CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE:

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Maria Beatriz Rocha Ferreira
Marina Vinha
(Organizadoras)
CELEBRANDO OS JOGOS,
A MEMÓRIA E A IDENTIDADE:
VENDA PROIBIDA
XI Jogos dos Povos Indígenas
Porto Nacional – Tocantins, 2011
“O importante não é competir, mas
celebrar” é lema que permeia os jogos dos povos indígenas. A importância do celebrar é uma das raízes
da saúde social de cada povo, assim
como é reconhecido pelos organizadores como um dos eixos de suas
identidades. As metas e as ações específicas deste brasileiríssimo evento energizam cada um dos povos
participantes. O livro, em seu conjunto, mostra a complexidade étnica
diante das questões lúdico-esportivas. O evento constitui espaços que
envolvem um grande número de
etnias, propicia troca de saberes e
encaminhamentos políticos. Revitaliza processos de esquecimento e de
salvaguarda das culturas indígenas.
Envolve conhecimentos ancestrais,
científico e político governamental.
A XI edição foi uma realização do
Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC) com a parceria do
Ministério do Esporte e apoio dos
diversos órgãos governamental das
esferas do município e estado sede
e do governo federal.
Dourados
2015
Copyright © 2015 para as organizadoras
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, sem citação da fonte, por qualquer processo
Todos os direitos reservados desta edição 2015 às organizadoras
COORDENAÇÃO GERAL
Maria Beatriz Rocha Ferreira
CAPES/PNVS/Universidade Federal da Grande Dourados
[email protected]
Marina Vinha
UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados
[email protected]
COORDENAÇÃO
Vera Regina Toledo Camargo
LABJOR - Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp
Fotos
Fernando Amazônia
Roberta Tojal
Acervo Jogos dos Povos Indígenas
Edição e Produção Editorial
Carlos Alexandre Venancio
[email protected]
Capa
Michele Cristina Tieni
Bibliotecária
Simone Rafael - CRB 9/1356
Tiragem
1000 exemplares
Impressão
DOURADOS, 2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
F383c
Celebrando os jogos, a memória e a identidade: XI Jogos dos Povos indígenas. Porto Nacional - Tocantins,
2011 / Maria Beatriz Rocha Ferreira, Marina Vinha, organizadoras.-- Dourados: UFGD, 2015.
272 p.
ISBN 978-85-917811-7-1
Jogos indígenas - XI Jogos dos Povos indígenas. I. Ferreira, Maria Beatriz Rocha. II. Vinha, Marina. III. Título.
CDD 980.41
VENDA PROIBIDA
Os Jogos dos Povos Indígenas são um sonho indígena que vem sendo
realizado, e por onde passam etnias e etnias, onde o Índio tem voz e onde a
celebração e a alegria formam uma convivência intertribal como exemplo de
paz, dignidade, soberania e respeito mútuo para o mundo moderno.
MARCOS TERENA, 2015
Fernando Amazônia
SUMÁRIO
Apresentação ......................................................................9
Prefácio ............................................................................ 11
Entrevista Carlos Justino Terena:
XI Jogos dos Povos Indígenas ........................................ 17
Entrevista Marcos Terena:
A trajetória de um projeto de vida ................................ 23
PARTE I PROCESSOS HISTÓRICOS E SIGNIFICADOS
Capítulo 1 A Política Pública do Ministério do Esporte
e os Jogos dos Povos Indígenas ................................ 29
Rejane Penna Rodrigues
Capítulo 2 Legados dos Jogos dos Povos Indígenas .................. 37
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Capítulo 3 Memória, celebração étnica e identidade:
os jogos indígenas como um caminho
para o empoderamento ............................................ 57
Olga Rodrigues de Moraes von Simson
Capítulo 4 Jogos dos Povos Indígenas brasileiros:
patrimônio, cultura e comunicação ........................ 65
Vera Regina Toledo Camargo
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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PARTE II PESQUISAS E LEGADOS
Capítulo 5 Contextualizando a avaliação dos
XI Jogos dos Povos Indígenas – JPIs........................ 75
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Capítulo 6 XI Edição Jogos dos Povos Indígenas: organização,
etnias, práticas corporais ........................................ 83
Deoclécio Rocco Gruppi
Capítulo 7 Jogos dos Povos Indígenas: redes de
interdependências, percepções
indígenas e mimesis ................................................. 99
Maria Beatriz Rocha Ferreira
Capítulo 8 A comunidade indígena e suas percepções dos
XI Jogos dos Povos Indígenas - JPIs ...................... 119
Maria Clara Ferreira Guimarães
Maria Heloisa Guimarães
PARTE III DESDOBRAMENTOS SOCIOANTROPOLÓGICOS
Capítulo 9 Iniciativas indígenas: Jogos Escolares
Brasileiros e Comitê Intertribal –
Memória e Ciência Indígena ................................. 169
Deoclécio Rocco Gruppi
6
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Capítulo 10 A União das Nações Indígenas:
política, esporte e história...................................... 193
Graziella Reis de Sant’Ana
Capítulo 11 Xikunahaty (1914 -2014) ....................................... 211
José Ronaldo Mendonça Fassheber
Liliane da Costa Freitag
Capítulo 12 Saúde social: fonte revitalizadora
dos Jogos dos Povos Indígenas .............................. 229
Marina Vinha
Capítulo 13 Fórum social indígena: o esporte e o lazer
provocando um diálogo intersetorial ................... 247
Khellen Cristina Pires C. Soares
Ana Elenara da Silva Pintos
Aportes finais ................................................................. 263
Sobre os autores ............................................................. 265
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Fernando Amazônia
A PRESEN TA ÇÃ O
Sinto-me honrada em apresentar este livro - “Celebrando os Jogos, a Memória e a Identidade: XI Jogos dos Povos Indígenas - Porto Nacional – Tocantins, 2011” -, organizado pelas pesquisadoras Maria Beatriz Rocha Ferreira e
Marina Vinha.
O Ministério do Esporte, por meio da sua Secretaria Nacional de Esporte,
Educação, Lazer e Inclusão Social – SNELIS – têm compromisso com a política de esporte e lazer voltado à garantia dos diretos de todos brasileiros. E por
isso vem atuando de forma crescente para a implantação de Políticas Públicas
para os Povos Indígenas, com a implantação de um Piloto de Infraestrutura
esportiva e de lazer em comunidade indígena, a criação da Coordenação Geral de Políticas Esportivas Indígenas, apoio a Jogos Indígenas locais, Jogos
Nacionais e à 1º Edição dos Jogos Mundiais, núcleos em comunidade indígena do Programa Forças no Esporte, Esporte e Lazer da Cidade, pesquisas e
publicações sobre Políticas Públicas de Esporte e Lazer para os povos indígenas, implantação da atividade Esporte da Escola/Mais Educação em Escolas
indígenas, projetos chancelados na Lei de Incentivo ao Esporte. Esse conjunto
de iniciativas resultou numa ampliação de recursos aplicados em demandas
indígenas, de 100.000,00 anual até 2013 para 5.700.000,00 em 2014, e para
2015 já previsto 4.100.000,00 nas ações orçamentárias da SNELIS.
Portanto essa publicação vem retomar dados levantados por ocasião da
realização, em 2011, dos XI Jogos dos Povos Indígenas, e com isso esta a
obra coloca em cena este evento que se destaca entre o conjunto de iniciativas
acima citadas.
O trabalho de avaliação dos Jogos realizado naquela ocasião reuniu a participação de diversos colaboradores, entre pesquisadores, gestores e servidores
atuantes no Governo Federal, Estado de Tocantins e Município de Porto Nacional, revelando um exercício coletivo não só de busca de informações que
contribuir com maiores conhecimentos valorização da cultura indígena.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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e identidade indígena aparecem não só como objeto de várias práticas vividas
nas práticas analisadas como também de cenas e linguagens da sociabilidade
indígena.
O livro reúne 15 artigos, organizados em três partes. A primeira, focaliza
deste evento, que é parte do projeto de vida dos irmãos Marcos e Carlos Terena, como a importância dos Jogos dos Povos Indígenas para o empoderamento
e a preservação de patrimônio e identidade indígena; quanto o que os Jogos
A segunda parte, intitulada “pesquisa e legados”, se detém, especialmente
no contexto de realização da XI Edição dos Jogos, realizada em Porto Nacional/TO, apresentando dados interessantes sobre a organização, realização e
avaliação das atividades realizadas, destacando a percepção da comunidade
indígena sobre esta vivência.
A terceira e última parte do livro é dedicada a “desdobramentos socioantropológicos”, que aprofundam a discussão em questões decorrentes do estudo
lação dos Jogos dos Povos Indígenas com o esporte, outras práticas culturais,
a saúde social e discussões políticas intersetoriais.
Os diferentes artigos, redigidos por pesquisadores e gestores com experiência nos Jogos dos Povos Indígenas, apresentam dados relevantes tanto para as
pessoas que iniciam suas leituras sobre os Jogos dos Povos Indígenas – sua
melhor a vida cotidiana, tradições e práticas corporais indígenas.
Por isso, o nosso orgulho em apresentar essa obra, que convido você leitor
a mergulhar no que ela nos proporciona e instiga a conhecer mais.
Andréa Nascimento Ewerton
Diretora do Departamento de Desenvolvimento e
Acompanhamento de Políticas e Programas Intersetoriais – DEDAP Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão
Social – SNELIS, Ministério do Esporte.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
PREFÁ CIO
Os artigos reunidos na coletânea Celebrando os Jogos, a Memória e a
Identidade
Jogos
dos Povos Indígenas no Brasil. Trata-se de um evento realizado desde 1996
pelo Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC), coordenado pelos indígenas terena Marcos e Carlos. Essa iniciativa inovadora está articulada, desde suas primeiras edições, com demandas dos próprios povos indígenas, incorporadas em suas várias edições. A coletânea foi elaborada a partir
das motivações oriundas das discussões produzidas no XI evento realizado
em Porto Nacional, Tocantins, em 2011, mas os artigos aí reunidos permitem
visualizar o conjunto dessa experiência e do modo como ela se consolidou ao
longo das últimas duas décadas.
Vários esportes praticados na sociedade brasileira foram recepcionados
pelos indígenas, com destaque para o futebol, profusamente praticado pela
maior parte dos povos indígenas. Estas apropriações sempre se realizam em
ciabilidade, constituindo um campo profícuo para o esforço de compreensão
e análise. Cabe destacar aqui que a partir da experiências da organização dos
Jogos Indígenas, estes povos encontraram a oportunidade de trazerem para a
cena do esporte nacional as práticas corporais desenvolvidas em suas próprias
sociedades desde tempos imemoriais. Tal constatação tem profundas implicações não só no campo das práticas esportivas, mas também no campo da
política e, mas diretamente das políticas culturais destinadas ao esporte.
Ao longo de sua trajetória o evento dos jogos indígenas se constituiu como
espaço ou canal de interlocução entre povos indígenas. Criou-se entre esses
povos das várias regiões do país um ambiente apropriado à aproximação, ao
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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os próprios jogos e seu papel na produção da indianidade. No ambiente dos
práticas corporais e, sobre a necessidade de desenvolvimento de políticas indígenas e indigenistas direcionadas ao fortalecimento de atividades corporais
culturalmente valorizadas. Paralelamente, esses eventos propiciam também o
diálogo sobre uma série de outros temas que estão na pauta dos povos indígenas na atualidade, tais como a participação indígena na elaboração e implementação de políticas públicas voltadas para a educação, saúde, meio ambiente, sustentabilidade, cultura, etc. A realização dos jogos proporciona ainda a
envolve, por um lado, vários povos indígenas e, por outro, os diversos atores
da sociedade nacional, envolvidos em um mesmo cenário, como destacam
vários artigos da coletânea.
Gostaria de destacar a atualidade das temáticas discutidas nos jogos e o modo
como tal discussão está em sintonia com tendências atuais de reposicionamento nas formas de interlocução entre o mundo indígena e os Estados nacionais.
Como sabemos, historicamente tais relações foram marcadas pela colonialidade
do poder e do saber, com transplantação de sociedades nacionais, estabelecidas
à força sobre os territórios indígenas, a partir da imposição de formas autoritárias e etnocêntricas, que desconsideravam as práticas culturais indígenas. Grande esforço tem sido dispendido por lideranças políticas e intelectuais engajados
na descolonização dessas relações. Creio ser possível defender o argumento de
que os jogos se caracterizam como práticas de descolonização, daí mais um
destaque a importância da presente publicação, que dá visibilidade e amplia o
debate sobre essa importante iniciativa dos povos indígenas.
O movimento de descolonização dos povos indígenas ganhou força a partir da segunda Guerra Mundial, quando os horrores da guerra e as tentativas
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
de extermínio de povos, chamaram a atenção dos líderes mundiais reunidos
na ONU para a necessidade de descolonizar as relações entre povos. É nesse contexto que a UNESCO publica o documento Raça e História, cujo texto
foi elaborado pelo antropólogo Lévi-Strauss, como uma espécie de manifesto
relativista e antirracista. A partir dessas mudanças de orientação no nível das
organizações internacionais, o povos indígenas conseguiram várias conquistas
rar a reversão das relações de colonialidade, abre espaço para a construção de
outras estratégias relacionais, às quais os líderes indígenas parecem estar muito
atentos.
É importante considerar, a favor do argumento da sintonia da experiência
dos jogos indígenas com tendências atuais de transformação do lugar a ser
ocupado pelos povos indígenas e suas culturas na relação com os Estados
nacionais, que o seu principal organizador, o indígena Marcos Terena, é um
intelectual com grande circulação em fóruns de discussão da questão indígena
fora do Brasil, o parece ter permitido que captasse tendências que circulam
nestes espaços. Esta experiência internacional parece ter favorecido para ele
vislumbrar nos jogos uma oportunidade para construção de novo campo de
diálogo entre os povos indígenas e entre eles e a sociedade nacional.
Retomando a perspectiva histórica, é possível dizer que durante muito tempo predominou a tendência de imaginar que o destino irrefutável dos povos indígenas seria o abandono das formas de distintividade étnica e cultural. Dessa
forma, acreditava-se que o s sistemas culturais indígenas se extinguiriam com
a completa adesão aos sistemas culturais impostos pelos Estados nacionais.
Eventos como os jogos indígenas evidenciam que tal movimento não aconteceu do modo como os promotores de políticas e práticas assimilacionistas
imaginaram. Pelo contrário, eventos como os jogos indígenas evidenciam a
presença de líderes indígenas posicionados como contemporâneos do tempo
histórico atual, manifestando grande capacidade e criatividade ao assumirem
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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a condução das produções/reproduções/transformações de seus sistemas culturais. O mais incrível é que a inovação e a criatividade aparecem como elementos potenciadores da indianidade, ou da valorização da “tradição” indígena, como muitos desses líderes destacam em seus discursos e em suas ações.
Estudos conduzidos por antropólogos até a década de 1980 tendiam a ensubstituição pelas culturas nacionais hegemônicas. A partir desse período, um
número crescente de antropólogos começou a se dar conta de um fenômeno
novo, podendo ser denominado de renascimento cultural indígena. A mudança
da postura dos indígenas frente a sua cultura “tradicional” e às iniciativas de
imposição de práticas culturais alienígenas, chamou a atenção do antropólogo
Terence Turner. Ele comparou sua experiência inicial com os Kayapó, ainda
na década de 1960, com o reencontro com esse povo, mais de trinta anos
depois. Na percepção do autor, após o trauma inicial do contato, os Kayapó
haviam re-descoberto a “cultura” e aprendido a operar com ela nas inúmeras
relações que estabeleciam com a sociedade nacional brasileira. Nesse processo, de certa forma haviam expandido e aprofundado sua indianidade. Assim,
o autor acredita que lograram desenvolver importantes formas de autoconsciência étnica e cultural.
O desenvolvimento dessa autoconsciência étnica e cultural parece ter se
tornado uma necessidade para a continuidade do povo, cuja história é abruptamente transformada pela relação compulsória e necessária com diversos
segmentos da sociedade nacional. Entretanto o fenômeno não parece ser restrito aos Kayapó, pelo contrário, é uma experiência comum a diversos povos
indígenas no Brasil e em outros Estados nacionais. Os jogos indígenas podem
ser considerado como uma expressão dessa autoconsciência étnica e cultura.
Permite aos indígenas se reposicionarem nas relações que estabelecem entre
si (entre povos indígenas) e com o seu entorno (a sociedade nacional). Nos
jogos se apresentam como povos complexos e diversos, com uma gama de
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
expressões corporais e esportivas. Nessas novas formas de interação, trazem
para o diálogo suas pautas culturais.
Marshall Sahlins, outro antropólogo dedicado a compreensão desse movimento de inovação das relações interétnicas a partir de pautas culturais indígenas, discute em várias publicações o fenômeno por ele denominado de indigenização da modernidade. Na percepção do autor, o pessimismo sentimental,
característico do período em que os antropólogos não conseguiam enxergar
percepção oposta: os povos indígenas não apenas continuarão existindo, mas
serão capazes de exercer a expansão de sua cultura, inclusive sobre as culturas
hegemônicas, impostas pelos Estados nacionais.
Assim, é possível propor que os jogos indígenas se situam nesse movimenos povos indígenas se reposicionam, rompendo a posição de subalternidade
impostas pelos Estados nacionais. Tais práticas são um novo campo de diálogo, rompendo posições de hierarquia arbitrárias e ultrapassadas, constituindo
uma nova base para relações mais simétricas. A sociedade nacional é convidada a observar e aprender com as práticas corporais indígenas, que remetem a formas de convivências que podem ser muito úteis para a superação de
problemas sociais características dos Estados nacionais, como o recorrente
fenômeno da violência. Nesse sentido, parabenizo a sensibilidade dos organizadores da coletânea por motivarem os autores aqui reunidos a nos brindar
com o compartilhamento dos resultados de suas pesquisas.
Levi Marques Pereira
Professor da Universidade Federal da Grande Dourados.
Leciona na Faculdade Intercultural Indígena e participa dos
programas de pós-graduação em Antropologia e História.
março de 2015
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Fernando Amazônia
ENTREVISTA CARLOS JUSTINO TERENA –
XI JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS
Local por telefone – 18 de janeiro de 2015
Entrevistadora – Maria Beatriz Rocha Ferreira
Carlos, boa noite. Estamos fechando o livro sobre os XI Jogos dos Povos
Indígenas realizado em Porto Nacional, Tocantins em 2011. Você pode nos
responder algumas questões sobre o evento? Como foi a experiência dos XI
Jogos e o que foi diferente naqueles Jogos?
CARLOS – Acho que ali tentamos fazer depois de muitos anos a estrutura de uma ilha. Tivemos dificuldades de fazer, mas conseguimos construir as
ocas dentro de uma ilha, de uma ilha fluvial. Foi a primeira dificuldade, mas a
construção deu trabalho, mas ficou muito boa, bonita, pois deu o ar de aldeia a
beira do rio. Este foi um diferencial dos outros jogos que fizemos. É a segunda
vez que fazemos numa ilha fluvial, pois escolhemos este lugar por estar próximo da água e do ambiente de uma aldeia.
A outra coisa foi a participação de outros grupos que não participavam dos
Jogos faz muito tempo como os Apinajé de Tocantins. Eles participaram ativamente. E tivemos muitas dificuldades também pois choveu muito. Queríamos
fazer os Jogos 1 mês antes e por falta de recursos que chegou atrasado, conseguimos fazer um mês depois, em novembro na época das chuvas. Muitas ocas
entraram água. Mas mesmo assim conseguimos superar e realizamos aqueles
jogos naquele ano no Tocantins.
Naquela época lembro que teve troca de Ministro.
CARLOS – Houve esta troca de Ministro, mas o nosso trabalho continuou.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Foi um pouco difícil naquele ano, pois houve denuncia do Ministério e a Presidente Dilma cancelou os convênios relacionados com qualquer evento. Nos
estávamos dentro desta situação. Mas mesmo assim conseguimos superar e
fizemos os jogos com o Ministro Aldo. Que depois posteriormente vai nos
ajudar a construir os jogos mundiais. Então houve essa troca e foi difícil também antes de começar os trabalhos administrativos e também recursos para
organizar os Jogos aquele ano, mas mesmo assim conseguimos superar as dificuldades e realizar aqueles Jogos.
O que os Jogos puderam contribuir para vocês organizarem os I Jogos
Mundiais?
CARLOS – Ali já nasceu uma ideia, da gente tentar trazer algumas comunidades internacionais para participar dos próximos Jogos Nacionais que seria
posteriormente em Cuiabá. Aonde conseguimos trazer um Grupo Indígena
do Peru para participar efetivamente conosco naquele ano. E também começamos a fazer uma conversação com o Ministro Aldo para bancar pelo menos
17 a 18 lideres para Cuiabá para tratarmos dos Jogos Mundiais. Esta conversa
começa a partir de Porto Nacional.
Depois veio a Rio + 20 aonde nós consolidamos os Jogos Verdes e a conversa com o Ministro Aldo para amarrarmos a conversa dos Jogos Mundiais.
Como disse amarramos nos Jogos de Cuiabá e agora estamos nos preparando
para o Mundial em Palmas, Tocantins.
Em relação aos Jogos Mundiais, toda a experiência que vocês tem de
tantos anos, é uma grande celebração. O que você pode nos dizer sobre os
Jogos Mundiais?
CARLOS – Na verdade no começo tivemos dificuldades de construção de
lançar as competições, pois os povos dos outros países não conhecem, não
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
entendem a dinâmica do que seria os Jogos Tradicionais Indígenas. Então a
gente trabalhou muito, estudou muito para que houvesse uma adaptação entre
o competitivo e o tradicional. Agora estamos chegando num acordo e fechar as
novidades que vão ser lançadas sobre o tradicional e o competitivo. Esta seria
uma primeira dificuldade. Agora estamos trabalhando no sentido de contatar
os outros países para saber exatamente como vai ser a dinâmica dos Jogos dos
Jogos Mundiais. Os outros países estão tentando entender e na outra semana
vamos mandar os regulamentos da proposta de como seria a participação conosco. Vão ser os primeiros Jogos Mundiais da História. Então vamos fazer
uma adaptação e encaminhamento e na verdade vão ser Jogos entre os Povos
Indígenas.
O Brasil vai entrar com 22 etnias e cada país terá vagas para 50 atletas.
Mas nós não cremos que alguns países vão atingir as metas. Alguns países que
tiverem mais atletas podem preencher aquelas vagas, ocupar outras vagas dos
países que não vierem. A intenção é fazer que todo mundo possa participar,
desde atleta que pode não ter rendimento, mas pode ter uma colaboração na
área social. Mas na verdade nos estamos entendendo que os outros atletas vem
para o Brasil para ganhar. Então temos que preparar muito os nossos parentes
daqui, os 22 povos indígenas que vão participar dos Jogos Mundiais. Porque
agora não se trata só de celebração, trata realmente de competição mesmo.
Outra coisa que está mais ou menos encaminhada é que os países que vêm
com 50 atletas, o máximo de atletas, vão competir como um país de uma seleção indígena de um esporte coletivo e como povos indígenas nos esportes
individuais.
Ah, então, eles vêm para os jogos coletivos e individuais.
CARLOS – Sim vão ter os jogos coletivos e individuais, como são os Jogos
Nacionais.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Vem alguém da Austrália?
CARLOS – Nós não sabemos, mas eles participaram das reuniões em Cuiabá.
Se precisar de alguma informação, posso tentar entrar em contato, pois
estarei na Austrália de 01 a 17 de fevereiro.
CARLOS – É um país tradicional que seria interessante vir alguém. Mas
por enquanto estamos falando em termos do governo, um contato oficial para
garantir a vinda deles e também garantir financeiramente.
Se precisar de algo, poderei levar mais informações para eles. O que esperam de nós enquanto pesquisadores? Como podemos colaborar nestes
Jogos?
CARLOS – Todo trabalho é bem vindo. Vamos precisar de pessoas na área
bilíngue para trabalhar conosco. Porque os jogos vão ser em português e inglês. Teremos que preparar bastante pessoas que queiram trabalhar conosco
na elaboração dos Jogos. Esta dificuldade nós vamos ter. Na verdade ninguém
sabe como fazemos os jogos, somente nós sabemos. Vai ser uma coisa inédita
para nós. Este é o nosso entendimento. Os documentos vão todos em inglês
e espanhol para os nossos parentes, para executarmos a nossa linhagem na
língua internacional.
Encontrei com o Marcos em Brasília e conversamos sobre alguns exames
clínicos que os atleta fazem. Solicitei ao Dr. Victor Matsudo, que foi médico
da seleção brasileira de basquete e sugeriu alguns exames. Você viu isto?
CARLOS – não vi estas informação. Toda intenção é bem vinda. O importante é tornar isto em prática. Nós não temos tempo de ficar elaborando mais
projetos. Tivemos uma conversa com o Ministro e estamos super atrasados
e não temos tempo de fazer nada. Está tudo atrasado. Não vou dizer que vai
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
comprometer os Jogos, mas está tudo atrasado. Nós não temos tempo de mais
nada. As pessoas que quiserem trabalhar conosco precisam entrar no nosso
embalo.
Ele mandou uma bateria de testes.
CARLOS – Se for a partir das aldeias, precisamos ter recursos. Levar os
médicos para as aldeias é legal, mas quem vai bancar isto?
A minha ideia é para eles irem nos posto de saúde próximo e fazerem os
exames.
CARLOS – Mas isto tudo vai ter. Estamos em parceria com o Ministério da
Saúde e Funasa. E isto é obrigado ter. Vou para as aldeias agora conversar com
as lideranças sobre isto.
Pode ver com a Funasa, Ministério da Saúde como realizar isto. Eu vou
mandar outra vez para você, os testes que o médico enviou. Ai vocês podem
ver com a Funasa e Postos de Saúde mais próximo.
CARLOS – Isto vai ter sim. Esta dentro da nossa programação. Fizemos
uma reunião interministerial. Falta nós executarmos.
Victor pode enviar a equipe dele para fazer os testes e medidas antropométrica. Estas medidas foram feitas nos Jogos de Campo Grande.
CARLOS – Lembro, na época, a professora que fez as medidas apresentou
alguns resultados.
A equipe do Dr. Victor pode fazer as avaliações físicas. Mas eles precisam de apoio financeiro do Ministério, pois não estão ligados à universidade e não conseguem recursos com facilidade.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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CARLOS – na época, nós recebemos as informações quando a professora
fez as medidas, mas ela não fechou o diagnostico. Queremos saber o estado de
cada atleta, as habilidades, os problemas, se tem problemas de pressão alta...
Os resultados não deram as respostas que queríamos, não sei como foi feito
isto.
Estamos tentando conseguir a verba de outros locais. Mas se a equipe quiser vir por conta própria será bem recebida.
Agradeço a sua atenção e boa sorte com o novo Ministro. Vocês são
guerreiros! Obrigada.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
MARCOS TERENA:
A TRAJETÓRIA DE UM PROJETO DE VIDA
Marina Gomes1
Marcos Terena é um dos idealizadores e coordenadores dos Jogos dos Povos Indígenas. Seu objetivo sempre foi lutar pelos direitos dos povos indígenas
e os direitos humanos, perpassando a questão da cultura, educação, saúde, esporte, e também a efetivação dos direitos por meio da interculturalidade entre
os diversos povos indígenas, que muitas vezes não se conhecem.
Ao mesmo tempo, buscou conscientizar a sociedade brasileira sobre o significado dos Jogos, eventos em que emerge de forma tão intensa a beleza da
confraternização de ricas histórias.
Suas ações são mensagens afirmativas para que os povos indígenas resgatem sua identidade cultural, e para compreender melhor essa trajetória, entrevistamos Terena. Ele explicou como o Jogos são um encontro para reunir várias etnias com o propósito de celebrar e mostrar para a sociedade os aspectos
culturais dos índios, por meio de demonstrações de jogos tradicionais, rituais
sagrados, danças, cantos e artesanato. “Nós mesmos, como indígenas idealizadores e organizadores, aprendemos cada vez mais com os irmãos que vivem
nas aldeias. Os símbolos não se restringem às formas do esporte, mas como se
faz o esporte, e como isso gera a força física e a celebração”, diz.
Os Jogos dos Povos Indígenas fazem parte dos Direitos Humanos. Pode
falar um pouco sobre esse tema?
1
Jornalista formada pela Unesp, mestre em Divulgação Científica e Cultural (Labjor-Unicamp) e especializada em Bioquímica, Fisiologia, Treinamento e Nutrição Esportiva pelo Labex (Unicamp).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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MARCOS TERENA – No caso dos Indígenas, do nosso ponto de vista, todo
evento que organizamos tem que ter um vínculo com os Direitos Humanos,
não só pelas denúncias de violações, mas como forma de garantir o bem viver.
E isso temos usado dentro dos Jogos Indígenas, inserido em um debate natural
de etnias, biomas e formas de viver.
Os jogos representam um espaço diversificado importante com ações
políticas, sociais e que proporcionam trocas de experiências. Paralelamente, outro evento importante é o Fórum Social, que congrega convidados
indígenas e não-indígenas nacionais e internacionais para debater temas
como educação, saúde, ecologia, juventude, comunicações, energia, reflexões sobre os jogos e esportes indígenas. Em geral, a reunião é organizada
num ambiente próprio, com transmissão das palestras. Como você organiza e planeja os Fóruns Sociais?
MARCOS TERENA – Nada do que fazemos nos Jogos se reduz a um tipo
de campeonato de Índios. Muita gente pensava que era isso, mas com a inspiração das anciãs e dos grandes chefes das aldeias, fomos vendo que, além
do esporte e sua prática, tinhamos que trocar ideias, intercambiar valores e
presentes, e com isso atingir as políticas públicas governamentais, assim como
debater temas específicos focados na juventude e sua visão de futuro e, ao mesmo tempo, os valores ancestrais, como o sagrado e a oralidade. Assim nasceu
o Fórum Social Indígena, que neste ano de 2015 vai debater com irmãos de
outros países a criação de uma Comissão Internacional Indígena e o II Jogos
Mundiais dos Povos Indígenas, ou seja, estamos dando exemplos.
O que espera dos pesquisadores e da participação deles no desenvolvimento dos Jogos?
MARCOS TERENA – No início havia a sensação de que os pesquisadores
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
queriam decifrar os Jogos Indígenas, gerar formas de fazer e, principalmente,
criar sobre aquilo que é sempre comum, um modelo inédito de campeonato
indígena, mas pouco a pouco esse conceito foi sendo quebrado. Nenhum Jogos
Indígenas se parece com o outro. Temos uma base nas nossas cabeças, mas se
isso não estiver concatenado com os grandes líderes tradicionais e com um
interlocutor que chamamos de Comandante Étnico, nada acontecerá – e isso
pode gerar confusão e até brigas. Mas achamos importante a chegada do pesquisador amigo, companheiro capaz de conceituar cientificamente o sentido
do esporte indígena perante a modernidade.
Qual o impacto dos Jogos dos Povos Indígenas no exterior?
MARCOS TERENA – O Comitê Intertribal mostrou, como parte do Brasil,
que somos capazes de promover o inédito, o holístico, o físico e o sustentável.
Dentro da Declaração da ONU para os Direitos Indígenas há inclusive uma
recomendação específica que afirma a importância dos Jogos Indígenas.
Em sua opinião, o que diferenciou o XI Jogos dos Povos Indígenas, em
Porto Nacional, Tocantins? Quais as maiores conquistas?
MARCOS TERENA – Cada evento é único, nenhum modelo se reproduz
no evento seguinte. Em Porto Nacional havia um cenário, uma forma específica de fazer acontecer lá, devido à região, os rios, o ecossistema e a sociedade
envolvente.
Quais as maiores dificuldades que vocês enfrentaram no XI JPI’s em
Porto Nacional, Tocantins?
MARCOS TERENA – As dificuldades sempre são parecidas. Nós conseguimos os recursos, mas por recomendação governamental federal, não podemos
acessar como gestores esses recursos, e sim um ente público como a Prefeitura
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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ou Governo do Estado. Isso sempre gera problemas, pois esse sistema de gerenciar o recurso público, que consideramos caduco, é feito da mesma forma
para qualquer evento, menos para os Jogos e os Povos Indígenas. O sistema,
então, precisa ser educado e adequado para nossas realidades.
Como está a programação e organização do I Jogos Mundiais dos Povos
Indígenas, a ser realizado em setembro, em Palmas?
MARCOS TERENA – Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas é outra iniciativa nossa, do Índio Brasileiro. Ele foi aceito como possível de se realizar
no Brasil durante os JPI’s em Cuiabá, com a presença de 16 países e 48 etnias
brasileiras. Foi importante o apoio imediato do então Ministro do Esporte,
Aldo Rebelo, que destacou desde então a quantia de R$ 8 milhões. Já temos
tudo pronto do ponto de vista indígena, mas temos que esperar as engrenagens
administrativas, políticas e operacionais do sistema que, nesse caso, vem da
Prefeitura de Palmas, com adaptações necessárias para um grande e desafiador
evento, afinal, nunca foi feito.
Gostaria de encerrar a entrevista com alguma mensagem?
MARCOS TERENA – Os Jogos dos Povos Indígenas são um sonho indígena que vem sendo realizado, e por onde passam etnias e etnias, onde o Índio
tem voz e onde a celebração e a alegria formam uma convivência intertribal
como exemplo de paz, dignidade, soberania e respeito mútuo para o mundo
moderno.
Dourados - Aeroporto de Dourados (DOU)
29/01/2015 às 03:30
26
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
PARTE I
Fernando Amazônia
PROCESSOS HISTÓRICOS
E SIGNIFICADOS
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
27
Fernando Amazônia
CA PÍTULO 1
A POLÍTICA PÚBLICA DO MINISTÉRIO DO
ESPORTE E OS JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS
Rejane Penna Rodrigues
Os “Jogos dos Povos Indígenas” (JPI) são uma realização do Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC), com a parceria do Ministério do
Esporte e apoio de diversos órgãos governamentais, das três esferas: do município e estado sede e do governo federal.
O entendimento desses Jogos para além de uma atividade e, sobretudo,
como um permanente reviver de costumes tradicionais dos indígenas brasileiros, faz dos Jogos um elemento de resistência aos valores que a sociedade
moderna muitas vezes nega, ou não o valoriza devidamente.
É também falar da conquista de direitos estabelecidos pela Constituição
Federal, art. 217, inciso IV, da Constituição Federal do Brasil, que se traduz
na “Proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional”
e, em seu Art. 231, Capítulo VIII, quando afirma que “são reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, em consonância com a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que, no seu Art. 47,
prevê que “é assegurado o respeito ao patrimônio cultural das comunidades
indígenas, seus valores artísticos e meios de expressão.” Refere-se também ao
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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direito de acesso ao esporte e lazer, previstos pela Política Nacional de Esporte
(2005) e direito dos povos indígenas “a manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, esportes e jogos
tradicionais e as artes visuais e interpretativas” (Declaração da ONU sobre os
“Direitos dos Povos Indígenas”, 2007).
Essas orientações legais vêm ao encontro das demandas e reivindicações
de 896,9 mil indígenas, de 305 etnias, que possuem 204 idiomas (IBGE, 2010),
que hoje vivem distribuídos por diversos estados brasileiros, exceto Piauí e Rio
Grande do Norte. Povos que vivem em suas terras originais. Povos diferentes
entre si, constituindo a diversidade cultural dos povos indígenas brasileiros,
com manifestações, usos, costumes, habilidades corporais e tecnológicas, organização social, ritos, crenças, filosofias, espiritualidades e seus esportes tradicionais peculiares, que precisam ser revitalizados.
Para Marcos Terena, os Jogos são vistos como ação afirmativa, que dão visibilidade à questão indígena, representando, na sua essência, uma estratégia
para responder à lentidão das conquistas legais para os indígenas no Brasil.
“Com o esporte, o velho esporte, nós vamos desobstruir o preconceito, a discriminação e valorizar o direito e a realidade de sermos índios brasileiros, acima de tudo, mas povos irmãos, mesmo com as diferenças” (Terena in: PINTO
& GRANDO, 2011, p. 19).Mobilizados por esta causa, desde 1980, os irmãos
Carlos e Marcos Terena idealizavam e planejavam a realização das “Olimpíadas Indígenas” no sentido de agregar os valores dos esportes indígenas tradicionais, o que não acontecia antes de forma oficial. Depois de longa caminhada
em l996, conseguiram o apoio para a realização dos I JPI do Ministro Extraordinário dos Esportes e Turismo Edson Arantes do Nascimento – Pelé, cujo
ministério era recém-criado.
Em 1996 a realização, em Goiânia-GO, dos I JPI, contou com a participação de 600 indígenas, de mais de 24 etnias. De 1996 a 2011 foram realizadas 11
30
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
edições do evento nas cidades sede: 1ª Goiânia/GO: 1996; 2ª Guaíra/PR: 1999;
3ª Marabá/PA: 2000; 4ª Campo Grande/MS: 2001; 5ª Marapanim/PA: 2002; 6ª
Palmas/TO: 2003; 7ª Porto Seguro/BA: 2004; 8ª Fortaleza/CE: 2005; 9ª Recife/
Olinda/PE: 2007; 10ª Paragominas/PA: 2009; 11ª Porto Nacional/TO: 2011.
Enquanto gestora, meu primeiro contato com os “JPI” aconteceu no ano
da preparação da sua IX Edição, realizada em Recife/Olinda/PE, em 2007. Na
oportunidade, o Ministro do Esporte Orlando Silva estava discutindo em qual
de suas secretarias este tema deveria ser tratado, uma vez que sua permanência
na Secretaria do Esporte Educacional talvez não fosse o mais adequado, por
tratar-se de um tema mais amplo. Assim, os IX JPI aconteceram com uma
organização conjunta entre as Secretaria Nacional de Esporte Educacional
(SNEED) e Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer
(SNDEL). Experiência que oportunizou um contato efetivo com os irmãos
Marcos e Carlos Terena, os idealizadores dos “Jogos dos Povos Indígenas”.
A avaliação da Edição de 2007 destaca, dentre outras falas indígenas sobre
o porquê da avaliação dos JPI, que este é um processo que para eles, até então
era questionável, especialmente considerando que os produtos finais das avaliações realizadas em outros Jogos não foram divulgados para as etnias e nem
influenciaram nas ações indígenas no campo do esporte e lazer (PINTO &
GRANDO, 2011)
E, nesse sentido outras perguntas foram postas durante todo o processo dos
Jogos de 2007, como por exemplo: como garantir que as práticas tradicionais
indígenas fossem revitalizadas? De que forma podemos aproveitar o potencial
dos Jogos para pensar uma política mais ampla nesse sentido?
Essas questões motivaram não só muitas reflexões realizadas durante as
avaliações dos JPI de 2007 como resultaram em respostas importantes da Política Nacional de Esporte desenvolvida pela SNDEL, como:
•
publicação no livro: “Brincar, jogar, viver: IX Jogos dos Povos Indígenas” de todos os dados levantados na Avaliação do IX JPI;
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
31
•
subvenção do livro Jogo, celebração, memória e identidade. Reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos dos
Povos Indígenas no Brasil (1996 2009). Campinas: Curt Nimuendajú,
2011. Página web www.labjor.Unicamp.br/indio e banco de dados com
informações neste período
•
http://www.labjor.Unicamp.br/indio/galeria/main.php
•
apoio continuado do Ministério do Esporte à realização bianual do
evento nacional Jogos dos Povos Indígenas;
•
contatos com os Wai Wai e Matis para realização de jogos nessas etnias, que tiveram que retornar para a aldeia sem participar dos Jogos
de 2007, com o apoio da SNDEL, sugestão concretizada com os Wai
Wai em dezembro de 2008, pela realização do “Ponto de Encontro de
Esporte e Lazer Indígena, reunindo cerca de mil participantes;
•
apoio para a divulgação dos JPI por meio de exposição fotográfica, documentário, livros e CD;
•
apoio a estudos sobre esporte, lazer e práticas corporais indígenas divulgados por todo País, garantindo difusão junto às etnias indígenas;
•
implantação de núcleos dos Programas PELC, Vida Saudável e Segundo Tempo em comunidades indígenas; e estabelecimento de parcerias
com o Programa Pintando a Liberdade para produção de materiais
esportivos e de lazer para desenvolvimento de atividades nas aldeias
indígenas;
•
ampliação da documentação sobre os jogos tradicionais indígenas (cinematográfica, fotográfica, impressa e outras formas de registro); sistematização dos registros científicos, documentos históricos e gerenciais,
legislação, imagens, organizando bancos de dados a serem disponibilizados pelo Repositório da Rede Cedes e outros.
