportistas, como podemos verificar na fala de Ferraciolli Filho (2012): Para você ter uma ideia, o Lars Grael e o irmão dele o Toben participaram do iatismo, então são referências. Se você pegar o Diego Hipólito hoje, ele participou de JEBs, a Paula (Magic Paula do Basquete), a Hortência (Basquete), o Oscar (Basquete) participou, o Pipoca (Basquete), muitos atletas de renome nacional participaram dos JEBs, o Joaquim Cruz (Atletismo) participou, foi descoberto praticamente nos JEBs, o Agberto Guimarães ele participou dos JEBs, José Roberto Guimarães (Voleibol), a Vera Mossa (Voleibol), estou te falando o que me lembro, o Bernardinho (Voleibol), tem fotografia dele nessas revistas de Educação Física, o Willian de Carvalho levantador do vôlei, muitos outros a maioria desses atletas participou dos JEBs, Vlamir Marques coordenador, Pedro Henrique de Toledo foi coordenador nosso isso porque estou te dizendo e eu coordenei e eu era diretor técnico, fui diretor técnico algumas vezes, nem sempre mas fui algumas vezes diretor técnico da competição e o Vlamir era o coordenador nosso era coordenador do basquete, foi coordenador o Pedro foi coordenador do atletismo. Essa fala corrobora os ideais dos realizadores dos JEBs, pois esses atletas mencionados chegaram ao ponto mais alto no esporte brasileiro, representaram o país em competições internacionais. Além dos jogadores, podemos notar alguns técnicos que se destacaram nesse mesmo cenário. Sobre os princípios dos JEBs na Nova República, Borges e Buonicore (2007, p. 60), afirmam: [...] os JEBs a partir de 1985 tiveram os seguintes princípios: a) Nova identidade para o esporte escolar, diferenciando-o do esporte de rendimento”; b) Redimensionamento da organização e do funcionamento dos Jogos; c) Interiorização dos Jogos e maior envolvimento das escolas da periferia; d) Repúdio à utilização de resultados esportivos nas avaliações de escolas e alunos. Pode-se notar que a partir de 1985 os JEBs começam a diferenciar-se quanto Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 177 a sua organização e princípios, culminando com a Constituição de 1988, a qual se refere ao esporte educação. Em São Paulo, 1985 acontece a primeira participação da Nação Indígena, a participação dos povos indígenas nos JEBs pode ser um início de uma experiência de diferentes vivências em configurações nas relações do indivíduo em sociedade, para que possam se aprofundar em questões políticas e sociais, bem como no que diz respeito à definição do caráter do evento. Como afirma Elias (1994, p. 27): “Uma das condições fundamentais para a existência humana é a presença simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas”, o que possibilita a troca de experiências e o processo de envolvimento em diferentes circunstâncias na sociedade. Ainda nos Jogos de 1985 foi introduzido como modalidade a Capoeira e nos “Estudos Técnicos” a temática sobre os Esportes em Cadeira de Rodas, que têm como objetivo discutir a “problemática das pessoas portadoras da deficiência física; técnicas e arbitragem adaptadas ao esporte em cadeira de rodas e as categorias dos esportes praticados por deficientes físicos: classe médica e classe funcional” (BOLETIM, 1985, p. 105). A partir de 1985 começa-se a organizar a Constituinte e discussões acerca da inclusão social por meio do Esporte e da Educação Física culminam na Constituição de 1988. Como corrobora Ferraciolli (2012): Em 1985 começou a Nova República, nós tivemos uma formatação dos Jogos até aquele momento, os JEBs tinham uma formatação até aquele momento, os Estados tinham representatividade com seleções escolares, esses atletas alunos já jogavam nos clubes e nas federações, a partir desse ano criou-se uma nova formatação de disputa nos Jogos, nessa formatação proibiu-se a participação dos atletas federados, então foi uma polêmica muito grande para se ajustar a essa nova condição. A Constituição de 1988 onde começávamos a discutir a inclusão social das pessoas na Educação Física. A partir do ano de 1988 as discussões acerca da formatação dos JEBs 178 Celebrando os jogos, a memória e a identidade possibilitam novas mudanças na sua prática, que se concretizam nos JEBs de 1989, no qual Manuel Tubino, como dirigente, traz suas teorias acerca de um novo conceito de esporte que privilegia a participação e onde a ênfase ao rendimento fica em segundo plano. 1989 – Brasília – XVIII JEBs. Na mensagem aos participantes Manuel José Gomes Tubino fala sobre uma mudança nos princípios dos Jogos: [...] assim com certeza seria o início de um evento que representa mais uma iniciativa no sentido de buscar a performance atlética, o talento esportivo, a competição a todo custo e, até como já se falou, as nossas medalhas nos Jogos Olímpicos... Não! Fundamentados nos princípios da participação, “cooperação”, coeducação, integração e corresponsabilidade, neste ano estamos vivendo um momento ímpar na história dos JEB’s e do Esporte na Escola. Viveremos intensamente nestes dias a arte do encontro! Temos certeza que todos os que estão tendo o privilégio de participar deste marco do repensar e refazer o Esporte na Escola, terão a oportunidade histórica de traçar os nossos caminhos para o Esporte enquanto Educação (BOLETIM, 1989, p. 1). Em 1989 nos XVIII Jogos Escolares Brasileiros há um novo processo de análise e redefinição nos seus princípios. Para que isso seja realizado organiza-se a I Conferência Brasileira do Esporte na Escola com o Tema: Esporte na Escola e a Educação para a Democracia, conta com Vera Lucia de Menezes Costa na comissão organizadora. Os princípios aos quais se referem na Conferência estão relacionados à ressignificação do direito dos jovens à formação da cidadania “baseada na participação e na consciência social”(BRASIL, 1989, p. 49). Tornou-se necessário criar um espaço para que todos os segmentos da sociedade, engajados com o Esporte na Escola, viessem a colocar seus posicionamentos e, a partir desses, tornar os JEBs um constante processo de discussão dos valores que vêm conduzindo a prática esportiva, bem como as questões sociais, econômicas e culturais que a envolve (BRASIL, 1989, p. 49). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 179 No processo de reconstrução democrática os JEBs estão sob os holofotes dos dirigentes governamentais e, também nesse momento, de pesquisadores de universidades brasileiras. A justificativa para essas mudanças leva em consideração que o Esporte praticado na Escola caracteriza-se pela “reprodução do Esporte institucionalizado, elitista, segregacionista” (BRASIL, 1989, p. 49) refere-se à criança e ao jovem como os “principais protagonistas dos Jogos Escolares Brasileiros do processo de corresponsabilidade nas transformações sociais pela garantia dos direitos dos cidadãos”(idem, p. 49). Ao referir-se ao contexto na qual “a sociedade brasileira se organiza e participa diretamente dos destinos da nação e que o esporte é reconhecido como direito de todo cidadão” (idem, p. 49), a I Conferência Brasileira do Esporte na Escola tem como objetivos principais: - Suscitar entre os participantes dos XVIII JEBs, retomada da reflexão acerca do Esporte na Escola, vislumbrando a sua contribuição ao processo de Educação para Democracia, no contexto de um país do Terceiro Mundo, tendo em vista a perspectiva para o século XXI; - Estabelecer um ponto de encontro que viabilize a troca de ideias, opiniões e experiências entre os diferentes segmentos envolvidos com o Esporte na Escola; - Discutir a incorporação da democracia e sua utilização por professores, técnicos, estudantes e administradores na gestão do Esporte na Escola; - Propor princípios e alternativas de ação ao Esporte na Escola, que venham a se constituir em compromissos com a Educação para a Democracia (BRASIL, 1989, p. 49). Esses objetivos encaminham discussões que norteiam o papel do Esporte no contexto brasileiro, no qual o reafirmam o processo de democratização, por meio de reflexões acerca do Esporte na Escola bem como os protagonistas nesse Esporte. Novas redes de interdependências se formam para discutirem o papel do Esporte nesse contexto, com a participação de pesquisadores de 180 Celebrando os jogos, a memória e a identidade universidades, assim como a participação de técnicos esportivos, estudantes, representantes indígenas e gestores do Esporte na Escola. Participação Indígena – Descrição dos participantes/população atendida e organizadores No ano de 1985 a Nação Indígena participa pela primeira vez dos JEBs, é citada nos boletins dos Jogos realizados na cidade de São Paulo, quando realizam a demonstração da luta Uka Uka no CEPEUSP, essa luta aparece no quadro das modalidades com as datas e horários, bem como o local a serem realizadas (BOLETIM, 1985, p. 01). A participação nesses JEBs contou com a presença das etnias: Kamayurá, Yawalapiti, Waura, Kalapalo e Meinako, teve como Chefe da demonstração da Luta: Sr. Aritana - “Capitão absoluto do Alto Xingu” (BOLETIM, 1985, p. 406), e também com a presença de uma equipe de futebol, de atletismo e natação, representados pelos Terena, Xavante, povos do Alto Xingu e Karajá, como chefe das modalidades: Sr. Jorge Terena, e Coordenadores da Delegação: Carlos Terena e Jeremias Xavante (idem, p. 406). A participação indígena no desporto começa no final década de 1970 quando um grupo de jovens indígenas, estudantes que moram em Brasília decidem criar uma equipe de futebol. Tudo começou em 19 de abril de 1979, Dia do Índio, quando foi organizada uma seleção de futebol indígena, formada pelas tribos dos Karajá, Terena, Bakairi, Xavante e Tuxá, para partida amistosa contra a então equipe do CEUB. Daí nasceria uma equipe de futebol de campo e salão, dos estudantes indígenas, com o nome de KURUMIM. Ela já se apresentou em vários estados brasileiros, inclusive atuando por duas vezes no Maracanã, no Rio de Janeiro (TERENA, 2001, p. 37). O relato nos apresenta o momento das experiências na juventude com a organização da equipe de futebol formada por integrantes de diferentes etnias, Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 181 estudantes que se apresentam em diferentes estados brasileiros, inclusive a atuação por duas vezes no Maracanã, no Rio de Janeiro. Como afirma Sant’Ana (2010, p. 101) “(...) alguns jovens saíram de suas aldeias rumo a Brasília.(...) morando num mesmo local e compartilhando de expectativas e experiências comuns, esses jovens criaram laços de amizade e socialização, formando, nesse período um pequeno time de futebol denominado UNIND (União das Nações Indígenas)”. Carlos Terena: Em seguida, através da nossa articulação junto ao Ministério da Educação e Cultura, ficou acertada a participação das comunidades indígenas nos IV Jogos Escolares Brasileiros (JEBs), na cidade de São Paulo, em 1985. E até hoje continua a participação das comunidades indígenas em eventos esportivos oficiais (TERENA, 2001 p. 37). A articulação de Carlos Terena junto ao Ministério da Educação e Cultura concretiza sua participação como liderança indígena no processo de desdobramento da inserção das comunidades indígenas num diferente contexto brasileiro que é o dos Jogos Escolares. A primeira participação de indígenas nos JEBs acontece com a presença de um arqueiro para distinguir, ou seja, para apresentar uma outra maneira de demonstrar práticas corporais, como afirma Terena: “Sim, para mostrar como se atira uma flecha sem dopping, sem anabolizante, deixa a gente atirar uma flecha” (idem, p. 37). No entanto o autor nos brinda com seu relato sobre a participação do arqueiro naqueles Jogos: (...) quando o índio flecheiro desceu na linha para fazer a demonstração, eu mesmo não conhecia esse índio flecheiro, ele disse: ‘Não, pode por aqui mais de cinquenta metros – porque é importante escolher e poder ver onde vai acertar’.’Então ele não mirou como todo arqueiro faz, ele olhou assim atirou. Ele acertou uma melancia. ‘Está muito grande, traga outra’ trouxeram uma fruta menor até chegar na maçã (...) (TERENA, 2001, p. 37). 182 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Ao comentar esse fato, Terena se remete ao conceito de esporte, e mostra como as práticas corporais podem ter significados dentro de determinados contextos. Ainda complementa: (...) ele estava usando um arco tradicional, estava utilizando uma metodologia tradicional, mas com um objetivo que não era tradicional, porque lá na aldeia aquele índio não faz aquilo como esporte. Ele faz para acertar uma ave, uma anta, um peixe no meio do rio... Então, nós a partir daquele momento começamos a trabalhar esse conceito de Jogos dos Povos Indígenas (TERENA, 2001, p. 37). Essa demonstração então, é o início de como se pode pensar o esporte a partir de um novo enfoque, ou seja, um novo conceito para o esporte moderno, e que abre caminho para novas questões referentes aos Jogos dos Povos Indígenas como marco para a sociedade não indígena. Em 1988, São Luiz – MA, XVII JEBs, a Nação Indígena participa nas modalidades de Futebol e Futebol de Salão e um fato se torna relevante, eles recebem um comunicado da Comissão Central Organizadora: A Comissão de Disciplina comunica que as equipes de Futebol e Futebol de Salão da Nação Indígena perderam todos os pontos em favor dos adversários. Tal mudança deve-se ao fato de terem sido inscritos atletas em duas modalidades coletivas contrariando assim, o Artigo 50 do Regulamento Geral dos XVII Jogos Escolares Brasileiros (BOLETIM, 1988, p. 247). Para todos os participantes há o mesmo Regulamento, não obstante serem Nação Indígena e recebem o mesmo tratamento dado a qualquer outra delegação participante dos Jogos. Sobre essa questão Carlos Terena afirma: “a desclassificação fez com que nos sentíssemos iguais aos brancos, vendo a lei ser cumprida da forma como gostaríamos que acontecesse com as invasões de nossas terras”(BRASIL, 1989, p. 42). Em 1989, com as inovações e mudanças de formatação, os JEBs contam Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 183 com a presença de aproximadamente 4.000 atletas. Nesse ano a nação indígena participa nas Modalidades de Atletismo (masc. e fem.), Futebol de Salão e Futebol. Informações sobre o Comitê Intertribal - Memória e Ciência Indígena Em 1991 é criado o Comitê Intertribal – 500 anos de Resistência, presidido por Mariano Marcos Terena. Marcos Terena, como é conhecido, é designado17 titular, e Pedro Cornélio como suplente, junto ao Grupo de Trabalho Nacional de Organização da Conferência das Nações Unidas, para a preparação/participação da ECO 92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento). Entre outras pessoas compõem o Comitê Intertribal: Eliane Potiguara, Itiarrori Karajá e o Aritana. Marcos Terena em depoimento a Graziella Sant’Anna (2010, p. 112) afirma: Graziella: O Comitê, você disse que surgiu na Eco 92... Marcos Terena: Isso, daí não sei como eles me convidaram pra ir pra Genebra, primeira vez, ao Secretariado responsável pela Conferência da Rio 92 [ECO 92], convidou e eu fui pra lá. Então, antes de ir prá lá o pessoal da ONU aqui disse: “Vai ter uma Conferência, o que você acha que pode fazer e articular?”. Eu falei: “Eu posso ajudar a organizar tal, mas quero ver primeiro, preciso pensar o que podemos fazer”. Daí, conversei com o Carlos [Terena] o que nós íamos fazer, daí chegamos a conclusão que íamos fazer uma aldeia no evento. Era uma coisa inédita, mais agressiva. Nós estávamos com um plano aqui que nós íamos fazer uma aldeia onde nós iríamos demonstrar o que é desenvolvimento, o que é meio ambiente, usando a tecnologia da selva, começamos a usar esses termos assim. O cara falou: “Poxa, vocês conseguem fazer tudo isso?”. “Nós só vamos participar se conseguirmos fazer isso”. Daí fui pra Genebra nessas condições, já como Comitê Intertribal. Graziella: Vocês montaram o Comitê com que pessoas? Marcos Terena: Nós montamos com a Eliane Potiguara, o Itiarrori Karajá, o Aritana, e outros. Graziella: Tinha outros Terena? Marcos Terena: Tinha. E registramos a associação para, assim, com o efeito de referência externa lá fora, porque provavelmente a 17 Conforme Diário Oficial da União de 23 de outubro de 1991, seção II p. 7435. 184 Celebrando os jogos, a memória e a identidade gente poderia ter financiamento para as ações na Rio 92, só que no decorrer do processo eu achei assim, como era evento da ONU, qualquer recurso que a gente conseguisse a gente descarregaria no PNUD e ele gerenciaria isso pra gente, e foi o que realmente aconteceu (MARCOS TERENA). O modo como Marcos Terena se afirma diante dessa situação, como representante indígena junto ao governo, com prestígio e confiança, também proporciona a inserção de seu irmão Carlos Terena na organização, por meio do Comitê Intertribal se concretiza a participação de indígenas na ECO 92. Quando Marcos Terena fala do surgimento do Comitê Intertribal, penso que ele se refere a um dos primeiros trabalhos que esse Comitê realizou e ampliou a visibilidade, tanto para os indígenas que o compuseram quanto para o Governo, que naquele momento possibilitou uma participação mais ampla, ou seja, de outros setores da sociedade num evento como a ECO 92. Na discussão de questões relativas ao meio ambiente, a representatividade da população indígena pode se dar a partir desse Comitê Intertribal. Porém, surgem algumas questões que merecem atenção acerca dessa representatividade, ou mesmo o porquê desse Comitê ser escolhido, na década de 1990 já existem inúmeras associações indígenas disseminadas pelo país, sobretudo na Região Norte. Talvez a composição do Comitê representado por algumas etnias possa ser uma das respostas. No entanto, há questionamentos que nos dão indícios das redes de relações estabelecidas naquele tempo e espaço que possibilitam a melhor compreensão dessa participação junto ao Governo. O fato de Marcos Terena ser convidado para a organização da ECO 92, faz com que se “registre a associação”, tanto para fins de financiamentos como para as tarefas que deverá executar, ou mesmo para um início de parceria com o Governo. Ao mesmo tempo nota-se contradições nas ações, o mesmo governo que em um momento se aproxima dos indígenas para realizar tarefas de interesse político comum, Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 185 se encontra do lado oposto dos indígenas quando estes através das várias associações reivindicam ações governamentais frente aos seus problemas. Entre outros eventos que o Comitê Intertribal realiza em parceria com o Governo Federal, encontramos os Jogos dos Povos Indígenas, este por sua vez será amplamente abordado na investigação que permeia esta tese. Ministério do Esporte e relação com os Jogos dos Povos Indígenas Para discorrer sobre o Ministério do Esporte, estarei me reportando à breve história do esporte nos setores do Governo. Na história institucional do esporte, verifica-se que este esteve vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, pela Lei n˚. 378 de 13/03/1937 que cria a Divisão de Educação Física, este vínculo permanece até 1998, pela Medida Provisória n˚. 1794-8 cria-se o Ministério do Esporte e Turismo. Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso, cria o Ministério de Estado Extraordinário do Esporte, nomeando Edson Arantes do Nascimento – Pelé (1995-1998) para a Secretaria de Esportes vinculada ainda ao Ministério da Educação. O Ministério do Esporte e Turismo é criado em dezembro de 1998 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, o deputado federal Rafael Grecca assume a pasta. Em janeiro de 2003 é criado o Ministério do Esporte no qual Agnelo Queiroz assume a pasta, até março de 2006, quando se candidata ao cargo de senador, e Orlando Silva, assume o ministério interinamente como secretário excutivo, somente em 2007 é nomeado ministro do Esporte, este ocupa o cargo até outubro de 2011. Com a saída de Olando Silva, é nomeado Aldo Rebelo como ministro do Esporte. Como principal financiador para a realização dos Jogos dos Povos Indígenas desde seu início, a relação do Ministério do Esporte com os Jogos dos 186 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Povos Indígenas se constitui através de trocas de experiências quanto a sua organização. A realização dos Jogos dos Povos Indígenas é coordenada pela Secretaria de Esporte Educacional e pela Secretaria do Segundo Tempo18 até o ano de 2007, a partir desse ano passa para a Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer (SNDEL). Um dos problemas enfrentados por essa Secretaria é a dificuldade de se obter informações sobre os Jogos anteriores, pois as informações se perderam com a mudança de secretaria. Como afirma Claudia Bonalume (2011) “tudo que existia de registro de história se perdeu, o Comitê não tinha, fora o que estava na memória deles”. Os embates/debates entre o Ministério do Esporte e Comitê Intertribal acerca dos Jogos dos Povos Indígenas se revelam nos depoimentos de representantes desses setores. Considerações finais A figuração Jogos dos Povos Indígenas começa a se delinear com aproximações dos idealizadores Marcos e Carlos Terena com o governo. Com a aprovação da Constituição em 1988, a valorização da cultura indígena e de criação nacional e a inserção dessas populações no esporte passam a ter amparo legal, porém apesar da promulgação da Constituição não há, por parte do governo, iniciativas de organização de projetos e eventos ou de políticas públicas para a população indígena na área do esporte. Uma exceção na mudança de filosofia do governo sobre o esporte, pode-se verificar nesta pesquisa, está na organização dos Jogos Escolares Brasileiros a partir de 1989, quando o esporte passa a ser voltado para que haja um maior numero de pessoas participantes, ou seja, se torne mais acessível. Apesar dessa 18 Programa do Ministério do Esporte destinado a democratizar o acesso à prática e acesso ao esporte. http://www.esporte.gov.br/snee/segundotempo/objetivos.jsp. Acesso em 20 de março de 2011. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 187 mudança de filosofia nos Jogos Escolares Brasileiros, as práticas tradicionais como capoeira, danças regionais, entre outros, ainda estão em segundo plano para o governo. Para que a organização dos Jogos dos Povos Indígenas comece a se delinear e se torne uma realidade, é necessário as iniciativas de pessoas vinculadas a diferentes instituições, cada uma dentro de sua especificidade. A rede de relações interpessoais se expande, a abrangência dos trabalhos do ITC se torna mais ampla e proporciona uma maior visibilidade dessa ONG. As relações estabelecidas pelos idealizadores indígenas com representantes do governo federal possibilitam sua aproximação com representantes do esporte em nível nacional. O fato do Comitê Intertribal ter a competência de organizar os Jogos dos Povos Indígenas, os aproxima cada vez mais dos representantes do governo para apresentar a ideia inicial dos Jogos dos Povos Indígenas. A aproximação com os representantes do governo proporciona o intercâmbio de ideias apresentadas por Carlos e Marcos Terena ao Ministério Extraordinário do Esporte, que na época tem Edson Arantes do Nascimento (Pelé) como representante, este atendeu aos pedidos dos idealizadores de se organizar uma “Olimpíada Indígena”, aqui a aproximação pelo Esporte se torna mais viável. Pelas falas de Carlos e Marcos Terena nota-se o que eles pretendem, a organização dos Jogos dos Povos Indígenas e para tal a aproximação do Comitê Intertribal com representantes do Governo se faz necessária. O ITC, representado pelos irmãos Carlos e Marcos Terena, e o Ministério Extraordinário do Esporte se tornam parceiros na organização e viabilização dos primeiros Jogos dos Povos Indígenas e também protagonistas desse evento, o primeiro com ideias e projetos e o segundo com financiamento. Neste momento começam a se estabelecer as relações mais próximas para a realização dos Jogos dos Povos Indígenas. Com esta parceria, o projeto se torna realidade. 188 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Referências BORGES, E.C. & BUONICORE, A. C. Memória do Esporte Educacional Brasileiro: Breve História dos Jogos Universitários e Escolares. São Paulo: Centro de Estudos e Memória da Juventude, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. BRANDÃO, C. R. Identidade e etnia: construção da pessoa e identidade cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986. D’ARAUJO, M. C.; SOARES, G. A. D e CASTRO, C (orgs.). Visões do Golpe: a memória militar sobre 1964. do Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 ELIAS, N. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1994. _____. Norbert Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. _____. Introdução à sociologia. Lisboa, Edições 70 Ltda., 2005. ELIAS, N. e DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992. FERREIRA, I. T. Jogos Estudantis Brasileiros–JEBS. In DACOSTA, L (org.). 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Acesso em 25 de out. 2010 Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 191 Fernando Amazônia CA PÍTULO 10 A UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS: POLÍTICA, ESPORTE E HISTÓRIA Graziella Reis de Sant’Ana (PNPD/CAPES-UFGD). O que eu poderia falar nessa noite? O que eu poderia contar para vocês brancos e índios? Todos vocês estão aqui hoje para ver uma coisa nova [...] E essa organização dos índios, a União das Nações Indígenas, pioneira no Brasil, buscará acima de tudo tratar dos problemas dos índios com base na lei existente e cobrar tudo aquilo que está presente na lei. Queremos isso, estamos buscando isso, não é fácil, mas não é impossível que se realize. Queríamos que vocês compartilhassem de alguma forma dessa luta e que pudéssemos estender a mão para vocês no sentido de dizer amizade mútua, respeito mútuo. Gostaria que todos vocês levassem em seus corações essa mensagem de que também estamos preocupados com a situação do Brasil. Não podemos resolver o problema do Brasil porque não nos compete, mas também não podemos compartilhar os erros que têm sido cometidos, principalmente com a sofrida nação indígena. Marcos Terena19 Introdução Falar em Jogos dos Povos Indígenas (JPIs) é, sem sombra de dúvidas, pensar em festividade, práticas esportivas/culturais, celebração da diversidade cultural e interação lúdica entre os povos indígenas. Devido à importância dada a essas características, seu caráter político e histórico tem pouca visibilidade para expectadores e participantes tão envolvidos com a beleza de um evento único e impactante. 19 Fala de Marcos Terena no dia da eleição para a coordenação da União das Nações Indígenas, extraído de CPI, 1982, p. 45. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 193 Através de um resgate histórico, este texto procura descrever sobre a formação da UNIND – União das Nações Indígenas –, a primeira organização indígena brasileira, que teve como princípio de articulação um time de futebol formado por alguns jovens indígenas que saíram de suas aldeias para estudar em Brasília. O texto, portanto, procura apontar como a articulação entre esporte e política se fez presente em um importante momento para o movimento indígena nacional, abrindo caminhos para a constituição de outras organizações indígenas de representação nacional, bem como abrindo possibilidades para que importantes representantes desse primeiro movimento pudessem iniciar os processos que culminaram na idealização, construção e condução dos JPIs. Nesta linha de raciocínio, é possível compreender a agency indígena (no seu aspecto político-histórico) como parte importante e atual dos JPIs através, também, dos fóruns e mesas de discussão presentes em todas as edições, tanto nos nacionais quanto nos regionais. Não há JPIs sem fórum ou mesas de debates, característica esta oriunda dos processos históricos que constituíram a UNIND, juntamente com outras experiências políticas dos vários atores envolvidos e dos processos que se desdobraram depois. Movimento Indígena Tratar os JPIs a partir da perspectiva político-histórica enseja trazer à tona não somente a articulação entre esporte e política, mas também os processos que envolveram a luta dos indígenas pelos seus direitos, pela escolarização em nível superior e sua importância para a história do movimento indígena nacional pós década 70. Também, é preciso ter em mente que o termo movimento indígena, no singular, não significa uma articulação ou voz uníssona dos povos indígenas brasileiros, pois, “O movimento indígena” deve ser entendido como um fenômeno que abarca uma multiplicidade de ações, envolvimentos, articulações, objetivos e direcionamentos, locais, nacionais e internacionais, 194 Celebrando os jogos, a memória e a identidade dados, também, pelas especificidades de cada etnia, pelas relações particulares destas com o Estado, com as agências de apoio, pela inserção maior ou menor no contexto da sociedade nacional, entre tantas outras particularidades. Não deve ser pensado como algo uníssono ou linear, mas sim como movimentos repletos de fluxos e refluxos, cujos contextos vivenciados influenciam nos impactos e resultados diferenciados (SANT’ANA, 2010, p. 20). Portanto, nesse contexto de multiplicidade do movimento indígena20, compreender o contexto e o modo como se constituiu a primeira organização indígena em nível nacional e seus desdobramentos, faz-se interessante na medida em que, atualmente, parte do relacionamento do Estado brasileiro com os povos indígenas e grande parte da definição das políticas indigenistas ocorrem pela mediação com organizações indígenas juridicamente estabelecidas: financiamentos de projetos, participação em comissões, conselhos, dentre outros. Não obstante, para a proposta deste livro, o interesse recai justamente em como os jovens indígenas utilizaram – no princípio sem pretensões diretas – do esporte para fazer política, contribuindo assim para o crescimento do movimento indígena nacional e a relação/articulação entre esporte e política nos JPIs atuais. Da UNIND a UNI: time de futebol e movimento político Durante a década de 1970, a recém-criada capital federal, Brasília (inaugurada em 1960), já continha parte significativa da estrutura administrativa do país, dentre as quais a também recém-criada Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – que substituiu o Sistema de Proteção aos Índios (SPI) em 1967 e, desde então, é a instância estatal de política indigenista. Essas duas 20 “É importante ressaltar que a década de 70 não foi o único momento de inserção das mobilizações étnicas na política nacional. Ao longo da história, diferentes formas de relações – interétnicas, entre Estado e inúmeros segmentos da sociedade nacional – foram sendo construídas diante de situações específicas, e foram esses (des)encontros, desenvolvidos no campo das relações entre diversos grupos e interesses, que proporcionaram, também, as bases históricas para a criação e consolidação do movimento indígena que despontaria no cenário nacional/internacional pós 70” (SANT’ANA, 2010, p. 88). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 195 características, ser capital federal e concentrar a sede da FUNAI, tornava Brasília rota frequente dos indígenas em busca de garantia de seus direitos e de suas articulações. Foi nesse contexto que Mariano Justino Marcos, conhecido como Marcos Terena, na época um jovem indígena da etnia Terena, nascido na aldeia Bananal, Terra Indígena Taunay-Ipegue, município de Aquidauana, estado de Mato Grosso do Sul21, pisou pela primeira vez em Brasília com o objetivo de buscar uma certificação da aeronáutica para poder atuar na aviação comercial, como era seu objetivo. Chegando lá, Eu fui pegar um certificado da aeronáutica pra poder entrar na aviação comercial como piloto, só que em Brasília eu conheci outra realidade. Na verdade o processo em Campo Grande não era tão evidente assim. Estou fazendo uma retrospectiva, também de reflexão, [...] porque eu só comecei a perceber isso quando eu cheguei em Brasília, no cruzamento com outras etnias, principalmente a questão da terra, eu não tinha noção também, então eu também não tinha isso [...] houve um entrosamento, uma facilidade, e esse primeiro contato que anulou, naquele momento, a outra expectativa mais profissional que eu tinha de poder fazer as provas e partir para a aviação comercial de grande porte (Marcos Terena, informação oral). A espera de um mês pelo processo de certificação ampliou a visão de mundo de Marcos com relação às questões indígenas e parece ter mudado profundamente – ou teria acelerado? – sua trajetória de vida em prol do envolvimento maior com as questões do movimento indígena: Outro detalhe também, que muito desse nível de resistência dos Terena era uma resistência na prática, apesar de ter um conteúdo político, ela era muito na prática.[...] a gente não conhecia, acho que a maioria dos índios, inclusive formados 21 Em 1977, o estado de Mato Grosso foi desmembrado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. 196 Celebrando os jogos, a memória e a identidade nos centros urbanos, não conhecia o Estatuto do Índio22, que é a lei de proteção ao índio. Eu não conhecia o conteúdo disso, e a FUNAI, que representava o governo nessa relação com os indígenas, fazia questão de não divulgar. E como eu tive a oportunidade de ficar primeiramente 30 dias em Brasília, eu tive a oportunidade de ficar esperando esses 30 dias a resposta da aeronáutica conhecendo essas outras realidades [...] Eu pedi, nesse tempo, pra ajudar a FUNAI porque eu sabia datilografia e deram alguns livros pra eu ler. E como eu era estudante, eu fui ler esses livros, era o Estatuto do Índio e a Convenção 10723 na época, e quando eu li, fui tirando as conclusões, né? Então eu descobri que nós podíamos criar um grupo de índios bolsistas em Brasília. Eu já não estava querendo mais ir pra carreira de aviação [comercial], [queria] ficar um ano, dois anos, lá fazendo, voltar à faculdade. E formamos, convencemos a FUNAI a criar um quarto com dois beliches para 4 estudantes, começamos esses 4 estudantes, no ano seguinte fomos para 7, no terceiro ano em Brasília em [19]80, éramos em 15 estudantes. Então, e também procurávamos mostrar para os outros companheiros indígenas que nada daquilo era gratuito, era uma conquista dos indígenas, querendo tirar um pouquinho a ideia de que “Bom que a FUNAI deu pra gente”. Ela não deu pra gente, ela só tava cumprindo uma determinação legal (Marcos Terena, informação oral). Os 30 dias que teve que esperar pelo documento, incontestavelmente, teve grande influência para os anos seguintes de sua vida, pois nesse momento teve os primeiros contatos com as mobilizações políticas e as realidades vividas pelos povos indígenas espalhados pelo país e que ali chegavam, e juntamente com outros indígenas de outras etnias, buscou junto à FUNAI apoio para que alguns estudantes pudessem realizar seus estudos na capital federal. Maria Helena Ortolan Matos (1997), em sua dissertação sobre a consolidação 22 Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 – “Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”. 23 Convenção sobre as Populações Indígenas e Tribais, 1957 (Convenção sobre a Proteção e Integração das Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes), da Organização Internacional do Trabalho – homologada nacionalmente pelo Decreto nº 58.824, de 14 de julho de 1966 –, substituída em 1989 pela Convenção Sobre os Povos Indígenas e Tribais, 1989, da Organização Internacional do Trabalho (Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes) – homologada nacionalmente pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 197 do movimento indígena na década de 1970 a 1980, demonstra que alguns destes jovens indígenas estudantes – sem o apoio do órgão indigenista oficial e, principalmente, com ajuda de pessoas ligadas às missões religiosas que atuavam nas aldeias – teriam ido à capital federal continuar os estudos. A autora identifica uma transformação nos objetivos destes estudantes: de caráter mais individualista, inicialmente, para uma perspectiva mais ampla e coletiva no âmbito do conjunto das relações que o Estado brasileiro vinha estabelecendo com os povos indígenas até então. Segundo ela, Ao se encontrarem em Brasília, esses índios adquiriram um maior conhecimento sobre a FUNAI e o Estatuto do Índio, o que resultou na sua decisão de exigir maior apoio do órgão indigenista oficial para realizar seus objetivos de estudo na capital do país. No início, eles buscavam resolver seus problemas pessoais, que era o de manter seus estudos na cidade. Mas, depois, seus problemas foram redimensionados e passou a ser não só do Mariano Justino Marcos, do Estevão Taukane, do Curerrete Waritirre e de outros. Passou a ser de todos os índios, de diferentes etnias, que tinham o direito de estudar assegurado por lei específica (o Estatuto [do Índio]) e pelo apoio institucional do governo brasileiro, na década de 70, começaram a incentivar outros a virem para o Distrito Federal, usufruir de seu direito de ter bolsa de estudos da FUNAI (MATOS, 1997, p. 188). Pode-se afirmar que a organização destes jovens iria influenciar, não somente os rumos da luta indígena pelo direito do apoio governamental à escolarização em nível superior, mas, também, os rumos e desdobramentos do movimento indígena em nível nacional e que vinha ocorrendo e que contava com apoio de instituições como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e a ABA (Associação Brasileira de Antropologia). Os jovens estudantes que foram chegando à Brasília passaram a morar juntos na chamada “Casa Ceará24” e juntos começaram a estreitar os laços entre 24 Casa do Ceará: “Entidade filantrópica destinada à comunidade nordestina de Brasília [...] por um tempo manteve convênio com a Funai alojando indígenas para tratamento médico, estudantes e líderes indígenas (MATOS, 1997, p. 169). 198 Celebrando os jogos, a memória e a identidade si, conhecendo outras realidades étnicas, a partir também da história pessoal de cada um deles. A despeito das diferenças (de língua materna, de etnia, de aldeia etc.), esses jovens perceberam que compartilhavam também pontos em comum: estavam longe de suas famílias; buscavam uma formação escolar e acadêmica; histórias difíceis relacionadas a preconceitos; e, também, histórias semelhantes de enfrentamento diante de todas as barreiras encontradas. Em meio aos estudos e trabalhos que começaram a desempenhar, esses jovens rapazes resolveram montar um time de futebol indígena em Brasília, o qual deram o nome de UNIND – União das Nações Indígenas. Com o time formado, os jovens, além dos momentos de lazer e partidas esportivas, começaram também a participar de competições e de eventos em escolas, momentos em que podiam falar sobre suas vidas, histórias e lutas dos mais diversos povos indígenas25. Com o passar do tempo e a interação entre eles, além do conhecimento mais profundo com relação à estrutura e às ações da FUNAI, esses jovens deram início a uma série de reuniões em Brasília, reuniões essas que contavam com a presença de caciques e de lideranças já conhecidas no movimento indígena. Dessas reuniões surgiram várias manifestações, reflexões, debates e palestras sobre as políticas vigentes, compondo, assim, e aos poucos, um grupo com bastante potencial político, o que acabou por incomodar o governo, que via na expulsão desses jovens de Brasília uma forma de desestruturar o recente movimento. Éramos em 15 estudantes em Brasília e nós formamos um time de futebol, o time UNIND (União das Nações Indígenas) e começamos a jogar, a interagir. Depois começamos a fazer debates com os estudantes, e aí chamavam a gente pra ir fazer palestras, no Dia do Índio, em várias cidades. Então, esse grupo começou a fazer debates, nas escolas a fazer intercâmbio de futebol, inclusive faz parte da história dos Jogos Indígenas isso tudo. De repente, esse 15 estudantes, 25 Carlos Terena também fala da formação de um time indígena chamado Kurumim, ver Gruppi (2011). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 199 nós tínhamos a filosofia de, apesar da FUNAI dar dinheiro para o bolso, a gente fazia questão de trabalhar, arranjar emprego. Então, esse arranjar emprego fez com que a gente adquirisse uma certa autonomia e a FUNAI não percebeu isso, nem nós, mas o Gabinete Militar, o Conselho de Segurança Nacional do Governo Militar percebeu essa organização, que não era uma organização política ainda, mas fazia política, porque a gente não percebia que nós estávamos quebrando a estrutura, e isso tudo é política também. Porque quando a gente falava que não tinha demarcação de Terra nós estávamos criticando o governo que não admitia crítica. Outra estratégia nossa foi se juntar com os Caciques, os chamados Caciques tradicionais, então isso gerou a ideia de que nós éramos índios comunistas, índios mal agradecidos, índios do asfalto, índios aculturados, para desqualificar. Então, eles começaram a dizer que nós não éramos líderes, quando na verdade líder independe da FUNAI. Então, de repente, houve uma recomendação do Governo Militar de expulsar todos os estudantes de Brasília, cada um voltar paras suas terras, seus Estados, então nós provamos para o governo militar que nós tínhamos a proteção da lei, coisa que surpreendeu também a FUNAI porque eles supunham que a gente não conhecia a lei. Então, conhecer as leis, o Estatuto, a Convenção 107, isso foi uma vantagem para nós. E a partir daquele momento, esse que era um time de futebol chamado “União das Nações Indígenas”, virou um movimento político, porque nós já vínhamos fazendo a política, então virou um movimento político, aí a gente começou a falar dos direitos humanos, da liberdade, da democracia e tal, aí já agregamos outros valores dessa luta indígena (Marcos Terena, apud SANT’ANA, 2010, p. 102). Diante de todos esses fatos e da mobilização que fizeram para a fundação do time UNIND, os jovens foram aos poucos transformando esse que era, no início, apenas um time de futebol, em um grande movimento político, reivindicador e contestatório. Nessa conjuntura, os estudantes decidiram que a UNIND deveria ser também uma organização (mesmo que sem estrutura burocrática) para debater os problemas nacionais enfrentados pela população indígena, a partir de conversas, denúncias e enfrentamento direto com o Estado e as forças repressoras do regime ditatorial. Paralelamente, em Campo Grande, uma outra organização indígena, também com o nome de União das Nações Indígenas (e com a sigla UNI), seria 200 Celebrando os jogos, a memória e a identidade fundada em 1980, mas tendo como coordenador o tio de Marcos Terena, Domingos Veríssimo Marcos. Para resolver esse impasse, em 1981, durante um evento realizado pela Comissão Pró-Índio em SP, onde estiveram reunidos apoiadores da causa e indígenas de mais de 30 etnias e de diferentes regiões – com o objetivo de debater sobre os diversos problemas em comum enfrentados pelas comunidades e a quebra de direitos fundamentais – os indígenas presentes, e que já participavam de diversas mobilizações pelo país, aproveitaram a oportunidade do evento para eleger uma nova diretoria para a UNI objetivando, assim, fortalecer a luta, unir pautas e projetos em prol de uma articulação e representação única dos povos indígenas. Em votação foram escolhidos Marcos Terena como coordenador da UNI, Álvaro Tukano como vice coordenador e Lino Cordeiro como secretário: Estamos hoje aqui em São Paulo, participando do primeiro encontro indígena do Brasil no qual estão presentes todas as tribos do Brasil. A nossa reunião foi precisamente para que a gente pudesse conhecer as nações indígenas de todo o Brasil e juntos ouvir o sofrimento de cada irmão índio, e dentro da nossa capacidade de luta, formar uma estratégia de ação para defender os interesses da comunidade indígena no Brasil. Então nós nos reunimos e surgiu uma proposta: vamos criar a UNI?26 Vamos. São os lideres indígenas de todo o Brasil que estão solicitando isso. Por isso foi eleita, agora de tarde, a diretoria que representará os indígenas em todo o território nacional e possivelmente no exterior e aonde mais se fizer direito, demonstrando que não somos mais aqueles que são empurrados. Demonstramos hoje, em união fraternal entre as nações, que o índio sabe falar, ele sabe resolver os seus problemas. E ninguém veio aqui contra a ou contra b, viemos aqui a favor dos nossos interesses e hoje com alegria e participação 26 Lembrando que duas organizações já haviam sido criadas em 1980. Entretanto, em vistas do impasse criado com dois movimentos, e diante de uma maior representatividade indígena no evento em SP, foi realizada praticamente uma refundação/junção das organizações; tentava-se, dessa forma unir as mobilizações. O livro que relata sobre esse evento fala que o objetivo dos indígenas era o de eleger uma nova diretoria para a UNI: “Em sessões plenárias, foi reafirmada a necessidade e a legitimidade de uma organização indígena. Embora não estivesse programado para o encontro de SP, os líderes indígenas presentes, decidiram realizar eleições para renovação para a diretoria da União das Nações Indígenas” (CPI, 1982, p. 11) Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 201 exclusiva dos índios estamos com a nossa União das Nações Indígenas criada. Foram eleitos três rapazes que achamos que tem competência, como qualquer branco que se ache intelectual para resolver os problemas do índio. Pra presidir a nossa entidade foi escolhido o nosso amigo, que é índio e estudante de administração em Brasília e nós achamos que ele é uma pessoa altamente competente. Por isso agradecendo a todos os senhores que nos apoiaram, a todos vocês que deram força para que chegássemos até aqui, quero apresentar aos senhores o nosso presidente nacional, o nosso irmão Marcos Terena (Hibes Menino de Freitas, liderança indígena, etnia Wassu, apud CPI, 1982, p. 43, 44). Esse foi considerado um momento histórico de grande importância por reunir várias etnias no espaço urbano, debatendo seus problemas e buscando formas conjuntas e autônomas de solucioná-los. Foi o momento de afirmar o crescente protagonismo indígena, que em meio às alianças poderia se fortalecer e ganhar espaços antes restritos e fechados para a voz indígena. Com o passar do tempo, a UNI foi sendo aos poucos desmembrada em várias UNIs regionais, inspiradas e empenhadas em levar adiante também o ideal acalentado pelas mobilizações nacionais e pelos jovens de Brasília. Muitos desses jovens, inclusive, vieram a coordenar UNIs regionais, bem como deram sequência em suas lutas por outras vias. Marcos acabou deixando a coordenação da organização em 1982, diante do impasse criado pelo seu tio que não aceitou a eleição da nova diretoria, mesmo tendo concordado no dia com todo o processo de eleição e a escolha dos presentes. Mas, o que tudo isso tem a ver com os Jogos? Pós UNI: Comitê Intertribal e JPIs Com a mobilização empreendida pela UNIND e depois UNI, juntamente com o movimento indígena que crescia e ecoava pelo país, também com o apoio de setores da sociedade civil, os indígenas conseguiram fazer chegar até a nossa Carta Maior, a Constituição Federal de 1988, um capítulo específico (VIII) versando sobre os direitos dos povos indígenas. Com destaque: 202 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Artigo 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costume, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Artigo 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (Capítulo VIII, Constituição Federal, 1988). Com essa vitoriosa conquista, o movimento indígena saiu fortalecido e com mais fôlego para prosseguir na luta para que a lei não ficasse apenas no papel. O artigo 232 foi um divisor, pois a partir dele os indígenas poderiam viabilizar suas próprias demandas junto ao Estado e outros setores, sem depender da chancela do órgão indigenista. Era a conquista da autonomia, o não a tutela. Essa possibilidade constitucional abriu caminho para que os indígenas, nas mais diversas regiões do país, pudessem criar suas próprias organizações/associações27, nas aldeias e cidades, que viriam a atuar nos mais variados temas e nas mais variadas situações ou espaços, e com diferentes tipos de parcerias e financiamentos. As organizações agora teriam status jurídico de serem representantes legais de seus grupos. Alguns dos jovens estudantes de Brasília participaram de todos os processos que envolveram a Constituinte: os debates, as discussões, as pressões em cima dos deputados, enfim, estiveram lá participando ativamente, aprendendo e contribuindo para aquele que foi um dos momentos mais marcantes em termos de direitos da nossa história recente. 27 “As associações indígenas, hoje, são importantes executoras ou cogestoras de políticas antes geridas pelo Estado e realizam essas atividades através do gerenciamento de recursos sob a forma de projetos (convênios, financiamentos, acordos), desenvolvidos nas mais diversas áreas (cultura, educação, gestão ambiental) e em meio a toda uma estrutura burocrática. As associações, também, atuam como instrumentos nas reivindicações relacionadas às demarcações territoriais, à aplicação de direitos adquiridos e às afirmações étnicas, bem como são utilizadas como mecanismos de busca por influência e prestígio entre os grupos” (SANT’ANA, 2010, p. 19). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 203 Foi, portanto, a partir da formação desse novo cenário, desse novo campo de direitos e possibilidades, que algumas importantes organizações e associações indígenas seriam criadas, entre elas o Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena, uma organização multiétnica fundada em 1990. O Comitê intertribal teve participação fundamental, entre outras ações, nos processos que envolveram a Rio 92 (ECO 92)28, com a construção de um espaço específico para os debates indígenas. Também, a organização foi uma das articuladoras da chamada Carta da Terra (com 109 recomendações), documento que até hoje é considerado um marco dentro nos debates da ONU sobre a questão indígena. Como fundadores dessa organização estavam alguns daqueles jovens estudantes e jogadores do time de futebol UNIND. Aqueles jovens indígenas, agora homens, pais de famílias, continuavam a construir uma importante trajetória dentro das mobilizações, mas agora em uma nova instância. Graziella: Vocês montaram o Comitê com quais pessoas? Marcos Terena: Nós montamos com a Eliane Potiguara, o Itiarrori Karajá, o Aritana, o Carlos, e outros.[...] Então, o Comitê Intertribal recebeu essa incumbência de recepcionar os índios estrangeiros e brasileiros e montar essa estrutura (na Rio 92 – ECO92). [...] Aí que o Comitê Intertribal começou a ser conhecido no mundo internacional, tanto perante à ONU como perante aos outros indígenas. Então fizemos a Conferência, aí no final o secretariado da Rio 92, que era da ONU, também disse: “Você vai falar na plenária da ONU”, eu não sabia bem como era isso... Ele disse: “Porque você vai falar em nome dos indígenas, você foi indicado pra falar em nome de todos os índios da Rio 92”. Nós tínhamos feito uma declaração chamada Kari-Oca, de uma folha, e uma Carta da Terra com 109 recomendações, tem muita coisa que está na carta e que está acontecendo agora, como o aquecimento global.[...] falei uma análise, um discurso, sobre o papel do índio, quem éramos nós, e que nós estávamos ali, mas não éramos parte dos caras que iam decidir a Agenda 21, mas nós queríamos que eles fossem 28 Eco 92 ou Rio 92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, evento decisivo no cenário das mobilizações étnicas e ambientais, principalmente com a ampliação do debate, dos acordos e das parcerias com a cooperação internacional. 204 Celebrando os jogos, a memória e a identidade nossos aliados nesse processo. A partir disso o Comitê ficou conhecido e essa Carta foi adotada pelo Parlamento Europeu e pela própria ONU que hoje é discutida a CDB e o PNUD e o PNUMA29 eles consideram aquele documento um documento de referência para o ONU nas questões indígenas até hoje (Marcos Terena, apud SANT’ANA, 2010, p 112, 113). Anos depois, já com experiência nos debates dentro e fora do país, envolvidos com as temáticas dos direitos indígenas em variadas instâncias, o Comitê entrou numa nova empreitada, fruto de um antigo sonho acalentado por eles: a realização dos Jogos dos Povos Indígenas. Desde que fundaram aquele primeiro time de futebol indígena, os principais articuladores, principalmente Carlos Terena, nunca deixou de estar envolvido com as práticas esportivas/culturais, articulando, juntamente com outros indígenas, a participação indígena nos JEBs (Jogos Escolares Brasileiros)30. O anseio de realizar jogos específicos com as práticas culturais das diversas etnias vinha crescendo e sendo desenhado por eles, a partir também do diálogo com os diferentes povos indígenas com os quais tinham contato, bem como a experiência adquirida na temática da prática esportiva/cultural e as bases legais para levarem adiante o pleito sonhado: Os Jogos dos Povos Indígenas surgiram das reivindicações das comunidades indígenas pela formulação de políticas públicas socioculturais e esportivas. Cobravam ações efetivas do governo e da sociedade civil organizada para a valorização e divulgação das manifestações de sua cultura, como a preparação de seus enfeites, plumários, desenhos, pinturas corporais, danças, cantos, instrumentos 29 CDB: Convenção sobre Diversidade Biológica; PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. 30 “Em 1985, numa articulação de líderes indígenas junto ao então Ministério da Educação e Cultura, acertou-se a participação oficial das comunidades nos XIV Jogos Escolares Brasileiros, em São Paulo. A partir daí, essas lideranças indígenas começaram a procurar os órgãos federais, estaduais e municipais na busca de recursos para a realização dos Jogos dos Povos Indígenas. Esses Jogos viriam a contrapor o esporte de alto rendimento e trariam o congraçamento como o mais importante princípio. A ideia nasceu a partir da percepção de que não importava a etnia, a língua, a linha política e o local de onde vinham o esporte e o lazer quebravam barreiras e preconceitos e propunham a celebração” (CARLOS TERENA, 2009, p. 21). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 205 musicais e esportes tradicionais. A ideia não era somente mostrar esses elementos a toda sociedade, mas também aproximar as mais de 200 etnias indígenas existentes no Brasil. [...] A concepção dos Jogos também partiu do desejo dessa população de chamar a atenção da sociedade para a aplicação do direito ao esporte, em suas diferentes manifestações, previsto no Art. 217 da Constituição Federal de 1988. Esse direito gera o dever do Estado em fomentar práticas esportivas formais e não formais, cujas estruturas estejam relacionadas com os aspectos culturais, lúdicos e históricos do povo brasileiro (Carlos Terena, 2009, p. 20, 21). Após muita articulação, diálogo, alianças e planejamento, foi possível ver concretizado o apoio governamental para a realização dos Jogos, ainda que no campo da novidade, do incerto, haja vista que uma empreitada desse tamanho ainda não havia sido feita, em vistas também de possíveis críticas que poderiam surgir, principalmente daqueles que poderiam considerar que jogos dessa monta não era “coisa de índio”. Mas os idealizadores não temeram o desafio, o novo, afinal, foram protagonistas na história, fundaram a primeira associação indígena de âmbito nacional. E assim foi. Em articulação com o Ministério do Esporte, foi realizado em 1996, na cidade de Goiânia, o I Jogos Indígenas Nacionais, com a participação de cerca de 500 atletas de 24 etnias. Um marco na história, uma conquista que simboliza e representa o passado de luta, o presente de realizações e o futuro de caminhos abertos. Considerações Finais Problematizar os Jogos dos Povos Indígenas a partir da formação da União das Nações Indígenas é uma rica possibilidade para articularmos a perspectiva histórica e política que envolve os Jogos, aspectos, como já destacado, pouco visíveis diante do espetáculo da diversidade cultural. O “fato é que os Jogos constituem um momento e uma instância importante do movimento indígena no Brasil contemporâneo” (D’ANGELIS, 2011, p. 9-10). Entender os jogos 206 Celebrando os jogos, a memória e a identidade sob esta perspectiva, possibilita-nos compreender “os caminhos trilhados pelo movimento indígena no país, suas articulações políticas internas e externas às sociedades autóctones e suas relações institucionais, [bem como] a contribuição à memória indígena, como a memória política nacional” (Ibidem, p. 10). Historicizar a formação da União das Nações Indígenas é também compreender a multiplicidade e os diferentes momentos, alianças e atores que compõem o campo das mobilizações indígenas. É entender, também, que nesse campo surgem cisões, críticas31, recuos, mas também muito aprendizado e crescimento. Nesse sentido, da articulação entre política, história e esporte, podemos entender que os Jogos não são somente para as competições, para a realização das práticas que envolvem os corpos, os ritos, a cultura, mas é também o momento da memória daqueles que lutaram, é também o momento da reflexão, da troca de experiências, o momento da voz indígena, da luta sempre presente pelos direitos conquistados e por tantas vezes desrespeitados. Os Jogos representam tudo isso, os Jogos trazem tudo isso, proporcionam a todos uma multiplicidade de experiências, para além das partidas ou contagem de pontos, afinal o “importante é celebrar e não competir”. A história dos Jogos é a historia de cada povo indígena, que mesmo lá na sua aldeia, sem vir até o evento, está em conjunto, lá no seu cotidiano, colaborando para a construção desse importante momento, desse impactante encontro da diversidade. A história dos Jogos é também a história daqueles jovens 31 O campo que compõe o movimento indígena é múltiplo, como ressaltado anteriormente, ele não é uníssono ou linear. Nesse ponto destaco as críticas que o Comitê recebeu, na pessoa de Marcos Terena, na época da realização e organização da participação indígena no evento Rio+20. Naquele momento, parte do movimento indígena nacional se reuniu em outro espaço e os presentes elaboraram uma carta com críticas à atuação e representatividade da organização e do Marcos. Ressalta-se que questionamentos e críticas com relação à atuação e representatividade de lideranças e organizações indígenas, principalmente as que se despontam ou passam a morar ou atuar distante de suas aldeias de origem, não é incomum, fazendo parte da dinâmica de um movimento(s) bastante complexo, com variados desdobramentos e possibilidades de análises. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 207 meninos que um dia deixaram suas aldeias em busca de uma instrumentalização fundamental na luta pelos direitos, e que em meio a tudo isso inauguraram um dos momentos mais importantes para a história do movimento indígena e também para a nossa história nacional. A partir de sonhos em comum, de problemas semelhantes, em meio às especificidades e bolas de futebol, cito aqui o nome de alguns dos jovens que fundaram o time de futebol e o movimento UNIND, um time-movimento que entrou para a história, abrindo caminhos para a celebração da cultura e a luta pelos direitos indígenas. Em homenagem e em memória: Estevão Taukane (Bakairi), Carlos Marcos (Terena), Paulo Miriakuréu (Bororo), Jorge Miles (Terena), Jeremias (Xavante), Sati (Canela), Osmar Coelho (Terena), Oswaldo (Urubu-Kaapor), Idiarruri (Karajá) Mariano Marcos (Terena), Taxirama (Karajá), Xariri (Karajá), Waritaxi (Karajá), Gilson (Terena), Inácio (Karajá), Warihiti (Karajá), Omar (Guajajara), Olayr (Karajá)32. Referências COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO/SP. Índios; Direitos Históricos. Cadernos da Comissão Pró-Índio/SP, nº III, 1982. D’ANGELIS, Vilmar da Rocha. “Prefácio”. In.: CAMARGO, Vera Regina Toledo; FERREIRA, Maria Beatriz Rocha; SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes (orgs.). Jogos, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos Indígenas no Brasil (19962009). Campinas: Curt Nimuendaju, 2011. GRUPPI, Deoclecio Rocco. “Jogos Escolares Brasileiros e Jogos dos Povos 32 Os nomes foram retirados de duas referências: de Matos (1997) e Gruppi (2011), mas não foi possível verificar se todos esses estudantes jogavam no time de futebol. 