32
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
No ano de 2008, A SNDEL do Ministério do Esporte iniciou, assim, a implantação de uma Política Nacional de Esporte para Povos Indígenas, tendo
como público alvo não só etnias indígenas brasileiras, mas também os gestores
estaduais e municipais de esporte e lazer parceiros das ações realizadas por
este plano e comunidades em geral participantes das ações desenvolvidas (seja
como expectadores seja parceiros.
O objetivo principal era consolidar a política pública de esporte e lazer promotora da inclusão social e desenvolvimento humano dos indígenas brasileiros, buscando: 1) ampliar o conhecimento das demandas e ações políticas de
esporte e lazer desenvolvidas com e para os indígenas brasileiros; 2) promover
ações educativas para a conquista do direito ao esporte e lazer, atendendo necessidades específicas das comunidades e lideranças indígenas, assim como
dos gestores municipais e estaduais de políticas públicas de esporte e lazer no
trato das necessidades indígenas; 3) ampliar o apoio para atendimento de necessidades dos indígenas quanto suas demandas de esporte e lazer.
Era necessário priorizar ações que pudessem contribuir com a superação da
exclusão social dos indígenas no Brasil, com vistas, especialmente, à conquista
do direito ao esporte e lazer pelos indígenas brasileiros. Crescentes demandas
de desenvolvimento de ações específicas de esporte e lazer para a população
indígena brasileira. Momento histórico privilegiado para o desenvolvimento
de uma política pública de esporte e lazer alicerçada pelas parcerias com lideranças indígenas, organizações indigenistas, setores governamentais e sociedade civil.
Na X Edição dos Jogos dos Povos Indígenas, realizada Paragominas/PA, em
2009, a Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer - SNDEL não realizou nenhuma avaliação de caráter científico e alguns pesquisadores desenvolveram seus trabalhos de forma independente.
Na preparação dos Jogos no ano de 2011, em sua décima primeira edição, uma das preocupações foi com o processo de avaliação. Desde o início
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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do planejamento foi dado um destaque especial para este item, oportunidade
em que convidamos a professora Leila Mirtes Magalhães Pinto, que havia sido
Diretora da extinta SNDEL, responsável pela Rede Cedes e com grande experiência em pesquisa e avaliação para que, de forma voluntária, coordenasse
uma equipe de pesquisadores. O desafio desta equipe foi que a avaliação respondesse aos avanços dos Jogos e produzisse registros do interesse e necessidade dos indígenas.
Com algumas mudanças no Ministério do Esporte ocorridas no final de
2011, o material resultante da avaliação ficou guardado e com a retomada da
Rede Cedes, neste ano de 2014, ocorreu a oportunidade de publicação de seus
resultados. Desta forma cumprimos nosso compromisso de retorno destes dados para a comunidade indígena e a comunidade em geral. Afinal, as avaliações dos JPI são sempre significativas para a compreensão da relevância dos
Jogos para os indígenas e do papel deste evento como parte da política pública
de esporte e lazer no Brasil.
Na conclusão dessa avaliação foi muito importante a liderança da professora Maria Beatriz Rocha Ferreira, a quem agradecemos profundamente o
acolhimento do nosso convite para coordenar a organização desta obra que
registra a avaliação dos JPI de 2011. A professora, que participou do levantamento destes dados, integra a Rede Cedes do Ministério do Esporte e possui
larga experiência em pesquisas indígenas, avaliações dos JPI, documentação
dos mesmos e a organização do Repositório Indígena da Rede Cedes no LABJOR/Unicamp.
Com sua disponibilidade, colaboração e competência, assim como a de sua
equipe, prestadas em todos os anos que estivemos responsáveis junto ao Ministério do Esporte e pelo apoio aos Jogos dos Povos Indígenas, a professora
Maria Beatriz ajuda-nos a fechar mais um ciclo na produção e difusão de conhecimentos únicos do tema e que são importantes para a qualificação das
políticas públicas de inclusão social.
34
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Expressamos ainda um agradecimento especial a todos os pesquisadores e
colaboradores que, de forma voluntária, participaram do processo desta avaliação. Obrigada a todos pela dedicação e comprometimento com as políticas
públicas, especialmente, a indígena.
Concluindo, convidamos você leitor a vasculhar os dados apresentados
neste livro e outros documentados nos bancos de dados digitais do Comitê
Intertribal (ITC) e Repositórios da Rede Cedes (na Unicamp/Labjor e na Universidade Federal de Santa Catarina/LaboMídias), que revitalizam as memórias dos JPI. Esse mergulho será importante para você conhecer melhor as
características dos Jogos, o “olhar” das diversas etnias sobre eles e impactos dos
Jogos nas aldeias e políticas públicas.
Referências
BRASIL. Censo 2010. Censo 2010. ibge.gov.br Acesso net em 05/08/2014.
BRASIL. Política nacional do esporte. Brasília: Ministério do Esporte, 2005.
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1988.
ITC - Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena. Registros sobre os
JPI. https://pt.br.facebook.com/ComiteIntertribalMemoriaECienciaIndigenaItc. Acesso em 06/08/2014.
LABJOR/Unicamp. Banco de dados dos JPI. Disponível em: htt://www.labjor.Unicamp.br/indio/galeria Acesso em 08/08/2014.
ONU. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 07/09/ 2007. Acesso em 06/08/2014.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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TERENA, Marcos. O brincar, jogar e viver indígena: os jogos para o Comitê
Intertribal Memória e Ciência Indígena. PINTO, L. M. P. & GRANDO B. S
(Orgs). Brincar jogar viver: IX Jogos dos Povos Indígena. 2ed. Brasília: Gráfica e Editora Ideal, 2011. p. 17-19.
36
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
CA PÍTULO 2
LEGADOS DOS JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
O presente texto se propõe a analisar dados referentes a memórias dos “Jogos dos Povos Indígenas” (JPI), considerando suas várias edições, buscando
identificar e compreender os principais legados deste evento para os indígenas
e as políticas públicas de esporte e lazer no Brasil, considerando os momentos
históricos que foram significativos para a constituição dos mesmos.
Os JPI são realizações do Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena e do Ministério do Esporte, em parceria com o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal onde se realizam. Para isso, o evento imbrica suas atividades
a outras políticas públicas (cultura, saúde, alimentação, educação, segurança,
transporte, promoção da igualdade racial, por exemplo), conquistando apoio
de vários ministérios e órgãos como a Funai, Ministério da Justiça, secretarias
estaduais e municipais das cidades sedes, além da Caixa Econômica Federal
e do Banco do Brasil. Os JPI têm conseguido também o apoio da iniciativa
privada, por meio da “Lei de Incentivo ao Esporte”, e a participação da mídia
nacional e internacional, além de universidades e outras instituições.
A responsabilidade pela elaboração do projeto do evento, a escolha do espaço físico para sua realização, a organização esportiva, cultural, espiritual e
tradicional, assim como a realização das atividades programadas e articulação
junto aos povos indígenas participantes é do líder indígena Marcos Terena também fundador do Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Carlos Terena, irmão de Marcos, é o organizador executivo e um dos idealizadores dos JPI. Segundo ele, a participação indígena nos Jogos Escolares
Brasileiros (JEBs) de 1985 alimentou o sonho da realização de Olimpíadas Indígenas. Participação que marcou a primeira participação indígena em evento
esportivo oficial no País (GRUPPI, 2011).
Lembrando-se deste fato, Marcos Terena diz que
[...] fomos [eu e o Carlos] falar com o Ministro da Educação e perguntamos ‘será
que dá para a gente trazer um índio aqui [nos JEBS] para mostrar que ele é um
bom arqueiro? Trazer um índio no meio dos estudantes? – perguntou o Ministro. ‘Sim, só para mostrar como atira uma flecha sem “doping”, sem anabolizante’ [...] Com aquela gurizada, estudantes, jovens, era uma maneira de quebrar
um pouquinho o conceito de esporte. O que é esporte? O índio estava usando
um arco tradicional, uma metodologia tradicional, mas com o objetivo que não
era o tradicional, porque lá na aldeia aquele índio não faz aquilo como esporte.
Ele faz para acertar uma ave, uma anta, um peixe no meio do rio, que é mais
difícil de acertar porque tem aquela coisa de ótica. Então, nós a partir daquele
momento começamos a trabalhar esse conceito de Jogos dos Povos Indígenas
(Marcos Terena, citado em ROCHA FERREIRA, 2010, p. 66).
Marcos e Carlos Terena com essa iniciativa estavam abrindo um caminho
a mais para a garantia dos direitos indígenas, consagrados pelos artigos 231 e
232 da Constituição federal brasileira de 1988. Direitos também legitimados
pela Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de
07/06/1989, homologada pelo Governo Brasileiro por meio do Decreto Presidencial 5.051, de 19 de abril de 2004; a Política Nacional de Esporte (Brasil,
2005); e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 07/09/ 2007.
Essas orientações legais reconhecem as diferenças dos indígenas, suas
manifestações culturais, formas de organização e protagonismo. Destacam
o direito indígena de manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, conhecimentos e expressões culturais tradicionais, assim como
38
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
manifestações de suas tecnologias e culturas; suas tradições orais, literaturas,
artes visuais e interpretativas, seus esportes e jogos tradicionais. Conquistas
que implicam o dever do Estado em adotar medidas eficazes para reconhecer
e proteger o exercício desses direitos.
Dada a riqueza do patrimônio cultural acumulado pelos JPI ao longo de
sua realização, nos motivamos a realizar uma leitura sobre os legados dos JPI
considerando: (1) conquistas políticas; (2) a revitalização da ludodiversidade
cultural; (3) a valorização da visão de mundo indígena, sua espiritualidade e
memórias; (4) e as trocas entre indígenas e destes com os não indígenas.
1. Conquistas políticas
Os JPI nos mostra que as vozes indígenas têm sido cada vez mais ouvidas
na história da Educação Física e do Esporte no Brasil, influindo em conquistas
de direito.
A partir deste evento [JEBS de 1985] conversamos com o Pelé, que era Ministro
dos Esportes, e realizamos a primeira Olimpíada congregando 30 povos indígenas do Brasil em Anhanguera, Goiânia (1996). Utilizamos o termo Olimpíada,
pois entendemos que a denominação [desse evento como] Jogos Indígenas, naquela época, poderia dar a conotação de futebol para os indígenas. Foi o primeiro aprendizado com os parentes indígenas. Buscamos sempre dialogar como
os índios bilíngues para [...] iniciar um diálogo com a sociedade não indígena
(Marcos Terena, citado em ROCHA FERREIRA, 2010, p. 66).
Essa primeira conquista ocorreu num momento histórico de um debate importante mobilizado pelo Governo Federal em face de seu dever perante o artigo 217, parágrafo IV, da Constituição Brasileira de 1988, de proteger e incentivar as manifestações desportivas de criação nacional. Direito que exigiu do setor esportivo do nível nacional a constituição de um arcabouço conceitual que
pudesse orientar ações a serem desenvolvidas para atender essa nova demanda.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
39
Com esse fim, foi promovido um debate em 29 de abril de 1994, promovido pela extinta Secretaria de Desportos (SEDES/MEC) em parceria com a
Universidade Católica de Brasília, sobre: “O que é desporto com identidade
cultural?” Para esse encontro, coordenado pelo professor Jairo Bamberg, foi
constituído um grupo de trabalho que reuniu cientistas esportivos com reconhecido interesse na aproximação conceitual entre “esporte e cultura”1.
Esse debate foi publicado e socializado para todo o País, em 1996, por meio
de uma Coletânea intitulada “Esporte com Identidade Cultural”, elaborada
pelos professores participantes do encontro de 19942. Iniciativa do Ministério Extraordinário dos Esportes, comandado pelo Ministro Edson Arantes do
Nascimento (Pelé) por meio do INDESP (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto), apoiada pela sua meta de fomento a pesquisa e ao conhecimento tecnológico do setor esportivo.
Em continuidade, o governo federal foi várias vezes demandado pela população indígena, como mostra a pesquisa de Pinto (2011), que analisou os
protocolos do Ministério do Esporte no período de 2001 a 2007, identificando
demandas relacionadas a: 1) ações legais; 2) programas sociais; 3) implantação
e modernização de infraestrutura física e material; 4) participação/apoio em
encontros, seminários, oficinas, exposições sobre questões indígenas; 5) publicações; 6) pesquisas; 7) preservação patrimonial; 8) apoio a eventos propostos
por indígenas, especialmente, aos JPI.
Já a partir dos IX Jogos (2007), além da consolidação do apoio do Ministério do Esporte aos JPI, a questão indígena passou a ser tratada em outras
40
1
Participaram deste encontro os professores: Silvino Santin (UFSM); Leila Mirtes S. M. Pinto (UFMG), Lamartine Pereira
da Costa (UGF), Paulo Vicente Guimarães (UCB); Muniz Sodré (UFRJ), Priscila Ribeiro Ferreira (Secretaria da Educação
do Estado de Santa Catarina), Maria Hilda Baqueiro Paraiso (UFBA) e Leopoldo Gil Dulcio Vaz (CEFET/MA).
2
Ver textos: “Esporte: identidade cultural”, de Silvino Santin; “A busca do corpo esportista brincante”, de Leila Pinto;
“As corridas do mastro de Oliveira”, de Maria Hilda Paraíso, quando discute “De Corrida de Toras a Puxada de Mastro:
um processo de dominação cultural”; e “A corrida entre os índios Canela: contribuição à história da educação física
maranhense”, de Leopoldo Vaz.
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
ações do Ministério do Esporte, como, por exemplo, o fomento a pesquisas e
implementação programas sociais como o PELC (Esporte e Lazer da Cidade)
e o PST (Segundo Tempo). Os JPI reafirmam como objetivo geral “resgatar
e valorizar os jogos esportivos indígenas, promovendo congraçamento e intercâmbio entre as etnias participantes, fortalecimento da identidade cultural
desses povos e confraternização digna e respeitosa dos índios com a sociedade
não indígena” (PINTO & GRANDO, 2011).
Esse é um objetivo ousado e complexo, pois são muitas as etnias indígenas,
morando em localidades distantes do território brasileiro.3 Além disso, este
evento envolve muitos setores e parceiros sociais, com diferentes experiências
com Jogos Indígenas. A diversidade de atores e interesses implicados nos JPI
contribui também para seja palco de disputas políticas, como aconteceu em
Fortaleza, em 2005.
Uma decisão do ‘juiz Jorge Luiz Girão atrasou em algumas horas a cerimônia de
abertura da 8ª edição dos Jogos dos Povos Indígenas. Girão Bandeira suspendeu
a realização do evento alegando não existir autorização oficial para a realização
dos Jogos no aterro da Praia de Iracema’ (BARDAWIL, 2005). No momento todos
ficaram sem entender, os organizadores, os indígenas e o público [...] As razões e
disputas políticas, comentadas no momento, se houveram, não foram esclarecidas. No final a questão foi resolvida com interferência de diferentes representantes, pois a praia pertence à União. [...] A reação dos povos indígenas participantes
frente à decisão do Juiz foi de profunda comoção e revolta. Fizeram rituais, danças
e cantaram na entrada da arena. Cada um na sua língua, mas numa mesma comunhão. Naquele momento, parecia que a história colonial de desrespeito e desqualificação aos indígenas se repetia (ROCHA FERREIRA, 2010, p. 70).
Para investir na conscientização dos indígenas e na formação de novas lideranças que possam lidar com as questões políticas em defesa da continuidade
3
O Censo de 2010 (IBGE) mostrou aumento da população indígena no Brasil para um total de 896,9 mil pessoas, de
residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça, mas se consideravam indígenas de acordo com
aspectos como tradições, costumes, entre outros.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
41
do evento e de outras demandas indígenas, os JPI incluem em sua programação o Fórum Indígena, fomentando o exercício o político.
A cada edição do Fórum amplia-se o número de participantes indígenas e
não indígenas, com crescente participação de jovens e mulheres nas discussões
realizadas. Em geral, as atividades do Fórum acontecem no mesmo local de
realização dos JPI, num ambiente próprio, com transmissão das palestras e
debates por multimídia4.
Nos Fóruns procuramos esclarecer numa linguagem mais acadêmica e conversar com formadores de opinião como os professores, alunos universitários, a
própria criança, buscando conscientizar o que é uma cultura autóctone [natural
da região habitada e descendente das raças que ali sempre viveram] e não um
folclore. Todo esse conhecer afasta o preconceito, pois o desconhecer gera discriminação (Carlos Terena em RUIZ, 2011, p. 17).
O legado político dos JPI é, pois, consolidado pela continuidade da realização do evento, ampliando a cada Edição, a participação indígena na preservação de suas tradições e debates sobre questões dos indígenas brasileiros.
2. A revitalização da ludodiversidade cultural
Um legado dos JPI igualmente importante é a preservação da ludodiversidade cultural indígena. Esta revela a busca da “identidade de cultural reivindicada” que, segundo Santin (1996), não significa apenas reconhecer-se
nos valores e construção simbólica herdada dos antepassados. É também
4
42
O Fórum dos XI JPI foi realizado em três dias, sendo iniciado, no primeiro dia, com Celebração Cultural e Espiritual
Karajá; no segundo dia, com Cerimônia Espiritual Indígena Tapirapé e, no terceiro dia, com Cerimônia Espiritual
Indígena Xavante. As sessões diárias também tiveram apresentações culturais, como a dos Kayapó. O Fórum culminou
com a Palavra dos Caciques do Tocantins e um encerramento intercultural. A mesa de abertura do Fórum contou com
as palavras do Indígena Marcos Terena; do Ministro do Esporte; do Governador do Tocantins; e da Prefeita de Porto
Nacional. A programação incluiu debates concluídos com recomendações, abordando os temas: Os XI Jogos dos
Povos Indígenas. Igualdade Racial e os Direitos da Mulher Indígena: Terra é Vida! Direito Indígena - Identidade, Cultura e Educação. RIO+20 – Economia Verde, Povos Indígenas e a Kari-Oca. Juventude Indígena Formação Superior
ICT)
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
reconhecer-se na elaboração de futuras utopias, que irão influenciar decisões
sobre rumos de seus destinos.
Por isso, os JPI incluem modalidades tradicionais relacionadas à sobrevivência indígena (arco, flecha, arremesso de lança e canoagem), rituais sagrados
(lutas e corrida de tora; brincadeiras; jogos demonstrativos) e outras atividades cotidianas (jogos com bola, cabo de guerra/de força, natação/travessia e
zarabatana), assim como incluem modalidades esportivas não indígenas, mas
que são vivenciadas nas aldeias (corrida de 100 metros, corrida de fundo e o
futebol) (PINTO & GRANDO, 2011). Estudando o futebol entre os Kaingang,
Fassheber faz uma proposta de etnodesporto, compreendido como
[...] a prática das atividades físicas tanto sob a forma de jogos tradicionais específicos e a mimesis que dinamiza estes jogos, quanto sob a forma de adesão ao
processo de “mimesis do esporte global”. Em outros termos, é a capacidade de
adaptarem-se aos esportes modernos, sem, contudo, perder a indianidade. Já
por etno-futebol indígena, entendemos ser o processo pelo qual a mimesis do
esporte – pela via da transformação dos jogos tradicionais e da incorporação
do Futebol nas aldeias – permite-nos pensar a afirmação da identidade étnica
de forma singular, se considerarmos a construção e o uso específico que cada
grupo faz de sua corporalidade (FASSHEBER, citado por ROCHA FERREIRA,
2010, p. 74).
Nesse sentido, o futebol é um exemplo. Ele é praticado em todas as aldeias
brasileiras mesmo sendo uma manifestação cultural gestada na lógica racionalista ocidental, que privilegia a universalização e homogeneização de suas regras, técnicas e competição, fundadas na disputa pela alta performance técnica
e melhores resultados.
Já os JPI buscam a prática esportiva nascida da valorização da criatividade
do impulso lúdico e do espírito de celebração, considerando as construções
simbólicas das culturas indígenas.
Ao contrário dos esportes modernos ocidentais, as formas lúdicas não são
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
43
universais. O jogo lúdico exige organização, mas não com rigidez de regras.
Suas expressões são particulares, levando a marca da construção simbólica criada pelos participantes da ação. Por isso, varia de acordo com a liberdade de escolha do lugar onde acontece o jogo, o tempo vivido e os materiais usados para
a sua prática, as regras acordadas entre os participantes e o imaginário lúdico
de cada comunidade. A alegria e sentido de celebração coroam essa vivência
(SANTIN, 1994; PINTO, 1994). Nesse sentido, destacamos um exemplo citado
por Vianna (apud ROCHA FERREIRA, 2011, p. 74) ao identificar que
[...] o futebol entre os Xavante faz interessantes relações com a corrida toras, a
produtividade sociológica das metades, os grupos de idades e clãs nos times, o
parentesco na organização dos times, as relações com a natureza e animais, as
negociações, os espaços dos jogos e as diferentes formas de se lidar com o futebol, sentidos de vitória e derrota.
Carlos Terena sempre enfatiza que o futebol praticado nos JPI precisa atender ao princípio do ‘celebrar e não do competir’. E como exemplo lembra de
um fato, quando
[...] após a realização dos III Jogos (Marabá, PA, 2000), o chefe da delegação do
povo Xavante, Adriano Tsererawau, procurou o coordenador dos Jogos dizendo
que os Xavante foram campeões três vezes e não queriam mais vencer. Gostariam
de dar oportunidade para que outra etnia pudesse ser campeã. Assim, os atletas
bons de bola não mais participariam, somente os mais velhos. Assim foi feito, e
os Xavante nunca mais foram campeões no futebol, demonstrando que ganhar
não é o mais importante (TERENA, apud ROCHA FERREIRA, 2011, p. 74).
A valorização do esporte, na perspectiva da identidade cultural reivindicada, vem sendo difundida a cada nova edição dos Jogos. Entretanto, nos 1º JPI,
realizados em Anhanguera (1996), foi diferente, pois
[...] todos os participantes queriam só jogar bola, os pódios foram montados
para a premiação com as medalhas de 1º, 2º e 3º, uma das provas de natação foi
44
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
realizada numa piscina olímpica, houve uma disputa de voleibol. Poucos vieram com seus trajes típicos. Mas algumas práticas de modalidades tradicionais
foram realizadas [...] A cada edição dos jogos as ‘regras’ foram sendo criadas,
aperfeiçoadas e fomos ‘limpando’, até chegar ao que é atualmente (Terena citado
por RUIZ, 2011, p. 16).
Complementando, Marcos Terena (citado por CAMARGO, 2011, p. 22)
afirma que o primeiro JPI foi importante ainda
[...] porque precisávamos também conscientizar o Ministério do Esporte de que
essa atividade não era um campeonato de índios, de esportes indígenas, mas
tinha toda uma celebração, uma tradição, um rito que a gente faz na aldeia e que
precisava ser trazido para a cidade; onde os flecheiros mais capazes de atingir o
alvo são os mais velhos, então não havia a coisa da idade, a simbologia da força
física e então esse tipo de trabalho fez com que a gente fosse promovendo ao
longo dos anos e em lugares diferentes o sentido dos JPI.
Por isso, Santin (1996) ressalta que a promoção de esportes com identidade
cultural implica resgatar as atividades lúdicas, que por sua vez, mera reprodução da tradição cultural. Não pode ser também compreendido como a organização de uma mostra exótica ou apresentação de tradições folclóricas. Esse
resgate
[...] para que possa efetivamente revitalizar a identidade cultural precisa ser reincorporado a práticas sociais vigentes. É preciso que ele se torne novamente
uma forma viva cultural do grupo social. Para que isso aconteça, provavelmente,
deverá ficar atento às alterações introduzidas pela intencionalidade de seus praticantes. É possível, também, promover esportes através do intercâmbio cultural
[...] como um processo de adaptação e assimilação [...] que considere o outro
[seu jeito de ser, ginga, intencionalidades [...] (SANTIN, 1996, p. 24-25).
A valorização da identidade cultural indígena muitas vezes enfrenta dificuldades uma vez que é pouco re/conhecida no País, onde a cultura esportiva
ocidental é a mais usual e difundida pelos meios de comunicação de massa e
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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seus patrocinadores. Com isso, por exemplo, o fato do locutor dos JPI incentivar o público a aplaudir seus atletas gera, com frequência, a divulgação de comentários equivocados pela mídia (televisão, jornal, rádio) que cobre os Jogos,
entendendo-os com mesmo significado das competições esportivas ocidentais
(ROCHA FERREIRA, 2010).
3. A valorização da visão de mundo indígena, sua espiritualidade e memórias
Na sabedoria milenar, a cultura indígena valoriza os ritos tradicionais, fundados
[...] na celebração do encontro com a grande família, o repartir, festejar o nascer,
o rito de passagem, a formação do homem adulto, o ancião e nossa ida [morte]...
Os jogos nasceram nessa inspiração e com essas essências (Carlos Terena citado
por RUIZ, 2011, p. 17).
Nesse sentido, os JPI são festas que celebram vidas humanas e sua relação
com a natureza: terra, meio ambiente. Mas, como os JPI são realizados fora
das aldeias, seus organizadores sempre respeitam o sistema e o povo indígena
local, ressignificando os lugares onde são realizados, buscando uma ambientação que estreite as atividades com a natureza, integrando os rituais à convivência na Arena dos Jogos como uma “aldeia”.
A escolha do local da sede dos JPI passa por orientações dos pajés, líderes indígenas e parceiros dos governos federal, estadual e municipal. No lugar escolhido são construídas ocas para abrigar os povos participantes, tendas para venda
de artesanatos, realização do Fórum, instalação da mídia, de serviços e, especialmente, da Arena Círculo Indígena onde se realiza a programação dos Jogos.
A cerimônia para acender o fogo sagrado de forma tradicional com o atrito de
gravetos é realizada ao por do sol, no dia anterior [ao início dos jogos]. Entre os
diferentes significados, o fogo representa a união entre os povos, costume ancestral quando não estavam em guerra. Atualmente, o fogo continua sendo aceso em
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
situação de união com a sociedade. No dia seguinte se inicia o revezamento da
tocha para ser conduzida até a Arena, local da realização dos Jogos. A cerimônia
de abertura é uma composição de elementos culturais, ancestrais e políticos. Há a
pajelança, momento de muita espiritualidade. A tocha com o fogo sagrado chega
a Arena e é entregue para um ‘guerreiro’ que percorre a Arena e acende outras
tochas até chegar à pira. Em seguida, acontece o desfile de abertura com a participação dos povos participantes. Cada etnia segura uma placa com seu nome
e os participantes chamados de ‘guerreiros’ e/ou ‘atletas’ se apresentam com os
adornos e vestimentas típicas. A diversidade dos povos indígenas pode ser observada nas plumagens e pinturas corporais. Em algumas ocasiões, as etnias fazem
pajelança, dançam e cantam na concentração (fase que o público não participa
[...] As tendas de artesanatos são montadas próximo a arena e funcionam durante
todo o dia até o final das atividades do evento (ROCHA FERREIRA, 2010, p. 68).
Os JPI representam, sobretudo, uma ocasião privilegiada de preservação
do princípio dos Jogos que é a celebração com símbolos da natureza: água,
semente e fogo.
O fogo, que nós chamamos o ‘Fogo Sagrado’, é um pouquinho diferente do da
Tocha Olímpica [...] o fogo pros povos indígenas significa exatamente a possibilidade de você construir novos cenários de relacionamento humano. Os jogos
são como se fossem iluminar novos caminhos [...] Quando a gente precisa de
calor humano a gente acende o fogo, mas o fogo também pode matar, por isso
é que ele tem essa simbologia sagrada da vida (Marcos Terena, 2011, 22-23).
A visão de mundo indígena, sua espiritualidade, demandas e memória
orientam a escolha dos temas de cada Edição dos Jogos, que foram:
I JPI: Goiânia/GO, 1996: Programa do Índio - Os povos indígenas vão mostrar que esporte não é reserva de branco. II JPI: Guaíra/PR, 1999 (na fronteira
Argentina-Paraguai): A Terra de todas as Tribos. III JPI: Marabá/PA, 2000 (na
Amazônia brasileira): A União das Tribos. IV JPI: Campo Grande/MS, 2001
(região do Pantanal): Compromisso com nossas Tribos. V JPI: Marapanim/PA,
2002: Jogos do Homem-Natureza. VI JPI: Palmas/TO, 2003: Esta Terra é Nossa.
VII JPI: Porto Seguro/BA, 2004 (local da chegada dos “caraíbas” portugueses):
1994/2004 - Década Internacional do Índio. VIII JPI: Fortaleza/CE, 2005: O
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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importante não é competir e, sim, celebrar. IX JPI: Recife e Olinda/PE, 2007:
Água é vida, direito sagrado que não se vende. X JPI: Paragominas/PA, 2009:
O importante não é ganhar e, sim, celebrar. XI JPI: Porto Nacional/TO, 2011:
Importante não é ganhar e, sim, celebrar. XII JPI: Cuiabá/MT, 2013: Soberania
alimentar: alimentação e respeito à Mãe Terra (Fontes: Site do ITC; banco de
dados LABJOR/Unicamp).
Também as logos de cada Edição expressam o universo cultural dos indígenas
- suas pinturas corporais, materiais usados nos Jogos e no seu cotidiano -, como
pode ser visto a seguir (Fontes: Site do ITC; banco de dados LABJOR/Unicamp).
Fonte: Ministério do Esporte.
48
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Além disso, os Jogos preservam artes indígenas – artesanatos, cantos, músicas e danças –, cultos, línguas, religiosidade e formas de ser, viver e entender
o ciclo da natureza.
A presença das famílias dos povos participantes representa outro meio de
educar pela transmissão das sabedorias milenares de uma geração a outra, valorizando a sabedoria dos anciãos. Os mais velhos são vistos pelos jovens como
detentores de conhecimentos que dão novo sentido ao seu futuro. Mulheres
realizam trabalhos coletivos, participam dos jogos e debates. Crianças crescem
ouvindo a língua que os avós falam. Grupos se aproximam de outras comunidades. Nessas trocas tradições são apresentadas e memórias revividas. Afinal,
a tradição só tem sentido na preservação de suas memórias, transmitidas e
atualizadas de geração a geração, respeitando-se seus valores, a comemoração
uns com os outros e a gratuidade do festejar.
É muito bom aqui, porque a gente conhece a parte do ritual deles, dos instantes
deles, do pisado deles, do modo deles se pintar, a língua, sua pintura corporal,
suas vestes, suas lanças, as borduras de seus colares [...] e eles vê também a parte
do nosso ritual [...] é bom essa troca de conhecer, de tá mais próximo do outro
pra ter essa interação (Líder Pankararu citado em PINTO & GRANDO, 2008).
Eu estou achando muito bom também lá na arena [...] as pessoas chegam, ficam
olhando meio que curioso, ou meio amedrontado, admirados [...] Aí, chegou
um menino e falou bem assim: ô índio, ô índio, eu falei oi. Ele falou assim: é
verdade que a gente era bem nervoso? Eu falei não, nós não somos nervosos
não. Ficou olhando admirado, aí ele falou: você poderia arrumar um daquele
pra mim, era um colar que eu tinha, né, aí eu falei: posso sim. Aí foi que dei uma
pulseira pra ele. Ele ficou muito alegre, acho que ele se sentiu muito feliz, saiu
correndo, aí de repente veio um bocado de gente vindo pra cá, acho que era os
pais dele. Cumprimentaram eu e puxaram conversa. Aquilo criou um clima legal, e começaram a ficam bem à vontade e a conversar, perguntar como que é na
aldeia, como que é... se a gente vive como branco... a gente gosta de conversar...
gosto muito de arrumar amizade, falar sobre minha cultura, minha língua, eu
gosto disso (Atleta Bororo citado em PINTO & GRANDO, 2008).
Também eu acho bom, porque a gente passa a conhecer outras etnias, conhecer
a dança, a cultura, os artesanatos [...] a gente tira foto, a gente grava um bocado
de filme e a gente leva pra mostrar na aldeia que tem outras etnias e que a gente
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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tem que manter a nossa, pra ter uma coisa diferente da outra (Líder Assurini
citado em PINTO & GRANDO, 2008).
Há uma dupla admiração do diferente: não índio registrando (filme e fotografia) os índios e estes os registrando. Nisso, os Jogos influem na vida de
todos.
Eu aprendi sobre a cultura deles, o artesanato, muita coisa bonita e a união deles,
o respeito [...] que eles vêm pros jogos como se fossem pra uma guerra, com os
adereços, as danças, o toré, essas coisas que me chamou a atenção (Um espectador citado em PINTO & GRANDO, 2008).
Eu achei maravilhoso ver a tranquilidade. Eu acho que a gente vive no corre-corre, trabalho manhã, à tarde e a noite, e eles são bem tranquilos, são leves,
livres, soltos. A escola passa pra gente a vida toda que índio é preguiçoso, índio
não gosta de trabalhar, índio é isso, é aquilo [...] mas os professores têm que
mudar a sua fala, que não tem nada ver com o que a gente está vendo e ouvindo
aqui (Uma espectadora citada em PINTO & GRANDO, 2008).
4. As trocas entre indígenas e destes com os não indígenas
Por reunir etnias que vivem distantes uma das outras, os JPI representam
uma oportunidade muitas vezes única de povos virem para a cidade, encontrar
com parentes e trocar experiências uns com os outros nos diferentes locais:
alojamentos, traslados de um local para outro, refeitório, locais de venda de
artesanato, concentrações, rituais, pajelanças, arena de jogos e fórum social
(ROCHA FERREIRA, 2006).
Nos encontros entre indígenas uns observam como os outros mantêm a
cultura tradicional e buscam fazer o mesmo. Muitos voltam para as aldeias
com vontade de recuperar festas, cantos e os próprios esportes. O encontro entre etnias contribui para a recuperação e ressignificação de práticas que muitos
indígenas não tinham mais contato (PINTO & GRANDO, 2011).
Isso ajuda na preservação da cultura das etnias participantes, no fortalecimento da autoestima dos participantes e na recuperação das suas identidades,
50
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
como aconteceu em 2007 com o povo Pataxó. Ao longo do evento seus participantes foram assumindo sua identidade e tradições, culminando a festa de
encerramento com grande emoção. Os Pataxó vivem em 25 aldeias na Bahia,
em Minas Gerais e no Espírito Santo. Com a ajuda de antropólogos e linguistas
buscam resgatar a tradição. Segundo eles, seu povo perdeu a identidade com
a colonização – quando foram dizimados por doenças e proibidos de falar a
língua nativa e praticar rituais (PINTO & GRANDO, 2008).
O evento gera, ainda, oportunidade para que a sociedade não indígena possa conhecer um pouco mais dos elementos de construção das culturas vividas
pelos indígenas brasileiros participantes, suas artes, seu artesanato e significado de ser índio.
Para entendermos o alcance dessa intercomunicação, lembramos que, nas
suas 12 edições (de 1996 a 2013), os JPI reuniram 148 etnias, que vivem em
todas as regiões do País. São elas:
Aikewara/PA; Apinajé/TO; Arara/PA; Arawete/PA; Assurini/PA; Asurini/TO;
Asurini do Xingu/MT; Atikum/PE; Awá Guajá/MA; Aweti/MT; Bakairi/MT;
Bororo/MT; Bororo Boe/MT; Cinta Larga/MT; Cinta Larga/RO; Enawenê-Nawê/MT; Erikbatsa/MT; Fulni-ô/PE; Gavião/RO; Gavião Ikólóéh/RO; Gavião
Kyikatêjê/MA; Gavião Kyikatêjê/PA; Gavião Parkatejê/PA; Gavião/PA; Gavião/
RO; Guarani/MS; Guarani/SP; Guarani Kaiwá/MS; Guarani/SP; Guató/MS;
Ikpeng/MT; Irantxe/MT; Javaé/TO; Javaé Itya/TO; Kaapor/PA; Kaapor/MA; Kadiwéu/MS; Kaiapó/PA; Kaigang/RS; Kaingang/PR; Kaingang/SC; Kaingang/SP;
Kaiowá/MS; Kalapalo, Xingu/MT; Kalapalo/MT; Kamayura/MT; Kambiawá/
PE; Kanamari/AM; Kanela/MA; Kanela Ramkokamekra/MA; Kantaruré/BA;
Kapinawá/PE; Karajá/TO; Karajá/MT; Kariri/AL; Kariri-Xocó/AL; Karitiana/
RR; Kayabi/MT; Kayapó/PA; Kayapó Mekrãngnoti/PA; Kayapó Metyktire/MT;
Kiriri/BA; Kokama/AM; Krahô/TO; Krenak/MG; Krikati/MA; Krikati/MA;
Kuikuro/MG; Kuikuro, Xingu/MT; Kuikuro/MT; Kuntanawá/AC; Kura Bakairi/MT; Macuxi/RR; Mamaindê/Nhambikwara/MT; Mamaindê/RO; Manoki/
MG; Manoki/MT; Matis/AM; Maxacalí/MG; Maxakali/MT; Mayoruna/AM;
Mbyá/PA; Mehinaku /MT; Mehinaku, Xingu/MT; Munduruku/PA; Nambikwára/RO; Nhambikwara/MT; Ofaié/MS; Panará Kreeakarore/MT; Pankará/PE;
Pankararé/BA; Pankararu/PE; Parakanã/PA; Paresi/MT; Paresi Haliti/MT; Paresi/MT; Parkatêjê/Kyikatêjê/PA; Parkatêjê/PA; Pataxó/BA; Pataxó-Hã-Hã- Hãe/
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
51
BA; Pataxó/BA; Potiguara/PB; Pytaguary/Tabepa/CE; Rikbaktsa/MT; Saterê-Maués/AM; Shanenawa/AC; Suruí/PA; Suruí/RO; Suruí Paiter/AC; Suyá/
MT; Suyá, Xingu/MS; Tapirapé/MT; Tapirapé/TO; Tauarepang/RR; Tembé/PA;
Tenharim/AM; Terena/MS; Tikuna Magüta/AM; Trumai, Xingu/MT; Trumai/
MT; Tukano/AM; Tukano Ye’pâ-masa/AM; Tuxá/PE; Umutina/MT; Wai Wai/
PA; Waiãpi/AC; Waimiri Atroari,/AM; Waiwai/PA; Wapichana/RR; Wará/MT;
Waurá, Xingu/MT; Waura/MT; Wajãpi/AM; Xacriabá/MG; Xambioá/TO; Xavante/MT; Xerente/TO; Xerente/TO; Xickin/MT; Xikrin/PA; Xokleng/SC; Xucuru - Kariri/AL; Xucuru/AL; Yanomami/RR; Yaunauwa/AC; Yawalapiti, Xingu/MT; Yawalapiti./MT (Fonte: Site do ITC).
O evento já contou, também, com a participação de 18 delegações indígenas estrangeiras, vindas da Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Guiana Francesa,
México, Nicarágua, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. Ampliando
a participação estrangeira, em 2015 o Brasil sediará os Jogos Mundiais Indígenas, em Palmas/TO, realizando um antigo sonho dos organizadores dos JPI.
Carlos Terena (2011, p. 17-18) lembra que
[...] em cada edição, embora quase sempre temos as mesmas etnias, elas porém
são de aldeias diferentes, buscando sempre conscientizar a proposta e os objetivos dos Jogos [...] o critério primordial para a escolha da etnia convidada é o
fator cultural – costumes originais: línguas, ritos, danças, cantos, instrumentos
musicais, artesanatos, pinturas corporais e, principalmente, os seus esportes tradicionais; que [a participação indígena] não obedece ao critério de escolha por
estado da federação, pois trata-se de jogos inter étnicos, ou seja, respeitando-se
o mapa geográfico indígena. Assim, se reforça um encontro das culturas e dos
esportes.
Os “atletas” indígenas estão cientes que vêm representar seu povo, para
mostrar ao público presente sua identidade e cultura.
Os organizadores procuram atender demandas para que os JPI aconteçam
em regiões onde se concentram maior número de etnias, a fim de ampliar a
participação indígena. Para isso, a cada nova edição o Comité Intertribal de
52
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Ciência e Cultura as negociações com os parceiros são retomadas. Em cada
uma, os organizadores dos JPI procuram consolidar mais a aproximação de
confiança estabelecida entre lideranças indígenas, o Ministério do Esporte e
outros parceiros na realização de cada evento.
Aproximação desafiante se considerarmos as diferenças entre poder público, áreas relacionadas ao esporte e linguagens, saberes ancestrais e conhecimentos dos indígenas, que muitas vezes dificultam o diálogo e a compreensão
sobre o significado destes Jogos. Ao mesmo tempo, por outro lado, essa troca
leva à negociação, respeito às diferenças e à necessidade da equidade. No olhar
indígena, não é possível organizar os Jogos como os não indígenas tratam seus
eventos. Cada Edição dos JPI é única, desafiando a execução articulada.
Nesse sentido, os JPI de Pernambuco representaram um momento importante “na superação” de muitas dificuldades na gestão dos Jogos. O planejamento mais antecipado é uma solução apontada para a superação das dificuldades vividas. A preparação dos atachês com antecedência e adequadamente
foi outra iniciativa destacada. Mas, especialmente, ficou claro que a operacionalização do evento deve ser de responsabilidade do Comitê Intertribal, definindo-se as competências do Governo Federal e demais instituições envolvidas no processo (PINTO & GRANDO, 2008).
Quanto ao orçamento necessário à realização dos jogos, avaliações dos Jogos mostraram que, entre 1996 e 2007, houve um vácuo em que não houve
tratativas com o Ministério do Esporte para a realização dos Jogos, o que procurou ser modificado com a inclusão dos Jogos como uma das ações deste
Ministério a partir de 2008.
Enfim, são muitos os legados dos JPI. Dentre outros destacamos os Jogos
como um relevante movimento indígena do Brasil contemporâneo, espaço
cidadão de construção étnica do ser índio por meio da visibilidade e do reconhecimento da diversidade cultural de suas manifestações ludoesportivas e
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
53
artísticas, do fortalecimento do parentesco, da valorização de suas diferenças,
do intercâmbio e intercomunicação entre povos participantes e índios com
não índios.
Experiência que envolve diálogos, trocas, tensões e negociações entre parcerias diversas. Jogos que destacam o protagonismo indígena e comunicação, sobretudo, pela oralidade, com liderança do ITC na criação e organização dos JPI.
Movimento histórico que mobilizou a implantação de Políticas Públicas de
garantia de direitos, especialmente de Esporte e Lazer, contribuindo com o repensar da identidade lúdica do esporte ocidental tanto pelos povos indígenas
como pelos não indígenas.
Referências
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CAMARGO, Vera Regina T. Entrevista com Marcos Terena. In: CAMARGO, Vera R. T., FERREIRA, Maria Beatriz R. F. & Von Simson, Olga R de M
(Orgs.) Jogo, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória
de criação, implementação e difusão dos Jogos dos Povos Indígenas
(1996-2009). Campinas: Editora Curt Nimuenfajú, 2011. p. 21-23.
54
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
ITC - Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena. Registros sobre os
JPI. https://pt.br.facebook.com/ComiteIntertribalMemoriaECienciaIndigenaItc Acesso em 06/08/2014.
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de 07/06/1989, homologada pelo Governo Brasileiro por meio do Decreto
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Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
55
RUIZ, Diana. Entrevista com Carlos Terena. In: CAMARGO, Vera R. T.,
FERREIRA, Maria Beatriz R. F. & Von Simson, Olga R de M (Orgs.) Jogo,
celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação,
implementação e difusão dos Jogos dos Povos Indígenas (1996-2009). Campinas: Editora Curt Nimuenfajú, 2011.
SANTIN, Silvino. Esporte: identidade cultural. In: BRASIL. Ministério Extraordinário dos Esportes - Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto. Esporte com identidade cultural. Publicações INDESP, Série Esportes
de Criação Nacional. Ouro Preto: Editora da Universidade Federal de Ouro
Preto, 1996. p. 13-25.
56
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
CA PÍTULO 3
MEMÓRIA, CELEBRAÇÃO ÉTNICA E IDENTIDADE:
OS JOGOS INDÍGENAS COMO UM CAMINHO PARA
O EMPODERAMENTO
Olga Rodrigues de Moraes von Simson5
Memória é a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e
retransmiti-los às novas gerações. Esse registro se faz através de diferentes suportes: voz, imagem, textos literários (poesia, biografias), filmes, obras pictóricas, MAS TAMBÉM ATRAVÉS DE CELEBRAÇÕES, sejam elas de pequenos
grupos ou de toda uma sociedade.
Existe uma Memória individual que é aquela guardada por um individuo
e se refere às suas próprias vivências e experiências, mas guarda também aspectos da memória do grupo social a que este individuo pertence e onde ele
foi socializado.
Isso acontece porque é pelo processo de socialização, realizado por instituições sociais como a família, a igreja, a escola, o partido político, os movimentos sociais e pelas grandes celebrações que constituem as bases concretas para
a formação da nossa memória individual.
Existe também a Memória Coletiva que é aquela formada pelos fatos e
5
Pesquisadora do Centro de Memória da Unicamp. Professora Colaboradora Voluntária Plena do DECISE – Departamento de Ciências Sociais na Educação – FE/Unicamp.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
57
aspectos julgados relevantes pelos grupos dominantes de uma determinada
sociedade e que nos é transmitida como a memória oficial desta mesma sociedade.
Essa memória oficial fica gravada no que chamamos de lugares da memória
que são museus, memoriais, monumentos, quadros famosos, obras literárias,
músicas e CELEBRAÇÕES que expressam a versão sobre o passado que o grupo dominante deseja ver veiculada e difundida.
Por outro lado existem as memórias subterrâneas ou marginais que correspondem às versões do passado construídas pelos grupos dominados. Elas
não estão monumentalizadas e só se expressam, de maneira indireta, de forma
metafórica ou ritualizada em festividades familiares ou de pequenos grupos
ou ainda, mais diretamente, quando emergem conflitos sociais. Uma maneira
de reconhecer e registrar essas memórias subterrâneas é possibilitada pelas
pesquisas com o método da História Oral uma metodologia de pesquisa que
nos permite buscar na oralidade a base para a reconstrução dessas memórias
dominadas.
Todas essas considerações se aplicam à nossa sociedade, branca capitalista,
cristã, ocidental, cujos membros são denominados (em inglês) pela abreviação WASP (White anlo-saxon protestant). Entre nós brasileiros da sociedade
capitalista urbano-industrial poderíamos criar uma sigla semelhante, expressa
na abreviatura BRABC (brasileira branco cristão). Assim como os wasps não
representam, de forma alguma, a maioria dos habitantes da América do Norte,
mas detém certamente o poder político e econômico naquela sociedade, também os brabcs seriam uma minoria neste país tropical, formado pela miscigenação dos três grupos étnicos constituintes da nossa nacionalidade: europeus,
afro-descendentes e indígenas. Mas também entre nós o poder político e econômico não está em mãos dos representantes das etnias de cor.
Os nossos compatriotas, de origem afro-brasileira, vêm realizando um importante trabalho de reconstrução e perpetuação da sua memória ancestral,
58
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
através de numerosos grupos organizados em pontos de cultura em várias
regiões do nosso país. Em décadas mais recentes foram criados no Norte,
Nordeste e Centro-Oeste memoriais voltados para a perpetuação da trajetória secular de luta e resistência afro-brasileira, reafirmando a importância da
contribuição cultural dessas etnias na constituição da brasilidade.
Observamos, entretanto, que a batalha das comunidades indígenas em busca da reconstrução de sua própria trajetória histórica (que em nosso país é ainda mais longa do que a saga africana), com o objetivo de reconstruir e valorizar
sua identidade étnica e cultural, ainda está apenas começando.
Nesse sentido a importância da pesquisa que ora relatamos é indiscutível e
constitui uma oportunidade excepcional de, através de uma parceria entre a universidade e as entidades representativas dos povos indígenas, possibilitar o registro e a análise de um movimento ímpar de reconstrução histórico-identitária,
cuja forma é original e inovadora, ao se expressar através de celebrações esportivas e lúdicas. Tais festividades, reunindo numerosas etnias indígenas, foram regularmente realizadas nos últimos dez anos em espaços apropriados e especialmente preparados para receber os assim denominados JOGOS INDÍGENAS.
A originalidade dessa reconstrução histórico-identitária indígena possui
uma característica que deve ser salientada: se faz de maneira pacífica, alegre
e envolvente, ao utilizar a estratégia da celebração esportivo-cultural para difundir suas prodigiosas riquezas culturais, sendo também capaz de cativar o
público e difundir, de maneira prazerosa, sua visão de mundo, seu orgulho
étnico, além dos objetivos de suas lutas afirmativas.
A essa capacidade de lutar por seus objetivos, sem se valer de qualquer
agressividade, mas sim criando ocasiões de fruição e prazer chamamos, em trabalho anterior, de resistência inteligente6. Ao pesquisar a trajetória da cultura
6
Cf. VON SIMSON, Olga R. de Moraes & GUSMÃO, Neusa M. Mendes. A criação cultural na diáspora
e o exercício da resistência inteligente. In.: Ciências Sociais Hoje. 1989, Vértice/ANPOCS. p. 212-243.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
59
afro-brasileira na região sudeste do nosso país, notamos que ela se utilizou a
princípio das luxuosas e ritualizadas procissões coloniais dos séculos XVIII e
XIX, valendo-se, posteriormente, da riqueza visual e musical dos festejos carnavalescos para construir, com maestria, uma trajetória bem sucedida de luta
e afirmação étnica, em uma sociedade branca e discriminadora como a nossa.
No projeto de pesquisa, cujos resultados finais agora relatamos e que teve
como objetivo reconstruir, registrar e avaliar a riqueza da memória de mais
de uma década de jogos indígenas, a oralidade foi importante, mas também
a visualidade esteve presente, com toda a sua capacidade de captação da pluralidade das manifestações e salientando as particularidades das numerosas
celebrações que pretendíamos conhecer e registrar.
Na verdade foi a especificidade da cultura indígena, que se manifesta preferencialmente através da força dos vários e múltiplos sons e da beleza das ricas
imagens, fatores constituintes e indispensáveis nas celebrações dos nossos silvícolas, o que acabou determinando quais seriam as estratégias metodológicas
a serem utilizadas pela equipe de investigadores.
Com a preocupação de divulgar os resultados da pesquisa não só no espaço das instituições científicas e universitárias, mas também entre a sociedade
mais ampla, buscamos maneiras mais acessíveis e eficazes de transmitir as conclusões da investigação para um público não acadêmico. Sendo assim, novamente a oralidade e a visualidade se mostraram caminhos privilegiados para
obter os melhores resultados. A equipe optou então pela realização de vídeos
que discutissem o fenômeno dos jogos indígenas e pela montagem de um site
que apresentasse textos, imagens fixas e imagens em movimento resultantes do
trabalho investigativo.
Mas, dentro de uma posição teórico-metodológica que afirma ser tarefa
indispensável de todo projeto de pesquisa, realizado por investigadores socialmente conscientes e participantes, a devolução dos resultados de forma
60
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
transparente, em linguagem acessível e captável pelos membros do grupo pesquisado, esta foi certamente uma atitude promotora de processos de empoderamento, voltados para tais grupos.
Por empoderamento compreendemos um “processo de emancipação individual, mas também de aquisição de uma consciência coletiva da dependência
social e da dominação política” (cf.http//:www.eicos.psycho. ufrj/portugues/
empoderamento/empoderamento.htm).
Essa atitude de transparência no processo de divulgação da pesquisa buscou contribuir com os parceiros de investigação, para que pudessem incorporar de maneira rápida e eficiente o conhecimento produzido pelos pesquisadores e assim crescer na busca de melhores condições para engendrar suas lutas
socioculturais e políticas.
Assim, o fato de termos como parceiros de pesquisa os grupos indígenas,
que são, em sua maioria, ágrafos, constituiu uma das razões mais fortes que
nos levou a optar pelas metodologias que utilizam o som e a imagem. Estávamos conscientes de que elas nos permitiriam a elaboração de materiais de devolução adequados, na forma de vídeos, data show e sites na internet, além de
exposições fotográficas, todos eles permitindo uma compreensão muito mais
efetiva dos resultados finais, quando comparados com a tradicional forma livresca de apresentação das conclusões de pesquisa.
Desse modo, ao longo do desenvolvimento do trabalho investigativo, fomos nos dando conta de que nossos parceiros indígenas estavam se transformando. De indivíduos que buscavam integrar-se rapidamente à sociedade
branca dominadora, e para isso tentavam negar sua origem étnica, assumindo
a condição de caiçaras ou caboclos e aceitavam viver nos níveis mais precários da escala social, observamos surgir entre eles uma crescente capacidade de organização na consecução dos jogos indígenas que, a cada realização,
iam reconstruindo e alimentando seu orgulho étnico e incentivando, tanto a
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
61
reconstituição de traços culturais já abandonados, como o retorno ao domínio
da língua de origem.
Com o passar do tempo, nos víamos diante de velhos, mas também de homens e mulheres adultos, de jovens e crianças, todos muito orgulhosos da sua
capacidade de jogar, sejam as antigas brincadeiras tribais ou os novos esportes
aprendidos na convivência com os parceiros brancos e, nesse processo, eles se
reafirmarem como membros importantes e indispensáveis da nacionalidade
brasileira.
Dessa forma agradável, mas também extremamente trabalhosa, uma outra
realidade cultural indígena passou a vigorar em nosso país, podendo agora
ser mostrada e difundida em toda a sua riqueza e diversidade, às novas gerações brasileiras como a real expressão da grandeza do capital cultural que
os habitantes originais da nossa terra trouxeram para a constituição da nação
brasileira.
Referências
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do Memorial Padre Carlos de Poços de Caldas/MG. Campinas, FE/Unicamp (tese de doutorado).
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Concordia (mimeo)
62
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
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HALBAWCHS, Maurice. A memória coletiva. S.Paulo. Vértice/Rev. dos Tribunais.1990.
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1984.
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PUC/SP, n. 15, abr., p. 13-19.
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VON SIMSON, Olga R. de Moraes. Construindo a história recente de Jarinu
através da memória compartilhada. In.: PARK, Margareth B. (org.) Memória
em Movimento na Formação de Professores: prosas e histórias. Campinas:
Mercado de Letras, 2000, p. 9-12.
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História Oral. Campinas: Centro de Memória da Unicamp, 1997.
VON SIMSON, Olga R. de Moraes. Memória e Identidade Socio-Cultural: reflexões sobre pesquisa, ética e compromisso. In.: PARK, M. (Org). Formação
de Educadores: memória, patrimônio e meio-ambiente. Campinas: Mercado
de Letras, 2003, p. 85-105.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
63
Fernando Amazônia
CA PÍTULO 4
JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS
BRASILEIROS: PATRIMÔNIO,
CULTURA E COMUNICAÇÃO
Vera Regina Toledo Camargo1
Esta reflexão é parte de um estudo que busca construir as vertentes teóricas
acerca da Divulgação Cientifica e Cultural. A proposta pretende relacionar os
processos culturais e suas interfaces com as mídias. Objetiva-se a ampliação
das fronteiras sobre o entendimento e a concepção de cultura popular e sua
incorporação como status aureático cientifico, com foco nos estudos sobre os
1
Professora de Educação Física com doutorado em Comunicação, pós-doutorado em Multimeios. Pesquisadora A do Laboratório de Estudos Avançados da Unicamp (Labjor)
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
65
Jogos dos Povos Indígenas. Buscamos compreender como os meios de comunicação poderiam contribuir para o entendimento sobre o patrimônio cultural de um povo, para salvaguardar e valorizar a memória coletiva e divulgar
cientificamente os seus conteúdos. Nossa proposta neste texto é estabelecer as
aproximações entre as áreas de ciência e cultura especificamente em relação ao
patrimônio indígena brasileiro.
Um sonho idealizado pelos irmãos da etnia Terena: Carlos e Marcos, que
desde a década de 1980, em visita a várias comunidades indígenas, vislumbraram que as expressões de alegria dos povos indígenas brasileiros, oriundas de
suas manifestações culturais, estavam muito presentes quando da preparação
de seus enfeites plumários, contornos dos desenhos, de suas pinturas corporais, danças, cantos, instrumentos musicais e nas práticas corporais. Os irmãos
Terena compreenderam que a partir dessas manifestações poderiam ser (re)conhecidos e (re)significados pela sociedade mais ampla. Surgiu deles a iniciativa
de organizar os Jogos dos Povos Indígenas e mostrá-los aos não-índios, assim
como aproximar as diversas etnias e línguas2 indígenas ainda existentes no Brasil, especialmente para que essas pudessem se conhecer e fortalecer sua cultura.
Desde 1996, quando dos I Jogos dos Povos Indígenas, realizados em Goiânia-GO, os índios brasileiros reúnem-se em um grande evento, com o objetivo
de valorizar e fortalecer a cultura. Verificamos nestes anos de pesquisa3, que os
Jogos dos Povos Indígenas fortalecem a identidade cultural, celebram o espírito
de confraternização com a sociedade não-indígena, cultivam a espiritualidade
66
2
Para ilustração, o censo de 2010 informa que existem 305 etnias e 275 línguas indígenas no país http://
www.ibge.gov.br/indigenas/index.htm.
3
As pesquisas sobre os Jogos dos Povos Indígenas iniciaram em 2005, quando também da aproximação
com o professor espanhol. Dr. Manuel Hernandez Vasquez, e sua vinda para o Brasil. Ganhou importância com os trabalhos com a profa. Dra Maria Beatriz Rocha Ferreira, antropóloga que desde os anos
1980 estuda esses eventos. Em 2006 iniciamos um estudo aproximando esses dois líderes de pesquisa
e também foi um marco na constituição de uma equipe multidisciplinar constituída por professores
de educação física, antropólogos, comunicadores e com o envolvimento de alunos, consolidando as
pesquisas e o envolvimento com a temática dos Jogos dos Povos Indígenas do Brasil.
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
e divulgam a cultura dos povos indígenas como forma de conscientizar a sociedade brasileira sobre sua importância no cenário cultural e os seus direitos
também como cidadãos brasileiros.
O esporte mediatizado e suas representações cientificas e culturais
“Mediatização” é o termo utilizado por Muniz Sodré (2001) para caracterizar a vinculação das instituições com os meios de comunicação, e o estabelecimento da produção de bens simbólicos ou culturais. Nesse sentido, o que se
compreende por bens e consumo culturais passa necessariamente através das
ações dos meios de comunicação.
Um filme, um livro, uma fotografia ou uma obra de arte assumem o papel
de produto cultural. Bourdieu (2005) menciona dois enfoques importantes
acerca dos bens simbólicos: são caracterizados ao mesmo tempo como significações e mercadorias. No entanto, a valoração destes bens, seja especificamente cultural ou econômica coexiste independentemente uma da outra.
Além de Bourdieu, renomados autores, como Benjamin e Baudelaire abordaram conceitualmente os bens culturais e as formas de consumo, assim como
a necessidade de posse. Nesse panorama de culturalização é muito importante
compreender as relações, ideologias e poderes que estão nestas estruturas e
que devem ser incorporados nos produtos culturais.
A produção cultural a que nos reportamos apoia a iniciativa de que os
próprios atores do processo cultural possam criar, dar vozes e registrar suas
atividades culturais em detrimento da cultura massificada, dominante, ou da
interferência de outras culturas, na divulgação do seu conhecimento e ainda ao
criar todo o suporte para que tenham também um canal de divulgação. Nossas ações no projeto sobre os Jogos dos Povos Indígenas foram nessa direção,
apoiando e incentivando a utilização dos meios audiovisuais e a circulação das
informações. Surgiram, dessa forma, as premissas para um estudo maior sobre
a Divulgação Cientifica e Cultural. Ramírez y Moral (1999) afirmam que os
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
67
próprios meios são, em si mesmos, elementos culturais já que são transmissores de conhecimentos, construindo valores culturais e possibilitando uma
difusão de informações.
Através do estudo Jogo, Celebração, Memória e Identidade: Reconstrução
da Trajetória de Criação, Implementação e Difusão dos Jogos dos Povos Indígenas no Brasil (1996-2009)4, estávamos diante das inúmeras possibilidades de
trabalhar o acervo, iniciamos a construção de um espaço, através de uma página na Internet5, que proporcionou, ao mesmo tempo, o registro e as ações do
projeto e se tornou referência para as questões dos jogos dos povos indígenas.
Através do acervo de seu banco de dados, enfatizamos os grupos de pesquisa,
a bibliografia e pesquisas na área, os aspectos históricos e conceituais sobre os
jogos e a riqueza do material audiovisual. O site possui uma linguagem clara e
objetiva, voltada para a divulgação científica, aproximando os pesquisadores,
o objeto de pesquisa e a sociedade.
Uma inquietação do grupo de pesquisadores foi em relação ao acervo das
fotografias, entrevistas e vídeos realizados sobre a construção das edições dos
jogos, como poderiam estar disponíveis. Também foi objetivo do projeto compreender como a mídia pautou os Jogos e a construção das notícias. Construímos
então um acervo de imagens com aproximadamente cinco mil fotografias. Estão
inseridas em um banco de dados na web e podem ser visitadas e consultadas a
partir de palavras-chave, sendo necessário ter uma senha para entrar no sistema.
Essas imagens foram catalogadas a partir da metodologia desenvolvida
pela Profa. Dra. Olga von Simson, de modo que as fotografias vão contando,
68
4
Projeto de Pesquisa subvencionado pelo Ministério do Esporte, que relacionou o campo da memória,
com o esporte e a divulgação científica. Foi um estudo interdisciplinar que integrava textos de diferentes
origens e linguagens (textuais, orais, visuais e hipermídia), na reconstrução da criação dos jogos indígenas no Brasil, cujos objetivos era construir um acervo sobre os jogos. Com a contribuição da área da
antropologia, ampliou esse entendimento, pois um grande acervo imagético não seria somente tratado
no aspecto da imagem, mas também com a possibilidade de salvaguardar uma cultura.
5
www.labjor.unicamp.br/indio
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
através das imagens, a trajetória dos Jogos dos Povos Indígenas, enriquecendo
as informações sobre os mesmos. Em relação às entrevistas realizadas com os
atores (pesquisadores, lideranças, indígenas etc.), depois de transcritas, passaram a integrar também o acervo do projeto. Os jornais também passaram pelo
mesmo procedimento metodológico, cada matéria jornalística foi digitalizada
e inserida em uma categoria preestabelecida. Era importante entender como a
mídia trata as questões dos Jogos indígenas.
Construímos, ainda, uma trilogia audiovisual sobre os jogos, abordando
inicialmente os Jogos Interculturais dos Povos Indígenas, em um segundo
momento com a Tocha Olímpica, um chamado Intercultural e no documentário os Diálogos Interculturais, em que abordamos as temáticas dos Jovens,
mulheres e a questão da saúde dos indígenas. Organizamos também um livro
contando toda a trajetória dos Jogos e as etapas e construção dos produtos
elaborados no projeto.
A intertextualidade facilitou a produção de materiais escritos e audiovisuais que contém a memória dos jogos indígenas para as próprias etnias que
deles participaram, quanto para a sociedade mais ampla. O envolvimento dos
alunos em todas as fases do projeto e a participação dos mesmos na construção
de um livro com toda a memória do projeto foi fundamental.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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A parceria interdisciplinar realizada com instituições através do projeto, o
envolvimento dos pesquisadores, bolsistas e alunos proporcionou compreender melhor a trajetória dos Jogos Indígenas e trouxe para o cenário nacional a
importância e o lugar de destaque que a iniciativa dos Jogos dos Povos Indígenas merece.
É importante compreender seu papel e relevância para a sociedade como
um instrumento para o desenvolvimento social.
Concluindo
Camargo (2010) enfatiza que é importante demonstrar a visão de cada uma
das etnias, com sua língua, seus ritos, suas plumagens e pinturas corporais, e
a clareza de que existe toda aquela diferença em cada detalhe. É justamente o
trabalho desenvolvido pelo divulgador cientifico que colabora para que o pesquisador possa ter acesso a imagens que podem ser utilizadas nas pesquisas,
que ilustrem a riqueza cultural que existe no movimento do jogo que combina
as características físicas de cada um e a expressão de cada povo que compõem
esta identidade étnica. É preciso retratar os diferentes aspectos dos jogos, sua
importância na valorização e intercâmbio cultural entre as etnias e com o não-índio. Um dos objetivos foi também apresentar os conhecimentos tradicionais, na fala dos Terena, o legado dos seus antepassados. E creio que nossas
ações pautam por esses aspectos.
70
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Referências
CAMARGO, V.R.T, BRAGION, L. TOJAL, R. ROCHA FERREIRA, M.B.
Mídia e divulgação científica e instrumentos para a preservação das culturas:
um olhar sobre os jogos interculturais dos povos indígenas. Revista Eletrônica CEDOC/SEME - ISSN 2176-963X, Ano 1, n. Especial, março 2010.
MIRANDA, Luciano. Pierre Bourdieu e o campo da comunicação: por
uma teoria da comunicação praxiológica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005;
RAMÍREZ, Francisco E.; MORAL, Javier Fernandez do. Área de Especialización Periodística. Madrid: Editorial Frágua, 1999.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
71
Fernando Amazônia
PARTE II
PESQUISAS E LEGADOS
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
73
Maria Beatriz Rocha Ferreira
CA PÍTULO 5
CONTEXTUALIZANDO A AVALIAÇÃO DOS XI
JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS – JPIs
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto
Os XI JPI, do qual tratamos neste livro, foram realizados em Porto Nacional/TO, no período de 05 a 12 de novembro de 2011. O Comitê Intertribal
Memória e Ciência Indígena (ITC)1 foi o responsável pelo seu projeto e realização, contando com o patrocínio do Ministério do Esporte e de empresas
estatais e privadas, além de parcerias com o Governo do Estado do Tocantins,
a Prefeitura de Porto Nacional, o Ministério da Educação, o Ministério do Turismo, o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça, a FUNAI, a Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial – SEPIR e o Gabinete do Senador Vicentinho
Alves – TO/PR.
O projeto dos Jogos destaca a sabedoria da cultura indígena, que valoriza
o “celebrar” e, não, o ganhar –, elegendo como lema dos XI Jogos dos Povos
Indígenas – OLÍMPIADA VERDE 2011. O importante para os organizadores
dos Jogos é que, acima de tudo, possam afirmar os princípios indígenas, reverenciar e praticar os ensinamentos de seus ancestrais, valorizar suas raízes
tradicionais, culturais e espirituais, fortalecendo-se cada vez mais como povos
originários e autênticos!
1
ITC - Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena. Projeto dos XI Jogos dos Povos Indígenas. Brasília: ITC, 2011.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Seus jogos, festas, manifestações de amor à vida e à natureza têm, pois,
como referências suas tradições e espiritualidade. Nesse sentido, os XI JPI entendem os jogos indígenas como vivência tradicional das práticas corporais
competitivas das culturas autóctones (de quem é natural do país, ou descende
das raças que ali sempre viveram), com caráter socioeducacional, espírito coletivo e de celebração.
Este é um evento também importante para o congraçamento dos povos
indígenas participantes, promotor de um relacionamento entre culturas indígenas e com a sociedade mais ampla. Oportuniza um conhecer das culturas
ancestrais e estabelece uma relação de oportunidades e diminuem as brechas
históricas nas relações de poder com a sociedade não indígena. O evento se
fundamenta nos valores principais dos elementos da natureza e no intercâmbio das suas manifestações das praticas culturais, espirituais dos ancestrais e
esportivas. Como consequência, espera-se uma diminuição do preconceito e a
valorização do orgulho do brasileiro nato, do ser Indígena.
Por isso, o projeto elaborado pelo Comitê Intertribal Memória e Ciência
Indígena (ITC) para os XI JPI (2011) destaca como principais características
do evento:
Olimpíada Verde: todo material utilizado nas modalidades tradicionais dos jogos é fornecido pela natureza e não industrializado; elaborado de modo artesanal pelos próprios indígenas, reciclável;
Participação e celebração: em todas as provas tradicionais não há a figura de um
juiz (árbitro), exceto na modalidade do futebol, que apesar de não ser indígena
vem sendo incorporado à sua cultura; não há o pódio para premiação ou destaque para os “campeões”, todos participantes ganham sua medalha;
Intergeracionalidade: os jogos não restringem faixa etária: todos participam em
igualdade, dos 06 meses aos 80 anos;
Diversidade cultural: são faladas mais de 25 línguas e dialetos, o acendimento
do fogo é feito em três formas tradicionais: atritando as pedras, esfregando bastões de madeiras ou usando fios de cordas em madeiras; nas Noites Culturais,
os Povos Indígenas participantes dos Jogos fazem suas manifestações culturais
76
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
como: cantos, danças, pinturas corporais e instrumentos musicais, obedecendo sempre seus costumes tradicionais; a sociedade não indígena local participa
com suas manifestações artísticas ou folclóricas de tradição regional, no sentido
de estabelecer um intercâmbio dos valores culturais brasileiros;
Raízes espirituais: a abertura dos jogos é precedida sempre pela benção de um
líder espiritual indígena, obedecendo todos os rituais tradicionais;
Geração de renda: os indígenas têm no evento uma excelente oportunidade de
comercialização do artesanato produzido nas aldeias;
Promoção bianual: os Jogos são realizados de dois em dois anos (nos anos ímpares); o período de realização dos jogos é no segundo semestre do ano, entre
os meses de setembro/outubro, obedecendo o calendário indígena: no início das
primeiras chuvas, nos dias que antecedem ou envolvem o período da lua cheia;
Reflexão: considerando a realização de Fórum que discute as questões indígenas
durante o evento.
A realização dos XI Jogos dos Povos Indígenas, com base nesses fundamentos, assumiu, assim, como seu principal objetivo realizar, intersetorialmente,
a XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas, promovendo a revitalização das
culturas indígenas e o congraçamento dos povos de distintas etnias, por meio
das práticas corporais e do esportes das sociedades autóctones, com caráter
socioeducacional e o espírito de celebração.
A programação do evento organizada pelos Comitê Intertribal de Ciência e Memória Indígena incluiu: Modalidades de integração indígena: 1) Arco e Flecha
Masculino; 2) Arremesso de Lanças; 3) Canoagem; 4) Cabo de Força Masculino
e Feminino; 5) Corrida de Tora (Masculino); 6) Corrida de Velocidade - 100 m
(Masculina e Feminina); Corrida de Fundo Masculino Feminino e 7) Natação
(Travessia em águas abertas).
Modalidades demonstrativas tradicionais indígenas: 1) Corrida de Tora Feminina – Khwra reni; 2) Lutas Corporais Masculinas – Huka Huka, Wakmeti, Idjassú; Lutas Corporais Femininas – Yamurikumã, Huka Huka; 3) Jikunahati; 4)
Jawary; 5) Tihimore; 6) Rõnkran; 7) Peikran Akô; 8) Kagót; 9) Zarabanata; 10)
Khwra reni; 11) Khwra ro rôno; 12) Pásy hrã dáki, 13)Pẽnsôg thâky, 14)Xaká-akere; 15) Kaipy; 17) Haindu; 17) Uwa Uwa.
Modalidade ocidental: Futebol de Campo - masculino e feminino.
Entretenimentos culturais: exposição, artesanatos, pinturas corporais.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
77
Rituais: cerimônia de acendimento do fogo ancestral indígena.
Apresentações culturais indígenas e regionais.
Fórum (Ciclo de Palestras).
Os XI Jogos reuniram um total de 1.300, das 28 etnias seguintes:
Apinajé/TO; Assurini/PA; Bororo Boe - MT, Cinta Larga/MT; Erikibaktsa/MT;
Guarani Kaiwá/MS; Javaé/TO; Kaingang/RS; Kanela Rãmkokamekra/MA; Karajá/TO; Kayapó/PA; Kamayura/MT; Krahô/TO; Kura Bakairi/MT; Mamaindê/
Nhambikwara/MT; Manoki/MT; Matis/AM; Paresi/MT; Parkatêjê/Kyikatêjê/
PA; Pataxó/BA; Suruí/RO; Suyá/MT; Tapirapé/TO; Tembé/PA; Terena/MS; Xavante/MT; Xambioá/TO; Xerente/TO; Xicrin/PA.; Saterê Mawê/AM; Kambeba/
AM, Tikuna/AM.
A preparação dos Jogos de 2011 teve um diferencial importante: na gestão
do Ministro Aldo Rebelo, por razões de mudanças internas no Ministério do
Esporte, a SNDEL – Secretaria Nacional do Desenvolvimento do Esporte e
Lazer e SNEED – Secretaria Nacional de Esporte Educacional foram extintas,
surgindo uma nova Secretaria que integrou as políticas sociais: a Secretaria
Nacional de Educação, Esporte e Lazer de Inclusão Social (SNELIS). Mas, neste período de transição, a responsabilidade de acompanhamento dos XI JPI
ficou com o mesmo grupo que havia realizado as duas edições anteriores.
Partindo do acúmulo adquirido nas edições anteriores foi proposta uma
Comissão de Avaliação cujo passo inicial de seu trabalho foi dado em uma
reunião presencial em Brasília, realizada no dia 29 de agosto de 2011, com objetivo de levantar subsídios para o planejamento da Avaliação dos XI, encontro
que contou com a participação dos seguintes representantes:
Comitê Intertribal: Marcos Terena; Ministério do Esporte: Rejane Penna Rodrigues; Ministério do Esporte: Cláudia Regina Bonalume; Ministério do Esporte:
Muriel Plautz; Ministério da Educação: Raquel Ribeiro Martins; Ministério da
Cultura: Joana Arari; Ministério da Cultura: Raoni Machado; SEPPIR/PR: Nilo
78
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Nogueira; Governo do Estado de Tocantins: Khellen Cristina Pires Correia; Pesquisadora convidada para avaliação: Leila Mirtes Magalhães Pinto.
Nesta reunião foram delimitados os objetos de Avaliação da XI Edição dos
JPI, que partiu do projeto dos Jogos, definindo os objetivos e resultados esperados para cada etapa do processo avaliativo, a execução de cada ação e efeitos
esperados pelo seu conjunto. Discutiram-se os fins do conhecimento a ser produzido e sua socialização, destacando o retorno para os indígenas organizadores e participantes dos Jogos.
Para o levantamento de dados foram indicados representantes do Ministério do Esporte e pesquisadores voluntários de todas as Regiões Brasileiras,
selecionados dentre os inscritos no Edital específico para este fim. A equipe
organizada a partir destas indicações foi composta por 24 representantes das
cinco regiões brasileiras, 09 Estados e o Distrito Federal, integrando a participação de:
Região Centro Oeste: Distrito Federal: Rejane Penna Rodrigues; Muriel de Carvalho Plautz; Ana Elenara da Silva Pintos e Artur José M. de Almeida; Mato
Grosso: Aline Pereira Dutton. Região Norte: Pará: Joelma Cristina Parente
Monteiro Alencar; Angela Santos; Aida Svanam Rodrigues dos Santos e David
Pires; Tocantins: Khellen Cristina P. Correia; Maria Istélia Coelho Folha; Lídia
Soraya Liberato; Conceição Siqueira da Cunha; e Aldeli Alves Mendes Guerra.
Região Nordeste: Pernambuco: Tereza Luiza de França; Rio Grande do Norte: Marco Aurélio L. de Farias. Região Sudeste: Minas Gerais: Leila Mirtes de
Magalhães Pinto; Patricia Zingoni Machado de Morais; Espírito Santo: Juliana
Guimarães Saneto; São Paulo: Maria Beatriz Rocha Ferreira; Deoclecio Rocco
Gruppi; Claudeni Fabiana A. Pereira. Região Sul: Santa Catarina: Eliton Clayton
R. Seara; e Antônio Luis Fermino.
Já em Porto Nacional/TO, os integrantes dessa equipe, treinada ao longo
do processo, participaram de reuniões diárias visando discutir o projeto da
avaliação e validar os instrumentos de levantamento de dados, ajustando-os às
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
79
necessidades do monitoramento das atividades realizadas, do levantamento e
tratamento de problemas relacionados a esse processo, dentre outras demandas surgidas ao longo dos Jogos.
Este trabalho, realizado durante a realização dos XI JPI, envolveu a participação de 134 indígenas, 45 mulheres e 89 homens.
Os dados levantados consideraram a importância:
a) do registro da história dos JPI (por meio de entrevistas com 02 representantes do Comitê Intertribal, idealizadores dos Jogos – Marcos Terena e Carlos Terena);
b) da valorização da diversidade dos povos indígenas participantes da XI
edição dos Jogos (por meio de entrevistas com lideranças indígenas participantes);
c) do reconhecimento das demandas e necessidades dos jovens indígenas,
assim como do protagonismo das lideranças jovens na preservação do
JPI (por meio da realização de 03 “Rodas de Conversas”, que foram convidados os jovens de cada etnia que participaram espontaneamente;
d) do reconhecimento das demandas e necessidades das mulheres indígenas, assim como de suas experiências com os Jogos Tradicionais Indígenas nas aldeias (por meio de entrevistas com 45 mulheres e 89 homens
indígenas participantes dos XI JPI);
e) das atividades do Fórum (por meio da filmagem das palestras e discussões desenvolvidas no Ciclo de Debate realizado durante os XI Jogos,
conforme sua programação);
f) da preparação, organização e realização dos Jogos pelos indígenas (por
meio de questionários/complementados com entrevistas, respondidos
por atletas e artistas indígenas participantes dos Jogos, na tentativa de
termos 08 indígenas de cada etnia participante);
g) da organização e realização dos XI JPI (por meio de entrevistas respondidas por pessoas atuantes na organização do evento).
80
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
h) dos JPI para as políticas públicas (Ministro, Governador, Prefeita, Secretários de Estado e do Município sede dos Jogos, representantes do
Governo Federal, Deputados e Senador);
i) dos JPI para o município sede (por meio de entrevistas com pessoas da
população local, expectadores das atividades realizadas na Arena Central da Ilha Porto Real);
j) dos JPI para o Brasil e outros países (por meio de entrevistas com representantes da imprensa local e órgãos internacionais que estavam fazendo a cobertura jornalística do evento, além de gravação das coletivas
com a imprensa, com a participação dos organizadores dos Jogos e autoridades presentes).
A participação integrada de lideranças indígenas, representantes dos órgãos envolvidos com a promoção dos Jogos, dos demais parceiros e da população em geral no processo avaliativo tem em vista ampliar o levantamento de
subsídios que possam contribuir com a valorização da realização deste evento,
assim com a elaboração de políticas indígenas integradas de esporte, lazer, cultura, educação e garantia de direitos.
A participação de pesquisadores e estudantes com experiências em estudos
e documentação dos JPI, nas ações desenvolvidas pela avaliação dos XI JPI,
procura contribuir com a realização cada vez maior de estudos sobre os Jogos
Indígenas e a valorização da revitalização dos jogos tradicionais desses povos.
A ação integrada dos processos de avaliação e documentação dos XI JPI
tem em vista contribuir com a revitalização da memória dos XI JPI por meio
de filmagens, gravações em áudio e registros escritos levantados. Mencionamos a filmagens, pois elas não vão fazer parte do livro.