208 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Indígenas”. In.: CAMARGO, Vera Regina Toledo; FERREIRA, Maria Beatriz Rocha; SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes (orgs.). Jogos, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos Indígenas no Brasil (1996-2009). Campinas: Curt Nimuendaju, 2011. MATOS, Maria Helena Ortolan. O processo de criação e consolidação do movimento Pan-Indígena no Brasil (1970-1980). 1997. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UnB, Brasília, 1997. SANT’ANA, Graziella Reis. História, espaços, ações e símbolos das Associações indígenas Terena. 2010. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Unicamp, Campinas, 2010. TERENA, Carlos Justino. Brincar, jogar e viver indígena: a memória do sonho realizado. In: PINTO, Leila Mirtes Santos de Magalhães; GRANDO, Beleni Saléte (org.). Brincar, Jogar, Viver: IX Jogos dos Povos Indígenas. Cuiabá: Central de Texto, 2009. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 209 Roberta Tojal 210 Celebrando os jogos, a memória e a identidade CA PÍTULO 11 XIKUNAHATY (1914 -2014) José Ronaldo Mendonça Fassheber Liliane da Costa Freitag Introdução 1914. O Brasil ainda nascia em sua república golpista realizada por antigos monarquistas, amigos do imperador, não haviam passado quinze anos. Começaria ali o século da matança indígena, cujas notícias se internacionalizaram e escandalizaram o planeta e fariam com que o Brasil criasse seu primeiro organismo de tutela, localização e proteção indígena alguns anos antes: o SPILTN [serviço de proteção ao índio e localização de trabalhadores nacionais, em 1910 e liderado pela simpática figura do Marechal Cândido Rondon. Pelo menos aos índios que o conheciam ou passariam a conhecê-lo bem nas décadas seguintes. 1914. O futebol brasileiro mal havia nascido por aqui. É certo, já faziam algumas décadas que os ingleses ganhavam glebas de terras para construir estradas de ferro em Belém do Pará ou em Buenos Aires ainda antes, o que fez o futebol invadir o país em várias frentes, seja pelo norte fluvial, seja pelas fronteiras secas da porção meridional. Muito além daquele paulista, filho de ingleses, que ganhou fama por trazer as primeiras bolas de Futebol e de Rugby para o estado. Uma injustiça por sinal, já que os padres já haviam trazido jogos pré-desportivos e bolas em seu colégio ituano. Décadas ainda antes do Charles Miller. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 211 1914. A capital federal ainda amava as touradas do povo ou as regatas da elite. Os primeiro grandes clubes da então São Sebastião do Rio de Janeiro gostavam de fazer força na baia da Guanabara e nas lagoas da cidade. Ali já existia o time do bairro e da enseada de Botafogo. De Futebol e Regatas, nascido para abrigar as paixões que existiam e que estavam por vir. É lá que cinquenta anos mais tarde abrigaria o mais famoso jogador de futebol, mestre com a bola nos pés e descendente de indígenas, de família migrada para os arredores da capital há algumas gerações, vindos dos Fulni-ô da porção setentrional do país: Garrincha. Embora muitos contestem o fato do Mané não se auto-identificar à época como indígena não abala a crença de que seus parentes indígenas atuais – todos, afinal – o reconheçam como tal. 1914. Pode ter sido um ano qualquer do início da primeira república. Quando tudo engatinhava nas instituições do país. Da proteção do índio ao futebol, importados de fora por protestos ou por motivações campais. Já havia, portanto, e entre tantos clubes, um Botafogo na capital. E havia um Marechal que rodava no interior e de quem muitos índios gostavam. 1914. Ou melhor, um ano antes o Marechal tratou de ciceronear, sem muito entusiasmo o ex-presidente americano Theodore Roosevelt em uma longa expedição pelos rios amazônicos e adjacências e que recebeu o nome de Expedição Roosevelt-Rondon. O ciclo da borracha estava em queda já havia alguns anos. O preço baixo do mundo atingiu em cheio a Amazônia. Roosevelt não fora o único desbravador. Ao longo de séculos o Brasil recebera a visita de diversos naturalistas interessados em expressar as riquezas naturais da terra brasilis diante do mundo. Mas Theodore tinha espírito aventureiro para caçar jaguares maiores que os americanos e assim o fez para o jaguar e outros bichos. Legado diferente da neta antropóloga Anna, décadas mais tarde, a pesquisadora do Marajó. 1914 já fez um século. Um século e um pouco mais da visita de Roosevelt aos Paresí em fins de janeiro, quando subiu o Rio Sucre [MT]. Lá ele presenciou 212 Celebrando os jogos, a memória e a identidade uma estranha prática tradicional. Um jogo com bola de látex, produzida por eles a partir da seiva de seringueira que ele denominou Headball. Índios Paresi cabeceando a bola no jogo do zicunati. Foto: acervo de José Louro – Museu do Índio/Funai – Anos 1920 [In.: FREIRE, 2009] Headball E foi então que no fim de janeiro de 1914, Roosevelt encontrou os pacatos Paresí da aldeia Utiarity, ribeirinhos do Rio Sucre. Os Paresí que já haviam ensinado o ofício aos seringueiros sem maiores conflitos, agora trabalhavam na montagem das linhas do telégrafo que Rondon esticava Brasil afora. Rondon conhecia os Paresí desde a década anterior. Os trabalhadores Paresí naqueles dias ensinaram algo novo aos olhos de Roosevelt: “os homens, que tinham vindo de trabalho na balsa ou ao longo das linhas de telégrafo, fizeram alguns trabalhos próprios, ou brincaram com as crianças. Mas o absorvente divertimento dos homens foi um extraordinário jogo de bola”. Absorto ao interessante jogo, ele o descreveu: Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 213 Bem, esses índios Paresí entusiasticamente jogam futebol com as cabeças. O jogo não é apenas nativo para eles, mas eu nunca tinha ouvido ou lido de ser jogado por qualquer outra tribo ou povo. Eles usam uma bola de borracha oca, de sua própria fabricação. Ela é circular e tem cerca de oito polegadas de diâmetro. Os jogadores são divididos em dois lados, servidos como nas equipes de futebol e a bola é colocada no chão para se iniciar o jogo como no futebol. Então um jogador corre para frente, se joga no chão e mete a cabeça na bola em direção ao lado oposto. Esta primeira cabeçada, quando a bola está no chão, nunca levanta muito e ela rola aos limites dos adversários. Um ou dois do último corre em direção a ela; um lança-se de cara nela e mete a bola de volta. Geralmente esta jogada consegue levantá-la, e ela voa em uma curva bem acima no ar; e um jogador oposto, correndo em direção a ela, rebate-a na cabeça com um balanço de seu pescoço musculoso em tal precisão e endereço que os limites de bola volta pelo ar como uma bola de futebol sobe após um pontapé. Se a bola voa para um lado ou o outro é trazida de volta e novamente é posta em jogo. Muitas vezes ela será enviada para cá e para lá uma dúzia de vezes, de cabeça, até que finalmente se levanta com uma varredura que passa longe, sobre as cabeças dos jogadores opostos e desce por trás deles. Então gritos estridentes, cambalhotas de triunfo bem-humorado surgem a partir dos vencedores; e o jogo recomeça instantaneamente com renovado gosto. Não há, naturalmente, regras como em um jogo de bola especializado da civilização; e eu vi sem disputas. Pode haver oito ou dez ou muitos mais, jogadores de cada lado. A bola nunca é tocada com as mãos ou os pés, ou com qualquer coisa, exceto o topo da cabeça. É difícil descrever a destreza e a força com que a bola é atingida ou rebatida com a cabeça, enquanto descia pelo ar, ou para a audácia, velocidade e habilidade com que os jogadores se atiravam no chão para devolver a bola, curvando-se de baixo para cima. Não imagino o porquê deles não machucarem seus narizes. Alguns dos jogadores que quase nunca conseguiam pegar e devolver a bola, mas se ela vinha em sua vizinhança, conseguiam um lance tão vigoroso da cabeça que muitas vezes a bola voava em uma grande curva por uma distância realmente surpreendente (tradução nossa de http://www.gutenberg.org/ebooks/11746). Pelo tempo de estada entre os Paresí do Mato Grosso, Roosevelt pode acompanhar diversas partidas do que ele chamou de Head Ball. Ele via em todos os finais de tarde os homens começaram a jogar as partidas tendo sempre um deles disposto a contar os tentos. Mesmo em tardes de chuva, como foram muitos daqueles dias descritos em que os homens, a qualquer brecha do tempo, saiam 214 Celebrando os jogos, a memória e a identidade de suas ocas para jogar. Roosevelt muitas vezes percebia os gritos estridentes, as palmas e as algazarras feitas ao longe de suas vistas. Era impossível não se contagiar e Roosevelt descreveu a paixão Paresí por seu jogo tradicional: Eles são mais encantados com o jogo do que um garoto norte americano de beisebol ou futebol [americano]. É uma coisa extraordinária que este estranho e excitante jogo deve ser jogado por, e somente por, uma tribo de índios que está quase no centro da América do Sul. Se algum etnólogo sabe de uma tribo em outro lugar que joga um jogo semelhante, quem dera me avisasse. Para jogá-lo, exigem-se grandes capacidades de habilidade, vigor e resistência. Olhando para os corpos dos jogadores fortes e flexíveis e com o grande número de crianças à volta, pareceu-me que a tribo deve gozar de uma saúde vigorosa, ainda que os Paresí tenham diminuído em número, já que o sarampo e a varíola foram fatais para eles (tradução nossa de http://www.gutenberg.org/ebooks/11746). Roosevelt não conheceu outra descrição deste jogo embora pudesse intuir sua existência em outros grupos ainda não descritos etnograficamente. No entanto, dois anos antes dele o etnólogo alemão Max Schmidt havia publicado em seu País a experiência entre os Paresí e seu jogo Kopfballspiel (SCHMIDT, 1912, p. 173) com poucas linhas de descrições, mas com uma fotografia reveladora. Foto: Max Schmidt, 1912. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 215 Afora estes relatos dos jogos de cabeça Paresí de fato, é apenas no início dos anos 1960 que se começam os contatos com os Enawene-nawe, povo de língua Arwak, semelhante aos que falam Paresí de quem se sabiam e se faziam escravos desde o século XVII pelas bandeiras, e também localizados na parte noroeste do Estado do Mato Grosso, habitando o alto Rio Juruena, não muitas léguas distante daqueles do Rio Sacre. Latex Os jogos com bola não eram uma novidade no mundo. Entre os jogos classificados por Culin originalmente publicado em 1907 (1975), destacaríamos os diversos jogos ameríndios praticados com bolas e que foram descritos como sendo jogos precursores do Futebol. Também no oriente, a Antiguidade com jogos de bola são referenciadas. Segundo Giulianotti (2002, p. 15), as descrições mais antigas de jogos tradicionais envolvendo bolas aparecem na china: “Durante período neolítico, manufaturavam-se bolas de pedras para serem chutadas em jogos na província de Shan Xi. Mais tarde, durante a dinastia dos Han (206 a.C. - d.C. 220), jogava-se o Cuju com regras muito semelhantes ao Futebol”. Do outro lado, nas Américas, dos jogos cerimoniais Astecas em que a bola representava um astro como o sol ou a lua, ao Mapuche chileno Pilimatum e ao patagônio Tchoekah, foram logo descritos pelos colonizadores europeus. Mas, especificamente, nas Américas, difundido entre diversos povos indígenas, desenvolveram-se os jogos com bola de látex, dura, sólida (que exigia indumentária de proteção aos corpos) e extremamente elástica – Olli para os mexicanos e Quic para os guatemaltecos – como relata Chan (1969), o jogo de bola se espalha, em vários tipos de campos, por grandes áreas da América Central, tanto no seu significado religioso, como devido ao seu valor como exercício físico. Assim, ele é encontrado em praticamente todos os centros de culto da região Maia. Provavelmente criado no século II d.C. pelos Olmecas, segundo Chan (1969), 216 Celebrando os jogos, a memória e a identidade o jogo de bola era uma forma de significar o mundo e o cosmos. A bola podia simbolizar o sol, a lua ou constelações e seu movimento significava o movimento dos céus: O jogo de bola representava não apenas o percurso do sol no céu mas também todas as estrelas com o seu nascer e se pôr numa fenda do horizonte, representado por bater a bola através de buracos nos anéis de pedra. A vitória e a derrota dos jogadores representava a luta entre a luz e a escuridão, quando uma vez o sol ganhava e outras ganhavam as constelações da noite (CHAN, 1969, p. 31). Enfim, no Brasil podemos também notar uma imensa diversidade de jogos tradicionais indígenas utilizando bolas de diversas confecções como sendo seu instrumento e seu símbolo. No entanto, parece ocorrer no Brasil um tipo de jogo ritualizado especificamente de cabeça em bola de látex oca. Cacique Geral Paresí-Haliti, João Garimpeiro (João Arrezomae), fabricando bola de látex de mangaba, utilizada na prática do Xikunahity. Fonte: http://teatrogan.blogspot.com.br/2010/09/serie-lendas-e-mitos-paresi-haliti_20.html Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 217 Apesar de não existirem muitos registros etnográficos a abordar a temática dos jogos cotidianos e rituais ao longo do século XX, alguns pesquisadores puderam registrá-lo em estudos mais recentes. Oliveira destaca os aspectos ritualísticos do jogo Xikonahati dos Paresí: Segundo a tradição Paresí, é um jogo que comemora a festa de Wasare, entidade mítica, que, após acomodar seu povo em sua chapada, fez uma grande festa de confraternização antes de regressar a seu mundo. Durante a festa, Wasare mostrou a todos a função da cabeça no comando do corpo e sua capacidade de desenvolver a inteligência e alcançar a plenitude mental e espiritual. Ele também demonstrou que a cabeça poderia ser usada em sua capacidade física, especificamente na habilidade para com o Xikunahity. Foi nesta comemoração que aconteceu a primeira partida deste esporte; ou seja, entrando literalmente de cabeça (OLIVEIRA, 2012, p. 07). A bola de látex da Mangaba, conhecida pelos Paresí como igomaliró ou haira, descreve Oliveira [2012], atende a uma série de rituais em seu processo de fabricação. Ainda segundo essa autora, Na fabricação, o látex da mangaba é colocado ao fogo, sobre uma frigideira, até tomar um aspecto de panqueca. Em seguida, o índio morde a massa e a sopra para formar a bola. O látex é espalhado em tiras sobre uma mesa, onde o material seca: a bola é envolvida por camadas e fica mais espessa e pesada. A escolha da seringa de onde é extraída a mangaba também é cuidadosa, não podendo esta ser fina. Para confeccionar a bola é importante que o dia esteja quente e ensolarado, o que ajuda na secagem da liga (OLIVEIRA, 2012, p. 08). A bola de látex era também conhecida pelo ritualizado jogo em certos períodos do ano e quase homônimo, o Hayra ou o futebol de cabeça dos vizinhos Enawene-Nawe como relatou Gilton Mendes dos Santos (2006) em sua tese. Ele destaca as relações entre ritual e colheita, sem revelar os aspectos cosmológicos do jogo: 218 Celebrando os jogos, a memória e a identidade O auge da estação onekiniwa [época das chuvas], durante todo o mês de janeiro e boa parte de fevereiro, é vivido integralmente na aldeia, em atividades de rotina e de curtos e condensados momentos rituais. As mulheres dedicam-se ao preparo cotidiano de alimento, o que exige breves idas às roças para colher a mandioca, plantada no ano anterior; os homens saem para coletar alguma espécie de fruto, verificar pequenas armadilhas de pesca, explorar uma colmeia ou recolher insetos, suas larvas e pupas. A atenção, porém, está voltada para o “jogo de bola de cabeça”, o hayra, praticado por homens de todas as idades. Joga-se bola, às vezes, o dia inteiro, de manhã e de tarde, atividade que se interrompe apenas por uma forte chuva, que encharca o terreno e compromete o desempenho da bola, por uma grave doença ou a morte de alguém. O hayra aglutina e mobiliza dezenas de participantes em duas movimentadas equipes, posicionando-se cada uma num dos lados da grande linha que divide o pátio da aldeia. Os de fora assistem, torcem, emitem opinião (SANTOS, 2006, p. 154). Pode-se confirmar aqui, a ideia de uma centralidade desse evento na vida tanto dos Pareci quanto dos Enawene-Nawe. É notório o espaço e o tempo que o Xikunahaty e o Hayra ocupam nas redes de sociabilidades e de negociações em suas respectivas aldeias, tanto como havia demonstrado Fassheber (2006; 2010) entre os Kaingang ou Vianna entre os boleiros do cerrado. Haira apostada As descrições etnográficas dos Paresí e dos vizinhos Enawene-nawe descrevem o jogo de forma similar àquela feita por Roosevelt, quase um século antes na Aldeia Utiarity do Rio Sucre. Um documento produzido pelo Comitê Inter-Tribal (ITC) junto à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidad Politécnica de Madrid, de 2008 revela as condições de campo e o desenvolvimento do jogo Xikonahati: O tamanho do campo é semelhante a um campo de futebol e conta somente com uma linha demarcatória no centro que delimita o espaço de cada equipe. A partida começa com atletas veteranos um de cada equipe. Eles se dirigem ao centro do campo para decidir quem irá lançar a bola. O jogo continua com a primeira cabeçada para o campo adversário que deverá ser recepcionada Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 219 também pela cabeça. Em seguida os atletas veteranos deixam imediatamente o campo e a responsabilidade deles é somente fazer o lançamento inicial da partida. Durante a partida, a bola não pode ser tocada com as mãos, pés ou qualquer outra parte do corpo, mas, pode ser tocado no solo antes de ser rebatido por outro da equipe. A equipe marca pontos quando a bola não é devolvida pelos adversários. Mapa do Alto Juruena (COSTA, 1985). Entre os Enawene-nawe, Santos (2006) observa os sistemas de posições e números de participantes do Hayra, bem como os objetivos e os sistemas de contagem de pontos para um resultado final. Ele destaca que: 220 Celebrando os jogos, a memória e a identidade No jogo do hayra, cada equipe se organiza a partir de três posições “fixas”, definidas (o mínimo para se efetivar uma partida) e cerca de dez ou mais jogadores em posições que se alternam e movimentam. Para dar início às jogadas, os arremessos são feitos com a mão e, a partir daí, deve-se tocar na bola apenas com a cabeça. Uma vez no campo, a bola deve ser remetida de volta, tendo tocado (apenas uma vez) ou não o solo. O objetivo é fazer com que o adversário não consiga devolver a bola. O bom ponto é aquele em que a bola é arremessada para o alto e além do alcance dos jogadores. Marca-se ponto a cada conjunto de três tentos de vantagem. O primeiro é registrado, por toda a equipe, por um som emitido pelo sopro bilabial (brrrrrruuuuu), o segundo, por um assobio surdo, extraído das mãos em contato com os lábios; o terceiro tento marca a pontuação. Os pontos são contados e registrados por flechas: cada equipe mantém, em número igual, seu estoque, do qual se retira uma a cada ponto ganho. Esgotado o conjunto de flechas, tem-se o resultado final da partida (SANTOS, 2006, p. 154, Nota 54). De igual forma, o conjunto de jogadores Paresí é descrito nas informações da página dos Povos Indígenas do Brasil do Instituto Socioambiental (PIB/ ISA). Destaca-se a importância da escolha de parentes e afins que refletem as demais reciprocidades Paresí apontadas por Costa (1985) como as genealogias e as alimentares e também a possibilidade de se ofenderem ante a recusa de algum deles: Cada equipe é formada por homens de um mesmo grupo local ou por indivíduos que se consideram ihinaiharé kaisereharé (“parente verdadeiro”). Para que haja o jogo é preciso que uma aldeia convide a outra. O convite é irrecusável; dizem que a recusa em participar de um jogo é considerada uma afronta aos que tomaram a iniciativa de realizá-lo. Os Paresí referem-se ao convite por “desafio”. Por ocasião das festas de chicha, quando vários grupos locais se reúnem, os dias são praticamente dedicados aos jogos de bola, em que confrontam-se grupos de aldeias ihinaiharé kaisereharé (“parente verdadeiro”) e aldeias ihinaiharésekoré (“parente longe ou de consideração”) (http://pib.socioambiental.org/). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 221 Mas tanto o Xikonahati Paresí quanto o Hayra Enawene-nawe, pode se apontar um equivalente jogo de apostas, como demonstrado pelo PIB/ISA entre os Paresí e por Santos (2006) entre os Enawene-nawe: O hayra é movimentado por frenéticas apostas (“individuais”, par a par, entre interessados) feitas pelos jogadores entre si (principalmente por aqueles que ocupam posições fixas e estratégicas no jogo, mas também pelos demais de ambas as equipes) e também por quem está na plateia. As apostas envolvem pequenos e úteis objetos como colares de tucum, diademas coronários e braceletes de penas, redes de dormir, arco e flechas etc. e aqueles industrializados: isqueiro, anzol, sabão, sabonete, roupa e calçado, dentre outros (SANTOS, 2006, p. 154, Nota 54). No caso dos Paresí, a aposta é fundamental ao Xikonahati. Antes de se iniciar o jogo, cada equipe é responsável em indicar os apostadores. O número de objetos apostados interfere diretamente na duração e execução do jogo, como destaca o documento do PIB/ISA: Antes de o jogo ser iniciado cada jogador entrega aos apostadores objetos variados como caixas de fósforo, linhas de pesca, anzois, pentes, sabonetes, peças de vestuário, armas, munição, que serão apostados. Os apostadores ficam lado a lado e sentam-se, via de regra, próximos à casa do chefe da aldeia. (...) As apostas são feitas antes de cada partida, e se sucedem até que os apostadores não tenham mais o que apostar. Em geral suspende-se o jogo quando uma das equipes esgota sua provisão de coisas, e então o apostador da outra equipe distribui o resultado pelos jogadores (http://pib.socioambiental.org/). Ainda que se possam notar tais sistemas de apostas, vale ressaltar que os aspectos ritualísticos permanecem presentes, como nos mostrou Santos (2006) sobre o calendário Enawene-nawe ou Oliveira (2012, p. 7) relatando as crenças rituais do jogo entre os Paresí, ou melhor, sobre “a oferta da primeira colheita das roças, iniciação dos jovens de ambos os sexos, reforma das flautas sagradas, caça, pesca e coleta de frutas silvestres abundantes e a reincorporação de 222 Celebrando os jogos, a memória e a identidade um espírito novo em doentes terminais”. E muitas vezes, um jogo só termina quando todos ganham. Foto: Ministério do Esporte, JPI/2011. Fora dos rituais da estação das chuvas, o Xikunahaty tem sido demonstrado nas várias edições dos Jogos dos Povos Indígenas Em tempos recentes, o Xikunahity só não foi elencado na primeira edição destes eventos, ocorridas desde os jogos de Goiânia em 1996. Sua primeira demonstração pública ocorrera na edição dos JPIs de Guaíra/PR e a partir daí foi demonstrada em todas as edições até a mais recente em Cuiabá 2013, ainda que nem sempre os Paresí ou os Enawene-nawe tenham-na demonstrado em todas as edições – estes últimos só participaram a partir de 2001, numa demonstração justamente “contra” os Pareci – mas, por outras etnias que incorporaram o Xikunahaty e o Hayra como os Salumã, Irántxe, Mamaidê, além dos Nambiquara, Todos eles entre os Estados de Mato Grosso, Rondônia e sul do Amazonas. Mas é certo que nos previstos primeiros Jogos Mundiais Indígenas, marcado para setembro de 2015 em Palmas/Tocantins, o Xikunahaty e o Hayra e como sempre alcançarão grande curiosidade nacional internacional. Sucesso, portanto, garantido. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 223 Desvendando a Dúvida Naqueles tempos de fins da borracha, foram oferecidas ao ex-presidente americano Theodore Roosevelt algumas opções de aventura expedicionária. Acompanhado de Rondon, decidiu por desbravar a Foz do Rio da Dúvida (depois rebatizado Rio Roosevelt). Rondon desconfiava que o rio fosse afluente do Rio Madeira e pertencesse à margem direita do Rio Amazonas e mandou por essa via uma equipe de encontro no sentido oposto. Roosevelt e Rondon precisaram subir o planalto dos Paresí pelo Rio Sucre para alcançar e estudar a cabeceira do Rio da Dúvida e descê-lo, o que fizeram em abril de 1914. O próprio Roosevelt escreveu um livro sobre a expedição: Through the Brazilian wilderness (1914), editado em português com o título Nas selvas do Brasil (1976) como nos mostra Drummond (2010, p. 854). Este autor, fazendo a tradução do livro The River of Doubt de Candice Millard (2005) demonstra que aquela não foi uma viagem fácil: O obscuro rio da Dúvida mostrou ser muito mais difícil de explorar do que poderiam supor Rondon e Roosevelt. Em vez de uma viagem heroica, mas relativamente segura nas selvas brasileiras, Roosevelt quase morreu. Desde o início, trechos numerosos e longos do rio eram marcados por cachoeiras, corredeiras, estreitos, pedras e quedas d’água. Isso obrigava a estafantes e demoradas operações de descarregar e carregar os barcos, a difíceis manobras dos barcos vazios com a ajuda de cordas e a cansativas caminhadas dos expedicionários pelas margens íngremes e rochosas. O ritmo da viagem caía às vezes a poucas centenas de metros por dia, o que causou grande atraso (DRUMMOND, 2010, p. 851). Se aquele abril foi o mais difícil para Roosevelt, a semana final de janeiro de 1914 havia sido mais divertida entre os Pareci e seu estridente jogo de Headball que Roosevelt cuidadosamente observara. Apesar de não citar os termos Xikunahaty e haira que os pareci designam ao jogo e à bola de látex, Roosevelt fez ecoar aquele Headball até a capital federal daqueles tempos provocando 224 Celebrando os jogos, a memória e a identidade grande curiosidade. Os jornais do Rio de Janeiro sugeriram trazer o que lhes parecia um futebol genuinamente nacional, o Fluminense ofereceu o Estádio das Laranjeiras e finalmente em 1922, dezesseis Pareci viajaram por cerca de dois mil quilômetros para jogar uma partida alardeada como Zicunati (BELLOS, 2003). E assim foram os Paresí, num domingo de estádio lotado, uniformizados de escoteiros e cabelos penteados cantar o hino nacional no idioma deles na semana da pátria de outrem. Foram vaiados e após trocarem suas roupas por outras estranhas, daquelas de jogador de futebol moderno, voltaram ao gramado e executaram um jogo que terminou em 21 X 20 marcados em dois tempos de trinta minutos como apontou o jornal carioca Correio da Manhã (BELLOS, 2003, p. 74). No entanto, o jornal O Paiz de 23 de setembro de 1922 relata ter sido 31 X 20 para a equipe que vestia branco (contra azuis). Mas é fato que o jogo não pegou na capital, naquele tempo, já obcecada pelo Futebol herdado dos ingleses. Mas deu na primeira página do Jornal Imparcial incluindo a entrevista com o Cacique Coloisoressê dos Paresí que reclamava: “(...) isso de botinas, camisas e calções atrapalha! A grama também atrapalha porque é escorregadia. Nas nossas terras, temos grandes campos, sem capim, preparados com cuidado para a prática do Zicunati” (citado por BELLOS, 2003, p. 75). O Estudo feito por Faria em 1924 para o Museu Nacional do Rio de Janeiro confirmaria o interesse em pesquisar essa prática (BALDUS, 1954). Era, enfim, o que Roosevelt gostaria de ter visto e lido há muitas décadas atrás, mas apenas intuiu. No entanto, e caçador de jaguares à parte, ninguém fez como ele o headball/ Xikunahaty ser tão conhecido pelo Brasil e pelo mundo há um século: da Expedição Roosevelt-Rondon aos Jogos dos Povos Indígenas, ou melhor, um pouco além dos cem anos entre 1914 aos atuais 2014. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 225 Referências BALDUS, H. Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira. 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(consultado em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=178691_05&pagfis=11621&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader# em 15/12/2014). 228 Celebrando os jogos, a memória e a identidade CA PÍTULO 12 SAÚDE SOCIAL: FONTE REVITALIZADORA DOS JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS Marina Vinha Introdução Os Estados Membros da Organização Mundial de Saúde (USP, 2015, p. 1) declararam, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, alguns princípios importantes para “a felicidade dos povos, para as suas relações harmoniosas e para a sua segurança”. Para tanto, emitiram dez princípios, dos quais destaco o primeiro: “A saúde é um estado de completo bem-estar(sic) físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Recebendo algumas críticas desfavoráveis e outras nem tanto, optei por selecionar o elogio acerca deste princípio, publicado por Parlebas33 (2010, p. 85): “Saída de uma entidade oficial, esta definição tem a feliz iniciativa de associar às características sanitárias fatores de bem estar psicológico e relacional que desempenham um grande papel na qualidade de vida de cada pessoa”. O elogio favorável àquele primeiro princípio recebe destaque neste estudo, por enfatizar o segmento social dos demais componentes da saúde e, dentre estes, o fator relacional, o qual nos remete às inter-relações pessoais. O bem 33 No original: “Salida de una entidad oficial, esta definición tiene la feliz iniciativa de asociar a las características sanitarias factores de bienestar psicológico y relacional que desempeñan un gran papel en la calidad de vida de cada persona” (2010, p. 85). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 229 estar relacional vai se constituindo no encontro com outras pessoas, no partilhar emoções comuns, na divisão de tarefas, na alegria proporcionada por enfrentamentos e nas diferentes formas de lutas e ludicidades coletivas, próprias da diversidade, a exemplo dos jogos tradicionais. Assim, o bem estar relacional no contexto dos jogos se embasa “na capacidade de adaptação do jogador a esta ludodiversidade abundante”, explica Parlebas (2010, p. 85). Os fatores de bem estar psicológico e relacional, próprios do social, qualificam e valorizam a saúde social, de forma a constituir a fonte revitalizadora dos jogos tradicionais, os quais dão identidade ao evento nacional Jogos dos Povos Indígenas, que primam pela ‘celebração34’, com apresentação pública de jogos significativos para a qualidade de vida de povos indígenas. Mantenedora das metas específicas do brasileiríssimo evento Jogos dos Povos Indígenas, a saúde – no seu sentido social – enriquece as singularidades culturais. Esse movimento é dinamizador das diferenças culturais e corrobora com a produção do conhecimento. Simultaneamente, tal movimento exige de nós, pesquisadores, o compromisso de ampliar a compreensão de ciência, outorgando a ela um status plural, no sentido de reconhecer e validar outras formas também sistematizadas de conhecimento, no caso a indígena. Assim, o objetivo desse estudo é o de dialogar sobre adaptabilidade, ajustes e inserção social, como elementos constitutivos da saúde social, fonte da diversidade de jogos tradicionais. A motivação para a escrita deste estudo vem da inquietude diante da visão eurocêntrica e reducionista de saúde, normalmente adotada no campo de conhecimento da Educação Física. Embora este campo de conhecimento pouco reconheça os saberes indígenas ou outro tipo de conhecimento, sei, de antemão, que a valorização de ambos os saberes, indígena e ocidental, com suas semelhanças e diferenças, é o caminho que possibilita o diálogo intercultural. 34 Lema dos Jogos dos Povos Indígenas: O importante é celebrar. 230 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Sendo assim, a relevância do estudo, para a academia, está na possibilidade de que o conceito de saúde seja desconstruído, libertando-o desta visão unicista. Para os indígenas, a relevância está na perspectiva de verem valorizados seus universos diferenciados, de forma que o conhecimento dele derivado, no caso o jogo tradicional, encontre lugar na ciência; assim como há a possibilidade de que tais estudos retornem como devolutos para estes povos, contribuindo com os cursos de formação de indígenas-professores nos Ensino Médio e Superior, para serem estudados por seus pares. Este ensaio, cuja natureza é bibliográfica, desenvolve um diálogo entre os elementos fundantes da saúde social, tendo os seguintes autores de referência: Emílio Moran, Roque Laraia, Maria Beatriz Rocha Ferreira, Pere Lavega Burgués e Paulo Freire. Nas considerações finais, pontuo o campo do evento ‘Jogos Indígenas’ como um contexto político de múltiplas articulações, permeado pela descontração e a diversão. Enquanto espaço geográfico que se alterna a cada evento, têm mostrado nas suas 12 edições, as identidades étnicas enraizadas nos diferentes lugares de origem, reavivando passados históricos e as características sociais atuais. Este conjunto de realidades entra em campo e se deixa ver em arenas, cujo jogo de inter-relações transpiram a ancestralidade, a resistência à homogeneização e a adoção de práticas criadas ou/e aceitas em seus universos, renovadas sob a dinâmica sociocultural. Contextualizando Gauthier (2011, p. 40), fundamentado nos estudos sobre a “decolonialidade do saber”, cita Descola (2005) por sua referência “às outras maneiras de fazer ciência na espécie humana”, quais sejam: o “totemismo” [povos do Pacífico], o “analogismo” [povos da Ásia, da América Central e Sul e da África] e o “animismo” [povos que têm o mundo animal, vegetal e mineral se comunicando Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 231 como indivíduos com os humanos, incluindo a metamorfose]. Entre os indígenas vigora o “animismo”, que Gauthier prefere chamar de “xamanismo”. E destaca ainda que “não devemos hierarquizar essas formas de pensamento”, mas, sim, reconhecer as diferenças. Argumenta ainda que utiliza “a palavra “ciência” para caracterizar todo tipo de saber eficiente, independentemente das crenças das pessoas” (2011, p. 23). Nesta mesma direção, Langdon (2009, p. 1) argumenta quanto às “contribuições da antropologia para a construção de um novo paradigma em saúde”, as quais visam “entender o ser humano e suas práticas de uma perspectiva comparativa, ou seja, de uma perspectiva que reconheça e respeite a diversidade de soluções que as diversas culturas têm construídas para explicar e atender os problemas de saúde e doença”. Tendo como eixo condutor destas reflexões os saberes relativos ao ‘jogo’, ressalto que há várias compreensões de jogo proporcionadas pela polissemia do termo, assim como há diferentes compreensões de jogo quando lhes são agregadas adjetivações. Por exemplo: jogo popular, jogo tradicional, jogo infantil, jogo de antigamente, jogo esportivo, quase jogo, dentre outras denominações. Optando pela compreensão de jogos adjetivados com o termo ‘tradicionais’, adoto o conceito de Rocha Ferreira et al (2005, p. 33) que os entendem como “[...] atividades corporais, com características lúdicas, pelas quais permeiam os mitos e os valores culturais. Eles requerem um aprendizado específico de habilidades motoras, estratégias e/ou chances”. A participação neste tipo de jogo tem significados próprios e “promove experiências que são incorporadas pelo grupo e pelo indivíduo”. Burgués (2009, p. 49) contribui também para a compreensão dos jogos tradicionais inspirando-se em Parlebas (2001, p. 281), que o denominou “jogo esportivo tradicional”, conceituando-o como aquele “[...] praticado frequentemente em uma longa tradição cultural, que não foi sancionado pelas instâncias 232 Celebrando os jogos, a memória e a identidade sociais”. Geralmente, tais jogos estão unidos a uma tradição antiga e seu sistema de regras admite muitas variantes segundo a vontade dos participantes; não dependem de instâncias oficiais e geralmente são ignorados por processos socioeconômicos. Tal tipo de jogo deixa para a tradição local o cuidado de transmitir seus códigos e rituais, o sistema de regras é estabelecido pelos grupos que os praticam, segundo costumes locais. Um mesmo jogo pode dar origem a outras formas, as quais podem converter-se, por sua vez, a novos jogos, explicam os autores. Ambos os conceitos trazem a temporalidade, a continuidade na transmissão e a ausência de influências econômicas como instâncias constitutivas predominantes nas tradições dos jogos. Tais processos são caracterizados por relações de contato com diferentes etnias, por contatos em ambientes urbanizados e nas relações de poder assimétricas, decorrentes destas novas figurações sociais. No sentido dado por Elias (1980), estes são processos civilizadores formados por coerções sociais vindas do próprio grupo e de outros, sendo assimilados em diferentes circunstâncias e mediadas por relações de poder, assim como coerções autoimpostas. No conjunto, elas conduzem a mudanças e/ou superação de formas e de objetivos de certas práticas corporais. Na fervura desse processo, algumas destas práticas, no caso dos jogos, se mantiveram, outras ficaram em desuso, e outras foram esvaziadas do sentido sociocultural que os geraram. Em que pesem os fatos sociais e históricos, os jogos tradicionais encontravam e encontram espaço de significação no cotidiano, fortalecidas nos eventos locais e regionais e lindamente apresentadas no evento nacional. Brotando aqui e ali, constatamos que há “[...] atualmente, o reconhecimento, ainda que tardio, da riqueza das culturas dos povos indígenas que fazem parte da construção da cidadania brasileira [...]” explicam Rocha Ferreira et al (2003, p. 33). O pouco reconhecimento pode ter sido gerado devido ao fato de que a complexidade relacional destas práticas corporais ficou marcada como Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 233 frívola, por ter vínculo com o lúdico. Consequentemente, muitas vezes são ainda pouco valorizadas. No entanto, é justamente o aspecto relacional a chave para constituir tais práticas como altamente significativas para promover a saúde social destes povos. Saúde e Qualidade de Vida O termo ‘saúde social’ traz implícito, na sua adjetivação, o social e a cultura. Mas não foi sempre assim. Em meados do século XX, o primeiro princípio de saúde, propagado em 1948 pela OMS, mostrou-se reducionista. Passados mais de 40 anos, um grupo de especialistas de diferentes culturas iniciaram estudos que culminaram com a renovação e ampliação deste princípio, resultado do acréscimo do conceito de ‘qualidade de vida’. A partir de então, saúde passou a ser entendida como “percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores em que vive e em relação com seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (OMS, 1994, p. 1). Ressignificado, o conceito de saúde, atualmente, requer a compreensão da percepção pessoal e das possibilidades de realização humana, em todas as dimensões. Vale destacar, no entanto, a observação de Burgués (2009), da qual concordamos, de que saúde, no seu sentido físico mesmo, é uma condição básica para o bem viver. A ausência deste tipo de saúde nega ou diminui o nível de qualidade de vida de qualquer ser humano. Passada mais de uma década, o conceito de saúde, ampliado em 1994, foi tomando mais consistência. De forma que, em 2010, na Austrália, foi emitida a “Declaração de Adelaide sobre a Saúde em Todas as Políticas”, cujo objetivo é o de “engajar líderes e formuladores de políticas de todos os níveis de governo: o local, o regional, o nacional e o internacional” (2010, p. 3). Tal documento enfatiza que é mais eficaz alcançar os objetivos dos