Os dados levantados foram reunidos com o apoio de Muriel Plautz (Ministério do Esporte); Patricia Zingoni M. Morais (pesquisadora voluntaria);
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
81
Khellen Cristina P. Correia e Maria Istelia Coelho Folha (representantes da SEDUC de Tocantins); e Leila Mirtes Magalhães Pinto (pesquisadora voluntaria).
Sob a coordenação da professora Maria Beatriz Rocha Ferreira foi realizada
a etapa de final da avaliação que incluiu a, estabelecimentos de códigos para
inserção da questões fechadas dos questionário em planilhas excel, estatística
de frequências das informações, transcrições das fitas, organização das informações orais em categorias.
As transcrições foram realizadas por pessoas treinadas em transcrições,
Maria Heloisa Ferreira Guimarães, Maria Clara Ferreira Guimarães, Deoclécio
Gruppi e Rafael da Silva Macedo. As falas foram gravadas e transcritas observando a forma de falar, as exclamações, suspiros, tiques de cada entrevistado.
E depois adaptadas seguindo as normas gramaticais da língua portuguesa. Os
assuntos foram categorizados pelos conteúdos.
A etapa final dos trabalhos foi a organização do livro CELEBRANDO OS
JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE. Os capítulos foram organizados da
para atender diferentes enfoques sobre os Jogos.
82
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
CA PÍTULO 6
XI EDIÇÃO JOGOS DOS POVOS
INDÍGENAS: ORGANIZAÇÃO, ETNIAS,
PRÁTICAS CORPORAIS
Deoclécio Rocco Gruppi
A organização da décima primeira edição dos Jogos dos Povos Indígenas
teve como responsável pelo projeto o Comitê Intertribal – Memória e Ciência
Indígena (ITC), com financiamento do Ministério do Esporte por meio da
Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social e do Ministério da Cultura.
Em reunião, os representantes desses setores escolheram a Cidade de Porto Nacional na Ilha de Porto Real, cidade localizada no Estado do Tocantins.
Porto Nacional com 273 anos de história e 173 anos de emancipação política,
localizada a 63 km Palmas capital do Estado, com uma população de 49.143
hab (IBGE/2010).
Outras entidades parceiras fizeram parte da organização dos Jogos, a saber:
Ministério da Educação, Ministério do Turismo, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde – SESAI, Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Ministério
da Cultura, Secretaria de Promoção Social da Igualdade Racial, Gabinete do
Senador Vicentinho Alves – TO/PR, Governo do Estado do Tocantins, e Prefeitura de Porto Nacional.
Após determinarem o local dos Jogos dos Povos Indígenas, o período escolhido foi de 08 a 15 de outubro de 2011 para o lançamento no dia 08 de agosto
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
83
de 2011 em Porto Nacional. Na época contou com a presença de pelo menos
um representante de cada setor envolvido no lançamento dos Jogos.
Os preparativos para do local do evento consistiram na construção de uma
“Aldeia Olímpica Indígena” na Ilha de Porto Real, para receber aproximadamente 1300 indígenas de cerca de 35 etnias, de diferentes regiões do país, além
da montagem de uma estrutura para receber uma plateia de aproximadamente
oito mil pessoas. “Além disso, eram esperados líderes e observadores indígenas de outros países (Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá, Equador, EUA,
Guiana Francesa, Peru e Venezuela)” conforme informação de Marcos Terena.
No contexto das articulações um fato inesperado e relevante se tornou obstáculo para a realização dos XI Jogos dos Povos Indígenas no período determinado: um novo padrão de convênio de contratos e rapasses é estabelecido pelo
Governo Federal. Com a publicação do Decreto nº 7.568 de 16 de setembro de
2011, que “Altera o Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre
as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios
e contratos de repasse, o Decreto nº 3.100, de 30 de julho de 1999, que regulamenta a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, e dá outras providências”, o
período estabelecido foi alterado de 08 a 15 de outubro de 2011 para 05 a 12 de
novembro de 2011. Em virtude da alteração do Decreto nº 6.170, de 25 de julho
de 2007 no seu artigo 1º que “Regulamenta os convênios, contratos de repasse
e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração
pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco
que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento Fiscal da
Seguridade Social da União”, pelo Decreto nº 7.568 de 16 de setembro de 2011.
Tornou-se necessária a publicação de uma portaria de instituição de chamada pública para a realização dos XI Jogos dos Povos Indígenas, para selecionar projetos que receberão recursos do Orçamento Geral da União, que prevê
a organização, a realização e a avaliação do evento.
84
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Entretanto, o então Ministro de Estado do Esporte, Orlando Silva, instituiu
uma chamada pública para a realização da XI Edição dos Jogos dos Povos Indígenas, com a finalidade de selecionar os projetos que receberão recursos do
Orçamento Geral da União, na Portaria nº 165, de 10 de outubro de 2011, publicada no Diário Oficial da União – Seção 1 nº 196 de 11 de outubro de 2011,
página 78, e o edital de chamada pública na Seção 3 do Diário Oficial da União
de 11 de outubro de 2011 nas páginas 124 e 125. Teve o período de 11 a 25 de
outubro para cadastramento e envio das propostas e uma segunda fase análise
e seleção das propostas entre os dias 26 e 27 de outubro.
O projeto do Comitê Intertribal - Memória e Ciência Indígena - ITC foi
escolhido para organizar, realizar e avaliar a XI Edição dos Jogos dos Povos
Indígenas de 2011.
Quanto ao investimento conforme Planilha2 detalhada da Presidência da
República – Controladoria Geral da União – CGU – Convênios por Estado/
Município de 28/11/2011, tendo como órgão superior o Ministério do Esporte
como Concedente e Convenente o Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena – ITC com o valor do Convênio e valor publicado em 01 de novembro
de 2011 de R$ 1.292.955,15 com início da vigência em 28/10/2011 e fim da vigência 31/01/2012, e com data da última liberação desse valor em 04/11/2011.
O custo total previsto foi de R$ 1.800.000,00 e portanto o Comitê Intertribal
previu outros financiamentos através do Governo do Estado do Tocantins de
R$ 300.000,00, do Ministério do Turismo de R$150.000,00 e patrocínio de R$
50.000,00.
A realização da XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas
As atividades foram distribuídas na cidade de Porto Real e na arena localizada na Ilha de Porto Real. Na cidade foram realizadas as seguintes atividades:
2
Portal da Transparência: htpp://www.portaldatransparencia.gov.br/convenios, acesso em 01/12/2011.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
85
acendimento do fogo, jogos de futebol e corridas de fundo e na arena os jogos,
danças e rituais.
Especificamente na cidade ocorreram as seguintes atividades:
1) O acendimento do fogo realizado pelo povo Xerente indígenas anfitriões
nesses Jogos, no dia 04 de novembro ao anoitecer, na Praça central de
Porto Nacional, Largo da Catedral Nossa Senhora das Mercês. Contou
com a presença do público não-indígena e indígena, repórteres, fotógrafos, pesquisadores, autoridades, além dos organizadores, havia um
caminhão com equipamento de som potente e microfone para o locutor
animar o público e para um dos organizadores, Marcos Terena, pudesse
falar sobre os significados do que estava sendo demonstrado, também
houve apresentações de práticas corporais indígenas, como a Dança da
Ema do povo Terena e a apresentação do povo Xerente.
2) Os jogos de futebol masculino no estádio General Sampaio e o feminino
no Centro de Treinamento Nego Júnior, sendo as finais tanto masculinas quanto femininas no estádio General Sampaio.
3) As corridas de fundo masculina e feminina, na avenida Beira Rio.
4) Entrevista coletiva de Carlos Terena e Marcos Terena para imprensa no
auditório da Câmara Municipal.
Na Ilha Porto Real ocorreram as seguintes atividades:
1) Abertura Oficial.
2) Entretenimentos Culturais – Exposição, venda de artesanatos, pinturas
corporais.
3) Apresentações Indígenas e Regionais;
4) Fórum (ciclo de debates);
5) Jogos Nativos de Integração (Arco e Flecha, Arremesso de Lança, Canoagem, Cabo de força, Corrida de Tora, Corridas de velocidade, corrida de resistência, e Natação).
86
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
6) Jogos Tradicionais de demonstração (Corrida de tora, Lutas Corporais,
Jikunaahti, Hipipi, Katulaywa, Jawary, Tihimore, Rõkran, Peikran, Kagót, Insistró, Jãmparty, Nhwra reni, Ngokhôn Kaseke, Khwra ro nô, Kgwra remi, Pásy hrã dáki, Pênsog thâky, Xaká-akere.).
7) Esportes aquáticos – natação e canoagem.
8) Encerramento Oficial.
Pudemos observar ao longo da semana na qual estivemos realizando nossa
pesquisa de campo, que houve muitas etnias aproveitando o tempo livre, já que
não estavam nas apresentações ou participando de alguma atividade prevista
no cronograma dos Jogos, fazendo seus cantos, danças, agradecimentos, dando entrevistas, sendo fotografados pela imprensa, pelos visitantes e entre elas
mesmas. Podia-se perceber a alegria de estarem entre outros povos, parentes,
conhecendo outras culturas.
Esse evento contou com a participação de 39 etnias. Cada etnia esteve presente com no máximo 40 integrantes, haja vista que algumas etnias estavam
sendo representadas por apenas um participante e especificamente os Matis –
etnia do Amazonas, estava com cinco integrantes participando das atividades,
de alguma prática corporal. No entanto conforme informações dos organizadores encontravam-se nesses Jogos aproximadamente 1300 indígenas. Havia
representações de todas as regiões brasileiras, inclusive os representantes do
Estado do Tocantins como anfitriões.
Etnias participantes
Nos Jogos dos Povos Indígenas em Porto Nacional participaram as seguintes etnias.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Apinajé – TO
Assurini – PA
Bororo Boe – MT
Cinta Larga – MT
Erikibaktsa – MT
Guarani Kaiwá – MS
Javaé – TO
Kaingang – RS
Kanela Rãmkokamekra – MA
Karajá – TO
Kayapó – PA
Kamayura – MT
88
Tronco – Macro-Jê
Família – Tupi-Guarani
Língua –Apinajé
Tronco - Tupi
Família – Tupi-Guarani
Língua – Assurini
Tronco: Macro Jê
Família: Boróro
Língua: Bororo
Tronco - Tupi
Família – Tupi-Guarani
Língua – Kakim, Kaban ou Maan.
Tronco – Macro-Jê
Família – Tupi-Guarani
Língua - Erikibaktsa
Tronco: Tupi
Família: Tupi-Guarani
Língua: Guarani- Nhandevá
Tronco: Macro-Jê
Família – Jê
Lingua: Karajá
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Kaingang
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua :Timbira
Tronco: Macro-Jê
Família: Karajá
Língua: Karajá
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Kayapó
Tronco: Aruak,
Familia: kama e yula
Linguá: Kamayurá
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Krahô - TO
Kura Bakairi - MT
Mamaindê/
Nhambikwara – MT
Manoki – MT outra denominação Irantxe –
MT
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Timbira
Tronco:
Família: Karib
Língua: Bakairi
Tronco: Negarotê
Família: Nambikwara
Língua: Mamainde
Tronco: sem tronco
Família: isolada
Língua: Manoki
Manoki ou Irantxe (língua isolada)
Tronco: sem tronco
Família: Pano
Paresi - MT
Parkatêjê/Kyikatêjê - PA conhecido como
Gavião Parakatêjê
Pataxó - BA
Suruí – RO outra denominação Paíter
Suyá - MT
Tapirapé - TO
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
Tronco: sem tronco
Família: Aruák
Língua: Paresi
Tronco – Macro Jê
Família – Jê
Língua Timbira Oriental
Tronco – Macro-Jê
Família - Maxakali
Língua – Pataxó
Tronco: Tupi
Família: Mondé
Língua Suruí – (Paitér)
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua :Suyá
Tronco – Macro-Jê
Família - Tupi
Língua – Tapirapé
89
Tembé – PA
Terena - MS
Xavante - MT
Xambioá - TO
Xerente - TO
Xicrin – PA
Tronco – Macro-Jê
Família - Tupi
Língua – Tembê
Tronco: sem tronco
Família: Aruák
Língua: Terena
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Akwén
Tronco:
Familia: Carajá
Lingua: Xambioá
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Akwén
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Kayapó - Xikrin
As atividades corporais apresentadas foram as seguintes:
Modalidades de integração
indígena
Arco e Flecha
Arremesso de Lanças
Canoagem
Cabo de Força
Corrida de Tora
Corridas de Velocidade
(100 m e 4 x 100m).
Corrida de Resistência
(5.000 metros).
Natação (Travessia em águas
abertas).
90
Modalidades
Modalidade ocidental e
‘tradicionais’ indígenas
Corrida de Tora
Lutas Corporais
Modalidade ocidental:
Futebol de campo
Katulaywa, Jawary,
Tihimore, Rõkran, Peikran,
Kagót, Insistró, Jãmparty,
Akô, Zarabanata, Ngokhôn
kasêkê, Nhwra reni, Khwra
ro nô, Kgwra reni, Pásy hrã
dáki, P nsôg thâky, Xakáakere
artesanato, danças e
pintura corporal
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
As descrições das modalidades foram obtidas de diferentes fontes (Gruppi,
2013)3:
Apañara (lançamento de flecha): Trata-se de um lançamento de flecha em
que o alvo é um guerreiro que tentará agarrar a flecha com as mãos. Outra
variante praticada pelos Xavante é o lançamento da flecha na vertical e esta
deverá ser recolhida antes que caia no solo.
Corrida de tora: É uma corrida entre equipes onde um dos atletas de cada
equipe transporta um tronco de árvore no ombro, existe sempre a possibilidade de fazer rodízios entre os membros da equipe. O peso da tora varia de 70
a 100 quilos na categoria masculina e de 50 a 70 quilos na categoria feminina.
Cada equipe pode ter no máximo 15 atletas. A corrida é feita em círculos, são
três voltas e termina no centro do estádio, quando a tora é posta no chão. A
maioria das toras é feita com o tronco da palmeira chamada Buriti e cada grupo tem um ritual próprio para sua confecção. A corrida de toras é uma prova
de força e resistência, praticada em rituais, festas e jogos por várias etnias: os
Xavante; os Gavião Kyikatêjê/Parakateyê; os Xerente; os Krahô; os Kanela; os
Krakati; e os Apinaje.
Cabo de força: Realiza-se em duas categorias: feminina e masculina. Cada
equipe é formada por, no máximo, dez participantes, pode ter também duas
reservas e um técnico. Os participantes se colocam em fila para agarrar a corda. Cada equipe agarra uma das extremidades, os atletas devem puxar a corda
em sentido oposto, o objetivo é puxar a corda e arrastar a equipe adversária até
a área demarcada.
Jogo de bola (variação) - Katulaywa: Jogo de bola com os joelhos, praticado
3
Gruppi, D.R. Jogos dos Povos Indígenas: trajetória e interlocuções. Tese de doutorado, Unicamp, 2013.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
91
pelos grupos indígenas do Xingu.
Jogo de Bola com a Cabeça: Denominado Zikunariti, na língua dos Paresi,
e Hiara, na língua dos Enawenê Nawê, esta modalidade é parecida com o jogo
de futebol, mas, ao invés de chutar, as equipes devem cabecear a bola. Trata-se
de um esporte exclusivamente masculino, praticado tradicionalmente pelos
Paresi do Mato Grosso. O jogo é disputado por duas equipes, com dois atletas
em cada uma delas. A partida se realiza em um campo de terra batida para que
a bola ganhe impulso há uma linha no centro que delimita o espaço de cada
equipe. A partida começa com atletas veteranos que se dirigem para o centro
do campo e decidem quem vai começar a lançar a bola com a mão o adversário
deverá cabecear de volta. E assim sucessivamente, quem deixar cair a bola no
chão cederá o ponto ao adversário quando tocar em outra parte do corpo ou
não houver rebote.
Kagót: Praticado pelo povo Xicrim, os participantes dividem-se em dois
grupos com o mesmo número de participantes, que não é fixo. A modalidade
inicia-se com danças e canções de ambos os grupos que se aproximam gradativamente se enfrentando. Durante a dança atiram flechas preparadas (sem
ponta) quando se cruzam, cuja meta é atirar em algum membro da equipe
adversaria. Ao receber a flechada, o jogador avisa e a equipe adversaria recebe
pontos. É uma forma de confraternização entre os grupos.
Lutas corporais: Praticadas por homens e mulheres, de vários grupos indígenas, as lutas corporais são bastante diversificadas. Fazem parte da cultura
tradicional dos povos xinguanos (Kayapó, Kamayurá, Tchukarramãe),Bakairi,
Xavante, Gavião Kyikatêjê/Parakatêye e Karajá.
92
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Arco e flecha: cada etnia pode inscrever apenas dois índios. Cada um deles
tem direito a três flechadas em direção a um alvo (desenho de um peixe) que
está localizado a 30 m do arqueiro. Ganha mais pontos quem acertar mais
próximo do olho do peixe.
Arremesso de lança: É uma modalidade masculina na qual o atleta deve
atirar a lança com o objetivo de atingir a distância máxima. Todos os participantes usam as mesmas lanças. Cada um deles pode fazer três lançamentos
consecutivos, dos quais é considerado apenas o melhor. A técnica de lançamento varia de uma etnia para outra. A maioria utiliza uma das mãos para
o lançamento, embora tenha também lançadores que utilizam as duas, estes
apoia uma delas no extremo oposto da ponta da lança. Existe uma área onde
o atleta pode realizar uma corrida a fim de impulsionar ao lançamento. Os
lançamentos fora da zona delimitada são anulados.
Canoagem: É uma competição com canoas disputada nos rios, lagos ou
mar. Geralmente, a distância é de cerca de 400 metros, mas pode variar. A
disputa é feita em dupla e, no final, a dupla vencedora é a que ultrapassa em
primeiro lugar a linha de demarcação com a ponta da proa da canoa. As canoas são comuns a todos os participantes, que devem levar os seus remos. A
cada corrida as canoas são sorteadas, atualmente utiliza-se canoas fabricadas
pelos Rikbatsa do Mato Grosso. A canoa ainda hoje é empregada como meio
de transporte e de pesca por muitos grupos indígenas e apresenta grande diversidade. Entre os Karajá, por exemplo, as canoas são mais estreitas e mais
velozes. Cada etnia pode inscrever uma dupla de indígenas do sexo masculino.
Os remos e as canoas são confeccionadas pelos próprios indígenas.
Natação (travessia): a prova de natação é disputada em rio ou mar aberto e
é dividida em uma etapa masculina e uma feminina. Cada etnia pode inscrever
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
93
dois atletas no masculino e dois no feminino. Os participantes aguardam o
sinal sonoro de largada na areia, semelhante à prova do triatlo, e só então podem sair correndo em direção à água. O percurso tem aproximadamente 100
metros e é disputada uma única bateria.
Rõkrã : já é um jogo coletivo disputado por equipes com dez ou mais atletas e em um campo do tamanho de um campo de futebol. Os atletas carregam
bordunas (espécie de bastão) e devem ir rebatendo um coco para que ele ultrapasse a linha de fundo do campo do oponente.
Tihimore: Esta é uma modalidade disputada apenas por mulheres, geralmente jovens e adolescentes, entre clãs ou famílias do povo Pareci. Semelhante
ao jogo de boliche, é realizada em festas e rituais de iniciação e nominação,
quando as crianças recebem nomes próprios. A disputa ocorre em um campo
de 10 metros de largura por um metro de comprimento, com ripas de madeira
fixadas no solo nas duas extremidades onde se colocam espigas de milho. O
jogo é disputado com duas bolas de marmelo verde e o objetivo é tirar o milho
das adversárias que estão nos últimos paus. É jogado com quatro atletas de
cada lado e não tem juiz, apenas um observador de cada lado adversário, que
tem a função de verificar se houve toque e a pontuação.
Zarabatana é uma prova individual onde o participante se posiciona a 20
ou 30 metros do alvo. O objetivo é atingir o alvo o maior número de vezes. A
zarabatana é uma arma artesanal feita pelo povo Matis da Região Amazônica
No orifício da zarabatana se introduz uma pequena seta de 15 centímetros. Os
Matis usam a zarabatana para caçar já que ela é silenciosa e precisa.
Corrida de 100 metros: cada etnia pode inscrever duas equipes – masculina e feminina – compostas por dois atletas. O número de séries eliminatórias
94
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
varia de acordo com o número de atletas inscritos.
Corrida de fundo: essa modalidade também possui uma prova feminina
e outra masculina, porém, não há limite de inscrição de atletas por etnia. Os
atletas devem percorrer um trajeto de aproximadamente 3 mil metros e podem correr calçados ou não.
Danças: Representações das diferentes etnias, e também do não índio com
características regionais.
Futebol: cada etnia pode inscrever uma equipe no masculino e feminino
com, no máximo, 18 atletas. O jogo dura 40 minutos, sendo dividido em dois
tempos de 20 minutos cada.
O lema celebração e não competição traz um sentido lúdico das partes envolvidas. A classificação é motivo de celebração pela etnia. Apresentamos os
resultados finais disponibilizado pelo Comitê Intertribal – Memória e Ciência
Indígena.
MODALIDADES
CLASSIFICAÇÃO DAS ETNIAS
1º Pataxó 2º Kamayura 3º Kura Bakairi
Arremesso de lança
1º Tapirapé- Ricardo Tapirapé (38,10m)
2º Terena - Eid Pereira Terena (34,86m)
3º Javaé - Ixariri Javaé (32,50m)
Canoagem
1º Xerente
2º Tembé
3º Kamauyrá
Cabo de força feminino
1º Javaé
2º Bororo Boe
3º Xavante
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
95
Cabo de força masculino
1º Kamayurá
3º Xerente
Corrida com tora
1º Kanela
2º Xavante
3º Krahô
Corrida de fundo – feminino (2.500 metros).
1º Kaiapó - Bekwynhkaro
2º Xavante - Pewahu Sueli
3º Guarani-Kaiowá - Cleonícia Lopes
Corrida de fundo – masculino (4.000
metros)
1º Xerente - Júnior Wakezane
2º Assuriní – Passewaia
3º Guarani-Kaiowá- Ailquison Ferreira
Corrida de velocidade – feminino (100
metros)
2º Xambioá - Kuaribú Xambioá
Corrida de velocidade – masculino (100
metros)
2º Kanela – Anjipá Kanela
Futebol feminino
1º Karajá
2º Bororo Boe
3º Kamayurá
Futebol masculino
1º Xerente
2º Kaingang
3º Xikrin
Natação masculina
Natação feminina
2º Manoki - Kayol
3ª Tapirapé - Makapukui
1º Kaiapó - Bekuynhkaro
2º Xavante - Sueli
3ª Rikbatksa – Muikbra
Referências
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96
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Obtido em: www.
ibge.gov.br Acesso em: 30/09/2011.
GRUPPI, Deoclecio R. Jogos dos Povos Indígenas: trajetória e interlocuções. 2013, 165fls. Tese de Doutorado (Faculdade de Educação Física) Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP.
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Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
97
Fernando Amazônia
98
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
CA PÍTULO 7
JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS:
REDES DE INTERDEPENDÊNCIAS,
PERCEPÇÕES INDÍGENAS E MIMESIS
Maria Beatriz Rocha Ferreira
Jogos dos Povos Indígenas são eventos no ‘plural’ não somente por ter várias atividades e versões, mas por representarem teias de interdependências
complexas ou figurações. Historicamente as iniciativas partiram dos líderes
Carlos Justino Terena e Mariano Marcos Terena, os quais são os principais
interlocutores no processo entre o universo indígena e não indígena nas realizações dos eventos. Informações podem ser acessadas em diferentes fontes e
nos sites http://www.gov.br, www.labjor.unicamp.br/indio, http://www.jogosmundiaisindigenas.com
Para a realização do evento, uma rede de instituições e atores se inter-relacionam a partir da iniciativa do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena, o poder público - Ministério do Esporte, Ministério da Justiça, Ministério
da Educação, Governo do Estado e Municipal, Universidades, Fundação Nacional do Índio - FUNAI e o poder privado – a mídia, universidades privadas,
ONGs e voluntários.
Estes atores e instituições se interrelacionam durante todo o processo com
diálogos, tensões e negociações. Cada evento pode ser considerado de médio
porte, mas complexo pela magnitude da extensão que alcança. Os processos
nas organizações destes jogos, desde 1996, indicam ganhos e superações de
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
99
todas as pessoas e instituições envolvidas. Menciono abaixo os passos principais na organização dos Jogos dos Povos Indígenas.
Fase preparação
As negociações são importantes elementos do líderes Marcos e Carlos
Terena representando o Comitê Intertribal de Ciência e Memória Indígena com o Ministério do Esporte para a organização do evento. Estes
instituições são as principais responsáveis pelos Jogos, que por sua vez
se associam com outros Ministérios e outras instituições.
As negociações das escolhas da cidade sede passa pelo aval político de
diferentes setores Governamentais Federais, Estaduais e Municipais.
A espiritualidade indígena é uma questão importante no processo. O
pajé visita o local e influencia na escolha e abençoa.
Ocorre negociações com a mídia, as universidades interessadas em desenvolver pesquisa, organizações não governamentais e voluntários fazem parte da complexidade das ações.
As escolhas das etnias são importantes momentos no processo. Em geral
elas ocorrem por indicação dos líderes Marcos e Carlos Terena e por solicitação das próprias etnias. Uma das características principais na escolha
é a existência da práticas corporais da ‘tradição’ na vida diária nas aldeias.
A organização do Fórum Social fica a cargo do líder Mariano Marcos
Terena. São escolhidos temas da atualidade e trazem um debate profícuo envolvendo as etnias e a sociedade mais ampla.
A planta arquitetônica dos jogos é feita com muita antecedência. Prevê
a arena, o alojamento feito com elementos da tradição indígena, a oca
da sabedoria a feira de artesanato, o campo de futebol, uma área de água
(rio, praia ou lago), a oca digital, a oca literária e a feira de agricultura
tradicional indígena.
100
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Durante e após os jogos
Os jogos tem a duração de 7 dias com a chegada das etnias e a partida das
mesmas. Os seguintes momentos fazem parte do evento.
1o dia que antecede o inicio dos Jogos.
A cerimônia para acender o fogo sagrado de forma tradicional, com o atrito de gravetos realizado ao por do sol. Entre os diferentes significados, o fogo
representa a união entre os povos, costume ancestral quando não estavam em
guerra. Atualmente o fogo continua sendo aceso em situação de união com a
sociedade.
2o dia - Início dos Jogos.
Chegada do atleta [chamado de ‘guerreiro’ pelo locutor em alguns momentos] na arena segurando uma tocha, simbolizando o fogo sagrado. Esta é entregue para um outro atleta que percorre a arena e acende outras tochas até
chegar na pira.
Em seguida ocorre o desfile de abertura com a participação dos povos
participantes, que se apresentam com os adornos e vestimentas típicas. A diversidade dos povos indígenas pode ser observada nas plumagens e pinturas
corporais.
Em geral num momento anterior a entrada na arena, as etnias fazem pajelança, dançam e cantam na concentração. Este é um momento muito forte em
espiritualidade que o público não visualiza.
Após a entrada de todas as etnias, ocorrem diferentes momentos, tais como
pajelança [momento de muita espiritualidade], hino nacional, discursos dos
organizadores, entre outros.
No palanque ficam os representantes governamentais, Ministros, Secretários e outros convidados. Os pronunciamentos de alguns deles e do líder
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
101
indígena Mariano Marcos Terena oficializam a abertura dos Jogos dos Povos
Indígenas. Os jornalistas e as comissões organizadoras têm um local específico
com material adequado de multimídia e internet.
Atividades nos dias seguintes
Nos dias seguintes ocorrem diferentes praticas corporais, as quais foram
categorizadas recentemente pelo Comitê Intertribal e o Ministério do Esporte
por: modalidades de integração indígena, modalidades demonstrativas ‘tradicionais’4 indígenas, modalidade ocidental e modalidades artísticas. Estas
modalidades ocorrem na arena no final da tarde. Mas as outras modalidades
são alocadas em locais específicos, como o futebol de campo nos estádios da
cidade e a canoagem e a natação realizadas no rio ou no mar durante o dia.
As tendas de artesanatos são montadas ao redor da arena e funcionam durante todo o dia até o final das atividades do evento. São momentos de trocas
entre as etnias participantes e o público de maneira geral.
O Fórum social organizado por Marcos Terena congrega convidados indígenas e não indígenas nacionais e internacionais, visando debater temas,
tais como educação, saúde, ecologia e juventude, comunicações, utilização
de energia solar, reflexões sobre os jogos e esportes indígenas, entre outros.
Em geral a reunião é organizada num ambiente próprio, com multimídia para
transmissão das palestras.
Lema e temas dos Jogos dos Povos Indígenas
O lema dos Jogos dos Povos Indígena é “O IMPORTANTE NÃO É COMPETIR E SIM, CELEBRAR”. Mas a cada ano são escolhidos temas para serem
4
102
O termo tradicional entre aspas é grifo meu, para enfatizar que esta praticas são adquiridas por transmissão ao longo
de sucessivas gerações, mesmo quando se trata de invenções recentes, e às quais o grupo atribui um estatuto diferenciado. O saber tradicional não representa a sua antiguidade, mas a maneira como ele é adquirido e como é usado, ou
melhor representa formas particulares, continuamente colocadas em prática na produção do conhecimento (Gallois,
2006).
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
desenvolvidos nos Jogos e nas cidades sedes. Pode-se perceber que algumas
etnias participam em diferentes anos, mas não necessariamente são as mesmas
aldeias e atletas.
Tabela 1. Local, ano, tema e etnias
participantes dos Jogos dos Povos Indígenas
I JPI - 1996
Goiania - GO
II JPI - 1999
Guaíra - PR
(na fronteira
)
III JPI - 2000
Marabá - PA
(na Amazônia
brasileira)
IV JPI - 2001
Campo Grande - MS
(região do Pantanal)
Tema:
Programa do Índio Os povos indígenas
vão mostrar que
esporte não é reserva
de branco
Tema:
A Terra de todas as
Tribos
Tema:
A União das Tribos
Tema:
Compromisso com
nossas Tribos
Etnias:
Bakairi - MT; Bororo- MT;
Fulni-ô - PE; Gavião RO; Guarani - SP e MS;
Guató - MS; Javaé - TO;
Kadiwéu - MS; Kaiapó PA; Kaingang - SP, SC e RS;
Kaiowá - MS; Kalapalo,
Xingu - MT; Kamayurá Xingu - MT; Kanela - MA.
Karajá - TO e GO; Krahô -
Etnias:
Bakairi - MT; Bororo - MT;
Erikbaktsa - MT; Guarani
- SP; Jawaé - TO; Kadiwéu
- MS; Kaingang-SC;
Kaiowá - MS; Kamaiurá,
Xingu - MT; Kanela - MA;
Karajá - TO; Kayapó - PA;
Krahô - TO; Krenak - MG;
Kuikuro, Xingu - MT;
Etnias:
Arara - PA; Arawete
- PA; Assurini – PA;
Asurini - PA; Bakairi
- MT; Bororo - MT;
Erikbatsa - MT; Gavião
Parkatejê - PA; Guarani
- SP; Jawaé - TO;
Kaapor - PA; Kaingang
– PR; Kaiowá – MS;
Kalapalo, Xingu - MT;
Kamayura, Xingu - MT;
Kanela - MA; Karajá TO; Kayapó – PA; Krahô
- TO; Kuikuru, Xingu –
Etnias:
Arara - PA ; Arawete - PA;
Assurini – PA; Bakairi - MT;
Bororo – MT; Erikbatsa
– MT; Fulni-o/PE; Gavião
Parkatejê – PA; Gavião/RO;
Guarani – SP; Guarani – MS;
Guato/MS; Jawaé – TO;
Kadiwéu – MS; Kayapó – PA;
Kaingang - SP; Kaingang - SC;
Kaingang – RS; Kaiowá –
MS; Kalapalo, Xingu - MT;
Kamaiurá, Xingu – MT;
Kanela – MA; Karajá – TO;
Kariri/AL; Krahô – TO;
Xingu - MT; Mehinaku,
Xingu - MT; Ofaié - MS;
Paresi - MT; SaterêMaués - AM; Terena
- MS; Trumai, Xingu - MT;
Tukano - AM; Wuará,
Xingu - MT; Xavante MT, Xucuru - Kariri - AL;
- MG; Pankararu - PE;
- PB; Suyá, Xingu - MT;
MT; Waurá, Xingu – MT
Xacriabá - MG; Xavante -
- PA; Mehinaku, XingúMT; Munduruku - PA;
Parakanã - PA; Pataxó
- BA; Suruí - PA; Suyá,
Xingu - MS; Tembé PA; Terena - MS; Wai
Wai - PA; Waurá, Xingu
– MT; Xavante - MT;
Xingu MT
– AM; Maxacalí – MG;
Mbyá – PA; Mehinaku,
Xingú- MT; Munduruku – PA;
Ofaié - MS; Pankararu – PE;
Parakanã – PA; Paresi – MT;
PB; Saterê-Maués - AM;
Suruí - PA; Suyá, Xingu – MT;
Tembé – PA; Terena – MS;
Trumai, Xingu - MT; Tukano
Wai – PA; Waurá, Xingu –
MT; Xacriabá – MG; Xickin/
Xingu - MT
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
103
V JPI - 2002
Marapanim - PA
Tema:
Natureza
Etnias:
Arara/PA; Arawete/
PA; Assurini – PA;
Bakairi/MT; Bororo/
MT; Erikbatsa; Fulni-o/
PE; Gavião/PA;
Gavião Parakatêjê/
PA; Guarani/SP;
Guató/MS; Javaé/TO;
Kadiwéu/MS; Kayapó/
PA; Kaigang/RS;
Kaiwá/MS; Kalapalo/
MT; Kamayurá/MT;
Kanela/MA; Karajá/
TO; Krenak/MG;
AM; Maxakali/MT;
Mbyá/PA; Mehinaku/
MT; Munduruku/PA;
Ofaié/MS; Pankararu/
PE; Parakanã/PA;
Paresi/MT; Pataxó/BA;
Maues/AM; Suruí/
RO; Suyá/MT; Tembé/
PA; Terena/MS;
Trumai/MT; Tukano/
Waiwai/PA; Wará/MT;
Xickin/MT; Xucuru/AL;
104
VI JPI - 2003
Palmas - TO
Tema:
Esta Terra é Nossa
VII JPI - 2004
Porto Seguro - BA
(local da chegada
dos "caraíbas"
portugueses)
VIII JPI - 2005
Fortaleza – CE
Tema:
1994/2004 - Década
Internacional do Índio
Tema:
O importante não
Etnias:
Aikewara/PA; Apinajé/
TO; Avá Canoeiro/
GO; Awa Guajá/MA;
Etnias:
Aikewara/PA;
Asurini do Xingu/
MT; Awá Guajá/MA;
MT; Bororo/MT; Cinta
Larga/RO; Enawêne
Nawê/MT; Gavião
Kyikatêjê/PA; Guarani/
MT; Bororo/MT;
Enawenê-Nawê/MT
; Etnias Australianas,
Etnias Canadenses,
Gavião/PA; Guajajara;
Guarani/SP; Ikpeng/
; Irantxe; Javaé/TO;
Kaapor/MA; Kadiwéu/
MS; Kaigang/RS ;
Kaiwá/MS ; Kalapalo/
MT ; Kamayurá/MT;
Kanela; Kantaruré;
Karajá/MT; Kayabi;
Kayapó/PA ; Kiriri;
Krahô/TO ; Krenak/
MG; Kuikuro/MT;
Etnias:
Assurini – PA; Asurini
– TO; Bakairi/MT;
Bororo/MT; EnawenêNawê/MT ; Guarani/
SP; Gavião Kyikatêjê/
MA; Javaé/TO; Kaiwá/
MS ; Kanela/MA;
Karajá/MT; Kayapó/
AM; Javaé/TO;
Ka'apor/MA; Kaiwá/
MS; Kalapalo/MT;
Kamayurá/MT; Kanela
Ramkokamekra/MA;
Karajá/TO; Kayabi/MT;
Kayapó/PA; Krahô/TO;
AM; Nambikwára/
RO; Parakanã/PA;
Paresi/MT; Pataxó/BA;
Rikbatsa/MT; Suruí/
RO; Tapirapé-TO/MT;
Tembé-PA; Terena/
MS; Uru-Eu-WauWau-/RO; Wai Wai/
PA; Waiãpi/AC; Waimri
Atroari/AM; Waura/
MT:; Xavante/MT;
Xerente/TO; Xikrin/
PA; Xucuru Kariri/
AL; Yanomami/RR;
celebrar
AM; Manoki/MT;
Nambikwára/RO;
Parakanã/PA; Paresi/
MT; Rikbaktsa/MT ;
Suruí/RO; Pytaguary/
Tabepa/CE; Terena/
MS; Xavante/MT;
Xerente/TO; Xikrin/PA;
MT ; Nambikwara/
RO; Pankararé;
Pankararu/PE; Paresi
/MT ; Pataxó/BA;
Rikbaktsa/MT ; Suruí/
RO ; Tapirapé/TO/
MT; Terena/MS;
Tuxá/; Wai Wai,PA;
Waiãpi/AC ; Waimiri
Atroari,/AM; Waura/
MT; Wayapi ; Guiana
Francesa, Xakriabá;
Xavante/MT; Xerente/
TO; Xikrin/PA; Xukuru/
AL; Yanomami/RR;
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
IX JPI - 2007
Recife e Olinda – PE
X JPI - 2009
Paragominas – PA
XI JPI - 2011
Porto Nacional – TO
XII JPI - 2013
Cuiabá - MT
Tema:
Água é vida, direito
sagrado que não se
vende
Tema:
O importante não é
ganhar e, sim, celebrar
Tema:
Importante não é
ganhar e, sim, celebrar
Tema:
Soberania alimentar:
alimentação e respeito
à Mãe Terra.
Etnias:
Etnias:
Aikewara/PA; Assurini/
PA; Bakairi/MT; Cinta
Larga/RO; Bororo Boe/
MT; Enawenê-Nawê/
MT; Gavião Kyikatêjê/
PA; Gavião Parkatejê/
PA; Javaé/TO; Kayapó/
PA; Kamayura/MT;
Krahô/TO; Kuikuro/MT;
Etnias:
Apinajé/TO; Assurini/PA;
Bororo Boe/MT; Cinta
Larga/MT; Erikibaktsa/
MT; Guarani Kaiowá/MS;
Javaé/TO; Kaingang/RS;
Kanela Rãmkokamekra/
MA; Karajá/TO; Kayapó/
PA; Kamayura/MT;
Krahô/TO; Kura Bakairi/
MT; Mamaindê/
Nhambikwara/MT;
Etnias:
Assurini/PA; Bororo
Boe/MT; EnawenêNawê/MT; Erikibaktsa/
MT; Gavião Ikólóéh
RO; Guarani Kaiwá/
MS; Ikpeng/MT; Javaé
Itya/TO; Kaingang/PR;
Kanamari/ AM; Kanela
Rãmkokamekrá/MA;
Karajá/TO; Kariri-Xocó/
Paresi/MT; Parkatêjê/
Kyikatêjê/PA; Pataxó/
BA; Suruí/RO; Suyá/MT;
Tapirapé/TO; Tembé/PA;
Terena/MS; Xavante/MT;
Xambioá/TO; Xerente/TO;
Xicrin/PA; Saterê - AM
MT; Kokama/AM; Krahô/
TO; Krenak/MG; Kuikuro/
MT; Kuntanawá/AC; Kura
Bakairi/MT; Macuxi/
RR; Mamaindê/RO;
Bakairi/MT; Bororo/Boe/
MG; Gavião Parkatejê/
PA; Kambiawá/PE;
Kanela Ramkokamekra/
MA; Kapinawá/PE;
Kayapó/PA; Kuikuro/MG;
Manoki/MG; Pankará/
PE; Pankararú/PE; Paresi
Rikbaktsa/MT; Tapirapé/
MT; Tenharim/AM;
Xavante/MT; Xerente/TO;
Xikrin/PA; Xokleng/SC
Maxacali/MG; Paresi
MT; Shanenawa -AC;
Tapirapé/TO; Tembé/PA;
MT; Wai Wai/PA;
Xavante/MT; Xerente/TO;
Xicrin/PA; Xokleng - SC;
Yaunauwa - AC
Maxacali/MG; Mayoruna/
AM; Mehinaku /MT;
Nhambikwara/MT; Panará
Kreeakarore/MT; Paresi
Shanenawá/AC; Suruí
Paiter/AC; Tapirapé/
TO; Tauarepang/RR;
Tembé/PA; Terena /
MS; Tikuna Magüta/
AM; Tukano Ye’pâ-masa/
Wai/PA; Wapichana/RR;
Xacriabá/MG; Xambioá/
TO; Xavante/MT;
Xerente/TO;
ETNIAS INTERNACIONAIS
Canadá; Chile; Colômbia;
Costa Rica; Equador;
Estados Unidos;
Guatemala; Guiana
Francesa; México;
Nicarágua; Noruega;
Panamá; Paraguai; Peru;
Venezuela
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
105
Pesquisas realizadas nos Jogos
Os organizadores sempre tiveram abertos aos pesquisadores para realização de seus estudos e publicações acadêmicas. Publicações e filmes podem ser
obtidos nos seguintes eventos: IV JPI – 2001 Campo Grande – MS, VII JPI –
2004 Porto Seguro – BA,VIII JPI – 2005 Fortaleza – CE, IX JPI – 2007, Recife
e Olinda – PE, X JPI – 2009, Paragominas – PA, XI JPI – 2011, Porto Nacional
– TO, XII JPI – 2013, Cuiabá - MT.
As pesquisas puderam fornecer diferentes visões sobre os Jogos. Entendo
que algumas vezes as percepções dos pesquisadores não indígenas foram influenciadas pelas experiências das áreas acadêmicas dos mesmos. Sites e bancos de dados foram organizados para que pudéssemos ter um acervo da memória dos Jogos Indígenas (www.labjor.unicamp.br/indio).
Resultados da pesquisa realizada nos XI JPI – 2011 Porto Nacional – TO
As informações relatadas a seguir são dos questionários sobre “Avaliação
com indígenas atletas e artesãos”. As perguntas do questionário eram fechas,
semi-abertas e abertas (dissertativas). As duas primeiras foram anotadas no
formulário da entrevista (questionário) e as outras foram gravadas. As respostas gravadas foram transcritas e apresentadas no capítulo - A Comunidade
Indígena e suas Percepções dos XI “Jogos Dos Povos Indígenas” – JPIs.
As informações das perguntas registradas no formulário foram codificadas
e inseridas em planilha excell. Foi realizada uma análise estatística cruzando
as variáveis: etnia, sexo e as informações dos entrevistados. Participaram desta
fase Maria Beatriz Rocha Ferreira, Deoclécio Rocco Gruppi e Philippe Devloo.
Dados informativos
Foram entrevistados 45 mulheres e 89 homens. No quadro abaixo apresentamos as etnias que participaram dos Jogos. Os espaços em branco representam as etnias ou o sexo que não foram entrevistados, por motivos diversos.
106
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Nota: o número de entrevistados está entre parênteses. Os participantes
tiveram diferentes funções, vieram como atletas, artesã/ão, coordenador/responsável pela etnia. Algumas das funções foram acumuladas, portanto aparecem como atletas e artesã/ão, ou atleta e coordenador ou todas as funções. Os
espaços em branco significa que não tivemos informações.
ETNIA
MULHERES
HOMENS
Apinajé – TO
Tronco – Macro-Jê
Família – Tupi-Guarani
Língua –Apinajé
Assurini – PA
Tronco - Tupi
Família – Tupi-Guarani
Língua – Assurini
Idades – 17 (2), 30 a 34 (3)
Função –
artesã (3),
dança e artesã (1) e
pintura corporal e artesã (1)
Idades – 16 (1) 17 (1) 27 (1)
Função –
atleta (2)
artesão (1)
Bororo Boe – MT
Tronco: Macro Jê
Família: Boróro
Língua: Bororo
Idades 16 (1) 55 (1)
Função –
atleta (1)
artesã (1)
Idades 17 (1), 26 (1), 42 (1), 45 (1)
Função:
atleta (2),
atleta e artesão (1),
atleta, artesão e coordenador (1)
Cinta Larga – MT
Tronco - Tupi
Família – Tupi-Guarani
Língua – Kakim, Kaban ou Maan.
Idades – 20 (1), 23 (1), 17 (1)
Função –
atleta e artesã (2) e
artesã (2)
Idades 25 (1), 26 (1), 52 (1), 54 (1)
Função: atleta (4)
Guarani Kaiowá – MS
Tronco: Tupi
Família: Tupi-Guarani
Língua: Guarani- Nhandevá
Idades – 16 (1), 24 (1), 50 (1)
Função atleta (2)
não respondeu (1)
Idades: 16 (1), 34 (1), 39 (1)
Função:
atleta (1),
atleta e artesão (1),
atleta, artesão e coordenador (1)
Javaé – TO
Tronco: Macro-Jê
Família – Jê
Lingua: Karajá
Idades: 18 (1), 25 (1), 29 (1), 49 (1)
Função:
atleta (3) Artesã (1)
Idades: 18 (1), 22 (1), 30 (1), 46 (1)
Função: atleta (3), atleta e Artesão
(1)
Kaingang – RS
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Kaingang
Idades (18 (1), 29 (2), 33 (1)
Função –
atleta (1), atleta e artesã (2) e
atleta, artesã e outros (1)
Idades: 27 (1), 28 (1), 32 (1), 53
(1), 55 (1)
Função:
atleta (1), atleta e coordenador (1),
coordenador (1)
Erikibaktsa – MT
Tronco – Macro-Jê
Família – Tupi-Guarani
Língua - Erikibaktsa
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
107
Kanela Rãmkokamekra – MA
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua :Timbira
Karajá – TO
Tronco: Macro-Jê
Família: Karajá
Língua: Karajá
Idades: 23 (1), 25 (1)
Função:
atleta (2)
Idades: 20 (1), 22 (1), (23 (1), 27 (1),
39 (1), 48 (1)
Função: atleta (3), Artesão (1),
atleta e Artesão (1), coordenador
(1)
Kayapó – PA
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Kayapó
Idades: 22 (1)
Função –
atleta (1)
Idades: 21 (1), 26 (1), 29 (1), 31
(1), 67 (1)
Função:
atleta (1),
artesão (2),
coordenador (2)
Kamayura – MT
Tronco: Aruak,
Familia: kama e yula
Linguá: Kamayurá
Idades: 21 (1), 22 (1), 23 (1), 32 (1),
36 (1), 39 (2), 41 (1), 48 (1)
Função:
atleta (2),
artesão (3),
atleta e artesão (1),
coordenador e artesão (2),
coordenador, atleta e artesão (1)
Krahô - TO
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Timbira
Kura Bakairi - MT
Tronco:
Família: Karib
Língua: Bakairi
Mamaindê/Nhambikwara – MT
Tronco: Negarotê
Família: Nambikwara
Língua: Mamainde
Idades: 17 (1), 29 (1)
Função:
artesã (2)
Idades: 14 (1), 18 (1), 23 (1) 28 (1),
32 (1), 56 (1)
Função:
atleta (2),
artesão (2),
atleta e artesão (1),
atleta, artesão e coordenador (1)
Manoki – MT outra denominaçãoo
Irantxe – MT
Tronco: sem tronco
Família: isolada
Língua: Manoki
Manoki ou Irantxe (língua isolada)
Idades: 14 (1), 16 (1)
Função:
atleta e artesã (2)
Idades: 15 (2), 19 (1), 24 (1), 25
(1), 29 (1)
Função: artesão (1), atleta e
Artesão (5)
Tronco: sem tronco
Família: Pano
108
Idades:
sem informação (3), 23 (1)
Função:
atleta (4)
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Paresi - MT
Tronco: sem tronco
Família: Aruák
Língua: Paresi
Idades: 19 (1), 25 (1), 29 (2)
Função:
atleta e artesão (4)
Parkatêjê/Kyikatêjê - PA conhecido
como Gavião Parakatêjê
Tronco – Macro Jê
Família – Jê
Língua Timbira Oriental
Pataxó - BA
Tronco – Macro-Jê
Família - Maxakali
Língua – Pataxó
Idades: 17 (1), 18 (1), 29 (1)
Função –
atleta e artesã (3)
Idades: 21 (1), 24 (1), 29 (2), 32 (1)
Função:
atleta (1),
atleta e artesão (2),
artesão e coordenador (1),
atleta, artesão e coordenador (1)
Suruí – RO outra denominação
Paíter
Tronco: Tupi
Família: Mondé
Língua Suruí – (Paitér)
Idade: 22 (1)
Função –
atleta (1)
Idades: 19 (1), 20 (1), 22 (2), 23
(2), 33 (1)
Função:
atleta (6), atleta e artesão (1)
Idades: 14 (1), 16 (1), 21 (1)
Função
atleta (4)
Idades: 17 (1), 18 (1), 20 (1), 39 (1)
Função:
atleta (2),
coordenador (1),
artesão e coordenador (1)
Suyá - MT
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua :Suyá
Tapirapé - TO
Tronco – Macro-Jê
Família - Tupi
Língua – Tapirapé
Tembé – PA
Tronco – Macro-Jê
Família - Tupi
Língua – Tembê
Terena - MS
Tronco: sem tronco
Família: Aruák
Língua: Terena
Xavante - MT
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Akwén
Xambioá - TO
Tronco:
Familia: Carajá
Lingua: Xambioá
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
109
Xerente - TO
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Akwén
Idades: 15 (1), 16 (1), 17 (1), 18 (1)
Função:
atleta (1),
atleta e artesã (1),
atleta, artesã e outros (2)
Idades: 16 (1), 19 (1), 21 (1), 36 (1)
Função:
atleta (1),
atleta e artesão (3)
Xicrin – PA
Tronco: Macro-Jê
Família: Jê
Língua: Kayapó - Xikrin
Idades: 20 (1), 27 91), 28 (1), 30
(1), 37 (1)
Função:
atleta (1),
atleta e artesão (2),
atleta, Artesão e coordenador (1),
coordenador e atleta (1)
30. Saterê Mawê - AM
Idades: 34 (1)
Função: atleta (1)
Na tabela acima podemos observar que as idades variaram. Este fato reflete
uma dinâmica própria dos indígenas. Eles participam dos Jogos, independentemente da idade. A ideia de ‘celebração’ é permeada nos JPIs.
A classificação das três modalidades foram feitas pelo Comitê intertribal Memória e Ciência Indígena e o Ministério do Esporte. As modalidades de Integração
Indígena que participaram foram Arco e Flecha, Arremesso de Lanças, Canoagem, Cabo de Força, Corrida de Tora, Corridas de Velocidade (100m e 4 x 100m),
Corrida de Resistência (5.000 metros), Natação (Travessia em águas abertas).
As modalidades Demonstrativas Tradicionais Indígenas: Corrida de Tora,
Lutas Corporais, Jikunahati, Hipipi, Katulaywa, Jawary, Tihimore, Rõkran,
Peikran, Kagót, Insistró, Jãmparty, Akô, Zarabanata, Ngokhôn kasêkê, Nhwra
reni, Khwra ro nô, Kgwra reni, Pásy hrã dáki, Pẽnsôg thâky, Xaká-akere.
A modalidade ocidental foi o futebol de campo. Este jogo reflete a diversidade cultural das etnias e pode ser observado durante e após a competição.
Eles dançam e celebraram quando ganham, mas sem ostentação e respeito ao
adversário.
As descrições de cada modalidade estão no capítulo organizado por Deoclécio Rocco Gruppi sobre ‘XI edição Jogos dos Povos Indígenas: organização,
etnias, praticas corporais’.
110
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Evidências a respeito dos benefícios gerados pela iniciativa dos JPIs
A seguir informo as respostas das perguntas fechadas e semi abertas do formulário de entrevista “Avaliação com indígenas atletas e artesãos. As respostas
apontam a importância do evento no cenário nacional indígena. O ‘P’ significa
a pergunta do questionário e o ‘R’ a resposta dos entrevistados.
Tema: Sobre evidências a respeito dos benefícios gerados pela iniciativa
dos JPIs.
Você acha que os Jogos de Porto Nacional deram oportunidade para:
P: Preservação das culturas indígenas, das práticas de seus esportes tradicionais, de seus rituais, artesanato e pintura corporal?
R: Sim, pois são temas importantes, percebem que todos gostam e incentivam
os jovens.
P: Os participantes conhecerem novas modalidades esportivas tradicionais indígenas?
R: Sim, pois podem conhecer outros povos e visualizarem as demonstrações.
P: A preservação da relação homem e natureza?
R: Sim, pois a mãe natureza está em primeiro lugar. Alguns consideram que
eles já são os maiores preservadores e estão fora do habitat. Os jogos poderiam ser maiores neste aspecto, mas depende também de cada povo.
A preservação dos valores:
P: Da participação lúdica (alegria, liberdade, valorização da participação e
não da vitória)?
R: Sim, gostam, divulgam os jogos, nos eventos tem competição, cultura e
lúdico, e aprendem a ganhar e perder.
P: Da celebração (vivência de ritos tradicionais)?
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
111
R: Sim, gostam e tem emoções, embora alguns entendem que não preservam
pois eles já tem festas nas aldeias que contribuem melhor.
P: Do espírito coletivo (valorização da atividade em grupo)?
R: Sim, aprendem coisas novas, outros entendem que já tem o espírito coletivo, a seleção gera conflito e nos jogos falta a integração com o ‘branco’.
P: Do respeito ao outro (aos índios da mesma etnia, aos índios de etnias
diferentes e os não indígenas)?
R: Sim, é importante respeitar todos, aprender as diferenças entre as etnias e
alguns momentos pode contribuir.
P: Da valorização das diferenças (entre as etnias e em relação aos não indígenas)?
R: Sim, pode divulgar, mas alguns entendem que contribui para valorização
das diferenças.
P: Da intergeracionalidade (das vivências que envolvem participantes de
todas as idades juntos)?
R: Sim, ocorre participação dos mais jovens,, devem dar prioridade para
mães com crianças e também as crianças, e estas vivencias acontecem na
aldeia.
P: O domínio socioafetivo: autoestima, orgulho do homem índio, valorização do indígena no seu grupo familiar, esportivo e das liderança?
R: Sim, contribui para o sócio-afetivo, mas alguns entendem que já possuem
este domínio.
P: Sejam afastados preconceitos em relação aos indígenas, estimulando o
respeito a eles?
R: Sim, os jogos podem diminuir os preconceitos, mas somente eles não bastam.
P: Mudanças de comportamento: reflexão sobre questões indígenas, aquisição de conhecimentos sobre novas modalidades esportivas e tradicionais?
112
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
R: Sim, os jogos contribuem para a cultura ou brincar, local que propicia o
bem estar e gostam do cabo de força para mulheres, e alguns não entendem que haja mudança no comportamento.
P: Ganhos socioeconômicos para a aldeia: geração de renda pela produção
e comercialização de artesanatos?
R: Sim, os ganhos variam entre as etnias, mas divulga a cultura e alguns já
ganham em outros locais.
P: A consolidação de políticas públicas tendo em vista a melhoria da qualidade de vida dos indígenas: parceria de políticas públicas (federais,
estaduais e municipais) nos jogos e nas aldeias: esporte, lazer, educação,
saúde, cultura, segurança, direitos humanos, outras?
R: Sim, podem contribuir, pois querem participar de tudo, passam a conhecer
as políticas públicas, muitos desconhecem as esferas políticas e criticam a
FUNAI.
P: Haja o envolvimento de diversas instâncias do governo e da sociedade,
que atuam ou estão vinculadas às questões dos povos indígenas?
R: Sim, foram importantes para visibilidade, deram oportunidade indiretamente, ocorre o envolvimento mas pode ser melhor, falta envolvimento da
Funai e outros órgãos.
P: Haja a integração do esporte com outras áreas das políticas públicas
como educação, cultura, turismo, saúde, segurança pública e outras?
R: Sim, os jogos deram oportunidade para educação e política.
Sobre a organização dos XI Jogos dos Povos Indígenas
Para você:
P: Correu tudo bem na viagem de sua etnia para participar dos Jogos?
R: Faltou dinheiro e comida, faltou respeito nas paradas dos ônibus com os
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
113
indígenas, alguns não tinham costume de andar de ônibus, o ônibus quebrou e foi problema.
P: Sua etnia está gostando da convivência com os moradores de Porto Nacional?
R: Houve pouca convivência, gostaram e tiveram oportunidade para conhecer, ocorreram novos aprendizados, e uns tratam bem e outros não.
P: Vocês estão gostando da organização desses XI Jogos?
R: Sim, mas houve distância com os moradores, faltou attaché para maior
convivência, e houve respeito.
P: O que você sugere para melhorar ainda mais a organização desses XI
Jogos?
R: Arena - Melhoria da arena, foi pequena e apertada e faltou segurança,
houve desorganização e atraso na montagem, arena fraca e com areia,
gostaram das quadras esportivas.
Hospedagem – foi ruim pela falta d’água, chuva molhou as ocas, teve ocas
sem nomes, não tinha local para ficar com a chuva, as ocas não ficaram prontas, problemas na infraestrutura, construíram ocas e alguns ficaram sem attaché, outros entendem que houve melhora.
Alimentação – foi ruim pois faltou sal, desorganização, pequena, tem plástico, tempero, poderiam melhorar, uns acharam a comida boa, mas as filas
longas.
Modalidades – houve acidentes, desorganização, muita gente junto, medidas mais corretas nos resultados, respeitar a fila, futebol com tempo normal e
mais chances, não gostou do alvo do arco e flecha pois foi uma sucuri, falta de
informação, attaché para levar para arena.
Abertura – foi boa, mas demorou muito, melhoria da locução e achou simples.
114
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Baladas após o evento – gostaram.
Jogos dos Povos Indígenas e a mimesis
O leitor pode observar a riqueza dos Jogos dos Povos Indígenas nos diferentes tipos de modalidades, nas respostas, nas percepções. Para encerrar este
capítulo trago uma reflexão sobre o fator mimético dos Jogos (ROCHA FERREIRA & FASSHEBER, 2009).
O termo mimesis tem significados diferentes na filosofia grega. Para Platão
“toda a criação era uma imitação, até mesmo a criação do mundo era uma
imitação da natureza verdadeira (o mundo das ideias). Sendo assim, a representação artística do mundo físico seria uma imitação de segunda mão.... E
Aristóteles via o drama como sendo a “imitação de uma ação”, que na tragédia
teria o efeito catártico. Como rejeita o mundo das ideias, ele valoriza a arte
como representação do mundo”.5
O antropólogo Michael Taussig (1993) diz - a faculdade mimética pertence
à “natureza” que tem as culturas de criar uma “segunda natureza”. Esta faculdade, no entanto, não se dá meramente pela cópia do original. Ao contrário,
Taussig aponta para as ressignificações que cada cultura consegue do original e também influencia este original. Através da mimesis torna-se possível a
construção de novas relações sociais. Esta capacidade humana de perceber,
sentir, transformar em imagens mentais, reinterpretar e ressignificar, no caso
dos jogos favoreceu o aprendizado, a criação e transmissão do conhecimento
ancestral.
A mimesis traz um sentido subjacente de ordenação, categorização, transgressão, superação, mesclas e significações que servem para construir identidades. Transmite também valores de sociabilidades, o lugar das pessoas e das
coisas perante a coletividade, as redes sociais e espirituais.
5
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mimesis
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
115
Neste sentido os jogos (no sentido geral) se inscrevem nas atividade miméticas. Possuem atributos do prazer, da sensibilidade, das emoções. Os sociólogos Norbert Elias e Eric Dunning (1992, p. 128) nos trazem uma característica
importante do termo mimesis referente ao esporte e lazer, relacionam com um
aumento de tensão,
[...] aquilo que as pessoas procuram nas suas atividades de lazer não é o atenuar de tensões, mas, pelo contrário, um tipo específico de tensão, uma forma
de excitação relacionada, com frequência, como notou Santo Agostinho, com o
medo, a tristeza e outras emoções que procuraríamos evitar na vida cotidiana.
Esta tensão ou excitação podem ser observadas nos jogos indígenas. Há
uma descontinuidade do cotidiano para um/a: - tempo mítico, união indivíduo-cosmo, prazer, alegria, tristeza, dor, medo, raiva, momento transformador, passagem de um estado para outro, superação.
O jogador transcende às necessidades imediatas do cotidiano, passa por
uma esfera não-material. Como diz Huizinga, desde 1938 (1993), jogo é
[...] uma ação livre, que é não-séria e conscientemente existe fora do espírito da
vida normal, que pode absorver completamente o jogador, que não tem uma
relação direta concernente ao material ou a ganhos, que desenvolve num tempo
e espaço definidos e progride ordinariamente de acordo com certas normas,
que evoca relações sociais, que prefere estar envolvida por mistérios ou através
de ênfases camufladas em si mesmo como sendo diferentes do mundo convencional.
Um dos mais expressivos estudos sobre jogos indígenas na América do
Norte (1902-1903) foi o de Stuart Culin publicado originalmente em 1907 e
aprofundado na segunda edição em 1975. Nos seus estudos, o autor conclui
que “por trás das cerimônias e jogos existem mitos dos quais ambos derivaram
seus impulsos” (Culin, 1975, p. 32).
116
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Referências a jogos são comuns na origem dos mitos, em várias etnias.
Eles usualmente consistem na descrição de uma série de contextos nos quais
a entidade representada pela força sobre-humana, homem primordial, o herói
cultural, ganha do oponente, um inimigo da raça humana, pelo exercício de
uma astúcia superior, habilidade ou magia. O autor diz que “em geral os jogos
são apresentados cerimonialmente, como que para agradar aos deuses, com
objetivo de obter certeza de fertilidade, trazer chuvas ou para gerar vida longa;
expelir demônios ou curar doenças” (CULIN, 1975, p. 34).
A definição no Atlas do Esporte no Brasil (ROCHA FERREIRA et. al., 2005,
p. 6) sintetiza os atributos fundamentais dos jogos indígenas.
Jogos “tradicionais”6 indígenas são atividades corporais, com características lúdicas, por onde permeiam os mitos, os valores culturais e que, portanto, congregam em si o mundo material e imaterial, de cada etnia. Os jogos requerem um
aprendizado específico de habilidades motoras, estratégias e/ou sorte. Geralmente, são jogados cerimonialmente, em rituais, para agradar a um ser sobrenatural e/ou para obter fertilidade, chuva, alimentos, saúde, condicionamento
físico, sucesso na guerra, entre outros. Visam, também, a preparação do jovem
para a vida adulta, a socialização, a cooperação e/ou a formação de guerreiros.
Os jogos ocorrem em períodos e locais determinados, as regras são dinamicamente estabelecidas, não há geralmente limite de idade para os jogadores, não
existem necessariamente ganhadores/perdedores e nem requerem premiação,
exceto prestígio; a participação em si está carregada de significados e promove
experiências que são incorporadas pelo grupo e pelo indivíduo.
Os Jogos Indígenas são representações miméticas, tanto os realizados nas
aldeias e quanto os trazidos nos eventos como nos Jogos dos Povos Indígenas.
Nestes eventos eles são ressignificados.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
117
Referências
CULIN, S. Games of the North American Indians. New York: Dover Publications, 1975.
ELIAS, N., DUNNING, E. A busca da excitação. Memória e Sociedade.
DIFEL, Lisboa 1992.
GALLOIS, D.T. Patrimônio Cultural Imaterial e Povos Indígenas. São
Paulo, IEPÉ, 2006.
ROCHA FERREIRA, M.B. VINHA, M., FASSHEBER, J.R., TAGLIARI, J.R.
UGARTE, M.C.D. Cultura corporal indígena. In.: Atlas do Esporte no Brasil. Org. Lamartine Pereira da Costa, Shape Editora e Promoções Ltda. Rio de
Janeiro, 1ª Edição – 2005, p. 35-36.
ROCHA FERREIRA, M.B & FASSHEBER, M.B. JUEGOS INDIGENAS: FIGURACIONES Y MIMESIS EN NORBET ELIAS. In.: KAPLAN, Carina V.,
ORCE,Victoria. (Org.). Poder, prácticas soliales y proceso civilizador. Los
usos de Norbert Elias. Buenos Aires: Noveduc, 2009, v. 1.
TAUSSIG, M. Mimesis and alterity a particular history of the senses. New
York/Londom: Routledge, 1993.
TERENA, M. O Esporte como resgate de Identidade e Cultura. ROCHA FERREIRA, M. B. et al.. Cultura Corporal Indígena. Guarapuava: Ed. Unicentro,
2003, p. 15-24.
TERENA C. J. O importante não é ganhar, mas celebrar. Revista de História
da Biblioteca Nacional, julho 2007, p. 31.
CA PÍTULO 8
A COMUNIDADE INDÍGENA E SUAS PERCEPÇÕES
DOS XI JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS - JPIs
Maria Clara Ferreira Guimarães e
Maria Heloisa Guimarães
Analisar um trabalho realizado é essencial para que se possa realizar outros
projetos e eventos similares com maestria. A melhor forma de se saber resultados e impressões daquilo que foi executado é saber a opinião de participantes.
Neste capítulo é tratada e apresentada a compilação das impressões dos participantes indígenas sobre os XI Jogos dos Povos Indígenas, o que foi possível
através das entrevistas realizadas durante os Jogos e do trabalho de transcrição
destas entrevistas. Foram realizadas durante os jogos indígenas, diversas entrevistas com objetivos distintos; como explanado no capítulo Contextualizando
a avaliação dos XI “JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS” – JPI. O objetivo das
entrevistas aqui compiladas é entender a experiência dos povos indígenas em
relação aos JPI, não apenas durante os Jogos, bem como o que fora preparado
e as expectativas daquilo que os Jogos poderiam mudar (parte do ponto j do
capítulo já citado).
Foram aplicados três questionários com o mesmo grupo-pesquisa, porém
apenas um deles englobava perguntas dissertativas que serão tratadas neste
capítulo.
No momento de transcrição, manteve-se a escrita de acordo com a fonética
falada, palavras que, por exemplo, são escritas com e final, geralmente são ditas
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
119
com /i/, essa é uma regra do quadro fonético de um dialeto do português brasileiro (não há /e/ final não tônico), portanto palavras como geralmente, foram
transcritas como geralmenti. Há, então, muitas informações linguísticas bastante ricas e interessantes, tanto nas transcrições que foram fiéis ao momento
de fala, quanto no áudio. O objetivo deste livro não é analisar linguisticamente
o português do indígena. Desta forma, as falas dos entrevistados foram adaptadas à escrita, salvo exceções.
As características de fala mantidas foram algumas marcas da oralidade
como pausas e interjeições (típicas da oralidade), o verbo estar foi mantido na
sua forma oral (ex.: tá, tô, tão e tamos), e marcas claras por se tratar de um falante não nativo do português – como: escolha errada do gênero (ex.: Homens,
questão (5) Surui 1: da nosso cultura), seleção errada da categoria morfológica
(ex.: Homens, questão (8) Manoki 1:... Ah, porque representando a etnia é boa
né?!) e seleção errada do verbo auxiliar (ex.: Homens, questão (6) Xicrin 1:...
sou organizando...).
Foram acrescentadas dentro de chaves [ ] o conteúdo de algumas elipses
que comprometiam o entendimento (ex.: Homens, questão (1) Kaingang 1:...
lá no Rio Grande do sul, ela [a cultura]...), ou por vezes o preenchimento de
elipses colaborativas (ex.: Homens, questão (8) Javaé 1: Sim, tô né [gostando
dos Jogos]) daquilo que o entrevistador já havia falado. Foram também explicados conteúdos do que foi falado pelo entrevistado, pois o entendimento só
era possível se houvesse conhecimento prévio do tema (ex.: Homens, questão
(7) Xicrin 1: tem preparação dela (mulheres indígenas), tem preparação dele
(homens indígenas)).
Outra questão linguística são as formas desviantes do português padrão
normativo, que são por vezes utilizadas no momento de fala. Desvios que não
são exclusivos do falante não nativo, muito menos do falante indígena, desvios
que se observam como tendências de mudança em um dialeto do português
120
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
brasileiro. Algumas destas formas desviantes foram mantidas para ilustração –
ex.1: Homens, questão (9) Mamaindê 1:... que nós conhecia... ; ex.2: Homens
(8) Xerente 3:... tô aqui... só se divertindo aí...
É bastante interessante observar que certos conteúdos não são possíveis de
serem entendidos devido a uma não inserção no universo cultural indígena.
Essa impossibilidade de compreensão não se caracteriza através das palavras
em si, que fazem parte do português, mas do não entendimento da metáfora
utilizada. Ex.: Homens, questão (7) Javaé 1: Que [é] pra o atleta ser duro e passa latir, né, é dente de cachorra.
Respostas dos homens
Muitos dos entrevistados não permitiram que a entrevista fosse gravada
entrando assim para a contabilização dos questionários de sim e não e não
fizeram parte dos entrevistados que responderam as questões dissertativas.
Algumas observações sobre as respostas: o Kamayurá 1 era um grupo de
7 homens porém apenas um fala, os outros apenas completam uma ou outra
frase, assim com Assurini 1 que são dois homens, porém, da mesma forma
apenas um se pronuncia e o outro apenas completa e concorda.
Por quais motivos você participa dos jogos?
Bakairi 1: Éhh... eu participo por causa que eu sou jogador e atleta e também representante da minha nação indígena bakairi, né.
Xerente 1: Éhhh... o motivo que eu tô participando dos jogos né, é que
eu, a gente tá incentivando nossos jovens né, os jovens xerente pra valorizar
a nossa cultura, a nossa identidade né, e também tô participando porque eu
tô ajudando eles a... a... a cantar né, puxando o canto, porque todo ahh..., na
nossa cultura sempre tem a pessoa que puxa né, que começa tudo, aí eu tô aqui
ajudando na cantoria né, e também vou ajudar como atleta no cabo de guerra
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
121
né, isso é também importante né, demonstrando a força do nosso povo, e isso
é muito importante pra nós né, ... é importante por isso.
Karajá 1: Motivo éhh, nós estamos tudo preocupados também pra não esquecer, é que a nossa cultura não tem que deixar pra trás né, bom, pra mim
importante é isso, os adultos né, tem que incentivar aqui, éhhh, os menores né,
pra eles ir sabendo a negócio do canto, é tudo.
Monoki 1: O motivo que todos vieram né... participar... O motivo é de representar sua cultura, representar seu povo, essas coisa aí, e aprender mais com
outra etnia.
Xerente 3: Pra se ter mais conhecimento né, conhecer outros, assim, outros
costumes porque... tem costumes diferentes, éhhh, outros povos né, eu tenho
assim, o meu objetivo é conhecer e... alcançar o que eu tô sonhando né, sempre
sonhei de tá conhecendo outros povos, com xavante eu tenho curiosidade, assim, ehhh, e eles são muito fortes, e eu tô conhecendo agora eles, mas primeiro
no meu conhecimento e esse é o meu obejetivo de estar aqui.
Javaé 1: Motivo é competir e conhecer os outros parentes, né.
Kaingang 1: A gente aprecia mais... assim a questão da cultura né, nós lá
pela tribo kaingang, lá pro Rio Grande do Sul, ela [a cultura] tá assim bem,
bem dispersada né, os jovens já não têm mais muito orgulho de ser índio, nós
não temos como trabalhar lá a educação lá com eles. Na tribo como professor,
a gente vê né, como o jovem tá pegando mais a cultura do não índio, eles já não
se sentem bem a vontade de andar pintado, então a gente veio né, com o objetivo de tentar levar lá pra eles como é a importância do índio, da identidade
[do índio]. Por causa que, tu andar pintado tu não vai ser menos... mostrar que
a cultura é importante pra nós lá, é importante conhecer outros povos, como
que eles vivem, ... tem os nossos vaqueiros..., a cultura é muito importante pra
nós lá e o objetivo é esse mesmo, e principalmente né, divulgar a nossa cultura
também, [divulgar] pros outros povos né, porque aqui a gente não é muito
122
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
conhecido, os índios kaingang, eles até acham que a gente não é índio, já é a
segunda vez que a gente tá aqui, como eu te falei. A gente tem esse... de não
pertencer a esses... como do norte, a gente vem lá do sul, tem a pele mais clara
né, eles acham que..., eles consideram a gente como não índio, nós não temos
uma língua que falamos, a cultura..., então é mais pra isso também... pro nosso
povo levar.
Pataxó 1: O meu motivo é..., todos os pataxó tem interesse de participar
mas como as vagas são bem limitadas, então vem definido, cada aldeia tem
um certo tipo de vaga, tem uma quantidade de vagas, e eu fui selecionado pela
minha aldeia, vim também com o intuito de aprender um pouquinho mais, é
a segunda vez que participo, participei na edição que teve em Recife e Olinda,
e também adquirir um pouco mais de conhecimento, não só sobre os povos
que estão aqui, tem vários povos também que gostariam de estar aqui mas não
estão presentes, também adquirir um pouco mais de conhecimento sobre eles,
como que é a cultura deles, apesar de ser cultura indígena, mas a cultura indígena varia de uma pra outra, de uma etnia pra outra, então, são várias culturas
diferentes, isso aí é muito importante pra gente, estar mostrando que cada região tem uma cultura... tem uma etnia que tem uma cultura diferenciada.
Mamaindê 1: [nós] Veio participar no [nosso] primeiro evento do... encontro dos povos indígenas, aí nós estamos conhecendo muitos vários jogos. Nós
viemos representando né, nossa cultura, porque... nossa cultura é mais isolada
né. Nós entramos no... email né, vimos o parente que tava convidando né, aí
nós entramos [em] contato com... tem a coordenação daqui né, então nós entramos em contato com eles pra poder... chamar nós né, aí nós preenchemos
umas folhas pra poder... eles responderem né, aí nós respondemos e eles convidaram nós. [Nós viemos] porque nós queria representar nossa cultura né.
Xicrin 1: Eu sou o líder da aldeia daqui, e sou comandante dos atletas
mesmo, tudinho. Aã sim, a gente vem participar, apresentar nossa cultura,
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
123
[apresentar] a flecha e... aquela peteca [que a gente] chama de peikran, [com] a
flecha que a gente acerta algum parente nosso, que chama de kagót, [ isso é o]
que a gente apresenta nosso nesse evento.
Xerente 4: É ter..., usar meu... cultura né, dos jogos e mostrar nossa cultura
pras demais etnias que estão presentes aqui conosco
Assurini 1: Veio representando meu povo.
Kamayurá 1: Nós... éh... [porque] nós fomos convidados, né..., [é a] primeira vez que a gente tá vindo aqui, porque no Xingu tem quatorze etnias, e sempre quando tinha jogos, tá na décima primeira edição..., das outras edições só
vinham dois povos diferentes lá do Xingu, que era povo Iaualapiti e kuikuro e...
pra gente nunca... [a oportunidade] só chegou esse ano de 2011, nessa edição.
Surui 1: Éh... primeiro... na verdade... éh... a gente tá... esse aqui é o oitavo
jogos que a gente participa e a delegação foi convidada né, foi convidada pra
participar desse jogo, pra apresentar nossa... [pra] demonstrar nossa cultura
né?! Porque tem vários povos pra... [com] cultura diferente, ... tradicionais né,
na verdade a gente, Suruí Paiter de Rondônia, vem pra... pra demonstrar nossa
cultura, como que nós vive na nossa terra indígena, na nossa região lá né, então e que nós existe [existimos], um povo indígena no Brasil né.
Karajá 2: A gente veio para participar pela primeira vez. E os jogos demonstram a parte da nossa cultura e a parte de esporte que a gente tem, viemos
participar de outros esportes indígenas e levamos o conhecimento para nossas
aldeias, vejo como uma forma de troca e de conhecimento. E por outro lado
a gente cria amizade com outras etnias, fazer amizade, criar dialogo, e nos
fóruns troca uma ideia que podemos falar, reclamar, ouvir, tem as autoridades
que a gente faz reclamação que tem, e a importância para nossa saúde também,
na verdade com o esporte a gente esquece das coisas ruins.
Pataxó 2: Pra acompanhar né? E até mesmo adquirir mais experiência por
causa dos jogos nossos lá, apesar de ter participado, eu vim até mesmo pra
124
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
fazer uma pesquisa também. Pra ver como funcionam os jogos daqui nacional,
pesquisar e observar pra gente levar e pra gente tá construindo o nosso jogos lá
também, tá melhorando né? A ideia é melhorar. Pesquisa e integração também
né... que é fundamental... tá participando dos debates, isso é importante.
Xicrin 2: Conhecer outras etnias, conhecer os jogos que estão acontecendo,
mostrar a cultura xicrin, os jovens aprendendo e ensinando as crianças.
Curabacari 1: A gente veio porque a gente tinha o interesse de participar.
Porque a gente teve em Goiânia até agora, no momento o meu povo tá de parabéns, até no momento a gente tá participando... até no momento, agora a gente
tá feliz por causa disso.
Sobre os conhecimentos tradicionais dos JPIs (as práticas e saber fazer),
como está hoje em sua etnia?
Bakairi 1: Éh... na minha etnia a gente sempre preserva a nossa cultura
igual aqui né, principalmente a língua e... e... tradicionais né.
Xerente 1: [o pessoal na aldeia] Pratica né, lá na aldeia eles praticam ainda
corrida de tora né, agora que estão vendo aí esse cabo de força né, cabo de
guerra e os outro esporte né, que são da nossa cultura, assim, flecha, lança...
arremesso de lança, ou... arco e flecha, e corrida de velocidade né, e tudo isso
tá sendo ainda praticado né, assim na área, no povo xerente né, que a gente
pode falar.
Karajá 1: Bom, isso aí éhhh [tem] vários né, porque nós estamos praticando
negócio da festa do retoucã né? Do jeito nós vai tocando... aí também é bastante a caça, a luta né, as vezes nós convidamos os de outra aldeia, pra competir
com nós né, negócio do mato ehhh [nós] disputamos a derrubada da tora né,
assim...
Manoki 1: É legal, tem muitas coisa. É legal, [a gente] faz dança, festa. Nós
sempre faz festa.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Xerente 3: [Na nossa aldeia, a gente pratica] muito. Corrida de tora... damento de flecha e... arremesso de peso também.
Javaé 1: Sim, nós praticamos idiaçu..., éhh..., canoagem, natação, pesca.
Pataxó 1: Hoje na nossa comunidade, como eu falei, eu dou aula de língua
pataxó, na nossa comunidade temos aula de patxohã, falamos sobre tudo, sobre a nossa cultura, desde pintura, cantos, danças, éh... modalidades indígenas,
tudo é pessoa dentro dessa disciplina, todos finais de semana nós realizamos
nossos rituais, nosso auê, conversamos com nossos anciãos que são os mais
velhos de nossa comunidade, éhhh... preferimos fazer nossos remédios que
vêm da nossa floresta, não usar muito as coisas do homem branco, então isso
aí é uma coisa que, apesar que nós morarmos próximo da cidade, nós tentamos
preservar ao máximo, então porque, como nós temos já 511 anos de convivência com o não indígena, então isso aí pra gente... se a gente tentar preservar o
máximo, cada vez é melhor pra gente.
Mamaindê 1: [Nhão Haide (futebol com a cabeça), artesanato, dança, pintura de corpo] participamos. No nosso, na minha etnia, nós estamos representando é uma festa de menina moça, aí todo mundo queria enfeite tudo igual,
elas pediram isso daí né, ... representando, aí então cada etnia teve [enfeite]
diferente, então nós usamos o nosso né, aí então outros foram diferente, aí nós
conhecemos mais um costume diferente.