governos quando todos os setores incorporam a saúde e o bem estar como componentes centrais no 234 Celebrando os jogos, a memória e a identidade desenvolvimento de suas políticas. A justificativa da OMS para emitir tal Declaração foi motivada pelo fato de que as bases da compreensão de saúde e de qualidade de vida se encontravam fora das políticas públicas, elaboradas por setores governamentais responsáveis por ela. Embora haja possibilidade deste estudo contribuir com políticas públicas de saúde e de esporte e lazer para indígenas, o foco está no perfil saudável do jogo tradicional forjado na adaptabilidade humana ao ambiente, nos ajustes socioculturais e na inserção social, mediados pelos aspectos relacionais, os quais geram os vínculos identitários em cada povo. Adaptabilidade/Ajuste/Inserção De modo geral, todas as mudanças adaptativas têm foco na sobrevivência, ajudando a manter o equilíbrio corporal nos diferentes espaços planetários. Moran (1994, p. 23) argumenta que “uma das características mais notáveis das populações humanas é que elas são admiravelmente adaptáveis”, em zonas árticas, às grandes altitudes, às terras áridas, aos campos e aos trópicos úmidos. Assim, a adaptabilidade humana pode ser estudada no enfoque biológico e no sociocultural, explica o autor. A adaptação biológica comporta as variações ambientais que afetam a fisiologia, promovendo alterações anatômicas em médio e longo prazo, em ocorrência sobre gerações e gerações, levando um tempo incalculável e atingindo a população em geral. Por outro lado, explica o autor, a adaptação cultural está associada ao comportamento, variando conforme as diferenças no modo de ser, de viver e de produzir artefatos tecnológicos a fim de aliviar o stress humano promovido pelas variações dos diferentes ambientes. Stress, neste caso, é mais amplo do que o que comumente denominamos ‘estou estressado’, quando nos referimos às atividades cumulativas cotidianas. Significa, portanto, uma força ou determinada situação extrema ocorrendo em um ambiente onde está um ser vivo, Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 235 podendo causar morte ou algum rompimento de grande intensidade. O tempo de ocorrência da adaptação cultural é rápido, tanto as que dizem respeito à fisiologia humana [adaptável em meses, semanas, dias ou mesmo de forma instantânea], quanto às socioculturais, ocorrendo no devir do tempo, mas concomitantemente às condições sociais, particularizadas segundo a amplitude das redes de inter-relações humanas, as quais favorecem ou forçam coercitivamente tais mudanças, atingindo cada população e podendo ser também de caráter individual. Ao tratar a cultura, porém, Moran (1994, p. 130) adota o termo “ajustes reguladores sociais/culturais”, descartando o termo adaptação. O autor argumenta que as diferentes formas das habitações, o modo de vestir, a tecnologia de subsistência, os rituais, as formas de organização social e econômica são considerados ajustes culturais. Estes ajustes são flexíveis, infinitamente variáveis quanto às alterações no ambiente, na historicidade e nas relações internas e externas aos agrupamentos humanos. Por exemplo, os ajustes culturais adequados às condições climáticas requerem saberes referentes ao tipo de habitação, os tecidos específicos para o vestuário e as tecnologias que aumentem o resfriamento ou o aquecimento das pessoas ou da população. As estratégias de subsistência humanas geralmente estão relacionadas aos padrões de colonização, às estruturas de sobrevivência provisórias ou sedentárias, variando conforme o perfil de cada grupo ou povo. Em todos os casos, porém, um fator muito significativo para a arquitetura e localização das moradias humanas é a religiosidade, ou a cosmologia. Altura, tamanho, finalidade de cada cômodo e a escolha do espaço podem seguir as complexas interpretações cosmológicas fundantes dos fatores sociais e culturais a elas associados. Da mesma forma, casamentos e valores culturais influenciam os padrões de moradia e as proximidades entre as famílias, enquanto que os materiais disponíveis no ambiente e os fatores climáticos influenciam mais no modelo da casa, 236 Celebrando os jogos, a memória e a identidade explica o autor. Em que pese a diversidade de ambientes, de materiais, de cosmologias, dentre outros, o fato real é que destes contextos brotam as culturas, e entre elas as práticas lúdicas e ritualísticas, a exemplo dos jogos tradicionais. Não obstante tais reflexões serem plausíveis, o estudo da adaptabilidade e dos ajustes socioculturais requer assertividade para revermos preconceitos milenares, gradualmente estabelecidos, ou os ‘determinismos’ – tanto ambiental quanto cultural. A conotação pejorativa atribuída a eles se deve à evocação de predominante superioridade dos povos pertencentes à determinada sociedade, por sua cultura identitária, ou à determinada região geográfica. No século XVIII houve um retorno ao foco das teorias greco-romanas de valorização da posição geográfica e dos elementos da natureza que outorgavam superioridade aos bem nascidos, de forma que os determinismos voltaram a ser referência. Naquele período, este aparente retrocesso favoreceu o tratamento homogêneo dado a regiões diferentes, de modo que nações foram unificadas pelo processo de colonização. No final do século XIX intensificou-se a necessidade de organizar dados arqueológicos e etnológicos para elucidar processos pelos quais a história da cultura humana sofria alterações socioculturais. Reafirmando a posição de desconstrução dos determinismos, Laraia (2009) nega a crença de que o determinismo biológico, cuja predominância é genética, seja responsável pela transmissão da cultura, a exemplo da nobreza das pessoas de ‘sangue azul’. O mesmo ocorre com o determinismo geográfico, pois, embora o ambiente contribua para firmar diferenças e, de certa forma, influencia o lócus cultural de inserção humana, não é determinante para homogeneizar o modo de vida. Sendo assim, Laraia (2009) ressalta não ser correto afirmar que o ambiente físico influencia grandemente a diversidade cultural. Justifica seu argumento afirmando que é possível encontrar, em um mesmo ambiente físico, uma grande diversidade cultural. Como exemplo, cita o Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 237 Parque Nacional do Xingu, no Brasil, onde os indígenas xinguanos [Kamajurá, Kalapalo etc] não adotam as proteínas de grandes mamíferos na alimentação, por restrições culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e caça de aves. Naquele mesmo ambiente físico, os indígenas Kayabi, habitantes ao norte, são excelentes caçadores e preferem justamente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado e o caititu, para se alimentarem. O ser humano, portanto, não é puramente receptivo ao ambiente que o cerca, mas, sim, proativo, por atribuir significado ao ambiente, transformar, recriar e o explorar, por vezes até drasticamente, conforme sua história, cultura e economia (LARAIA, 2009). O processo de dissecação dos determinismos ainda está em ocorrência, a exemplo de documentos internacionais que objetivam inferir em ações governamentais, dando voz aos diferentes povos, grupos e etnias, ressaltando que as forças mobilizadoras das sociedades são nossas diferenças humanas, e não meramente as questões geográficas, climáticas ou biológicas. Não obstante, para além das questões ambientais e de ajustes acima mencionados, enfatizo que, para a constituição da saúde social, é imprescindível a ação exclusivamente humana, ou seja, a ‘inserção social’. Inspiro-me em Freire (YouTube, 2007), ao afirmar que ele se situa entre aquelas pessoas que creem na transcendentalidade. E por crer na transcendência humana, estando no mundo material, ele se considera também “entre aqueles que não dicotomizam a transcendentalidade da mundialidade”. Um reporta ao outro e vice-versa, diz o mestre. Em vista deste fato, Freire faz distinção entre as compreensões políticas de ‘adaptação ao mundo’ [ambiental e cultural] e de ‘inserção no mundo’. “Na adaptação há uma adequação, há um ajuste do corpo às condições materiais, às condições históricas, sociais, geográficas, climáticas etc.”. Já “na inserção o que há é a tomada de decisão, no sentido da intervenção no mundo”. Esta visão política complementa nosso estar no mundo, principalmente porque, enquanto a adaptação ambiental e os ajustes socioculturais podem ser 238 Celebrando os jogos, a memória e a identidade usados para justificar ‘posições fatalistas’, do tipo, temos de ‘aceitar’ o mundo e as relações humanas como estão, Paulo Freire (YouTube, 2007) a refuta afirmando que nenhuma realidade “é assim mesmo”. “Toda realidade está submetida à nossa capacidade de intervenção nela”. Reflexões Considerando os argumentos acima construí uma base teórica para compreender o contexto de onde brotam as inter-relações ambientais, socioculturais e políticas, alicerces para a constituição do ethos de cada povo e, sendo assim, da fonte de saúde social e a consequente riqueza da diversidade lúdica! Como apresentado nos subitens acima, os significados e valores de ‘saúde social’ já foram bastante desconsiderados, milenarmente obscurecidos por determinismos e inserções sociais desastrosas e poderosas. Apesar de a saúde ser reconhecidamente um conceito positivo, por mobilizar recursos sociais, culturais e pessoais, a Declaração de Adelaide (2010, p. 3) destaca que a “promoção da saúde não está relacionada somente às responsabilidades do setor saúde, e vai muito além dos estilos de vida saudáveis, passando pelo bem-estar e por ambientes que incentivem a saúde”. Tal afirmativa atinge diretamente as populações indígenas35, a quem a referida Declaração se dirige (2010, p. 4), por ser assertiva quanto às especificidades destes povos, destacando o aspecto relacional entre saúde e bem estar, interligados à questão da terra, ambiente vital para a saúde dos indígenas. Diz a Declaração: “um acesso mais amplo à terra pode gerar uma melhoria à saúde e ao bem estar de populações indígenas, visto que a saúde e o bem estar dessas populações está ligado espiritual e culturalmente a um sentimento profundo de pertencimento à terra e ao país”. E, para consolidar as conquistas destes 35 Relações sobre o tema específico para os Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, ver Vinha e Rossato (2009). Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 239 povos, o documento destaca que “as melhorias na saúde de populações indígenas podem fortalecer comunidades e suas identidades culturais, além de ampliar a participação dos cidadãos e o apoio à manutenção da biodiversidade”. Certamente, as populações indígenas vivenciam há muito tempo seus valores associados à terra, e, quando tal fato passa a ser reconhecido por organizações internacionais, este reconhecimento contribui para consolidar políticas e forçar governos a reconhecerem o protagonismo indígena e suas sustentabilidades. A envergadura de tal documento ainda está incipiente na inter-relação entre esta jurisprudência internacional e a política de saúde do índio no Brasil. Embora haja reconhecimento de pertencimento à terra, fato que outorga um diferencial no modo de ver e compreender o mundo, há, reconhecidamente, incompatibilidade entre os saberes biomédicos e os saberes indígenas, explica Langdon (2001). A autora cita a 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, realizada em 1986, que gerou três princípios para dar encaminhamentos políticos de respeito às diferenças, dos quais destacamos apenas um deles, qual seja: a garantia não só ao atendimento aos problemas de doenças, mas também “o respeito às especificidades culturais e práticas tradicionais de cada grupo”. Os três princípios foram incorporados à Constituição de 1988 e estão de acordo, também, com os ‘Princípios sobre a Tolerância36’, aprovados pela UNESCO, em 1995. Não obstante todo este aparato legal, ainda é visível a dificuldade de enxergar nossa humanidade no ‘outro’ e o ‘outro’ dentro de nós mesmos, argumenta Langdon (2001, p. 157), citando Roberto Da Matta (1987). Para dar um passo adiante, Langdon propõe, com urgência, que os conceitos antropológicos de cultura e de relativismo devam ser esclarecidos e apropriados por quem atua com saúde indígena. A autora eleva a saúde indígena ao nível de um sistema simbólico sistematizado. E, ao estabelecer correlações 36 “[...] o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas” (1997, p. 11). 240 Celebrando os jogos, a memória e a identidade e distinções deste sistema simbólico e sistematizado com o sistema biomédico, ressalta que (p. 161) “é perigoso caracterizar os dois sistemas de medicina como sendo opostos e de nenhuma maneira estou me referindo ou tentando reforçar as velhas noções de que a medicina indígena é basicamente mágica, o que considero um erro etnocêntrico”. Tal erro fez parte da Antropologia durante muitos anos, de forma que tornou inviável o fato de que, “assim como a biomedicina, [os sistemas indígenas] procuram identificar os sintomas, fazem um diagnóstico temporário que guia a escolha de terapia e depois avaliam o êxito do tratamento”. Ocorre, porém, que: [...] o sistema indígena tem uma noção de cura mais abrangente que a biomedicina. Por isso as medicinas podem ser vistas como complementares, necessitando para isso uma abordagem intercultural na qual a biomedicina fosse relativizada e os saberes indígenas tratados como ciência, para redefinir os conceitos de eficácia e cura (LANGDON, 2001, p. 162). Langdon explica também que a biomedicina está caracterizada como biológica, de cura sintomática, pública, com base nos sintomas corporais, curativa, escrita e formal. Comparativamente, o constructo mecanicista da biomedicina não requer as possibilidades amplas do bem estar relacional. As relações interpessoais, o partilhar emoções e tarefas, a alegria e celebração dos jogos tradicionais, são fatores próprios de saúde do sistema indígena! Comparados os fatores do jogo tradicional com os fatores do sistema médico xamânico, definidos por Langdon (2001) observamos que o jogo atende às características principais da percepção de saúde, de cura e eficácia do mundo indígena. A triangulação saúde-cura-eficácia e jogo tradicional têm em comum o veio preventivo, cujas práticas corporais alegres exigem resistência física, estando aberto para participação de todas as gerações. Ao mesmo tempo, o jogo tradicional e a citada triangulação podem ser secretos, figurando situações de rito de passagem, de mediações terreno-transcendentais, como Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 241 explicou Rocha Ferreira et al (2003). Burgués (2009), estudioso da motricidade presente nos jogos tradicionais, destaca outra ação emitida pela OMS (1994), após a recente visão de saúde, que foi a elaboração de um instrumento para determinar a qualidade de vida em qualquer população do planeta. Este instrumento valoriza a visão intercultural, considerando as percepções da pessoa no contexto de sua cultura e de seu sistema de valores, relevando os objetivos pessoais. Para compreender a visão biomecânica da conduta motriz de uma pessoa em movimento, ou de um jogador, Burgués explica que o enfoque cartesiano considera suficientes as regras da mecânica, vendo este sujeito prioritariamente movido por um conjunto de articulações ósseas e grupos musculares, de forma que a conduta motriz fica reduzida ao esforço, à energia consumida pelo jogador e à resistência na execução da atividade. Esta mesma conduta motriz na visão sistêmica, multidimensional, está associada aos seguintes fatores: (a) há um significado externo, observável; e (b) há um significado interno, elaborado pela vivência corporal, por imagens mentais e pela emoção, as quais ativam as dimensões biológica, cognitiva, afetiva e social da pessoa e/ou da sua comunidade de pertencimento. Comparativamente, a motricidade do jogador no foco biomecânico fica reduzida aos fatores de força muscular, resistência cardiorrespiratória, resistência muscular e flexibilidade; enquanto a motricidade no foco multidimensional abrange tanto os significados do contexto externo, possíveis de serem observados, quanto os significados internos ao sujeito, suas vivências, as emoções. Ambos ativam os fatores biológicos [força, resistência, flexibilidade], os cognitivos, os afetivos e os sociais da pessoa, explica o autor. Encontrando respostas para minhas motivações, considero incontestável a amplitude da visão sistêmica para compreender e valorizar a conduta motriz, cujo perfil pode ser transferido para o jogo tradicional. Vinha (2004) cita o 242 Celebrando os jogos, a memória e a identidade exemplo do jogo de tabuleiro, no estilo Merels, encontrado entre os indígenas Kadiwéu, habitantes no Mato Grosso do Sul. Os conhecimentos requeridos por este jogo podem contribuir para a saúde identitária/social daquele povo, porque os conhecimentos gerados nos contextos sociais de pertencimento são transmitidos via (i) relações familiares, (ii) por meio de motivações afetivas e ritualísticas, e (iii) no ambiente físico e social onde todos se conhecem e se influenciam mutuamente [sob as coerções sociais e as auto impostas]. Tais reflexões me levam a considerar os Jogos dos Povos Indígenas, agora em sua 13ª edição, cumprindo seu papel de agrupar os povos para celebrar, divertir, desafiar e interagir etnias em um tempo e espaço determinados, de forma a injetar energia política e cultural para que as diferenças dialoguem e se fortaleçam uma na outra. Considerações Finais Com o objetivo de dialogar sobre adaptabilidade, ajustes culturais e inserção social - elementos constitutivos da saúde social -, estudei autores que buscam desconstruir determinismos e os consequentes preconceitos. Permeando a compreensão de saúde social, mostro de onde vem a força para manter as metas propostas no evento Jogos dos Povos Indígenas, cuja raiz está consistentemente fixada na saúde social de cada povo participante e no reconhecimento por parte dos organizadores. As metas e ações específicas deste brasileiríssimo evento energizam cada um desses povos. O diálogo envolvendo o conceito de saúde social e o de jogo tradicional é sustentado nas características do sistema médico xamânico. O conhecimento tradicional presente nos jogos tradicionais requer, também, vínculos com o ambiente de pertencimento, no qual todos se conhecem, se influenciam mutuamente e cuja participação está carregada de significados, promovendo experiências que são incorporadas pelo grupo e pelo indivíduo. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 243 Referências BURGUÉS, Pere Lavega. Contribuición de los jueos y deportes tradicionales a uma concepción sistémica de la salud. IN: Juegos Tradicionales y Salud Social. Encontro Internacional de Juegos Tradicionales. Ribera del Duero, Espanã, 2009. ELIAS, Norbert. Introdução à Sociologia. Lisboa: Edições 70, 1980. FERREIRA, M. B.; VINHA, M.; SOUZA, A. F. de. Jogos de tabuleiro: um percurso em etnias indígenas. In.: Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 2008.v. 16, p. 47-55. LANGDON, Jean E.. 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Observa-se no Artigo 231 do Capitulo VII, que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1998). Tal artigo demonstra estar em conformidade com a Declaração das Nações Unidas, sobre o direito dos Povos Indígenas, documento elaborado pela Organização das Nações Unidas, no qual se afirma que “os Povos Indígenas são iguais a todos os demais povos e que reconhece ao mesmo tempo o direito de todos os povos a serem diferentes” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007). Este trabalho tem como objetivo destacar a importância do Fórum Social Indígena, enquanto uma arena política que promove possibilidades de políticas intersetoriais. O trabalho de análise da memória do Fórum Social Indígena 37 Professora de Educação Física do IFTO- Campus Palmas. Doutoranda em Estudos do Lazer da UFMG. 38 Coordenadora Geral de Estudos e Pesquisas de Esporte e Lazer do Ministério do Esporte. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 247 nos embasou para as reflexões acerca da importância do esporte e lazer como espaço e tempo para a reflexão das políticas públicas para os povos indígenas. Os Jogos dos Povos Indígenas como espaço de politização provoca novas alternativas de intervenções, em busca de investimentos nas políticas públicas para os grupos étnicos. A possibilidade do esporte e do lazer promoverem a participação popular, como forma educativa, no sentido de politizar o grupo, frente aos seus direitos e desafios abrem novas perspectivas na relação entre o Estado e as comunidades indígenas, contribuindo para a causa indígena. O Ministério do Esporte vem se empenhando para construir e implementar uma política nacional de esporte e lazer que atenda os anseios da população indígena, buscando cumprir com o dever do estado de reconhecer a diversidade sociocultural, práticas e saberes tradicionais dos povos, compreendendo que as políticas públicas devem ser elaboradas, desenvolvidas e avaliadas com a participação qualificada de todos os segmentos, especialmente às quais as ações e programas se destinam. As articulações elaboradas nesse processo podem determinar a maneira como se desenvolverão as políticas para os indígenas brasileiros, e estas também determinam as diversas capacidades dos atores sociais ou grupos de interesse em conseguirem resultados políticos favoráveis. (FUKS 1998) nos traz a perspectiva de aprofundamento destas questões de articulação e conflitos dos envolvidos no contexto das políticas públicas, quando destaca a importância de se conceber a vida social e política como arena argumentativa, em que os partidos políticos, os grupos organizadores e o governo participam de um permanente processo de debate. As arenas públicas são então reconhecidas como espaços de ação e debate dinâmico que por vezes são permeados de conflitos sociais, mas esses acima de tudo, é que viabilizam a garantia do debate, não permitindo que as demandas e os projetos sejam sempre determinados pelos representantes dominantes. A 248 Celebrando os jogos, a memória e a identidade ideia de “sistema de arenas públicas” sugere a saliência dos assuntos que nele circulam. Supõe-se, antes de qualquer coisa, a visibilidade das ações e dos debates a ele associados (FUCKS, 1998). Para a efetivação de uma arena é necessário que os atores sociais envolvidos nas políticas públicas estejam participando dos processos pré – decisórios e decisórios, e principalmente, sejam reconhecidos como parte do processo. Como lhe é característico, os povos indígenas vêm ao longo dos séculos lutando cotidianamente, utilizando de diferentes estratégias, em busca da efetivação do que está consagrado na Constituição Federal, bem como em documentos internacionais, em que o Brasil é signatário. Essa luta é também travada, pelo fato de que os povos indígenas não vêem os seus direitos respeitados e materializados por meio de políticas públicas, ou seja o reconhecimento no processo de direitos sociais. Diante deste contexto em que os indígenas desejam exercer essa cidadania, a salvaguarda de suas práticas corporais, os direitos ao esporte e lazer emergem como importantes demandas. Com o reconhecimento do direito à diferença, os povos indígenas vêm reivindicando o reconhecimento de seus patrimônios culturais por meio do movimento indígena, articulados em torno de interesses comuns. Neste sentido, o Estado deve garantir-lhes o direito a participação na formulação, desenvolvimento e avaliação de políticas públicas. Desta forma, estes atores sociais buscam estar envolvidos na elaboração da agenda. A agenda é, justamente, o instrumento que reflete a priorização de temas e problemas a serem trabalhados por um governo, portanto, a um espaço de conflitos, disputado entre os diversos atores que fazem parte do jogo político (ROTH DEUBEK, 2006). Nesse jogo a forma como se planeja e articula o poder nas diversas situações é que determina os temas que irão compor parte da agenda e ainda, os temas que não serão priorizados. Ao estudar sobre o estabelecimento da agenda, (KINGDON, 2006) propõe Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 249 três explicações: problemas, política e “participantes visíveis”. O reconhecimento do problema é um passo crítico para o estabelecimento de agendas, e alguns problemas recebem mais atenção do que outros, devido à forma pelas quais os atores tomam conhecimento das situações, quanto nas formas pelas quais essas situações foram definidas como problema. O fluxo da política explica também a alta ou baixa importância de um tema na agenda, sendo influenciada pelos desdobramentos na esfera política e ainda pelos consensos realizados pela negociação. E por último, a agenda é influenciada pelo grupo de “atores visíveis”, que são aqueles que recebem considerável atenção da imprensa e do público. A perspectiva colocada por Kingdon (2006) é interessante, pois estabelece os envolvidos na definição da agenda ao defender a participação dos “atores visíveis” e “atores invisíveis”, esclarecendo como a arena é constituída e como são definidas as prioridades do estado. O grupo de atores visíveis, aqueles que recebem considerável atenção da imprensa e do público, inclui o presidente e seus assessores de alto escalão, importantes membros do Congresso, a mídia, e atores relacionados ao processo eleitoral, como partidos políticos e comitês de campanha. O grupo relativamente invisível de atores inclui acadêmicos, burocratas de carreira, e funcionários do Congresso. Descobrimos que o grupo de atores visíveis define a agenda enquanto o grupo de atores invisíveis tem maior poder de influência na escolha das alternativas (KINGDON, 2006, p. 230). Como resultado de uma definição de agenda, os Jogos dos Povos Indígenas, idealizado pelos irmãos Marcos e Carlos Terena, fundadores da organização não governamental Comitê Intertribal de Memória e Ciência Indígena - ITC passaram a contar com apoio governamental federal a partir de 1996, com a criação do Ministério Extraordinário do Esporte e Turismo. O então Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto – INDESP, em parceria com o Comitê Intertribal, desenvolveu as demandas de planejamento de custos e 250 Celebrando os jogos, a memória e a identidade recursos financeiros para realização da primeira edição do evento. Ou seja, esta foi à primeira ação do governo federal em relação ao esporte e ao lazer para os povos indígenas no Brasil. Já em 2007 o ITC passou a contar com a instância do Ministério do Esporte, o seu principal parceiro. E foi a partir da IX edição, que o Ministério do Esporte, através da evidente participação dos seus gestores na organização de todo o processo junto ao Comitê Intertribal, constatou que os Jogos dos Povos Indígenas seriam uma importante ferramenta para valorizar a cultura indígena e afirmar sua identidade, frente a uma política pública que nunca existiu no campo do esporte e do lazer. Com o lema “o importante não é competir e sim celebrar”, os Jogos dos Povos Indígenas tiveram a partir de 2007 um apoio institucionalizado do Governo Federal, envolvendo além do Ministério do Esporte, a FUNAI/Ministério da Justiça, o Ministério da Cultura, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, além dos Governos de Estado e Prefeituras Municipais. Os jogos foram criados tendo como principal objetivo resgatar e valorizar os jogos esportivos indígenas, promovendo o congraçamento e intercâmbio entre outras etnias participantes, fortalecimento da identidade cultural desses povos e confraternização digna e respeitosa dos índios com a sociedade indígena. Lidar com um evento desta magnitude exige um grande esforço por parte dos líderes do Comitê Intertribal, bem como da Equipe do Ministério do Esporte, na busca pelas melhores soluções as demandas apresentadas, com vistas a garantir à qualidade dos Jogos, em conformidade com as especificidades da cultura indígena, atendendo as exigências burocráticas necessárias a efetivação da ação. A compressão do esporte e lazer como instrumento político, uma forma de lutar, reivindicar e conquistar direitos se faz presente ao longo da história destes jogos. A evolução das edições dos Jogos dos Povos Indígenas e o envolvimento ativo das diversas etnias nos eventos são reconhecidos pelos organizadores da Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 251 seguinte forma: “[...] não importava a etnia, a língua, a linha política, e o local de onde vinham, o esporte e o lazer, os Jogos dos Povos Indígenas, quebravam barreiras e preconceitos e propunham a celebração” (TERENA, 2009). O Fórum Social Indígena é um evento que ocorre dentro dos Jogos dos Povos Indígenas, objetivando ser um espaço (arena) de discussão entre as diferentes etnias. As rodas de conversa e trocas são realizadas a partir de temas (problemas) sugeridos pelo Comitê Intertribal e o Ministério do Esporte, assim como ás demais representações executivas se fazem presentes para contribuir com o processo ( atores visíveis e atores invisíveis). A ideia é romper com a pobreza descrita por Pedro Demo: [...] a dinâmica mais profunda da pobreza: sua politicidade. Ser pobre não é apenas não ter certas coisas. É principalmente ser destituído de ter e, em especial, de ser, um tipo de exclusão que tem em sua origem não só em carências materiais, mas mormente em imposições mobilizadas por processos de concentração de bens e poder por parte de minorias. Pobreza é carência politizada, no sentido de a carência servir para o favorecimento de alguns em detrimento de muitos. Temem um pobre que sabe pensar. Exigindo ser visto como protagonista, requer direitos, não apenas benefícios. É muito pobre nossa concepção de pobreza. Escondemos sob a capa superficial, por vezes até mesmo fútil, de estudos e políticas focados em benefícios materiais, um oceano de problemas muito mais graves, em especial o extermínio do sujeito capaz de história própria. Concebemos pobreza como nos convém, não como convém ao pobre. Segue que a ele reservamos, com naturalidade fria, propostas pobres. Em termos de pobreza, tudo é muito grave. “Mas nada é mais grave que a pobreza política” (DEMO, 2008). A gestão do esporte e o lazer promove assim um espaço educativo, o Fórum Social Indígena, é um espaço e um tempo de discussão de causas indígenas, dos problemas que afligem toda uma população e a riqueza desse processo de construção histórica centra-se no fato de que é nas relações estabelecidas ali, nas rodas de conversa, no debate com os representantes governamentais que a educação política vai se desenvolvendo, e os gestores vão identificando novas 252 Celebrando os jogos, a memória e a identidade demandas, e vai se construindo uma nova relação interétnica rumo ao reconhecimento dos envolvidos como seres políticos. Fórum social indígena: o diálogo promovendo possibilidades para a intersetorialidade A intersetorialidade pode se apresentar como uma das possibilidades de articulação entre os saberes e as ações, com vistas à superação das dificuldades coletivas, tornando-se mais seletiva e colaborando com a redução das desigualdades e com o bem estar social. Encontramos em Maesch (2008) uma caracterização sintética sobre intersetorialidade, como articulação entre sujeitos de setores diversos, de saberes, poderes e vontades diferenciados, para enfrentar questões complexas. Um espaço de encontro, diálogo e debates acerca das políticas públicas para os povos indígenas, assim vem se consolidando o Fórum Social Indígena, evento que acontece dentro do tempo e espaço dos Jogos dos Povos Indígenas. As mais de 39 etnias envolvidas no evento se organizam para debater temas como meio-ambiente, saúde, esporte e lazer, educação, igualdade racial e direito da mulher indígena, no sentido de melhorar a qualidade de vida e as políticas públicas que envolvem esses povos. Faz-se necessário esta postura intersetorial, enquanto um princípio que orienta a ação, com aparato governamental, considerando território e população. O XI Jogos dos Povos Indígenas, realizado no Tocantins, reuniu cerca de 1.400 indígenas, que para além da participação na corrida de tora, no arremesso de lança, na natação, arco e flecha, nas danças e demais modalidades esportivas e de lazer se organizaram para debater questões referentes ao ser índio na sociedade atual. Seicchi in Pinto (2011) contribui com esse olhar ao nos fazer refletir que “Não basta apenas dizer: “sou jovem”; “sou negro”; “sou índio”, é necessário que esses pertencimentos sejam aceitos e legitimados pelo Estado Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 253 e pela sociedade. Portanto, o critério de pertencimento supõe a pluralidade de percepções e de situações, isto é, supõe a legitimidade de múltiplos atores”. O Fórum Social Indígena aconteceu durante três dias, e um pouco do que foi dialogado neste espaço estaremos compartilhando aqui, no sentido de socializarmos as discussões, contribuir para com a continuidade dessa política pública promovida pelo esporte e lazer e para com as conquistas dos povos indígenas do Brasil. Importantes temas foram abordados durante a realização do Fórum Social em meio a XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas. Dentre eles: “Igualdade Racial e os Direitos da Mulher Indígena”; “Direito Indígena – Identidade, Cultura e Educação” e “Juventude Indígena Formação Superior Intercultural Bilíngue”. A cada conferência, além da apresentação de um convidado com significativa contribuição na área, foi garantido o espaço necessário para as intervenções do publico presente. Além disso, foram apresentados pelos coordenadores do Comitê Intertribal a proposta dos Jogos dos Povos Indígenas e do evento Rio+20, posteriormente realizado no RJ. Aos gestores do Ministério do Esporte, coube a reflexão sobre as ações desenvolvidas no âmbito do governo federal, sob o enfoque “Esporte e Tradição - Afirmação Étnica”, com destaque para o Programa Esporte e Lazer da Cidade. A primeira mesa foi organizada com o tema: Igualdade Racial e os Direitos da Mulher Indígena: Terra é Vida! A indígena Maria Helena Pareci se responsabilizou pela coordenação desta mesa que tinha como conferencista a ministra da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, a Secretária Nacional de Esporte e Lazer, o Secretário Estadual de Esporte do Tocantins e o Secretário de Cultura do município de Porto Nacional, tendo ainda como comentarista Miriam Terena. A ministra do SEPPIR destaca que este ministério foi criado a oito anos para trabalhar com questões que nunca haviam sido trabalhadas pelo governo 254 Celebrando os jogos, a memória e a identidade brasileiro, ficando as comunidades indígenas e negras a margem das políticas públicas. Não tendo espaço no Congresso Nacional, assim houve uma organização do movimento negro, tendo este se organizado para trabalhar pelos direitos relacionados a igualdade racial. As comunidades quilombolas foram catalogadas e assim como as indígenas identificando a necessidade da terra, da vida rural, confrontando com interesses do governo ou privado. Faz-se determinante criar espaços de discussões entre as comunidades da mata para que se identifiquem as lutas. As mulheres indígenas se identificam neste processo a partir da oportunidade de serem lideranças, de verificarem como, na atualidade, o indígena se encontra, estabelecendo um olhar acerca dos problemas que a comunidade enfrenta, se responsabilizando por verificar as possibilidades de intervenção para solução de problemas. O encontro das várias etnias é compreendido como uma possibilidade de aprendizagem, assim como o encontro com o não indígena, afinal, estamos construindo uma história de respeito a diversidade. A comentarista esclarece que o movimento das mulheres indígenas vem crescendo, chegando à aldeia as políticas públicas. A história indígena reflete uma luta da mulher por espaço, neste momento é destacado que as mulheres indígenas estão lutando para que tenham 15% de participação nos jogos, sendo ressaltado que neste evento tem delegação que não garantiu a participação feminina. O movimento indígena e negro feminino devem buscar a irmandade, pois as lutas são quase as mesmas (posse da terra, educação, saúde, respeito a diversidade, investimentos em fortalecimento da cultura), reivindicam a necessidade do SEPPIR abrir espaço de trabalho para um indígena, para que este possa lutar pelos direitos indígenas. A segunda mesa teve como tema PELC - Esporte Tradição e Afirmação Étnica, sendo coordenada pela professora e pesquisadora Maria Beatriz Rocha Ferreira; uma técnica do Ministério do Esporte foi a conferencista e Carlos Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 255 Terena, coordenador dos Jogos dos Povos Indígenas, Tainara Terena e Samira Tsibodowapre foram os comentaristas. Um breve histórico dos Jogos dos Povos Indígenas marcou o início desta mesa, problematizando questões como a dificuldade de recursos humanos para se discutir o desenvolvimento desse evento. O jogo dos sonhos, como é caracterizado pelo coordenador geral recebe a parceria do Ministério do Esporte, que por meio dos vários técnicos assessoram a elaboração do projeto e a organização da realização deste grande evento para as comunidades indígenas. Ocorre que há que se refletir acerca da sobrevivência dos jogos frente as mudanças de gestão, ficando a ressalva de que os povos indígenas são os grandes responsáveis pela realização deste evento e apoio do Ministério Esporte é determinante para a garantia de realização. O sonho do encontro dos povos com intercâmbio cultural e intercultural está se realizando e os limites e possibilidades desse processo foi destacado nesse momento, acrescentando a ideia de se envolver outros povos na realização e participação desse grande evento. De acordo com o coordenador geral dos jogos “... há que se envolver outros povos, ver as pinturas diferentes, a plumagem diferente, ... o índio está ficando diferente. A televisão enfraquece a cultura, o jovem tem vergonha de manter a cultura e os jogos são importantes para que o jovem veja a importância da língua e da cultura”. A participação indígena na discussão dos jogos, do esporte e lazer trouxe algumas reflexões quanto a importância destes para as comunidades e jovens, visto que os jogos transformam o povo, trazendo maior qualidade de vida, podendo contribuir para evitar o alcoolismo e o envolvimento com drogas. Os indígenas solicitaram uma política pública que implantasse ações de esporte e lazer nas aldeias, com professores qualificados e ainda que as lideranças indígenas sejam preparadas para assumir os jogos, entender como o esporte não indígena está presente na atualidade nas comunidades indígenas, em especial 256 Celebrando os jogos, a memória e a identidade o futebol, sendo questionado o valor da competição nesta modalidade. Os indígenas que participaram desse momento destacaram o desejo de conhecer e aprender para assim defender o seu povo. Com o tema Direito Indígena – Identidade, Cultura e Educação, a terceira mesa se desenvolveu, sob a coordenação de Cristine Maxakali, tendo como conferencistas uma representante do Ministério da Educação e uma do Ministério da Cultura e como comentarista uma representante da Secretaria de Educação do Estado do Tocantins. O Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, busca promover a educação escolar indígena, inovando o sistema de ensino com a possibilidade do ensino intercultural, específico e diferenciado. A busca pelo respeito a diversidade sociocultural é um dos grandes desafios das políticas públicas, compreendendo diversidade como um recurso enriquecedor. A interculturalidade na educação e na comunicação pode contribuir para políticas pluriculturais e plurilíngues, agregando o valor social da diversidade entendida como patrimônio da nação A busca do Ministério da Educação é pela