Xicrin 1: Ah... nós tamos praticando esses jogos também... os [jogos] que a
gente apresenta [aqui tem] também na aldeia, também.
Xerente 4: Isso aí nós participamos com os... principalmente [com] os nossos velhos ancião, ainda [eles] ensinam nós pra gente não esquecer a nossa
cultura né, sempre pra nós tá lembrando da nossa cultura tradicional.
Assurini 1: [Dos conhecimentos tradicionais trouxemos] Dança... Tem artesanato também, arco e flecha, bodim, bordura, capacete e taquaqui.
Kamayurá 1(7 entrevistados, porém, só um fala): [Wawá] É um jogo né,
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
com aquele negócio [uma espécie de alvo] ali, o pessoal fica no centro com a
flecha e outro mais afastado, aí joga aquele negócio no chão, aí os que estão no
centro têm que acertar. É, acertar no meio, tem que flechar, esse é o objetivo
dele (Os outros 6 entrevistados falam ao mesmo tempo) Quem vence, quem
ganha, vai pra lá, quem ganha né, aí tem que ir lá no, no [lugar do] outro, aí
o outro vai vir pra cá também, no lugar dos outros (O representante retoma
a fala) Como se fosse eliminatória né. Aí o melhor vai encontrar o melhor
depois. Assim, aquela brincadeira não é assim, qualquer brincadeira tem um
dono. Tem um dono, aí o dono convoca a outra aldeia, ele escolhe um dia,
convoca outra aldeia, aí a gente vai lá ou eles vêm na nossa aldeia pra praticar,
pra a disputar desse jogo. [Tem também] Luta... luta corporal. Já apresentou,
walari, zarabata... pera aí, ele vão ver aqui... (diante de uma lista de esportes
demonstrativos tradicionais eles consulta alguém para saber se tem algum que
não falaram)... tem algum outro jogo aqui? Da gente? Esse não? Tem não, só
esses dois mesmo. [Artesanato, danças e pintura corporal, modalidades artísticas] essas também. Então, como eu já te contei do wawá né, tem um dono,
o dono convoca pra fazer esse jogo, vai em outra aldeia, convoca pra disputar
quem é o melhor né, quem tem boa mira. Isso tá presente, a gente pratica, mas
não diariamente né, mas a gente pratica anualmente, e essa flauta taquara também a gente pratica diariamente pra alegrar a aldeia, deixar o pessoal alegre, e
assim, nós do Xingu né, a gente é bem presente na nossa cultura né, fala nossa
língua... Maioria não fala português, não sei se você percebeu, meus tios que
estavam aqui, eles não falam bem... né? Então, lá é assim, lá tá bem vivo ainda
né, a gente dorme em e casa de sapé, oca né, como vocês dizem, todas as nossas
casas são assim...
Surui 1: Como nós apresentamos ontem, o nome desses dados culturais é
maki maí, uma festa tradicional que acontece anualmente né. Como tá acontecendo [aqui], a gente pratica vários esportes tradicionais lá na nossa aldeia,
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como o arco e flecha, então principalmente como eu falei, existem festas tradicionais normalmente e essas festas [tem] uma duração de aproximadamente
quase duas semanas, dentro de duas semanas, que realiza essa festa, nós apresentamos [aqui] vários esportes tradicionais dela né, como arco e flecha, os
idosos contam história, como tem vários né.
Karajá 2: Sim na verdade a gente celebra nos dias de festa, no dia a dia o
futebol, e o esporte tradicional celebra nos dias de festa.
Pataxó 2: A gente pratica, hoje agora através [por causa] dos jogos daqui,
nacional né... [desde a] da primeira vez que os Pataxó participaram e hoje já é
a décima edição. E temos, lá tem dois municípios né? Cabrália e Porto Seguro.
Porto Seguro também faz agora os jogos e Cabrália faz [também], então a gente
tem dois jogos lá e a gente tá se preparando pros jogos nacionais, nacional não,
estadual e aí, hoje, por exemplo, esses esportes que são praticados aqui, como
arco e flecha, a gente já começou a levar pra escola, pra cada aldeia e fazer torneio de arco e flecha, arremesso de tacape, até mesmo pra ter uma qualificação
pros meninos se prepararem pros jogos municipais e estaduais né? E não só
futebol né, e aí isso ajuda a preservar e manter os outros, os outros esportes.
Xicrin 2: Só a cultura, assim que a gente mostra.
Curabacari 1: O jogos tradicionais, até no momento ele tá em pé... o que a
gente pratica também né? Por causa das origens né? Lá da nossa aldeia.
Pataxó 3: Os pataxó na verdade, a qual eu faço parte né... e assim foi conhecido de uns quinze anos pra cá, porque Pataxó não era conhecido e não só o
povo Pataxó, mas assim, como as outras etnias também né? Foi bem divulgado
depois que a gente veio pra cá. O povo não índio começou a saber que tinha
índio no Brasil e no mundo inteiro né?... Que ninguém valorizava e hoje valoriza bastante a cultura indígena, não só Pataxó mas todas etnias.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Como você, na sua aldeia, aprendeu essa(s) modalidade(s)?
Bakairi 1: Éh... jogar futebol, isso aí é diversão já vem desde pequeno né, e
o força de cabo a gente aprendeu aqui né.
Xerente 1: Isso aí a gente aprende desde nossa, [desde] criança né, nossos
velhos, o pai que ensina né, avô... né, e também pela visão e a pela participação
da festa indígena, mas na aldeia mesmo a gente já começa a aprender, a gente
já começa a ver, a gente já começa a praticar, tudo isso a gente já começa desde
pequeno. O cantorio também né, o cantorio eles aprendem desde pequeno, nós
aprendemos, eu aprendi desde pequeno, participando, cantando junto com os
outro, então hoje eu canto né, eu puxo o cântico pros nossos... pros jovens né...
É importante pra mim ficar muito alegre, porque quando... eu sou também
educador, professor e nesse ponto o professor né, ele é respeitado dentro da comunidade, e a comunidade confia no professor pra ser educador, assim como
eu canto, que eu puxo canto, e praticamente eu sei quase todos cantos né, sem
nomeação..., canto de maracá, canto da corrida de tora, esse... por quê isso eu
aprendi, porque eu tô valorizando né, eu tô esforçando, e também eu quero
repassar pro meu filho, os jovens que estão aqui, eles cantam bem demais, os
jovens... é só uma pessoa puxá, aí eles acompanham, as meninas,tem que ter o
puxador, porque se não puxar... se não puxar eles não, não contam.
Karajá 1: ….(inaudível)... mais velha que, eu dançava né, eu tava observando a dança, depois quando fui crescendo, crescendo e fui na qua de aruaná,
porque primeira vez, quando adolescente gente [não] ficava só não, só [com]
a mãe mesmo na, na fogaduto, né. Depois quando com quase mais o menos
onze anos, doze anos aí vai, aí vai indo lá pros lado do no meio do adulto, né,
aí... vai aprendendo a dançar, né, como se fosse aruaná.. (inaudível)... aí eu
falei né, agora o negócio do, do dançar mesmo como nós se fosse, como tamos
apresentando aí, éhhh seria mais fácil pra aprender, né.
Manoki 1: Nós aprende muita coisa né. Aprende perguntando pras pessoas... Conversando... Olhando também.
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Xerente 3: Sim, com nossos pais né, eles sempre praticaram e esse costume
não pode acabar né, tem que deixar pros descendentes que vem atrás aí, eles
que ensinam, e desde pequeno a gente já começa assim, correr, pegar coisas
pesada e a gente tá costumando assim e vai, e vamos levando né, a vida.
Pataxó 1: Aprendi mais com os mais velhos, com os mais velhos, com alguma liderança que estão hoje aqui participando, como o Raoni que é campeão
nacional de arremesso de tacape, então nós temos muito que aprender com
ele também, pegar algumas experiência que ele já viveu pra tá passando também pros mais jovens, então também tem uma grande importância, e sobre a
nossa cultura também, sobre ervas, cantos, nossa medicina tradicional, nossa
culinária, aí já aprendemos mais com os anciões, que já sabem falar mais sobre
essa parte, então tudo que nós temos na nossa comunidade nós aproveitamos
bem, a juventude, os anciões, todo mundo participa dentro da comunidade da
parte cultural.
Mamaindê 1: Isso nós aprendemos através dos anciões né, contavam história pra nós né, que é... começamos, levamos, retiramos um monte de revistas
dos parentes, aí um, os anciões explicaram pra nós..., nós temos outro jogo que
é o jogo de cabeça né, aí que nós começamos.
Xicrin 1: A gente está pedindo professor que, lá em São Paulo ele é um
jogador internacional e nós pedimos ele, [a gente] ia pagar pra ele e ele ensinava nós, ensinando, que a gente vai preparar o físico, e até agora que a gente
aprende e agora nós estamos participando nesse jogos. E jogos do xicrin que a
gente [aprende desde que] nasce, que o pai fala pra gente, avô fala pra gente, e
[desde] quando a gente [tem] mais de cinco anos, [depois] de dez anos, que já
reuniram e chamam a gente pra gente ficar aqui nessa cultura até... É, [através
dos] mais velhos, não pode esquecer nossa cultura.
Assurini 1: aprendemos com os velhos né.
Kamayurá 1: Eu sou aluno né, eu tô aprendendo [a dançar] ainda porque
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
isso daqui, de cada flauta sai um som diferente, aí você tem que esperar a primeira tocar, pra outro tocar, tem uma sequência certa, então não é assim simples, tocar flauta é um pouco assim complicado né, tem que estudar um pouco
e assim vai aprendendo no dia a dia né, vai passando os dias, tem professores,
esses que estavam aqui são todos professores de flauta e vou aprendendo com
eles no dia a dia.
Surui 1: Éh... como a gente aprende é assim, é como eu falei, dos antigo né,
repassa pros jovens né, como é a festa, como são esportes tradicionais né, e
daí mantém aquela... não pode deixar, porque a gente éh..., [está] cultivando
aquela cultura, esportes tradicionais, uma coisa que valoriza nossa cultura né,
os velho passam, passam pra nós os jovens né, e vai seguindo assim.
Pataxó 2 Lá hoje, por exemplo, o arco e flecha é um instrumento antigo,
hoje praticamente não é usado, e a gente, através do resgate, pratica como esporte mesmo né, não como caçada, o arremesso de lança também. O futebol
que não tem jeito, tá em todas aldeias. Procuramos também ter brincadeiras
esportivas, a gente faz o levantamento com os mais velho né, então tem muitas
brincadeiras que a gente tem e que às vezes não é apresentado, e aí, através
dos mais velhos, e da prática e alguns, da convivência mesmo, do dia a dia.
Canoagem mesmo é um, tem muitos canoeiros bons né... jogador de futebol
tem bom também, e aí vai.
Xicrin 2: Aprendi com o guerreiro velho que ensina.
Curabacari 1: Aprendi com meus avôs né? Porque tinha avôs mais velhos e
meu pai sempre praticava as coisas, então a gente vem de avô para pai e de pai
para filho né? Assim que a gente aprendeu.
Como vocês, na sua aldeia conheceram o futebol?
Bakairi 1: Ah... isso aí acho que a gente teve o primeiro contato quando a
gente entrou na escola, né.
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Manoki 1: Consegui... é... eu vi éhh, vi os caras jogando... vendo jogar.
Xerente 2: Isso aí nós aprendemos né pelo não índio né... eu vi futebol na
minha vida, [eu tinha] mais ou menos 12 anos né, e na minha época o futebol
não era muito praticado não, agora, hoje não, hoje já é... todos... todas aldeias
né, eles praticam futebol e na minha época, não era muito futebol na aldeia,
hoje em dia não, hoje em dia na minha aldeia tem 5, 6 bolas né, e na minha
época faltava bola. Eu mesmo fazia bola assim, de plástico né, que não tinha
muito lixo, hoje não, hoje só na minha casa eu posso fazer 5 ou 6 bola do plástico que a gente leva da cidade pra aldeia.
Xerente 3: Olha... eu... assim... quando eu era 9 anos eu, eu assistia, assim, na
televisão... aí comecei a gostar... queria jogar também... eu hoje tô praticando.
Javaé 1: Sim, aprendi na minha aldeia, né, éhh..., aprendi também na cidade
com os brancos, mas, mas foi na aldeia né. Foi assistindo televisão, pela televisão, e outra, futebol já tá no sangue né, em todo lugar né.
Kaingang 1: Assim... tem assim... times que já participaram, já há anos né,
então não é de agora que acontece lá pra nós, então já aderiu né. O futebol
assim, [é] como uma prática que quase que fazendo parte da cultura mesmo,
né, por mais que ela não é da cultura. É praticado sim, assim por exemplo, arco
e flecha né, a gente já tinha esquecido então, a gente tá perdendo muito lá as
coisas da cultura lá mesmo. É o futebol, tem o arco e flecha, tá se perdendo aos
poucos, então a gente veio pra esses jogos pra tentar levar coisas da cultura
mesmo.
Kaingang 2: É... o único esporte que existe lá mesmo, principalmente é o
futebol, né.
Pataxó 1: O futebol hoje, independente da gente ser um povo que tá afastado, ou um povo que tá mais próximo da cidade, futebol não tem como você
[não conhecer]... que é todo mundo conhece hoje em dia, não tem como a gente falar que ninguém conhece nada sobre futebol... futebol a gente joga todo
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
dia na nossa comunidade também, até depois dos nossos rituais fazemos uma
partidinha de futebol com todo mundo, pra confraternizar ali todo mundo,
mais um dia que nós celebramos ali, é uma maneira da gente tá participando,
convidando toda a comunidade pra que venha participa
Mamaindê 1: Esse nós começamos em... a ver um jogo na fazenda né, assim
nós conhecemos também. Quando nós vimos um... futebol diferente né, nós
interessamos, nós jogamos, nós treinamos... com eles né... Aí eles ensinaram
pra nós pra poder jogar. Primeiro, antes, nós jogávamos bola de cabeça só entre nós né. Agora nós tamos aprendendo né, nós tamos jogando...
Xicrin 1: isso aí, que... eu não conheci... eu já nasci de setenta e quatro né,
quem mais conhece é meu irmão né, que mais conhece de futebol. Eu já nasci
conhecendo.
Xerente 1: É também eu pratiquei desde criança, até... e aprendi bem e depois que eu jogava né.
Assurini 1: [A gente] joga [futebol]. Já [faz muito tempo]
Kamayurá 1: Ah... isso daí já é desde... antigo né... isso daí é antigo né... tem
fotos de muito tempo... preto e branco... quando Orlando chegou lá, o pessoal
já praticava futebol já... camisa de time... então futebol lá pra gente é coisa
séria né, que nem é... coisa séria pra gente também é luta né, luta é que nem
futebol, coisa séria né?! Então, a gente não... não só pra gente, pra mulherada
também, mulherada leva muito a sério futebol. Ganhamos hoje, duas vitórias...
mulherada também ganhou ontem, duas vitórias, estamos indo bem aí nessa
competição de futebol.
Surui 1: Éh... futebol... a gente conheceu há pouco tempo né, isso não... não
é esporte tradicional pra nós, isso a gente aprendeu com a não... com a não
sociedade indígena né, que tem a... a gente vê já o esporte através da televisão,
éh... assim né, e a gente pegou aquele ritmo e tá praticando até agora né?! Então... isso no é esporte, a gente conta como esporte tradicional né, mas a gente
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tá... pegando firme nesse esporte... Éh... nosso contato com a sociedade não
indígena já faz quarenta e cinco anos né, então já faz uns trinta, trinta anos... a
gente já tem esse esporte dentro da nossa comunidade né, futebol né... Então
esse esporte tá cada vez mais... tá evoluindo né, porque maioria dos jovens,
até nossas... atletas femininas tão praticando futebol dentro da comunidade...
Karajá 2: a gente aprendeu quando [o futebol] entrou no meio da sociedade
indígena, nós imitamos e assim gostamos de jogar bola.
Pataxó 2: O futebol, quando eu nasci já existia já a bola, já o futebol, não
teve jeito. Futebol hoje é a paixão nacional né? Então, lá pra nós lá... é por isso
que a gente quer esse [esporte]... acho que o objetivo dos Jogos também é valoriza os outros esportes né? Principalmente esporte tradicional. E o futebol, ele,
ele [tá] em todas etnias... ele é bem preferido né?
Xicrin 2: Pra mim nós aprendemos através do rádio, ouvindo, depois comecei assistir televisão. A gente foi aprendendo. O branco que foi na aldeia ensinar como jogar, quantos na linha, antigamente os xicrin não praticava jogos.
Hoje a gente está aprendendo mais, treinando bastante, e melhora mais ainda.
Curabacari 1: O futebol... esse futebol não índio né? Porque tinha um branco lá... chegou com o chefe do posto... que praticou os vídeos pra... pra aprender as coisas... como... como futebol.
Na sua etnia, vocês estão interessados em praticar outros esportes? Quais?
Bakairi 1: Eu creio que sim né, por exemplo, vôlei, éh... corrida né.
Manoki 1: É... futevôlei né? Essas coisas assim... Ehhh, natação.
Xerente 2: É eu acho que é, assim não, a gente tem mais só que é difícil dos
outros jovens, dos outros povos indígena né, mas assim do não índio nós quer,
nós queria né. Assim de, nós temos uma quadra de esporte, de futebol de salão
na aldeia, não é um ginásio mais pelo menos [tem] uma quadra né, pra gente tá
incentivando nossos, nossos meninos, nossos... nossas crianças a jogar futebol
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
de salão, jogar basquete, handebol né, voleibol né, e isso falta né, das nossas
autoridades que tá vendo as nossas aldeias.
Xerente 3: Não.
Kaingang 1: esses esportes assim que é de outros povos né, que é de povos
indígenas que a gente é pra conhecer e tentar trazer pra lá né, porque nosso...
Eu acho que como todas modalidades esportivas dependendo da realidade de
onde que vai trabalhar ela (a modalidade), tu pode até trabalhar ela, mais ela
não vai ter sequência né... pode até colocar lá, a luta corporal do povo kamayurá por exemplo – que acabou de terminar um jogo ali – talvez não vá ser bem
aceita lá pelo nosso povo, não vai ter uma sequência. É... é... futebol é mais
praticado, daí vamos ver, começar um outro, o vôlei, aí o pessoal já não tem
aquele estímulo né, eles acham que não é muito legal praticar, mais que a gente
vai tentar levar pra lá, a gente vai... A expectativa, até que pode ser que, como
eu trabalho na escola né, pode até dar certo né...
Kaingang 2: Eu acho que é mais pra ele responder por ele trabalhar com
educação, né [referência ao Kaingang 1] Agora, agora não adianta nós virmos
aqui e aprender a luta corporal, não adianta nós virmos e levarmos lá pros nossos, pros nossos alunos lá, porque não é da nossa cultura também. Podemos
até fazer uma demonstração, mas não é da nossa cultura isso, então acho que
não... que não vai ser de grande influência lá pra eles, porque a nossa cultura
não pratica esses tipos de jogos, de lutas, mas podemos até fazer uma demonstração lá pra eles. É, podemos até ensinar, mas não vai, eu acho que... na minha
opinião, acho que não vai ter, não vai ter sequência desse trabalho lá, porque
não é da nossa cultura isso, o povo de lá não lida com esse tipo de modalidade.
Pataxó 1: esporte a gente sempre tem vontade de aprender algo, mais tem
esporte que é mais de resistência e o porte físico da gente também não ajuda, como luta corporal, com cabo de força, cabo de guerra, que todo mundo conhece, corrida de tora, são esporte pra quem tem o porte físico mais
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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avantajado, mas tenho muita vontade de... como é que fala? éh... aprender um
pouco mais de arco e flecha, zarabatana, são alguns esporte que convém mais
com meu porte físico, que não exige muita força. O pataxó, pela nossa história
é um dos... era um dos melhores arqueiros que tinha na nossa região, depois
tivemos todo esse contato, perdemos um pouco da nossa língua, tamos agora
em resgate, então atrapalhou um pouco, mas tamos aí, temos um guerreiro, o
Torrão que participou da modalidade arco e flecha, ficou em segundo lugar.
511 anos de luta de história, os outros povos que tem pouco... que tá em contato com o não índio, conseguimos ficar em segundo lugar, e tamos classificados
agora pras finais, isso aí pra gente é um orgulho muito grande, tamos mostrando que apesar de tudo isso que acontecia, o pataxó não deixou de ser um bom
arqueiro apesar de todo esse contato que nós temos.
Mamaindê 1: Nós tem um interesse de... aprender uma... tem cada tipo de
jogo né, então nós interessamos mais é no futebol.
Xicrin 1: a gente tá precisando fazer outros esporte pro povo, né... que... pra
gente aprender com alguns parentes... nossos... ficar... aprender... jogar, fora
assim, igual... igual seleção assim... é principal né.
Xerente 4: Sim, atletismo.
Assurini 1: Corrida de tora.
Kamayurá 1: não... acho que... só futebol mesmo.
Surui 1: Com certeza, porque como a gente participa dos jogos, a gente tem
que criar mais... criar outros esporte pra nós... que é da nosso cultura né, que
é da nossa cultura suruí né, pra apresentar... apresentar aqui... aqui nos jogos,
nos jogos que vem né?!
Karajá 2: O que cabe é a parte dos esportes dos indígenas, acredito que participar da corrida de tora, carregar peso...
Pataxó 2: Esporte, sem ser esporte tradicional? Tênis mesmo, acho legal
né... mas eu não... futebol... não jogo muito futebol, mas... tranquilo, acho que
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
[é] o tênis, o vôlei também os meninos gostam pra caramba... é isso.
Xicrin 2: para mim, além do futebol, aprender vôlei, eu gosto de natação
sim eu quero aprender mais sim.
Curabacari 1: Sim... sim... porque a gente tem só esse futebol né? Não esse
futebol [indígena]... [aprender] como... como basquete... essas coisas podemos
praticar, porque lá no momento agora não chegou na minha aldeia.
Como você foi selecionado(a) para vir participar dos Jogos aqui em Porto
Nacional?
Bakairi 1: Eu acho que... é igual eu falei né... foi como bom atleta e com boa
saúde né...
Karajá 1: Foi o coordenador, o Iuraro, né, ele convidou, que primeira coisa
que é convidado lá é minha filha que tá aí, a mocinha né. Aí tem como, que
como pensei, não sei como que me convidou né, essa aqui segunda vez que eu
fui convidado né, primeira coisa que eu... o cacique... me convidou nos jogos
[anteriores], dos jogos indígenas né, e decidimos... tava assistindo né, porque
tive problema né... [nesses] jogos acabei que fui convidado por causa da minha
filha parece, aquela mocinha né.
Manoki 1: Eles vieram, foram pegar meu nome, em cada pessoa, né e várias
pessoas aqui desistiram, aí... Nós temos um grupo de dança né, que representa várias aldeias quando nós vamos, aí representar nosso grupo, nós todos, o
grupo [todo] vai…
Xerente 2: Não isso aí a gente... foi escolhido né como também nós... eu
atendi o pedido do nosso colega que trabalha na organização dos povos indígenas, que é o nosso amigo Edson, e eu atendi porque eu amo a minha cultura né, eu amo a cantoria, eu amo a pintura corporal, eu podia tá dando aula
lá, mas o que é que eu fiz? Eu me forcei pra ir pra cá, eu deixei meus planos
de aula, pra pessoa me substituir que é o diretor né, [ele] tá me substituindo
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esses dias, uma semana né, mas eu participar né, eu queria vibrar junto com
nossos... nossos atletas indígenas, e também incentivar eles... por isso eu achei
muito importante o pedido né?!
Xerente 3: Hum hum, o organizador né, assim..., ele foi assim, ele saiu selecionar os que são... os que são os melhores jogadores... ehhh... eu me destaque
no treinamento, aí o organizador né, o treinador me chamou e me convidou
de participar do décimo primeiro né, os jogos indígena, então eu vim, é assim.
Javaé 1: Ah foi feito ummm..., acho que escolheram os melhores né, e eu
tava incluído entre os melhores (risos).
Pataxó 1: o cacique, juntamente com as lideranças da comunidade se reuni
e vê a possibilidade de cada pessoa tá participando, o interesse também de
cada pessoa né, tem pessoas que tem um interesse mais de participar, outros
menos... e também tem alguns que também não podem porque exerce algum
cargo dentro da comunidade que não pode se ausentar por muito tempo. Eu
mesmo tive o apoio da comunidade, do cacique e suas lideranças, da escola
onde eu trabalho, e a vontade minha que eu tinha de participar novamente. Da
primeira vez gostei bastante, aprendi muita coisa, a tá aprendendo um pouco
mais, então como eu já vinha pra participar como atleta então a escola resolveu então colocar eu como pesquisador pra tá levando algo pra escola, como:
vídeo, tô fazendo alguns vídeos, fotos, depois nós vamos fazer um slide pra
tá mostrando pra toda comunidade o quê que aconteceu aqui, quais foram
as modalidades, quais foram os povos que participaram... pra tá mostrando,
mesmo eles não tão participando, mas não... pra também saber, conhecer um
pouco mais.
Mamaindê 1: Aí é um... uma liderança escolheu pra poder participar né
Xicrin 1: A gente tava escolhendo seleção, tamos formando seleção... trazer
pra cá pra gente... tão precisando... [na] aldeia tão precisando... tipo... o... éh...
o cacique... tipo igual presidente, igual prefeito, tão pedindo a vitória, pra gente
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
levar pra aldeia, mas nós tamos perdendo semifinais, e agora a gente vai lutar,
que a gente vai começar a lutar de novo e formar outra seleção pro próximo
evento. Tem dois professores aí, tem dois preparadores de físico aí... éh... ele
escolheu seleção, mas eu só cometo tudo, seleção... éh... técnico... comissão de
técnico... aí eu trouxe pra cá, eu sou organizando as coisas pra que, qualquer
coisa ele pede pra mim e eu falo com as pessoas de organizador por aqui.
Xerente 4: Essas pessoas que vieram só... vieram só quem ainda não participou dos jogos, né aí foi dada essa oportunidade pra nós, pra jovens tarem aqui,
nós tamos aqui né, eu fui selecionado por isso.
Kamayurá: Eu fui selecionado porque eu morei tempo assim, na cidade
né, falo bem português, né... entendo o que eles tão falando... aí... por isso fui
escolhido né.
Surui 1: Éh... nós... nós temos um líder do nosso grupo né... Que tem a diretoria né, e... aí ele que seleciona né, aí... escolhe os... um dos melhores de cada
aldeia né, que vai competir aquela modalidade, não sei o que lá... assim né,
dança, futebol, canoagem, corrida, arco e flecha, arremesso de lança... então,
tem vários... ele que observa né, que tem aquela própria... tem possibilidade de
fazer aquilo, então ele que decidi, não é uma coisa que eu vou lá... não ele que
decidir que ele (um atleta) vai lá [competir].
Karajá 2: através da amizade, o nosso coordenador que me convidou, eu
vim coordenar o jogos das mulheres.
Pataxó 2: A gente lá por exemplo, é os Jogos Indígenas, a coordenação dos
jogos, teve essa preocupação de ser rotativo né? Atletas rotativos, então, aqui
a maioria nossa aqui é... que nunca veio, mas é... a gente também priorizou
algumas pessoas que já vieram né, que seja três ou quatro ou cinco, pra poder
ajudar, ajudar a organizar os outros né, e ai porque se vem um grupo todinho
diferente, acaba também ficando perdido né? Então a gente teve essa preocupação também e de manter outras pessoas que nunca participaram. E aí a gente
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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fez uma seleção através por aldeia né, procuramos alguns jovem que tão mais
envolvidos com esporte, com a cultura né... como uma forma de premiação
pra poder ele vir pros jogos. E aí acaba também motivando os outros também
né. “Ah! Eu quero aprender, vou tá mais envolvido pra mim poder ir também”.
Xicrin 2: Eu estava trabalhando como professor na escola indígena, também eu estava jogando bem, no ataque, fazendo muitos gols e trabalhando
bem com o grupo que estava pra vir. E o técnico do xicrin me escolheu pra
vir depois conversou se vou ou não e conversei com a coordenadora da escola
para deixar vir para os jogos. É a segunda vez que participo.
Curabacari 1: Lá na aldeia (etnia) a gente tem dez aldeias né? Porque a
gente pega dois, três de cada aldeia... porque minha aldeia (etnia) tem dez
aldeias... porque lá no “Paguera”... é lá é “Ru... .” né? Aí depois, a gente pega a
gurizada pra vir pra cá pra esses jogos olímpicos.
Você se preparou para a participação nessas modalidades? Em caso afirmativo, como foi essa preparação?
Bakairi 1: Nos preparamos no cabo de guerra né
Karajá 1: Se preparei sabiamente né, eles me convidaram... quando, faltando mais ou menos dois dia, né, éhhh tô pra aqui.
Manoki 1: Treinaram. Ensaiar, nós não ensaiamos muito, mais nós sabe
nossa [dança]... Mas várias vezes tem que ensaiar porque algumas pessoas aqui
erram ainda. Os pés tem que ser batidos tudo igual.
Xerente 2: Nós nos preparamos sim, assim de... ensaiamos cantoria, isso
que nós vamos cantar, que tem muitos cântico né, então nós escolhemos só
uns... uns quatro ou cinco né, e aí a gente foi preparando dentro, um mês né,
para que nós viéssemos aqui e todo grupo conhecendo né, eles conhecem e
também já [conhecem]... a gente já vem treinando né, como na cantoria, na
cabra de coxo, na dança, tudo né, então não tem erro...
140
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Xerente 3: Com certeza né, dois meses antes, foi... assim, treinamento bom
e... por isso nós tamos assim né, nós tamos se destacando principalmente no
futebol, que não é o nosso (futebol de cabeça indígena), e... na corrida de tora
também nós apresentamos assim... bem certo mesmo... esse treinamento, aí
foi... assim... foi muito bem né, foi muito bom pra nós, assim, fazer o melhor
aqui.
Javaé 1: E como né?! Me preparei, passei... éh... que nós costumamos né...
faz parte da nossa cultura... a gente passa pimenta malagueta no reto. Que [é]
pra o atleta ser duro e passa latir, né, é dente de cachorra... ah vim preparado.
Pataxó 1: Com todo o grupo não foi possível a gente fazer esse treino, porque os jogos tavam marcado pra uma data e logo depois foi adiado. Então não
teve como, a gente não tinha como, como nossas aldeias [são] um pouco afastadas uma da outra, e cada um exerce uma função dentro da comunidade, não
tem como a gente ficar... ir para uma certa aldeia e ficar quatro ou cinco dias
pra tá realizando os treinamentos, mas dentro da comunidade própria nós já
fazíamos esses treinos.
Mamaindê 1: Aí a liderança diz né, liderança falou pro cacique né, cacique
organizou todo o trabalho e o que pode fazer, aí deixou em ordem pra gente
fazer tudo isso aí. Colar, cortar, ensaio das mulheres, ensaio dos homens, o
chuçai, aí tinha um que foi aberto pra nós, que foi fazer brinco né... Aí... só esse
foi autorizado aí o resto deixamos né, aí arco e flecha pra ser guerreiro, trouxeram né, só que trouxeram pouco também, só pra aqueles que vão participar
né, agora aqueles que nós íamos ficar na arena, então nós ficamos de fora né. Aí
nós preparamos porque nós temos rio também né, aí nós teve o treinamento
né. Fazer natação e canoagem.
Xicrin 1: Tem preparação dela (mulheres indígenas), tem dele (homens indígenas) também que a gente tá preparando todas coisas que a gente tá preparando, é remessa de lança, que é uma flecha de arco, cabo de guerra, a gente
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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preparou, tem professor... a flecha e arco, arco e flecha, tem cabo de guerra
também, tem professor e corrida de cem metros, corrida de cinco mil metros,
futebol, e nós tamos... aí eu tô fora, mas só eles que tão organizando... só mi
chamar que eu venho trazendo pra cá.
Xerente 4: Muito, muito, a gente preparou bastante, e nós tamos com vitória
hoje aqui, representando nosso estado né, Estado Tocantins como xerente, pra
nós é uma alegria muito grande isso.
Assurini 1: nós nos preparamos bastante.
Kamayurá: Então, como já disse, a gente se preparou no futebol e eu me
preparei pra corrida né, eu vou correr, eu sou corredor. Os outros... os outros
cada um preparou um pouco também né, o que vão praticar né
Surui 1: Sim, eles fazem o treinamento base né, pra antes de vim pra cá...
Éh... a gente... ele escolhe uma aldeia central né, aonde que os atletas vão pra
fazer o treinamento assim... tudo junto né, não é um local só né então... ali que
eles realizam o treinamento.
Karajá 2: a gente tentou se preparar, só que não deu certo, porque aconteceu
duas mortes de jovens, e nossa aldeia ficou paralisada, ficamos tristes e não deu
tempo de treinar as meninas, ainda bem que elas jogam bem, jogaram bem,
aproveitamos esse jogos que fizemos na aldeia para fazer o treino delas.
Pataxó 2: Com certeza, a gente tava lá já na correria né? Na correia, da comunicação, até mesmo éh... tem que tá se preocupando com os meninos que...
que tão vindo... organizando seu material. Na aldeia, a distância na aldeia, localizando ponto pra poder pegar e... de uma forma ou outra... sendo a aldeia
distante, diferente uma da outra a gente tem que ter muita preocupação com
quem realmente vem, se é um menino que tá praticando, e ai a gente se prepara
de uma forma... de tá enfrentando aquilo né, já as atividades, a viagem mesmo
pra poder chegar aqui e fazer um bom, um bom trabalho né.
Xicrin 2: na aldeia sempre [tem] treino depois do trabalho, pela manhã, a
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
tarde, todas as modalidades como o arco e flecha. Quem é melhor vai participar daquela modalidade, depois acabei gostando de vir pra cá no futebol, fui
melhor da aldeia, eles me chamaram.
Curabacari 1: Sim, nós preparamos pra... pra vim pra cá né?! Pra participar
dos jogos.
Como você sente que foi a sua participação aqui?
Bakairi 1: Eu não... não senti muito bem não, por que aqui os almoços não
saíram, almoço, café da manhã não saíram na hora certa né, saia muito tarde
né, já também saiu muito tarde.
Karajá 1: Ah, tô achando muito bem mesmo [participar], mas acontece que
que pessoal eles tavam reclamando também, tem os velhos. Na minha visão...
no... também negócio do problema da casa aqui.. (inaudível)... mas tudo bem,
acontece, acontece, esse aí acontece, não é todo dia não, (inaudível) as vezes
acontece, nós.. (inaudível)... que tá acontecendo, então pra mim é ótimo, aqui
o lugar tá maravilhoso, as paisagem, o jogo tá muito bem, comida também tá
bom, só que o problema esse aí... que tá... (palmas no fundo - inaudível)... uma
coisa só, só um pedaço só, o restante tá beleza.
Manoki 1: Ah... tô achando legal... Ah, porque representando a etnia é boa,
né?!
Xerente 2: Eu tô gostando muito né, tô gostando muito porque a gente conhece nossos parentes que a gente nunca viu né, você conhece a outra cultura,
outra pintura corporal né, outra dança né, isso é muito importante pra nós...
Xerente 3: Olha... por enquanto, nos dias que resta aí... por enquanto eu tô
assim, me sentindo muito bem, tô aqui... só se divertindo aí.
Javaé 1: Sim, tô né [gostando dos jogos], assim... me falaram né, que não
tá um dos melhores, que já foi um melhor, e eu tô percebendo isso, né, na desorganização aí no... na hora das refeições, lá na oca, que nos primeiros dias a
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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gente molhou muito... pra conseguir a lona foi maior dificuldade, então essas
coisas, é razoável né.
Pataxó 1: Pra mim tá sendo muito importante, porque da primeira vez que
eu fui, teve alguns povos que tão aqui hoje e que não participaram da vez que
eu estava, então pra mim tá sendo muito importante. Já peguei alguns depoimentos de alguns professores que também são indígenas, de algumas lideranças, até mesmo próprio da nossa comunidade, os pataxó que é mesmo até
bem difícil de tá reunido nosso próprio povo assim, em grande evento, então
pra mim tá sendo um conhecimento muito grande, uma aprendizagem muito
grande. Então, tá sendo uma aprendizagem muito grande pra mim e espero
também tá pra poder representar a minha comunidade, tamos representando
a aldeia, o nome do povo pataxó, espero tá representando bem o nome do meu
povo e espero também tá mostrando o que tá sendo passado aqui.
Mamaindê 1: Ah tá... sentindo melhor né, porque vou ter que conhecer
quem que tava participando mais né, aí que nós vamos tirar a experiência deles
também.
Xicrin 1: eu tô, ... eu tô sentindo muito alegre e muito bem, cheguei com...
encontrar com parente com, que eu não conhece parente outro... de fora... de
Mato Grosso, eu tô... fico muito contente com ele.
Assurini 1: Foi boa, gostei.
Kamayurá 1: No momento tá sendo boa né, porque a gente não tem nenhuma derrota no momento, então pra gente tá sendo ótima, estamos indo bem.
Karajá 2: Sim, está sendo muito importante essa participação que a gente
tem.
Pataxó 2: Pra mim tá sendo mais uma vez né, tranquilo, e... e mais uma
vez uma oportunidade pra gente Pataxó né, e mais uma experiência é... tem
como a gente observar bastante detalhamento e aprender, e o interessante mais
agora que eu como vim mais como... a gente, eu reuni, o pessoal começou a se
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
interessa pelo... de tá participando dos fóruns né, que é além disso, não é só os
jogos aqui, a gente tem que tá participando e até, dando opinião politicamente
pra os próximos jogos né? De que forma vai ser os jogos, como é que o... qual o
olhar do governo, dos ministérios e a opinião de todas liderança né? Pra gente
tá trabalhando pros próximos jogos nacionais.
Xicrin 2: segunda vez que venho, falta muita coisa, a casa está ruim, a comida está muito ruim. A primeira vez que fui a comida estava melhor um pouco.
A arena está ruim, não tem nada de segurança.
Curabacari 1: A minha participação tá quase cem por cento né? Porque
minha comunidade aqui, que tá aqui presente, está mostrando bom... a prática
aqui.
Nesses jogos de Porto Nacional você conheceu alguma modalidade que não
conhecia e que quer aprender?
Bakairi 1: Não.
Karajá 1: Não.
Manoki 1: Conheci. Tive [vontade de aprender]. Ah, vendo esses outros
índios né. Fazendo esses, esses ca... aqui, esses canta (cantos). Tá interessado
né, de cantar com eles. Todo dia eles vem, alguns tribos, eles vem passa aqui,
ai vai acompanhando né, acompanhando tudo, cantando coisa, aprendendo.
Xerente 2: Eu gostei mais do, da dança do, do, do Terene, né, e o barroso, os
Kamayurá né, eles tem a dança diferente de que a gente né, éhhh... e também
do... lá do... Pataxó né...
Xerente 3: Não, ainda não.
Javaé 1: Sim. Era o... de brincar de peteca que na hora que cai, aí... aí cobre
de chute, porrada.
Kaingang 1: Sim... a questão de... das lutas corporais né, que não importa
em praticar né, por mais que não vai servir na nossa cultura mas, acho que
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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pode mostrar no estudo de educação física, uma cultura que dá pra gente trabalhar com tudo lá …
Kaingang 2: Além de vir, que aprender culturas diferente né, índos diferentes, a gente veio mostrar também a nossa cultura como ele falou, devagarinho
a gente está tentando lá na nossa... na nossa tribo, no nosso povo lá erguer de
novo a cultura que já tá lá quase meio esquecida e da minha parte eu gostei
no ano de 2009, que a gente foi pro Pará né, que foi muito bem aquilo lá, e a
minha vontade era grande de vim de volta, de novo, e a gente está aproveitando
o máximo dos jogos.
Pataxó 1: Assim, pra gente, a gente conhecia por ver os parentes, falar né,
que... os parecidos aí... tem o futebol de cabeça, modalidade que nós não temos
em nossa comunidade, é uma modalidade diferenciada pra gente, tinha ouvido falar bastante, mas ainda não tinha visto realmente como que é feito, como
é que é, quais são as regras. Então, isso aí eu tinha curiosidade de conhecer, o
uka uka também, que é uma luta também, que é usada no parque do Xingu ou
alguns povos lá. Então, são algumas modalidades que eu não conhecia e passei
a conhecer e gostei bastante.
Mamaindê 1: Nunca tinha visto esse... uma... o cabo de guerra né, que... era
outro jogo né, que nós conhecia. Nossa aldeia não tem.
Xicrin 1: Conhecia todos
Xerente 4: Sim, dos etnia de outro estado... que mostraram, jogo de cabeça,
jogava com a... jogavam bolinha né, e os outro também né, eu não lembro
muito bem mas... Peteca também...
Assurini 1: Corrida de tora.
Kamayurá 1: Não, nenhuma, todas que já... que já tinha conhecido já.
Karajá 2: vários esportes, [o que] joga com cabeça me interessou muito, foi
a primeira vez que vi. Gostei muito.
Pataxó 2: única brincadeira que eu não conhecia era o dos Caiapó né, que é
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
aquele lá das peteca que eles joga, e... nunca tinha visto aquilo, achei muito interessante, o restante eu já conhecia já, futebol de cabeça dos Parici, o Rocã dos
Caiapó... essas aí são já conhecidas por todas já. Mas tem as que eu já conhecia.
Tem... os Caiapó mesmo tem as brincadeiras diferentes da nossa, os Xinguanos
têm, e como a gente também tem né... seria interessante a gente aprende né...
e poder levar até mesmo pra praticar lá na nossa aldeia... tem lutas... as lutas
mesmo, são diferentes uma da outra né... a Uca-Uca é diferente da nossa que
é o “Patchu... ” então e aí vai. E aprende, cada vez mais aprende é melhor né?
Isso é fundamental.
Xicrin 2: dos Pareci o futebol de cabeça eles filmaram aqui e conheci pela
televisão agora conheci de perto pelos Pareci. A corrida de tora do Gavião.
Curabacari 1: No momento não. Porque... o modalidade que nunca viu... do
pari... esse aí achei muito interessante, pra mim.
Na sua aldeia tem alguma modalidade que não ocorreu nos Jogos?
Bakairi 1: Não.
Karajá: Tem, tem vários cantos e até... eu mesmo até não sei, mais velho que
sabe muito também sei não, agora.. (inaudível)... cantar, dançar, tem pessoal lá
que é como se fosse transformando, negócio dos animais.. (discurso no fundo
impossibilita o entendimento)... e assim por diante né, ariranha... imitando né,
imitação.
Manoki 1: Tem algumas dança dos animais que eles cantam, né.
Xerente 2: Apareceu que é a corrida de tora de dupla, nem uma etnia não
tem isso aí né, pra nós isso aí, nós somos rico nisso aí né, e também que é a
tora em com a cabo de força né, essa tora né, que pesa cento poucos quilos né,
nem uma etnia não pratica né, então pra nós é uma rica, e também ficamos
alegres quando, ficamos alegres quando nós abrimos a abertura né, com a...
apresentando a corrida como é que é... como é que nós praticamos né, de dois
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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né... de dois, e o outro grupo, e esse grupo também é dividido em dois partido
né, que é stãmã e strelaquá.
Pataxó: Temos a corrida de maracá, que é um esporte pataxó mesmo, que
é um tipo de revezamento com o maracá, o maracá é um instrumento que
usamos pra fazer nossos rituais... éh... duas equipes que nós fazemos o revezamento, a equipe que chegar em primeiro lugar é a vencedora, é uma modalidade que nós não temos aqui nos jogos, mas daqui pra frente, como tem
demonstração dos outros povos, a gente também poderia tá... demonstração
do povo pataxó também.
Mamaindê 1: Não, quase todos nós temos esse trabalho né, agora que nós
não temos é uma dança ritual diferente do nosso povo né, que não vimos até
agora. Gostaria [de botar em prática] aqui era uma... como que é foi o corte de
madeira com machada de pedra e acende de fogo né
Xicrin 1: Não, tem tudinho aqui.
Xerente 4: Não é a mesma, é a cultura nossa que a gente pratica mais.
Assurini 1: Não.
Kamayurá 1: humm... acho que não... tudo que a gente faz... a não ser festa
né, tem festa que não tem como porque... integrante também... mas o que a
gente pode trazer a gente trouxe né.
Pataxó 2: A gente tem sim, tem o... corrida de Maracá né... que é bastante
interessante também, é... como o pessoal falou também, a gente lá hoje o desfile [de mulher indígena] é também uma forma também de incentiva também
a pintura, os adereços tradicional, a gente faz uma... né, os critério do desfile,
que também deveria tá fazendo aqui, por etnia pra cada povo tá desfilando,
mostrando sua própria beleza, quem sabe daqui sai uma miss né? Uma índia
pra representar, fazer revista, fazer propaganda, pode ser uma forma também
né? Deixa ver outras brincadeira... Arremesso de Tacape a gente faz aqui, faz
lá também a zarabatana que a gente lá pratica por todos e aqui, só os Matis faz
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
também a zarabatana, apenas demonstração, acho que é isso só.
Xicrin 2: tem a que a gente não mostra aqui é Macanõe, de outro tipo, diferente do Kamayurá, de derrubar pra valer (Mecanõe – luta corporal).
Curabacari 1: Sim porque... lá arco e flecha lá... tá meio fraco né? Por isso
que a gente... a gente quer mais... negócio né...
Você acha que a participação de sua etnia nesses Jogos vai mudar alguma
coisa na sua aldeia? Em caso afirmativo, o que você acha que vai mudar?
Bakairi 1: Eu creio que sim, né, principalmente na educação e no lazer né.
Karajá 1: Bom,.. (discurso no fundo - inaudível)... tem que lembrar... contar
pro pessoal lá, as vezes que eu vou imitar também aquelas danças que tô vendo
né, tudo, e tô levando assim.
Manoki 1: Acho que... vai né, alguma coisa (risos). Mudar alguma coisa...
mudar o que... da uns (fala abafada pela timidez) Ah... vai mudar algumas
coisas lá, né...
Xerente 2: Não, eu acho que não porque vai só enricar mais né...
Xerente 3: Óh... a diferença é pouco né, mas assim, pelo que eu tô conhecendo aqui, vendo e assistindo, esse é o conhecimento que eu vou levar né,
nunca vai se acabar e eu vou contar lá né, pras famílias... Hum hum, [incentivar] os mais novos, é principalmente assim também né, incentivar os mais novos aqui... outros também querem aprender, né, ouvi o que... contar histórias
também faz parte da nossa vida, e isso faz bem pra nós.
Javaé 1: Com certeza, eu já tive trocando ideias com as lideranças de outros
povos, né, então assim, isso eu já tô levando como exemplo, proposta lá pro
meu povo, né, a gente vai, daí a gente vai sentar pra fazer melhor, né? Vou, vai
ser... a ideia pego... gente tá pegando deles pra fazer um pouquinho, pra fazer
do nosso jeito lá.
Kaingang 1: Na parte cultural vai mudar bastante, é como eles falaram né,
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quando eles vieram pra cá a questão da pintura já tava esquecida, não era, não
era bastante usada, a questão que eles levaram pra lá, as pinturas né, e hoje eles
já... principalmente nas escolas, eles já tão bem adaptados a essas pintura né,
então qualquer apresentação que eles fazem referente a cultura, eles usam essas
pinturas, foi uma coisa que foi tirada dos jogos.
Kaingang 2: Eu acho que na parte cultural, que a gente já tá implantando
isso né, as pinturas corporais, a gente já tá fazendo lá, que isso desdo ano pa...
retrasado né, que a gente foi pro Pará que a gente começou a fazer essas pinturas, o povo não aceitava, isso agora já tão aceitando, os alunos, os professores
já tão trabalhando com isso, então isso já é uma evolução e eu acho que isso,
isso, a parte cultural vai influenciar bastante lá.
Pataxó 1: Eu acho que vai mudar alguma coisa sim, pelo menos eu tento né...
assim, o jeito, o olhar do índio para o outro índio, porque tem muitas pessoas
na minha aldeia que tem vontade de conhecer outros indígena mas não tem,
assim, a oportunidade que eu tô tendo agora de está aqui, então... até mesmo
se sente assim um pouco inferior a outros indígena, por ter mais característica,
por ter mais traços indígena, por morar mais afastado das cidades, então nós
tentamos levar isso pra comunidade que não é desse jeito, apesar da gente tá
morando próximo da cidade, nós tamos preservando nossas culturas, nossas
tradições, nós nunca vamos deixar de ser índios, então tem vários outras etnias
aqui também, outros povos que mora bem próximo da cidade e nem por isso
deixou de ser índio, por isso não deixou de tá praticando seus rituais, tá praticando suas tradições, então isso que eu tento mudar na cabeça das pessoas que
tem dentro da nossa comunidade, tem muitas pessoas que tem ainda esse certo
tipo de pensamento, índio é só aquele que mora no meio do mato.
Mamaindê 1: Vai mudar por causa que nós vamos treinar mais o futebol
de campo né, e não vai ser mais aquele de cabeça. De cabeça nós temos mais
outros alunos né, mais pequeno, porque antes nós não deixávamos criança
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
mexe né. É só era mais adulto, então nós vamos repassar pros, pras crianças
pra poder futuramente, pra eles né. Então, nós na... na nossa... grupo aqui, nós
seria... nós vamos melhorar mais ainda por causa que... na início da abertura
nós... erramos a nosso... erramos na, no ensaio... que era pra ser tudo mundo
dançar igual né, aí os outros começaram... ensaiando.
Xicrin 1: Eu tô... eu tô pensando em chegar por lá que a gente vamos... em
próximo evento que a gente vamos... que a gente vai apresentar a nossa cultura
muito importante no pessoal do imprensa pro Carlo Terena que vai... ele vai
olhar como é que é a apresentação do Xicrin. Como tá riscado aqui, esse aqui a
gente vai apresentar no próximo jogo. Isso aí é o riscado do dente do peixe, e aí
bota, passa pimenta também. E arde se vou chorar, se vou gritar eu não passo
guerreiro. Não pode gritar nem chorar.
Xerente 4: É isso com certeza que vou estar levando... meu conhecimento
daqui pra estar... quando eu chegar, falar pras comunidades que também que
nunca foram pros jogos indígena né, e vou estar compartilhando isso com eles
que os jogos indígenas também é mostrar nosso cultura também, conhecer a
cultura de outra pessoa também, de outro estado né.
Assurini 1: Vai.
Kamayurá 1: Ah, acredito que sim né, com... mais... a convivência né, o
pessoal vai contar que conheceu os outros povos né, como eles são, do que
eles gostam, porque os outros povos sempre vem aqui, trocar, comprar nosso
artesanato, né, informar os outros quando encontrar assim pra... né... isso é um
dos benefícios.
Surui 1: Com certeza, vai mudar sim e chegar lá no... nossa equipe, especificamente a diretoria, com certeza nos vão avaliar, porque o grupo participou
desse evento né, que do lado quanto ruim e o do lado bom também, qual foi
bom e assim, aonde que foi a nossa falha, então vamos ter que reuni o grupo
né, e acertar aquele, e também ver né, que qual o esporte que a gente pode
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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apresentar que é da nosso cultura né... Eu acho que... éh sempre tem alguma
mudança né.
Karajá 2: Da para melhorar se tiver pessoas que se interessam, de organizar
um grupo, para fazer isso aí só depende de cada pessoa, para fazer e praticar
algum esporte, quando a gente chegar lá claro que a gente joga, a maioria gosta
de futebol, a gente não para de jogar.
Pataxó 2: com certeza, saindo daqui a gente já tem tudo anotado, já se preparando para os jogos indígenas no mês de abril lá. Então tiramos bastante
fotografias, olhamos bastante detalhes de tudo, como funciona, o que não está
funcionando e que esta dando certo, a estrutura, qual estrutura a gente vai estar trabalhando lá, o objetivo dos jogos. A gente fez filmagem da abertura, tem
coisas aqui que estamos aproveitando e vai ser levado pra lá. Então chegando
lá a gente já está como o relatório pronto.
Xicrin 2: pra mim ano que vem [vai] melhorar mais com o apartamento
(ocas), comida, arena, tem que melhorar então. Chegar lá na aldeia ensinar
para as crianças aprenderem, entenderem que quando vierem ver que é verdade do que falo para elas. Foi bom a gente mostrar a cultura, para os xicrim
[ficarem] mais fortes pela cultura, aprender a ensinar para as crianças. Aprender outras brincadeiras de outras etnias. Ver outras culturas e modalidades de
outros povos para ensinar.
Curabacari 1: Sim, porque vi muitas coisas boas aqui, porque chegando aqui,
eu quero que as minhas pessoas pratiquem mais ainda pra pode vim pra cá.
Mulheres:
Muitos dos entrevistados não permitiram que a entrevista fosse gravada
entrando assim para a contabilização dos questionários de sim e não e não
fizeram parte dos entrevistados que responderam as questões dissertativas.
Muitas mulheres não aceitaram responder aos questionários por timidez ou
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
por uma questão cultural.
As mulheres jovens, que responderam, por vezes responderam em grupo
ou com um representante masculino que respondeu por elas e por ele – como
foi o caso das respostas dadas pelo Xerente 2, que estava acompanhado de mais
3 meninas Xerente – o representante respondeu ao entrevistador aquilo que as
meninas não sabiam responder, porém elas foram instruídas a responder por
elas mesmas e então uma das meninas continuou a responder pelo grupo de
meninas jovens. Houve também o caso de um casal Surui, em que a mulher,
muitas vezes, apenas completou as respostas do seu marido ou concordou em
silencia com as respostas dadas.
Por quais motivos você participa dos jogos?
Karajá 1: Porque eu acho bonito, a gente encontra outra etnia, outra dança,
outra palavra, outra pintura, essas coisas... conhecer outras etnias, criar amizades com eles, conhecer cultura deles e conhecer nossas culturas também.
Pataxó 1: Éh... pra mim é muito importante, né, porque a gente lá na aldeia
tem um grupo jovem, que a gente tá assim, sempre preservando, a gente ta
sempre ensinando a cultura e assim, é a sexta vez que eu estou participando
dos Jogos do Povos Indígenas nacional, então assim, eu estou mantendo a aldeia assim também né, de que eu faço parte né, e sempre quando eu sou convidada sempre eu tô participando. E pra mim é muito importante isso aí, é desde
quando eu nasci vou levar até o fim, a minha cultura é essa.
Paresi 1: Trouxe... faço artesanato, e trouxe muito pouco... eu mesmo não
[faço artesanato]. As meninas que fizeram para nós. Eu vim porque eu nunca
tinha vindo né, então daí eu me coloquei porque eu queria vir pra mim conhecer né, conhecer os outro parentes que a gente só vê através da... de vez
em quando... da televisão, quando passa, mas assim... a gente só ouvia dizer
por nome, agora aqui não, aqui a gente tá vendo pessoalmente né, convivendo
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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com eles aqui junto, perto um do outro né, então isso é muito bom, é por isso
que eu quis vir também. Ver de perto e conhecer de perto. Não sabia como era.
Kaingang 1: Eu vim, como colaboradora pra trabalhar a questão formação e
da capacidade dos povos indígenas pra Rio+20 e pra 11ª Convenção das Partes
sobre diversidade biológica da ONU, ambas vão ser no ano que vem, a Rio+20
em junho no Rio de Janeiro e a COP 11 na Índia, no 2º semestre. Então eu entrevistei vários indígenas pra saber que ferramentas eles esperam utilizar nas
aldeias pra tá fazendo uma participação plena e efetiva. Foi feita uma mesa nos
jogos pra tratar disso, infelizmente a gente não conseguiu trazer o ministério
do meio ambiente mas foi uma mesa bastante participativa, os povos indígenas
mostraram bastante interesse de estar, de tá entendendo melhor desse tema,
porque a questão ambiental está ligada diretamente à nossa cultura. Minha
função era assessorar a elaboração de propostas, de documentos, mas enfim,
a própria coordenação decidiu que os jogos não produzem manifestações, documento né, então a gente fez o que? [Fez] O levantamento das demandas pra
tá levando pro governo, então eu tô aqui trabalhando com os jogos pela perspectiva de cultura, não é? Então de trabalhar a autoestima, trabalhar a questão do combate à droga adição, o combate ao alcoolismo, valorização cultural,
nível de realização de arte, de pintura, de artesanato, de adorno, de cestaria,
de vestimentas, os Jogos são o maior evento positivo cultural que se tem notícia na América Latina. É grande, é diverso, é bonito e mostra os 240 povos
indígenas do Brasil aqui, não é? Porque são um milhão de pessoas, mas ele [os
Jogos] mostra um pouco do que é a diversidade dos povos indignas do Brasil,
então por exemplo, a lei 11.645 que obriga o ensino [ou melhor] o reensino de
história dos povos indígenas e afrodescendentes, nos jogos se tem um espelho
do que pode se colocar em prática na 11.645, as escolas vieram, a sociedade
envolvente veio, apesar da pouca divulgação, apesar de todo um trabalho que
não foi feito, a mídia, a grande mídia teve aqui, né então Band, Globo, muitos
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
jornalistas que trabalham com web jornalismo. Então assim, a divulgação de
que nós não estamos só na beira das rodovias, nós não estamos só protestando
contra Belo Monte, nós não estamos só sendo queimados vivos por aí, a gente
também tem cultura pra mostrar, as culturas mais nativas do Brasil, acho que
essa é a alma dos jogos, e a interação que acontece e é festa mais bonita dos jogos e a arena não vê, é aqui dentro e é de noite, que é quando os povos brincam
uns com os outros, ensinam os seus cantos, cantam em homenagem uns aos
outros, cantam e dançam na frente de cada maloca pra homenagear o parente
que veio e eles não conheciam. Eu acho que essa interação é a celebração de
que se fala na plenária e muita gente não entende, porque a gente comemora
quando a gente ganha, a gente entristece, as meninas choram quando perdem,
agora... a celebração da diversidade ocorre aqui dentro mais do que lá fora.
Pataxó 2: Pra eu adquirir mais conhecimento, espero levar pra minha comunidade para tá contribuindo com os nossos jogos lá...
Manoki 1: Ahhh por interesse, nunca tinha participado, e também por causa do grupo nosso, lá que a gente tem um grupo de dança né, que se chama
“uatirroli passikirri” criado pelo, pelo ponto de cultura do povo manoki, aí
nós, aí meu irmão que é o coordenador do grupo, aí ele falou que era pra gente
vim, aí nós viemos.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Pra mim tê mais conhecimento né, adquirir mais conhecimento, conhecer os outra etnia que eu
não conhecia, só isso...
Sobre os conhecimentos tradicionais dos JPIs (as práticas e saber fazer),
como está hoje em sua etnia?
Karajá 1: –Um jogo tradicional a gente não tem, só o futebol que a gente
tem, nos finais de semana jogamos. E a luta corporal é durante o ano que fazemos na festa, e a dança.
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Pataxó 1: Os pataxó na verdade, a qual eu faço parte né... e assim [ficou]
conhecido de uns quinze anos pra cá, porque Pataxó não era conhecido e não
só o povo Pataxó, mas assim, as outras etnias também né? Foi bem divulgado
depois que a gente veio pra cá. O povo não índio começou a saber que tinha
índio no Brasil e no mundo inteiro né? Que ninguém valorizava e hoje valoriza
bastante a cultura indígena, não só Pataxó mas todas etnias.
Paresi 1: Vamos apresentar agora o jogo de... de timori né. É um jogo, o que
as mulheres vão fazer é isso. E o de jikunahati é só os homens.
Pataxó 2: Só o cabo de guerra, que é cabo de força né? Que vocês falam
arremesso de tacapi, corrida, futebol, natação e canoagem.
Manoki 1: Arco e flecha, canoagem, natação, tem várias modalidade...
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): é... que o arco e flecha,
futebol, zarabatana, arremesso de tacapi e corrida, cabo de força, que vocês
falam, que a gente fala é cabo de guerra.
Representante: (um representante entra na fala da menina) Normalmente,
só cortando a..., [essa é] a quarta vez que eu participo, né, talvez nós o povo pataxó temos muito a agradecer aos jogos, os jogos indígenas realizados, através
dos representantes nossos nos jogos nós conseguimos realizar os jogos dentro
das nossas comunidades em Porto Seguro, tem em Coroa Vermelha também,
mas tudo só do povo Pataxó, e até mesmo já participaram outros povos do
próprio Estado da Bahia, né, como o Xacriabá, tem os Queriri [que] são do
próprio Estado da Bahia que conseguimos já trazer, então já através dos jogos
nacionais conseguimos realizar né, já tá sendo conhecido em nível do estado,
em nível nacional, estamos tentando buscar o estadual agora, né, não pro ano
que vem, mas daqui a dois, três anos dependendo das políticas que tá se envolvendo lá no Estado da Bahia, a gente vai conseguir fazer no do estado pra
envolver os 14 povos que tem lá no Estado da Bahia, e... as modalidades, éh...
nós temos canoagem, arco e flecha, éhhh... tem também a zarabatana que é,
que é nossa.
156
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Meninas: kaúco também né, é...
Representante: A gente tem a corrida do maracá, também, que é diferente
né, não se pratica aqui mas a gente pratica lá, que é um esporte nosso, só do
povo pataxó, a gente temos patiu miu kaai, que é a luta do povo pataxó, ela é
praticada da cintura pra baixo, se um guerreiro tocar na parte de cima, ele tá
desclassificado, então é praticado da cintura pra baixo, se tem um pedaço pau,
ou se não, o próprio instrumento, faz um círculo, põe ele fincado, o objetivo é
pegar na perna do guerreiro, puxar ele pra poder derrubar o instrumento que
tá no meio da roda, do círculo, esses são dois esportes praticados pelo povo
pataxó. A gente também tem o pula peixe né, que é uma prática do povo pataxó também, você tem dois pedaços de madeira grande, arremessa ele, o que
for mais longe ele tem que ir quicando no chão né, é chamado o pula peixe, a
prática esportiva também com um pedaço de pau do povo pataxó, e aí tem as
apresentações culturais, uma coisa diferente que, que a gente pratica lá, entre
nós, no povo pataxó, é um desfile, um desfile nosso, só de cada aldeia se tem
um casal né, pra poder desfilar, aquele que tiver bem mais caracterizado com
as origens mesmo do povo pataxó, as pintura, os colares, tipo assim, coisa industrializada, se a coordenação dos jogos pedir que não é pra usar, então o
povo pataxó de cada comunidade vai tentar buscar as origens mesmo, lá atrás
mesmo, de como eram as pinturas, de como era o artesanato, de como eram os
cocar, aqui tem até um cocarzinho aqui,que é..., foi aonde começou tudo, foi
aonde começou a história do povo pataxó, a luta e... então os jogos tão buscando lá atrás essa questão que tava enterrada lá a muito tempo né, talvez os nossos
velhos não praticaram pela questão da..., na década de 40, de 30 né, então eles
não praticavam porque normalmente era esquecido ou pela questão de perseguições, então tinham que negar sua própria cultura pra poder sobreviver, e
hoje não, hoje a gente tem a nossa liberdade garantida por lei, se expressar pra
mostrar onde quiser, então hoje a gente busca essa prática né, se a coordenação
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
157
pedir pra riscar um desfile da origem mesmo, sem utilizar coisa industrializada,
é uma coisa diferente que assim, eu e o outro rapaz, o Uhuari, queríamos até
colocar né, colocar um desfile aí de um, das 28 etnias aí, quem sabe nos próximos jogos né, pra poder... [mostrar] as sua pinturas corporais, os seus adereços,
os seus traços de pintura, tudo mesmo, lá atrás mesmo seria interessantíssimo
a gente ter isso, o diferencial nosso. Só não tem a queima de fogos né, mas aí
ah..., veio uns representantes nossos lá que realiza os jogos pra poder ver aqui
como acontece né, ela gostou e já vai, já entrou em contato com o pessoal que
faz a, a... compra de fogos pra abertura dos jogos nacionais, pra poder ver se
acendia lá também. Aí tem a questão também da músicas né, que é as musica
de entrada, do Zé Ramalho, tal com uma galera, aí ela já pegou também tudo,
e aí é dessa forma né, pelo menos uma ideia, tipo assim, lá a gente não, não fica
assim não, a gente fica em hotéis né, e tipo assim, pra nós seria mais interessante
essa coisa caracterizada mesmo né, ter um espaço só pra galera poder interagir
mais né, tipo assim, é a comunidade pataxó, é o povo pataxó, mas tipo, somos
29 aldeias do povo pataxó, temos 8 em Minas Gerais, 7 em Minas Gerais, 22 tá
no extremo sul da Bahia, norte de Minas, e... é diferente né, é diferente..., tem
duas, três comunidades que já estão bem próximas aos centros urbanos que já
tem um costume diferente, um hábito diferente, quando você pega uma aldeia
que já tá mais distante ainda, que tá a cem quilômetros fora da cidade é mais
fechada, mas o diálogo é menos, então quando cê pega os indígena que tá bem
próximo à cidade, eles dialogam mais, se expressam mais, vai mais pra frente,
tem outros hábito diferentes, então eu acho que serve também como um modo
de intercâmbio entre nós como povo pataxó, pra nos conhecer melhor como
juventude, como os anciões mesmo, esses últimos jogos mesmo, teve... foram
seiscentos pataxó que participaram, só do povo pataxó, foram seiscentos, em
Porto Seguro, uma quantidade já bem grande, o ano que vem já tá programado
pro mês de abril do dia 24 ao dia 28, é isso né?
158
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Meninas: Do dia 20 ao dia 24
Representante: Do dia 20 ao dia 24, de abril, já tá programada já... pra, pro
ano que vem, vai talvez 2013 vai ser modificado a data, pra pegar, abranger a
parte de dezembro em diante, no verão, tá chegando muitas pessoas e tal, e
também o interessante a..., esses jogos agora que vão ser realizados lá questão do, da mídia né, a divulgação dos jogos, poder divulgar nos aeroportos,
na própria... nos blog mesmo, a galera já tá acessando muito, querendo saber
como que vai ser, e tal, já tá buscando muito, essa informação, aos poucos tá
crescendo. Tem [um site].
Como você, na sua aldeia, aprendeu essa(s) modalidade(s)?
Karajá 1: Aprendi com meu pai e minha mãe, eles gostam muito de esporte
eu aprendi com eles
Pataxó 1: A gente aprende na aldeia né, porque na verdade são... é os esportes que tem as duas é... índio e branco, que faz esse tipo de esporte, então a
gente já tava aprendendo também na aldeia também se aprende e pratica.
Paresi 1: Desde pequeno... Desde pequeno, vai aprendendo...
Pataxó 2: Com os anciões e com os professores de cultura dentro da aldeia...
Manoki 1: Ah..., vendo esses jogos também, a gente vê os esporte dos outros
parentes também... A gente vai aprendendo. [Mas só depois que tá grande].
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Com os mais velhos,
são com os mais velhos que, eles vão passando de geração pra geração, deles
pros filhos, dos filhos já vai passando de geração em geração, e a gente vai
aprendendo.
Como vocês, na sua aldeia conheceram o futebol?
Pataxó 1: O futebol a minha família né? Pelos meus irmãos, eles jogam
desde pequenos, então assim, mulheres não jogavam antigamente mas agora
jogam.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
159
Paresi 1: Na aldeia dos paresi é, vivendo, vendo, saindo fora... há muito
tempo [se] conheceu [o futebol] e trouxe, saíram fora assim pra vê, viajando
né, tendo participação só junto com os branco né, aí gostaram e aprenderam...
aí eles... foram aprendendo né.
Kaingang 1: Então, o futebol é uma questão nacional né?! O esporte é uma
das maneiras de se trabalhar, existe muito pouca alternativa de lazer dentro das
terras indígenas, talvez seja uma das causas de adição, do alcoolismo, a gente...
éh..., os jogos, eles têm contribuído pra valorizar os esportes tradicionais que
estavam sendo deixado de lado, o tiro com arco, a pintura corporal, pra você
trabalhar a questão da autoestima, por quê? Porque a gente só tava pintando o
rosto, só os pequeninhos pintavam, os adolescentes já não mais...
Pataxó 2: Eu... conhecia agora através do que Raoni falou né? Como ele
surgiu na aldeia, foi através de Raoni... foi através dele... [E na minha época, eu
aprendi] na escola indígena.
Manoki 1: Ah, lá na aldeia direto, joga futebol. Desde criança que, lá desde
criança já começa a jogar futebol, desde pequenininha.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Acho que foi com a
chegada dos branco dentro da aldeia, que teve o conhecimento do futebol, foi
com a chegada dos branco dentro da aldeia... não é... Raoni... Raoni, como que
foi a chegada do futebol na aldeia, o conhecimento do povo pataxó do futebol?
Representante: O futebol, ele surgiu lá na nossa comunidade quando a FUNAI foi criada em 73, o povo pataxó não praticava futebol, as primeiras bolas
eram bola mesmo de couro né, eles faziam a bola aí depois que veio a primeira
bola, que foi pra comunidade do povo pataxó, eles passaram um tempo né,
jogando sem chuteira, sem a prática de..., sem saber como conduzir aquele
instrumento de esporte, e aí foi surgindo aos poucos, foi crescendo, e quando
se furou essa bola eles inventaram de fazer uma bola com o leite de mangaba,
como se fosse de seringa né, lá nós temos a mangabeira que ela dá muito leite
160
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
né, fizeram uma bolinha e começaram a praticar, praticar... aí em 80 eles já
tavam já muito bem, já começavam sair pras cidades vizinhas e hoje o povo pataxó, lá na nossa região, já participa dos campeonatos municipais que acontecem lá, tem campeonatos entre o próprio povo pataxó, isso acontece também,
regulamento normal e tal... lá já tem uma prática bastante boa na questão do
futebol, mas começou a surgir nessa época, na época de 70, 73 pra cá, 75, quando a FUNAI começou a atuar nas comunidade, aí levava bola, levava uniforme,
normalmente essa pessoa, esse chefe que ia pra aldeia já sabia mais ou menos
a noção do futebol né, então acabava levando e tal né..., onze de lá, onze de cá,
então de lá pra cá veio surgindo e hoje já tem uma prática boa de futebol.
Na sua etnia, vocês estão interessados em praticar outros esportes? Quais?
Karajá 1: Claro, muitos. Corrida de tora é interessante, a gene não tem prática, e arco e flecha para incentivar as crianças, porque a gente não tem, só
usamos na época de peixe, pra pescar, caçar, acho interessante incentivar as
crianças para fazer na nossa aldeia.
Pataxó 1: A maioria dos esportes, natação, canoagem, cabo de força, corrida rústica, a maioria dos esportes que tem com o branco, o povo dos índio
também faz.
Paresi 1: Que eu saiba não, até agora não... Mas se tiver um, um outro esporte diferente que ninguém saiba... aí, com certeza.
Pataxó 2: Como Marcelhe falou, vôlei, futebol, ... o vôlei... voleibol, é... handebol, basquete... acho que seria interessante!
Manoki 1: Vôlei e basquetebol.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Eu tenho né... tem
vôlei, aliás, tem vou lei lá, só que a gente não sabe, handebol, tudo... sem ser o
futebol eu desejava aprender todos, seria muito bom pra mim
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
161
Como você foi selecionada para vir participar dos Jogos aqui em Porto Nacional?
Karajá 1: meu pai, ele é responsável por tudo, aí fui convidada para participar, pra jogar, puxar corda, porque eu era atleta quando era nova, eu corria,
ganhava sempre em primeiro lugar, ciclismo em primeiro lugar, e natação primeiro lugar, canoagem em primeiro lugar, quando casei acabou minha historia
só que tenho alguma coisa a força essas coisas força, e sempre ele me convida.
Pataxó 1: Tem um... porque na verdade são quarenta pessoas, quarenta indígena tem aqui, então de cada aldeia tem um pouco, tem várias aldeias, lá no...
extremo sul da Bahia, são vinte e cinco aldeias Pataxó, então de cada aldeia tem
um pouco, não é só de uma aldeia são de várias aldeias a gente tem. Tem né, o
cacique, tem as outras lideranças lá, né, que na verdade vinha outro povo, só
que como quem mora em outras aldeias [distantes] e as vezes quando chove
não entra carro, então ficou difícil né, com dificuldade pra vim, então quem
tava mais próximo foi convidado.
Paresi: nosso coordenador... nossa coordenadora
Pataxó 2: Pessoas que não tinham vindo nos últimos jogos anteriores e que
estavam envolvidos nos jogos culturais dentro da aldeia.
Manoki: Então... eu também sou do grupo de dança, aí ele falou que era
pra gente vir, aí nós viemos, nós, às vezes, nós apresentamos pra outros lugares
a cultura do povo manoki, a gente divulga pra outro povo, pra outras... outra
cidade, aí a gente vai divulgando.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Foi escolhido por aldeia... da minha aldeia mesmo veio sete pessoas, foi três mulheres, não foi?
Quatro mulheres... não... quatro mulheres e três homens. Eu acho [que a seleção] foi assim... porque já teve várias outras pessoas que vieram né, agora eles
escolheram os que nunca tinha participado, que nunca tinha vindo.
162
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Você se preparou para a participação nessas modalidades? Em caso afirmativo, como foi essa preparação?
Karajá 1: a gente na verdade não treinou, as meninas foram convidadas
porque trazer para cá nossas mães não deixam, porque nossas meninas solteiras não podem andar sozinhas, tem que ser acompanhadas do pai da mãe, só
que mesmo assim a gente vem convidado, por causa de nossos parentes próximos, ou amigas próximas, a gente não fez treinamento, a gente está perdendo
muitos parentes, então ficamos de luto por muito tempo, a aldeia fica muito de
luto. E não deu tempo pra treinar.,.só que mesmo assim a gente está ganhando.
Pataxó 1 Treinamento a gente sempre faz lá, direto!
Paresi 1: trazer, fazer os preparamentos dos artesanato né, que eu ia apresentar... pra poder vim... reuniu todo mundo e explicar e passar lá através da
palestra né... Treinamos já sabe né
Pataxó 2: Sim. Temos preparação dentro da aldeia, todos finais de semana.
Manoki 1: Nós treinamos lá jogando futebol, nadando, é que lá nós nada
direto né... tomar banho no rio.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): A gente, la da aldeia
Barra Velha sim, né, porque a gente lá também tem um, um time e sempre
participa, tá treinando, agora só não sei as outras aldeia, se eles participarem,
né, porque são distantes, as aldeia uma da outra, a lá de Barra Velha a gente
sempre tava treinando.
Como você sente que foi a sua participação aqui?
Karajá 1: Achei boa a participação.
Pataxó 1: pra mim, sempre gostei né?! Está tudo bem até agora, o que está
estragando um pouco é a chuva.
Paresi 1: Ah... eu achei que foi bom... Tô gostando.
Pataxó 2: Assim, minha primeira vez que tá sendo muito emocionante né?
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Pra poder levar nossos conhecimentos pra dentro da nossa comunidade, tô
gostando muito!
Manoki 1: Ah... eu acho que tá sendo legal [por que] tô representando o
povo manoki... divulgando a cultura... isso.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Eu acho muito importante, tô achando bom, porque tô aprendendo também, né, muitas coisas
que eu não sabia, eu tô aprendendo, aprendi, espero tá passando também lá na
aldeia o que eu aprendi aqui.
Nesses jogos de Porto Nacional você conheceu alguma modalidade que não
conhecia e que quer aprender?
Karajá 1: Não, participei muito e vejo as mesmas coisas.
Pataxó 1: Ah, vamos dizer assim que é só o futebol de cabeça que... que são
dos parente aqui dos... Paresi, né, dos parente dos paresi.
Paresi 1: Eu conheci, muito, só que eu não tenho vontade, é muito pesado,
principalmente aquela corrida de tora.
Pataxó 2: Conheci sim, não conhecia algumas que são dos outros povos né?
Apesar de sermos indígenas mas de culturas diferentes, foi o futebol de cabeça,
e as lutas corporais que são diferentes das nossas. Se tivesse a oportunidade
[gostaria de aprender]. É muito diferente, nunca tinha visto.
Manoki 1: Sim, lá dos xinguano.
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Eu via aqui foi, eu vi
um aqui foi uma (outra menina fala alguma coisa, sugerindo uma modalidade) de som? Esse eu não vi não, foi jogo e cabeça que os meninos tavam jogando de outra etnia... [Futebol de cabeça] que eu nunca tinha visto e gostaria [de
aprender]
Na sua aldeia tem alguma modalidade que não ocorreu nos Jogos?
Pataxó 1: É, a corrida de Maracá que a gente faz em todas as aldeias e
164
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
também os desfiles indígenas que aqui nunca vi, desde os jogos que eu participei internacional, nunca teve e lá a gente faz o desfile da mulher indígena.
Paresi 1: Não, só dança mesmo... Eles praticam aqui também.
Pataxó 2: Tem sim! Corrida de Macará, o desfile cultura viva Pataxó, só que
aqui seria de todas as etnias né, as 28 etnias e, qual o nome do outro do peixe?
Pula peixe, pega peixe... sei lá, já esqueci já até o nome...
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): são três, agora só não
lembro... é... patiu miu kai, corrida de maracá e o tal do pula peixe
Você acha que a participação de sua etnia nesses Jogos vai mudar alguma
coisa na sua aldeia? Em caso afirmativo, o que você acha que vai mudar?
Karajá 1: Acho que não, os meninos mostram as danças que são interessantes e mostram na aldeia, mudar não.
Pataxó 1: Vai porque aqui nós tá representando o povo Pataxó e, a cada jogos que, não só que eu vou, mas que todos parente vão, aprende muitas coisas
boas e levam isso pra aldeia.
Paresi 1: Vai sim, muda sim... é mais participação... Participação assim, em
apresentação cultural.
Pataxó 2: Vai sim. Vai mudar os nossos jogos né? A gente vai poder acrescentar algumas coisas que a gente ainda não tem, então a gente leva experiências para poder tá modificando algumas coisas nos nossos jogos.
Kaingang 1: Com certeza [essa é uma forma de levar conhecimento para a
aldeia], nós temos vários pesquisadores aqui, vários acadêmicos aqui de educação física, vários professores pro pessoal olhar, tá todo mundo vestido, pintado mas eles têm, fizemos filmagens, fizemos fotos e a gente tem toda a intenção de editar isso pra levar pras nossas escolas, pra levar pras nossas crianças,
o que é a diversidade do nosso país, porque da mesma forma que as pessoas
não conhecem, não sabem que existiam índios no sul, nossos pequenos também não sabem como vivem os índios do norte, como vivem os índios do semi
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
165
árido, como vivem os índios do centro oeste, os jogos são uma oportunidade
de mostrar isso, de vivenciar isso, de mostrar essa experiência.
Manoki 1: Vai [ser a mesma coisa na aldeia]. Não [vai mudar nada].
Pataxó 3 (três meninas e um representante homem): Acho que vai né, pra
mim vai né, porque eu, quando eu chegar lá mesmo vou lá dentro da [aldeia],
pra mim lá a gente vai ter que explicar né, falar o que a gente aprendeu aqui...
Acho não! Vai mudar.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
PARTE III
Fernando Amazônia
DESDOBRAMENTOS
SOCIOANTROPOLÓGICOS
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Fernando Amazônia
CA PÍTULO 9
INICIATIVAS INDÍGENAS: JOGOS ESCOLARES
BRASILEIROS E COMITÊ INTERTRIBAL MEMÓRIA E CIÊNCIA INDÍGENA
Deoclécio Rocco Gruppi
1. Participação Indígena nos Jogos Escolares Brasileiros
Períodos históricos, contexto dos Jogos Escolares Brasileiros (1969-2012)
Os períodos pelos quais passam esses Jogos são marcantes no que diz respeito às políticas de Governo, iniciados no período de regime militar chegam
à Nova República. No seu processo sofrem modificações relevantes no que
diz respeito às questões políticas em nível nacional como afirmam Borges e
Buonicore (2007 p. 16) “os Jogos perpassam governos e políticas, passando
pela ditadura militar, pela democratização”, pelos anos Costa e Silva,7 Médici8,
Geisel9, Figueiredo10, Sarney11 Collor12, FHC13, Governo Lula14 e Dilma15.