autonomia pedagógica das escolas indígenas, local onde as línguas indígenas são tratadas como línguas de conhecimento, na compreensão ampla de educação escolar própria a cada realidade sociocultural, e mais ainda reconhecendo a distinção entre educação indígena e educação escolar indígena. Os indígenas trazem a dificuldade quanto á relação estabelecida com os órgãos responsáveis pala gestão da educação e a nível Estadual questionam a necessidade de se ter um indígena como coordenador de assuntos educacionais, observando que no Tocantins já existem pessoas capacitadas para tal função. Já o Ministério da Cultura, destaca que vem trabalhando por meio da Secretaria de Diversidade e Identidade Cultural no sentido de desenvolver ações transversais, tanto no âmbito governamental, quanto por meio de diálogos Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 257 diretos com a sociedade civil, promovendo a interlocução com setores culturais, notadamente, desprovidos de políticas públicas e/ou onde o braço do Estado não lhes alcança. Neste sentido, instituiu em 2005, o Grupo de Trabalho para Identificar Políticas Públicas para a Cultura Indígena, com a finalidade de indicar políticas públicas para a cultura indígena, em parceria com os povos indígenas, através de uma metodologia de atuação que contemple efetivamente a interlocução com representações. Dentre a promoção de Campanhas que visam à valorização da Cultura Indígena, oferta de Oficinas para Elaboração de Projetos voltados para Lideranças Indígenas, realização de Encontro entre Povos, esta o Ponto de Cultura – uma ação do Programa Mais Cultura, que tem o objetivo de preservar, valorizar e fortalecer a identidade cultural das comunidades indígenas; utilizando dentre outras ferramentas, as novas tecnologias da comunicação digital. O tema Economia Verde e Sustentabilidade Indígena foi abordado por Marcos Terena e Fernanda Kaingang, que abordaram a realização do evento Rio+20. Foi esclarecido que tudo começou na Rio 92, podendo verificar entre os participantes quem esteve presente no evento realizado a 20 anos atrás, sendo que o objetivo agora na RIO + 20 é verificar o que mudou nesse período com relação ao meio ambiente, ressaltando que hoje tem muita destruição causada pelo crescimento urbano (do branco destruindo a natureza), a poluição do ar, os venenos agrícolas, alto índice de câncer, necessitando o não indígena estabelecer um olhar para as plantas, pois nelas estão as possibilidades para a elaboração de medicamentos que podem curar as doenças do mundo atual. A participação indígena é muito importante, visto que são 240 povos, ou seja, 240 sabedorias. Estes espaços de discussão devem ter a participação dos indígenas, para que todos possam conhecer sua sabedoria e os indígenas possam também conhecer a sabedoria do não indígena. Neste processo se faz necessário que os indígenas busquem as universidades, estudando, pesquisando, 258 Celebrando os jogos, a memória e a identidade aprendendo outras línguas, nunca esquecendo o respeito pelos anciãos e o cuidado para com as crianças. O indígena deve compreender como pode participar efetivamente desse evento que se discute a economia verde, em que se fala do meio ambiente e para que haja esse protagonismo é importante que o indígena entenda que esse interesse deve ser seu: cuidar da terra, do lugar onde vivem, é interesse das comunidades indígenas. Desta forma há que se buscar saber como vai funcionar as pautas, discutir a economia verde na visão do indígena ou do não indígena e afinal, o que é a economia verde? Os povos indígenas não tem representação nos segmentos de discussão da Rio +20, daí a necessidade de se reconhecer o significado do que é economia verde para saber promovê-la. E assim caminham, os indígenas, rumo a defesa dos seus territórios e conhecimentos, estudando o conhecimento do não indígena para defender os seus. O indígena contemporâneo deve lutar pela de segurança jurídica de suas posses, e isso inclui seus conhecimentos e fórmulas, que ao saírem da aldeia já não fazem mais parte dela, tornam-se domínio publico. A Rio +20 está incentivando os representantes indígenas a estudarem as pautas a serem discutidas, a buscarem o conhecimento do inglês e do espanhol, pois não querem ir só para desfilar cocar e sim para participar efetivamente do evento. Considerações finais O esporte e o lazer como espaço de educação popular, de incentivo ao protagonismo na busca das lutas das minorias sociais e do senso de pertencimento. Os Jogos dos Povos Indígenas instigam a comunidade indígena e não indígena a reconhecerem e discutirem as causas que envolvem as etnias brasileiras, promovendo a diversidade. A busca pelo diálogo entre comunidade e os diversos setores da gestão pública, fomentam uma ideia de política pública intersetorial. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 259 A realização do Fórum Social Indígena fortalece um espaço de conversa acerca de ações e programas do Governo Federal, das mais diferentes áreas, que tenham como intento maior fomentar o desenvolvimento social e humano nas comunidades indígenas. Apesar dos avanços, muitos são os desafios a serem superados, especialmente por aqueles que tratam do fazer público (gestores). Considerar questões como extensão territorial, densidade demográfica, diversidade cultural, entendimento com relação ao lazer, conhecimentos administrativos e legais, além de infraestrutura e orçamento, é de fundamental importância, visto as especificidades do público alvo a ser beneficiado, objetivando a implantação de uma política verdadeiramente inclusiva, que cumpra com os desígnios legais, necessários a gestão do recurso público. Os povos indígenas após anos de buscas por parcerias veem esta possibilidade consolidando, podendo ser comprovado esse avanço em 2012, quando os frutos desta relação e dos avanços trazidos pelos Jogos dos Povos Indígenas. A experiência da implantação de três núcleos pilotos do Programa Esporte e Lazer da Cidade Indígena (Xavante, Terena e Wai Wai), possibilitou o Ministério do Esporte a assumir outros desafios visando à ampliação do acesso ao esporte e ao lazer, enquanto direito social. O PELC, como é chamado, é um programa que visa ampliar, democratizar e universalizar o acesso ao esporte recreativo e de lazer, favorecendo o desenvolvimento humano e a inclusão social. Ao garantir o investimento na contratação de recursos humanos, compra de material, promoção de atividades sistemáticas e assistemáticas, além da formação de agentes sociais, os PELC’s Indígenas poderão oportunizar as etnias beneficiadas, o resgate e a valorização das práticas tradicionais indígenas como: corridas, cabo de guerra, canoagem, arco e flecha, brincadeiras no rio e atividades culturais; como também as etnias que assim desejarem a vivência de esportes não tradicionais como o vôlei e o futebol. 260 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Neste sentido, aponta-se como desafio para o poder público a efetivação em maior escala, de ações sistemáticas que garantam de forma eficaz o direito ao esporte e ao lazer às comunidades indígenas no Brasil. Faz-se necessário e urgente a promoção de espaços qualificados para o diálogo, entre gestores e representantes indígenas de diferentes etnias, a exemplo do Fórum Indígena mencionado, com vistas a garantir o reconhecimento e respeito aos seus direitos pelo Estado e pela sociedade civil. Este processo é educativa visto que promove a formação de quadros indígenas, ou seja, o fomento ao surgimento de novas lideranças, para que possam opinar discutir e decidir o futuro das próximas gerações. REFERÊNCIAS DEMO, Pedro. Pobreza Política. Campinas-SP. Autores Associados, 2006. FUKS, Mario. Arenas de ação e debate públicos: conflitos ambientais e a emergência do meio ambiente enquanto problema social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Serzedello Corrêa, 1998. KINGDON, John W. Agendas, Alternatives, and Public Policies. 2 ed. Nova York, Harper Collins College Publishers, 1995. KINGDON, John. Como chega a hora de uma ideia? In.: SARAVIA, Enrique e FERRAREZI, Elisabete (Org.). Políticas Públicas. Brasília: ENAP, 2006. PINTOS, Leila. Brincar, Jogar, Viver: IX Jogos dos Povos Indígenas. Brasília, Gráfica e Editora Ideal, 2011. ROCHA FERREIRA, M. B. Jogos dos povos indígenas: tradição e mudança. Rev. Educ. Fís. Esp, São Paulo, v. 20, Suplemento n. 5, 2006. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 261 TERENA, M. O brincar, jogar e viver indígena: os jogos para o Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena. In.: PINTO, L.M.S.M.; GRANDO, B. S (Org.). Brincar, jogar, viver: IX Jogos dos Povos Indígenas. Cuiabá: Central de Texto, 2009. TERENA, C.J. O importante não é ganhar, mas celebrar. Revista de História da Biblioteca Nacional, 2007. 262 Celebrando os jogos, a memória e a identidade APORTES FINAIS Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha Agradecemos ao Ministério do Esporte, ao Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena, à Universidade Federal da Grande Dourados e a todos os autores que se dedicaram para a elaboração deste livro CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE: XI Jogos dos Povos Indígenas – Porto Nacional – Tocantins, 2011. As pesquisas textuais e imagéticas dos autores contribuíram para que esta obra se tornasse realidade. O livro retrata mais uma etapa do processo de consolidação da política pública de esporte e lazer, o exercício dos direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988, o protagonismo indígena e as ações dos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. As vozes dos líderes indígenas Marcos e Carlos Terena, dos representantes dos povos indígenas participantes refletem uma retomada e a autodeterminação desses povos, no processo de revitalização das culturas e de resistência aos processos de dizimação cultural. A linguagem corporal representada pelas práticas corporais – jogos, danças, rituais, o artesanato e as discussões no fórum social – estabelecem diálogos entre o conhecimento ancestral ainda presente na atualidade, o conhecimento técnico-científico, o governo e a sociedade civil. Os legados dos XI Jogos dos Povos Indígenas – Porto Nacional – Tocantins, 2011, associados às outras edições, são imensuráveis! Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 263 Roberta Tojal SOBRE OS AUTORES Marcos Mariano Terena Filho da Nação Indígena Terena de Mato Grosso do Sul; Fundador do 1o movimento indígena brasileiro – a União das Nações Indígenas; Professor da Cátedra Indígena Intercultural – CII; Membro do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena; Membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e Articulador Internacional dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas - Brasil 2015. Carlos Justino Terena Filho da Nação Indígena Terena de Mato Grosso do Sul, Liderança indígena, mentor e organizador dos Jogos dos Povos Indígenas, fundador e membro do Comitê Intertribal Ciência Indígena, diretor de eventos culturais e esportivos da Funai. Rejane Penna Rodrigues Licenciada e Mestre em Educação Física, foi Diretora de Operações e Serviços/ Autoridade Pública Olímpica; Secretária Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer/Ministério do Esporte; Secretária Municipal de Esporte, Recreação e Lazer de Porto Alegre; assessora do Governo Estadual do Rio Grande do Sul e integra quadro da Secretaria de Esporte e Lazer de Porto Alegre. Tem e internacionais. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 265 Leila Mirtes Magalhães Pinto Doutora em Educação pela UFMG. Mestre em Educação Física pela Unicamp. Docente aposentada da UFMG. Foi consultora de esporte/lazer nas prefeituras de Belo Horizonte e Betim; diretora do Departamento de Ciências e Tecnologias do Esporte do Ministério do Esporte; supervisora da Autoridade Pública Olímpica; e consultora de lazer, cultura e esporte do Departamento Nacional do SESI e DR-Bahia. Pesquisadora nas áreas do esporte e lazer, tem várias publicações, dentre elas várias indígenas. Deoclecio Rocco Gruppi Possui graduação em Educação Física pela UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES, UMC (1988) e Mestrado em Educação pela UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA, UNIMEP(2001). Doutorado em Educação Física pela UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, Unicamp (2013). Atualmente é professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física na Educação Básica, atuando principalmente nos seguintes temas: educação física, ção, jogos indígenas. Vera Regina Toledo Camargo Doutora em Comunicação, pós-doutorado pelo Multimeios-Unicamp. Pesquisadora na Unicamp, no Laboratório de Jornalismo (Labjor). Professora (IEL-Labjor-Unicamp), trabalhando com Estudos Culturais e a Comunicação de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: Comunicação 266 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Khellen Cristina Pires Soares Graduada em Educação Física pela ESEFFEGO (1999), especialista em Gestão Pública pela UFT (2011), Mestre em Educação pela UCG (2006), doutoranda em Estudos do Lazer pela UFMG. Atualmente sou professora do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. Possuo experiência na área da educação física, tendo atuado na educação básica do Estado do Tocantins; como gestora na Secretaria de Esporte do Estado do Tocantins, como assessora técnica na coordenação de educação indígena e ainda como coordenadora e professora de curso de licenciatura em Educação Física. Formadora do Programa Esporte e Lazer na Cidade (PELC) - Ministério do Esporte e participo do Núcleo de estudos sobre Aprendizagem na Prática Social, onde desenvolvo estudos relacionados com os temas: Cultura, Lazer e Indígenas. Ana Elenara Pintos Graduada em Educação Física Plena pela URCAMP (2003), especialista em Metodologia do Ensino da Educação Física e Esporte pela Universidade Portal (2008) e Habilitada para o Magistério pela E.E. Liberato Salzano Vieira da Cunha (1997). Professora da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul possui experiência com educação de crianças, jovens, adultos e idosos tanto no âmbito da Alfabetização quanto da Educação Física. Coordenou um dos dez PELCs Piloto do Ministério do Esporte em Bagé/RS, município em que atuou como Secretária Municipal de Esporte e Lazer. Atualmente esta cedida para o Governo Federal à frente da Coordenação Geral de Esporte e Lazer/ Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 267 SNELIS – Ministério do Esporte. Titular nos Conselhos dos Direitos da Pessoa Idosa – CNDPI e Igualdade Racial – CNPIR. Maria Clara Ferreira Guimarães Experiências em organização e análise linguística de textos pela Unicamp. Ensino na área de segunda língua (alemão, português e inglês) e ensino no geral (aulas de apoio escolar), bem como pesquisa nesta área. Bolsista CNPq Jornalismo (Labjor) da Unicamp nos anos de 2012 e 2013, bolsista Santander em Portugal no segundo semestre de 2013, intercâmbio na Alemanha em janeiro de 2008 a janeiro de 2009 e primeiro semestre de 2014. Heloisa Guimarães Graduada em Linguística pela USP e Línguas Português e Inglês na Mackenzie, Experiências em linguista em diferentes setores acadêmico e industrial português e inglês, graduada em Linguística pela USP e Letras Português e Inglês pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. José Ronaldo Mendonça Fassheber físico. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Estadual do Centro Oeste - PR e Professor Colaborador do PPGH da Unicentro. Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1993), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998) e doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Tem maior experiência, produção e atuação em Antropologia 268 Celebrando os jogos, a memória e a identidade Social, com ênfase em Antropologia do Corpo e da Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: Corpo e sociedade, Kaingang, etnohistória e etnologia indígena e também nas relações de gênero. Em 2009, recebeu o 1º Premio Brasil de Esporte e Lazer de Inclusão Social do Ministério do Esporte autor de Etno-deporto Indígena, a Antropologia Social e o Corpo entre os Kaingang. Brasília: Ministério do Esporte, 2010. Liliane da Costa Freitag Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1991), mestrado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1997) e doutorado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Centro-Oeste e pertence ao quadro docente do Programa de Pós-graduação em História, área de concentração História e Regiões. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Latino-Americana, atuando principalmente nos seguintes temas: região, identidade, cultura, historiogra- Levi Marques Pereira Professor associado da Universidade Federal da Grande Dourados, onde leciona na Faculdade Intercultural Indígena (Licenciatura Intercultural Indígena - Teko Arandu, desde 2006). Participa dos programas de pós-graduação em Antropologia e História. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Etnologia Sul-americana, atuando principalmente nos seguintes temas: parentesco e organização social, educação indígena, antropologia da religião, infância e gênero, história indígena, terras indígenas e movimento social. Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.) 269 Roberta Tojal Roberta Tojal Maria Beatriz Rocha Ferreira Graduada e Mestre em Educação Física pela Universidade de São Paulo, Doutorado em Antropologia pela Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos, Livre Docente pela Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. Professora Visitante nas Universidades Católica de Leuven, Bélgica, Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná e atualmente Professora Nacional Visitante Sênior da CAPES/UFGD na Faculdade de Educação da UFGD. Experiências em pesquisas na linha de Educação, Esporte e Diversidade com enfoque antropológico, atuando principalmente em temáticas sobre educação, interculturalidade, esportes tradicionais, povos indígenas e processos civilizadores. Marina Vinha Graduada em Educação Física pela UFMS, Mestrado e Doutorado em Educação Física pela Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. Experiências na formação de professores indígenas em nível Médio e Superior, pesquisadora nas linhas de Educação, Lazer e Esporte com enfoque sócio-antropológico, atuando principalmente com temáticas sobre a ludodiversidade indígena. Professora efetiva na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), nos cursos de Educação Física, Licenciatura Indígena e Pedagogia. CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE é uma obra interdisciplinar sobre a XI Edição dos Jogos dos Povos Indígenas, realizada no município de Porto Nacional, Tocantins, em 2011. O livro se propõe a registrar e analisar informações referentes à memória deste evento, busca identificar e compreender os principais legados do protagonismo indígena. Aponta rumos para a elaboração de políticas públicas de esporte e lazer para indígenas no Brasil. A metodologia do livro seguiu os seguintes critérios: processos históricos e significados dos jogos, pesquisas e legados, e desdobramentos sócio-antropológicos. Os autores são pesquisadores especialistas que participaram na organização do evento, no trabalho de campo e na análise das informações. O conjunto dos artigos traz benefício teórico aos leitores por elucidar o construto do evento na lógica interna e externa das práticas corporais, do fórum social e das redes de inter-relações, de forma a ampliar o conhecimento acerca desse universo pouco difundido. Todos os artigos estão publicados na Edição Eletrônica, indexada no “Repositório Vitor Marinho” - REDE CEDES, Ministério do Esporte. Foto da capa: Fernando Amazônia ISBN 978-85-917811-7-1 9 788591 781171 Ministério do Esporte Secretaria Nacional, esporte, educação, lazer e inclusão social (Snelis)