7
Artur da Costa e Silva, mandato de 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969.
8
Emílio Garrastazu Médice, mandato de 25 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974.
9
Ernesto Geisel, mandato de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979.
10 João Baptisa de Oliveira Figueiredo, mandato de 15 de março de 1979 a 15 de março de 1985.
11 José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (Sarney) em 15 de abril de 1985 até 15 de março de 1990.
12 Fernando Affonso Collor de Mello, foi mandato de 15 de março de 1990 até 29 de dezembro de 1992.
13 Fernando Henrique Cardoso, mandatos de 1° de janeiro de 1995 a 1° de janeiro de 2003.
14 Luiz Inácio Lula da Silva, mandatos de 1° de janeiro de 2003 a 1° de janeiro de 2011.
15 Dilma Vana Roussef, mandato: 1° de janeiro de 2011 a atualidade.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Pensar no contexto brasileiro nas décadas de 60, 70 e 80 nos remete ao
que muitos trabalhos já explicitam sobre a ditadura militar e ao processo de
democratização política. Sobre esses temas encontramos (SORJ e ALMEIDA,
1983) que elucidam esses períodos possibilitando-nos uma compreensão desse processo.
No contexto brasileiro, os movimentos populares começam a aumentar
nas décadas de 1960 e 1970. Os movimentos populares lutam “pelo reconhecimento de seus direitos como cidadãos e viabilizar suas demandas, diminuindo suas carências” (CARDOSO in SORJ e ALMEIDA, 1983, p. 226) nos
apresentando que as manifestações populares ganham espaço na sociedade
e como se dá a ação conjunta de associações populares, partidos e sindicatos
que demonstra um sentimento comum de opressão num sistema de ditadura
(idem, p. 236).
Os anos de 1968 a 1973 são os de maior repressão no Brasil embora a vigência da ditadura militar seja de 1964 a 1984. No regime ditatorial revela-se o
projeto de sociedade que se pretende “nas suas diversas estratégias (econômica, política, militar, psicossocial)” (REZENDE, 2001, p. 1).
O ano de 1968 é marcado, entre outros fatos, pelo protagonismo do movimento estudantil. Esse movimento aparece com “protestos estudantis contra
a política educacional do governo” (VALLE, 2008, p. 35) cujas diretrizes são
delineadas desde 1964 e que tomam ênfase em 1968. Nesse ano também há um
grande descompasso entre o governo de Costa e Silva e a sociedade civil como
embate às pressões da política nacional (idem, p. 37).
Em meio aos acontecimentos que perpassam essas décadas, surgem os Jogos Estudantis como proposta do Governo para o Esporte, que se encontra
num momento de transformações em suas estruturas com uma dimensão social. Possivelmente, para os governantes, sendo este um potencial transformador da sociedade por meio do sistema educacional.
170
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Esses Jogos iniciam-se num contexto de transformações do Esporte Moderno, que objetivam o alto rendimento. A implantação das competições ligadas ao sistema educacional no Brasil foi influenciada por este contexto, a busca de resultados esportivos de alto rendimento no interior da Escola, fazendo
com que a Escola reproduza esse tipo de Esporte. Segundo Borges e Buonicore
(2007, p. 21) “Também não há dúvida de que esse despertar para o esporte de
rendimento no país está relacionado ao contexto internacional do esporte”.
No texto introdutório (1971; p. 35) os organizadores dos Jogos Estudantis
Brasileiros demonstram a necessidade de se realizar o evento preferencialmente na mesma cidade e mesmo período do ano, para que cada unidade da federação possa se organizar e efetivamente participar:
Por essas razões, e movidos por um alto espírito de colaboração, tomamos a liberdade de apresentar as seguintes sugestões: a) manter, apesar das dificuldades
a realização dos Jogos numa mesma localidade e numa mesma época, a fim de
permitir a reunião de todos os representantes de todas as Unidades da Federação, possibilitando uma visão de conjunto do Brasil unido, em busca de um
mesmo objetivo, e mantendo na retina a grandiosidade e a beleza do espetáculo
que esses jogos, dessa forma, se constituem; b) custear integralmente o preparo
e o comparecimento das representações dos Estados mais pobres e dos Territórios Nacionais, a fim de que todos, sem exceção participem dos Jogos Estudantis
Brasileiros e recebam a influência por eles irradiada; c) incentivar ou promover
competições locais em épocas antecedentes à dos Jogos Estudantis Brasileiros,
com o objetivo de aprimorar o preparo dos participantes desses jogos e, com
isso, obter melhores resultados (DUTRA; ROLIM e MARCELLOS, 1971).
Percebe-se, nesse texto, a preocupação dos organizadores com a efetiva participação de todos os Estados bem como Territórios Nacionais que são “mais
pobres” e que consequentemente não participariam do referido evento. Ainda
é visível a preocupação com a visibilidade do evento e a influência por ele alcançada, e, não obstante essas preocupações, o aprimoramento do preparo dos
participantes com intuito de se obter melhores resultados.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
171
Nos juramentos podemos notar como essa competição estudantil está comprometida com as questões relativas aos bons hábitos, cumprimento das regras
e sobretudo às questões da nacionalidade ditada pelo regime militar, por meio
do desporto.
Um novo olhar se dá a partir da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, pois as atividades esportivas são consideradas como atividades
formais e não formais possibilitando uma maior agregação de pessoas praticantes de atividades esportivas e não apenas, como era antes, a de agregar
somente atividades de alto rendimento, o que exclui uma grande parcela da
população.
O denominado esporte educação marca uma nova dimensão social do esporte no contexto brasileiro, abre desse modo, novas perspectivas para a prática dessas atividades. Embora haja essa perspectiva da nova dimensão social
do esporte, os JEBs têm variáveis de referencial (BORGES E BUONICORE,
2007, p. 29).
Os Jogos Escolares Brasileiros são definidos por Ferreira et al (2005, p. 20.3)
como:
[...] peculiares quando não são locais – ou seja, municipais ou intermunicipais
– por assumirem proporções de mega-eventos ao estilo de competições internacionais, e por representarem municípios e cidades... Outro aspecto redefinido
por esses jogos foi a integração da juventude por meio do esporte.
No decorrer de sua história o envolvimento sempre crescente do número
de atletas e estudantes, melhoria técnica dos esportes olímpicos, o aparecimento de uma mentalidade entre a classe estudantil com relação a atividade física,
a reciclagem de professores e técnicos, são pontos principais propostos pelos
Jogos Estudantis Brasileiros (GRUPPI, 2011, p. 57).
Em 1987 em Campo Grande ano em que, no Fórum de Debates, aparecem
questões referentes à compreensão sobre os JEBs, os posicionamentos quanto
172
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
ao esporte participação, esporte performance e esporte de rendimento, contudo, são momentos de reflexão sobre sua finalidade (BORGES E BUONICORE,
2007, p. 63). Ainda os autores afirmam:
Também houve espaços de debates, dentre eles o Fórum de debates sobre os
JEB’s, que buscou refletir sobre as seguintes questões: qual a compreensão sobre os JEB’s? Qual o posicionamento sobre o esporte de participação, o esporte
de performance e o esporte de formação? Qual deveria ser a linha do JEB’s? A
equipe médica também colocou algumas questões para discussão: condições de
saúde dos atletas, obrigatoriedade dos exames médicos nas escolas, sugestão de
um modelo de avaliação do atleta participante dos JEB’s. Tratava-se de um novo
momento para a competição, de muita reflexão sobre sua finalidade e de acertos
em seu formato.
O modelo dos JEBs começa a ser questionado, assim como sua finalidade
como competição, bem como a quem se dirige. Outra questão que se torna relevante é quanto às condições de saúde dos atletas, nesse embate considera-se
o aluno no contexto escolar como um atleta em potencial, haja vista a sugestão
de se colocar a necessidade de exame médico no interior da escola. Do mesmo
modo que as questões levadas ao Fórum demonstram certa preocupação no
formato no que diz respeito ao esporte participação, de performance ou de formação, ainda consideram o espaço da escola como local revelador de talentos
esportivos.
Nesse contexto de mudanças é redigida a “Carta Brasileira do Esporte na
Escola” após discussões e subsídios veiculados na I Conferência Brasileira do
Esporte na Escola16. Em 1989 Manoel Tubino assume como dirigente da SEED,
16 Na I Conferência Brasileira do Esporte na Escola apresentaram-se pesquisadores de universidades brasileiras, a saber: Prof. Cristóvam Buarque, Prof. Silvino Santin, Prof. Roberto Crema, Prof. João Batista
Freire da Silva, Prof. Laércio Elias Pereira, Prof. Paulo Roberto Gomes de Lima, Prof. Paulo Rubem,
Prof. Jorge Sergio Pérez Gallardo, além de contar com a participação de Marcos Terena como integrante
da comunidade indígena para uma das mesas de debates levando às questões relacionadas a existência
de nações indígenas e às práticas esportivas dos indígenas. Entre outros participantes têve Georgeocohama D. A.Araujo e Paulo Roberto de Oliveira, Antonio Batista Pinto (Mestre Zulu – Capoeira), Nilton Agra Vasconcelos Galvão, Paulo Roberto Bukhardt, Rene Augusto Otrenba Eiras (BRASIL, 1989)
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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por indicação do ministro Carlos Sant’Anna, e estabelece um referencial teórico baseado em suas concepções sobre educação, no qual define cinco princípios socioeducativos, a saber: “o da participação, da cooperação, da coeducação, da corresponsabilidade e da integração” (BRASIL, 1989, p. 30). A partir
desses princípios o autor defende que a prática esportiva dentro dos JEBs deverá ser de direito de todos, e que não se poderá continuar como um evento no
qual se privilegia o esporte de alto rendimento, proporcionando dessa forma
a discussão do papel desse esporte no interior da Escola. Conforme Tubino:
A publicação, por outro lado, de uma Carta de Princípios para o Esporte-Educação para o Brasil, sem dúvida, deixará uma referência muito forte desse
momento, em que se rompe todo um status quo que de certa forma deformava
o esporte como fato educacional (BRASIL, 1989, p. 30).
A defesa pela publicação da Carta Brasileira do Esporte na Escola reafirma
o comprometimento do dirigente com as densas mudanças, no conceito de
Esporte, as quais se podem ser assentadas no interior da Escola e reafirmando
a presença do esporte como evento educativo.
Identificação da filosofia e objetivos dos Jogos Escolares Brasileiro
A filosofia e objetivos dos JEBs não aparecem especificados nos Boletins,
podemos encontrar nos discursos de governantes ou de organizadores. Como
um dos objetivos, podemos identificar, a preocupação com a formação da juventude brasileira por meio do Esporte. Conforme o texto de introdução do
Boletim de 1971:
Temos que ressaltar as consequências redundantes da execução desses Jogos
de grande importância para a formação de nossa juventude e que se apresentam sobre um quádruplo aspecto: cívico, moral, social e desportivo. Eles promovem, de um lado, a integração nacional [...], possibilitando-lhes sentir com
mais nitidez a grandiosidade de nossa Pátria e as suas responsabilidades no seu
desenvolvimento. Por outro lado, propiciam o contato sadio de adolescentes
de ambos os sexos, favorecendo a aquisição de hábitos e atitudes socialmente
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
construtivos e adequados ao nosso meio social. Além disso contribuem para a
formação do caráter e da personalidade do adolescente, procurando desenvolver-lhe senso moral e social, bem como suas qualidades de liderança, educando-o pra a vida democrática. Finalmente, contribuem para assegurar a saúde,
desenvolver o gosto pelas atividades físicas e o preparo de atletas que integrarão a representação do Brasil nos futuros Jogos Olímpicos (DUTRA; ROLIM e
MARCELLOS, 1971).
A formação da juventude nos aspectos apresentados nessa introdução refere-se ao comportamento e mudanças de atitudes, à crença de que, por meio
do esporte e práticas corporais, se atinja os objetivos desse evento. O futuro da
nação, a formação do caráter dos jovens também se busca, no entanto o que
se tem como escopo é a preservação da saúde, bem como o desenvolvimento
da aspiração pelas atividades físicas e preparo dos atletas para representarem o
país em grandes eventos.
Além da exigência de índices que pode demonstrar a busca de talentos esportivos, há para cada modalidade a aplicação das regras internacionais nas
suas execuções bem como a presença de árbitros com experiências internacionais ou renomados em suas atuações, ou melhores do Brasil em suas modalidades, perfazendo no universo das competições uma experiência para os
atletas que se destacarem em suas modalidades e seguirem seus talentos para
competições semelhantes de alto nível. Acerca dos objetivos dos JEBs:
O foco na realidade era o desenvolvimento do esporte brasileiro, o objetivo
principal era descobrir atletas para o desporto de alto rendimento, para você
ter uma base para o desporto de alto rendimento. Esse foi o grande objetivo dos JEBs. A linha de pensamento muda mas sempre com foco na medalha olímpica, de ser o melhor do mundo, essa é infelizmente ou felizmente eu
acho felizmente, essa é a realidade de qualquer país, nós temos que buscar essa
qualidade nos atletas para poder chegar nessa performance. Agora lógico com
um método legal, nada de dopping, isso foi uma coisa sempre batida (FERRACIOLLI FILHO, 2012).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Nota-se, nessa fala, como o objetivo principal é disseminado, para os organizadores, a existência dos JEBs possibilita a revelação de atletas conhecidos na
atualidade e que fizeram história nas suas respectivas modalidades.
Para exemplificar como os objetivos são alcançados, no Boletim dos V Jogos encontra-se enaltecidos os atletas que conquistaram medalhas no Campeonato Mundial de Atletismo Estudantil e que participaram dos I Jogos Estudantis Brasileiros:
A semente plantada em 1969 germinou, a arvore cresceu, e os primeiros frutos
vieram: Pedro Teixeira (400m e 4x100 rasos), Geraldo Rodrigues (salto tripo
e 4x100 rasos), Jalmerson Carvalho (4x100 rasos), Carlos Alberto Cavalheiro
(4x100 rasos) Armando de Zordi (arremesso de peso), Carlos Eduardo Galvão
(arremesso do disco) e Roberto Quita (salto com vara), e foram levados à Grécia por Nelson Barros (chefe da delegação), Frederico Hochsttater (técnico) e
Ulisses Laurindo dos Santos (jornalista), mostrando ao mundo o que valemos.
Esse foi o primeiro ramo que deu frutos os outros já estão em flor, a próxima primavera dirá a qualidade. Viva os nossos estudantes atletas, viva nosso desporto
amador (BOLETIM OFICIAL, 1973).
Para os organizadores dos JEBs esse destaque motiva os jovem a praticarem
com mais dedicação ao desporto e aos professores e técnicos uma demonstração de estarem no caminho certo de condução dos jovem nos desportos.
Conforme saudação feita pelo então Ministro da Educação e Cultura Ney
Braga encontramos indícios dos objetivos dos Jogos:
Nada mais belo poderia a atual geração madura reivindicar, do que a glória e a
ventura de ter trazido, para o mundo moços como vocês. Se o movimento de
31 de março foi a renovação trazida pela Revolução, que a mocidade do Brasil
seja a Revolução da Renovação, trazendo, ao organismo jovem do país, o sangue, a fibra, a pureza, a confiança, tudo aquilo afinal, que caracteriza distingue
a adolescência que sabe ter um encontro marcado com o futuro e, para tanto,
entrega-se à sua preparação mental e corporal, como exigência de patriotismo,
de brio, de confiança no amanhã que nós, mais velhos, queremos que seja mais
feliz do que hoje, exatamente porque será vivido por vocês (Boletim, 1974, p. 1).
176
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Os envolvidos nos Jogos Estudantis acreditam que nesse espaço poderão
detectar talentos, os futuros desportistas, como podemos verificar na fala de
Ferraciolli Filho (2012):
Para você ter uma ideia, o Lars Grael e o irmão dele o Toben participaram do
iatismo, então são referências. Se você pegar o Diego Hipólito hoje, ele participou de JEBs, a Paula (Magic Paula do Basquete), a Hortência (Basquete),
o Oscar (Basquete) participou, o Pipoca (Basquete), muitos atletas de renome
nacional participaram dos JEBs, o Joaquim Cruz (Atletismo) participou, foi descoberto praticamente nos JEBs, o Agberto Guimarães ele participou dos JEBs,
José Roberto Guimarães (Voleibol), a Vera Mossa (Voleibol), estou te falando
o que me lembro, o Bernardinho (Voleibol), tem fotografia dele nessas revistas
de Educação Física, o Willian de Carvalho levantador do vôlei, muitos outros
a maioria desses atletas participou dos JEBs, Vlamir Marques coordenador, Pedro Henrique de Toledo foi coordenador nosso isso porque estou te dizendo e
eu coordenei e eu era diretor técnico, fui diretor técnico algumas vezes, nem
sempre mas fui algumas vezes diretor técnico da competição e o Vlamir era o
coordenador nosso era coordenador do basquete, foi coordenador o Pedro foi
coordenador do atletismo.
Essa fala corrobora os ideais dos realizadores dos JEBs, pois esses atletas
mencionados chegaram ao ponto mais alto no esporte brasileiro, representaram o país em competições internacionais. Além dos jogadores, podemos notar alguns técnicos que se destacaram nesse mesmo cenário.
Sobre os princípios dos JEBs na Nova República, Borges e Buonicore (2007,
p. 60), afirmam:
[...] os JEBs a partir de 1985 tiveram os seguintes princípios: a) Nova identidade
para o esporte escolar, diferenciando-o do esporte de rendimento”; b) Redimensionamento da organização e do funcionamento dos Jogos; c) Interiorização dos
Jogos e maior envolvimento das escolas da periferia; d) Repúdio à utilização de
resultados esportivos nas avaliações de escolas e alunos.
Pode-se notar que a partir de 1985 os JEBs começam a diferenciar-se quanto
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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a sua organização e princípios, culminando com a Constituição de 1988, a qual
se refere ao esporte educação.
Em São Paulo, 1985 acontece a primeira participação da Nação Indígena,
a participação dos povos indígenas nos JEBs pode ser um início de uma experiência de diferentes vivências em configurações nas relações do indivíduo em
sociedade, para que possam se aprofundar em questões políticas e sociais, bem
como no que diz respeito à definição do caráter do evento. Como afirma Elias
(1994, p. 27): “Uma das condições fundamentais para a existência humana é a
presença simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas”, o que possibilita a
troca de experiências e o processo de envolvimento em diferentes circunstâncias na sociedade.
Ainda nos Jogos de 1985 foi introduzido como modalidade a Capoeira e
nos “Estudos Técnicos” a temática sobre os Esportes em Cadeira de Rodas,
que têm como objetivo discutir a “problemática das pessoas portadoras da deficiência física; técnicas e arbitragem adaptadas ao esporte em cadeira de rodas
e as categorias dos esportes praticados por deficientes físicos: classe médica e
classe funcional” (BOLETIM, 1985, p. 105).
A partir de 1985 começa-se a organizar a Constituinte e discussões acerca
da inclusão social por meio do Esporte e da Educação Física culminam na
Constituição de 1988. Como corrobora Ferraciolli (2012):
Em 1985 começou a Nova República, nós tivemos uma formatação dos Jogos
até aquele momento, os JEBs tinham uma formatação até aquele momento, os
Estados tinham representatividade com seleções escolares, esses atletas alunos
já jogavam nos clubes e nas federações, a partir desse ano criou-se uma nova
formatação de disputa nos Jogos, nessa formatação proibiu-se a participação
dos atletas federados, então foi uma polêmica muito grande para se ajustar a
essa nova condição. A Constituição de 1988 onde começávamos a discutir a
inclusão social das pessoas na Educação Física.
A partir do ano de 1988 as discussões acerca da formatação dos JEBs
178
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
possibilitam novas mudanças na sua prática, que se concretizam nos JEBs de
1989, no qual Manuel Tubino, como dirigente, traz suas teorias acerca de um
novo conceito de esporte que privilegia a participação e onde a ênfase ao rendimento fica em segundo plano.
1989 – Brasília – XVIII JEBs. Na mensagem aos participantes Manuel José
Gomes Tubino fala sobre uma mudança nos princípios dos Jogos:
[...] assim com certeza seria o início de um evento que representa mais uma
iniciativa no sentido de buscar a performance atlética, o talento esportivo, a
competição a todo custo e, até como já se falou, as nossas medalhas nos Jogos
Olímpicos... Não! Fundamentados nos princípios da participação, “cooperação”,
coeducação, integração e corresponsabilidade, neste ano estamos vivendo um
momento ímpar na história dos JEB’s e do Esporte na Escola. Viveremos intensamente nestes dias a arte do encontro! Temos certeza que todos os que estão
tendo o privilégio de participar deste marco do repensar e refazer o Esporte
na Escola, terão a oportunidade histórica de traçar os nossos caminhos para o
Esporte enquanto Educação (BOLETIM, 1989, p. 1).
Em 1989 nos XVIII Jogos Escolares Brasileiros há um novo processo de
análise e redefinição nos seus princípios. Para que isso seja realizado organiza-se a I Conferência Brasileira do Esporte na Escola com o Tema: Esporte na
Escola e a Educação para a Democracia, conta com Vera Lucia de Menezes
Costa na comissão organizadora.
Os princípios aos quais se referem na Conferência estão relacionados à ressignificação do direito dos jovens à formação da cidadania “baseada na participação e na consciência social”(BRASIL, 1989, p. 49).
Tornou-se necessário criar um espaço para que todos os segmentos da sociedade, engajados com o Esporte na Escola, viessem a colocar seus posicionamentos
e, a partir desses, tornar os JEBs um constante processo de discussão dos valores
que vêm conduzindo a prática esportiva, bem como as questões sociais, econômicas e culturais que a envolve (BRASIL, 1989, p. 49).
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No processo de reconstrução democrática os JEBs estão sob os holofotes
dos dirigentes governamentais e, também nesse momento, de pesquisadores
de universidades brasileiras.
A justificativa para essas mudanças leva em consideração que o Esporte
praticado na Escola caracteriza-se pela “reprodução do Esporte institucionalizado, elitista, segregacionista” (BRASIL, 1989, p. 49) refere-se à criança e ao
jovem como os “principais protagonistas dos Jogos Escolares Brasileiros do
processo de corresponsabilidade nas transformações sociais pela garantia dos
direitos dos cidadãos”(idem, p. 49).
Ao referir-se ao contexto na qual “a sociedade brasileira se organiza e participa diretamente dos destinos da nação e que o esporte é reconhecido como
direito de todo cidadão” (idem, p. 49), a I Conferência Brasileira do Esporte na
Escola tem como objetivos principais:
- Suscitar entre os participantes dos XVIII JEBs, retomada da reflexão acerca do
Esporte na Escola, vislumbrando a sua contribuição ao processo de Educação
para Democracia, no contexto de um país do Terceiro Mundo, tendo em vista a
perspectiva para o século XXI;
- Estabelecer um ponto de encontro que viabilize a troca de ideias, opiniões e
experiências entre os diferentes segmentos envolvidos com o Esporte na Escola;
- Discutir a incorporação da democracia e sua utilização por professores, técnicos, estudantes e administradores na gestão do Esporte na Escola;
- Propor princípios e alternativas de ação ao Esporte na Escola, que venham a
se constituir em compromissos com a Educação para a Democracia (BRASIL,
1989, p. 49).
Esses objetivos encaminham discussões que norteiam o papel do Esporte
no contexto brasileiro, no qual o reafirmam o processo de democratização,
por meio de reflexões acerca do Esporte na Escola bem como os protagonistas
nesse Esporte. Novas redes de interdependências se formam para discutirem
o papel do Esporte nesse contexto, com a participação de pesquisadores de
180
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
universidades, assim como a participação de técnicos esportivos, estudantes,
representantes indígenas e gestores do Esporte na Escola.
Participação Indígena – Descrição dos participantes/população atendida e
organizadores
No ano de 1985 a Nação Indígena participa pela primeira vez dos JEBs,
é citada nos boletins dos Jogos realizados na cidade de São Paulo, quando
realizam a demonstração da luta Uka Uka no CEPEUSP, essa luta aparece no
quadro das modalidades com as datas e horários, bem como o local a serem
realizadas (BOLETIM, 1985, p. 01). A participação nesses JEBs contou com a
presença das etnias: Kamayurá, Yawalapiti, Waura, Kalapalo e Meinako, teve
como Chefe da demonstração da Luta: Sr. Aritana - “Capitão absoluto do Alto
Xingu” (BOLETIM, 1985, p. 406), e também com a presença de uma equipe de
futebol, de atletismo e natação, representados pelos Terena, Xavante, povos do
Alto Xingu e Karajá, como chefe das modalidades: Sr. Jorge Terena, e Coordenadores da Delegação: Carlos Terena e Jeremias Xavante (idem, p. 406).
A participação indígena no desporto começa no final década de 1970 quando um grupo de jovens indígenas, estudantes que moram em Brasília decidem
criar uma equipe de futebol.
Tudo começou em 19 de abril de 1979, Dia do Índio, quando foi organizada
uma seleção de futebol indígena, formada pelas tribos dos Karajá, Terena, Bakairi, Xavante e Tuxá, para partida amistosa contra a então equipe do CEUB.
Daí nasceria uma equipe de futebol de campo e salão, dos estudantes indígenas,
com o nome de KURUMIM. Ela já se apresentou em vários estados brasileiros,
inclusive atuando por duas vezes no Maracanã, no Rio de Janeiro (TERENA,
2001, p. 37).
O relato nos apresenta o momento das experiências na juventude com a
organização da equipe de futebol formada por integrantes de diferentes etnias,
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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estudantes que se apresentam em diferentes estados brasileiros, inclusive a
atuação por duas vezes no Maracanã, no Rio de Janeiro. Como afirma Sant’Ana
(2010, p. 101) “(...) alguns jovens saíram de suas aldeias rumo a Brasília.(...)
morando num mesmo local e compartilhando de expectativas e experiências
comuns, esses jovens criaram laços de amizade e socialização, formando, nesse
período um pequeno time de futebol denominado UNIND (União das Nações
Indígenas)”.
Carlos Terena:
Em seguida, através da nossa articulação junto ao Ministério da Educação e
Cultura, ficou acertada a participação das comunidades indígenas nos IV Jogos
Escolares Brasileiros (JEBs), na cidade de São Paulo, em 1985. E até hoje continua a participação das comunidades indígenas em eventos esportivos oficiais
(TERENA, 2001 p. 37).
A articulação de Carlos Terena junto ao Ministério da Educação e Cultura
concretiza sua participação como liderança indígena no processo de desdobramento da inserção das comunidades indígenas num diferente contexto brasileiro que é o dos Jogos Escolares.
A primeira participação de indígenas nos JEBs acontece com a presença de
um arqueiro para distinguir, ou seja, para apresentar uma outra maneira de
demonstrar práticas corporais, como afirma Terena: “Sim, para mostrar como
se atira uma flecha sem dopping, sem anabolizante, deixa a gente atirar uma
flecha” (idem, p. 37). No entanto o autor nos brinda com seu relato sobre a
participação do arqueiro naqueles Jogos:
(...) quando o índio flecheiro desceu na linha para fazer a demonstração, eu
mesmo não conhecia esse índio flecheiro, ele disse: ‘Não, pode por aqui mais
de cinquenta metros – porque é importante escolher e poder ver onde vai acertar’.’Então ele não mirou como todo arqueiro faz, ele olhou assim atirou. Ele
acertou uma melancia. ‘Está muito grande, traga outra’ trouxeram uma fruta
menor até chegar na maçã (...) (TERENA, 2001, p. 37).
182
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Ao comentar esse fato, Terena se remete ao conceito de esporte, e mostra
como as práticas corporais podem ter significados dentro de determinados
contextos. Ainda complementa:
(...) ele estava usando um arco tradicional, estava utilizando uma metodologia
tradicional, mas com um objetivo que não era tradicional, porque lá na aldeia
aquele índio não faz aquilo como esporte. Ele faz para acertar uma ave, uma
anta, um peixe no meio do rio... Então, nós a partir daquele momento começamos a trabalhar esse conceito de Jogos dos Povos Indígenas (TERENA, 2001,
p. 37).
Essa demonstração então, é o início de como se pode pensar o esporte a
partir de um novo enfoque, ou seja, um novo conceito para o esporte moderno, e que abre caminho para novas questões referentes aos Jogos dos Povos
Indígenas como marco para a sociedade não indígena.
Em 1988, São Luiz – MA, XVII JEBs, a Nação Indígena participa nas modalidades de Futebol e Futebol de Salão e um fato se torna relevante, eles recebem
um comunicado da Comissão Central Organizadora:
A Comissão de Disciplina comunica que as equipes de Futebol e Futebol de Salão da Nação Indígena perderam todos os pontos em favor dos adversários. Tal
mudança deve-se ao fato de terem sido inscritos atletas em duas modalidades
coletivas contrariando assim, o Artigo 50 do Regulamento Geral dos XVII Jogos
Escolares Brasileiros (BOLETIM, 1988, p. 247).
Para todos os participantes há o mesmo Regulamento, não obstante serem
Nação Indígena e recebem o mesmo tratamento dado a qualquer outra delegação participante dos Jogos. Sobre essa questão Carlos Terena afirma: “a
desclassificação fez com que nos sentíssemos iguais aos brancos, vendo a lei
ser cumprida da forma como gostaríamos que acontecesse com as invasões de
nossas terras”(BRASIL, 1989, p. 42).
Em 1989, com as inovações e mudanças de formatação, os JEBs contam
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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com a presença de aproximadamente 4.000 atletas. Nesse ano a nação indígena participa nas Modalidades de Atletismo (masc. e fem.), Futebol de Salão e
Futebol.
Informações sobre o Comitê Intertribal - Memória e Ciência Indígena
Em 1991 é criado o Comitê Intertribal – 500 anos de Resistência, presidido
por Mariano Marcos Terena. Marcos Terena, como é conhecido, é designado17
titular, e Pedro Cornélio como suplente, junto ao Grupo de Trabalho Nacional
de Organização da Conferência das Nações Unidas, para a preparação/participação da ECO 92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento).
Entre outras pessoas compõem o Comitê Intertribal: Eliane Potiguara, Itiarrori Karajá e o Aritana. Marcos Terena em depoimento a Graziella Sant’Anna
(2010, p. 112) afirma:
Graziella: O Comitê, você disse que surgiu na Eco 92... Marcos Terena: Isso, daí
não sei como eles me convidaram pra ir pra Genebra, primeira vez, ao Secretariado responsável pela Conferência da Rio 92 [ECO 92], convidou e eu fui pra
lá. Então, antes de ir prá lá o pessoal da ONU aqui disse: “Vai ter uma Conferência, o que você acha que pode fazer e articular?”. Eu falei: “Eu posso ajudar a
organizar tal, mas quero ver primeiro, preciso pensar o que podemos fazer”. Daí,
conversei com o Carlos [Terena] o que nós íamos fazer, daí chegamos a conclusão que íamos fazer uma aldeia no evento. Era uma coisa inédita, mais agressiva.
Nós estávamos com um plano aqui que nós íamos fazer uma aldeia onde nós
iríamos demonstrar o que é desenvolvimento, o que é meio ambiente, usando a
tecnologia da selva, começamos a usar esses termos assim. O cara falou: “Poxa,
vocês conseguem fazer tudo isso?”. “Nós só vamos participar se conseguirmos
fazer isso”. Daí fui pra Genebra nessas condições, já como Comitê Intertribal.
Graziella: Vocês montaram o Comitê com que pessoas? Marcos Terena: Nós
montamos com a Eliane Potiguara, o Itiarrori Karajá, o Aritana, e outros. Graziella: Tinha outros Terena? Marcos Terena: Tinha. E registramos a associação
para, assim, com o efeito de referência externa lá fora, porque provavelmente a
17 Conforme Diário Oficial da União de 23 de outubro de 1991, seção II p. 7435.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
gente poderia ter financiamento para as ações na Rio 92, só que no decorrer do
processo eu achei assim, como era evento da ONU, qualquer recurso que a gente
conseguisse a gente descarregaria no PNUD e ele gerenciaria isso pra gente, e foi
o que realmente aconteceu (MARCOS TERENA).
O modo como Marcos Terena se afirma diante dessa situação, como representante indígena junto ao governo, com prestígio e confiança, também proporciona a inserção de seu irmão Carlos Terena na organização, por meio do
Comitê Intertribal se concretiza a participação de indígenas na ECO 92.
Quando Marcos Terena fala do surgimento do Comitê Intertribal, penso
que ele se refere a um dos primeiros trabalhos que esse Comitê realizou e ampliou a visibilidade, tanto para os indígenas que o compuseram quanto para o
Governo, que naquele momento possibilitou uma participação mais ampla, ou
seja, de outros setores da sociedade num evento como a ECO 92.
Na discussão de questões relativas ao meio ambiente, a representatividade
da população indígena pode se dar a partir desse Comitê Intertribal. Porém,
surgem algumas questões que merecem atenção acerca dessa representatividade, ou mesmo o porquê desse Comitê ser escolhido, na década de 1990 já
existem inúmeras associações indígenas disseminadas pelo país, sobretudo na
Região Norte.
Talvez a composição do Comitê representado por algumas etnias possa
ser uma das respostas. No entanto, há questionamentos que nos dão indícios
das redes de relações estabelecidas naquele tempo e espaço que possibilitam a
melhor compreensão dessa participação junto ao Governo. O fato de Marcos
Terena ser convidado para a organização da ECO 92, faz com que se “registre a
associação”, tanto para fins de financiamentos como para as tarefas que deverá
executar, ou mesmo para um início de parceria com o Governo. Ao mesmo
tempo nota-se contradições nas ações, o mesmo governo que em um momento se aproxima dos indígenas para realizar tarefas de interesse político comum,
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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se encontra do lado oposto dos indígenas quando estes através das várias associações reivindicam ações governamentais frente aos seus problemas.
Entre outros eventos que o Comitê Intertribal realiza em parceria com o
Governo Federal, encontramos os Jogos dos Povos Indígenas, este por sua vez
será amplamente abordado na investigação que permeia esta tese.
Ministério do Esporte e relação com os Jogos dos Povos Indígenas
Para discorrer sobre o Ministério do Esporte, estarei me reportando à breve
história do esporte nos setores do Governo. Na história institucional do esporte, verifica-se que este esteve vinculado ao Ministério da Educação e Cultura,
pela Lei n˚. 378 de 13/03/1937 que cria a Divisão de Educação Física, este
vínculo permanece até 1998, pela Medida Provisória n˚. 1794-8 cria-se o Ministério do Esporte e Turismo.
Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso, cria o Ministério de
Estado Extraordinário do Esporte, nomeando Edson Arantes do Nascimento
– Pelé (1995-1998) para a Secretaria de Esportes vinculada ainda ao Ministério
da Educação.
O Ministério do Esporte e Turismo é criado em dezembro de 1998 pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso, o deputado federal Rafael Grecca assume a pasta.
Em janeiro de 2003 é criado o Ministério do Esporte no qual Agnelo Queiroz assume a pasta, até março de 2006, quando se candidata ao cargo de senador, e Orlando Silva, assume o ministério interinamente como secretário
excutivo, somente em 2007 é nomeado ministro do Esporte, este ocupa o cargo
até outubro de 2011. Com a saída de Olando Silva, é nomeado Aldo Rebelo
como ministro do Esporte.
Como principal financiador para a realização dos Jogos dos Povos Indígenas desde seu início, a relação do Ministério do Esporte com os Jogos dos
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Povos Indígenas se constitui através de trocas de experiências quanto a sua
organização.
A realização dos Jogos dos Povos Indígenas é coordenada pela Secretaria
de Esporte Educacional e pela Secretaria do Segundo Tempo18 até o ano de
2007, a partir desse ano passa para a Secretaria Nacional de Desenvolvimento
do Esporte e Lazer (SNDEL). Um dos problemas enfrentados por essa Secretaria é a dificuldade de se obter informações sobre os Jogos anteriores, pois as
informações se perderam com a mudança de secretaria. Como afirma Claudia
Bonalume (2011) “tudo que existia de registro de história se perdeu, o Comitê
não tinha, fora o que estava na memória deles”.
Os embates/debates entre o Ministério do Esporte e Comitê Intertribal
acerca dos Jogos dos Povos Indígenas se revelam nos depoimentos de representantes desses setores.
Considerações finais
A figuração Jogos dos Povos Indígenas começa a se delinear com aproximações dos idealizadores Marcos e Carlos Terena com o governo.
Com a aprovação da Constituição em 1988, a valorização da cultura indígena e de criação nacional e a inserção dessas populações no esporte passam a ter
amparo legal, porém apesar da promulgação da Constituição não há, por parte
do governo, iniciativas de organização de projetos e eventos ou de políticas
públicas para a população indígena na área do esporte.
Uma exceção na mudança de filosofia do governo sobre o esporte, pode-se
verificar nesta pesquisa, está na organização dos Jogos Escolares Brasileiros a
partir de 1989, quando o esporte passa a ser voltado para que haja um maior
numero de pessoas participantes, ou seja, se torne mais acessível. Apesar dessa
18 Programa do Ministério do Esporte destinado a democratizar o acesso à prática e acesso ao esporte.
http://www.esporte.gov.br/snee/segundotempo/objetivos.jsp. Acesso em 20 de março de 2011.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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mudança de filosofia nos Jogos Escolares Brasileiros, as práticas tradicionais
como capoeira, danças regionais, entre outros, ainda estão em segundo plano
para o governo.
Para que a organização dos Jogos dos Povos Indígenas comece a se delinear
e se torne uma realidade, é necessário as iniciativas de pessoas vinculadas a diferentes instituições, cada uma dentro de sua especificidade. A rede de relações
interpessoais se expande, a abrangência dos trabalhos do ITC se torna mais
ampla e proporciona uma maior visibilidade dessa ONG.
As relações estabelecidas pelos idealizadores indígenas com representantes
do governo federal possibilitam sua aproximação com representantes do esporte em nível nacional. O fato do Comitê Intertribal ter a competência de organizar os Jogos dos Povos Indígenas, os aproxima cada vez mais dos representantes
do governo para apresentar a ideia inicial dos Jogos dos Povos Indígenas.
A aproximação com os representantes do governo proporciona o intercâmbio de ideias apresentadas por Carlos e Marcos Terena ao Ministério Extraordinário do Esporte, que na época tem Edson Arantes do Nascimento (Pelé)
como representante, este atendeu aos pedidos dos idealizadores de se organizar uma “Olimpíada Indígena”, aqui a aproximação pelo Esporte se torna mais
viável.
Pelas falas de Carlos e Marcos Terena nota-se o que eles pretendem, a organização dos Jogos dos Povos Indígenas e para tal a aproximação do Comitê
Intertribal com representantes do Governo se faz necessária.
O ITC, representado pelos irmãos Carlos e Marcos Terena, e o Ministério
Extraordinário do Esporte se tornam parceiros na organização e viabilização
dos primeiros Jogos dos Povos Indígenas e também protagonistas desse evento,
o primeiro com ideias e projetos e o segundo com financiamento. Neste momento começam a se estabelecer as relações mais próximas para a realização
dos Jogos dos Povos Indígenas. Com esta parceria, o projeto se torna realidade.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Referências
BORGES, E.C. & BUONICORE, A. C. Memória do Esporte Educacional
Brasileiro: Breve História dos Jogos Universitários e Escolares. São Paulo:
Centro de Estudos e Memória da Juventude, 2007.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
1988.
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Fernando Amazônia
CA PÍTULO 10
A UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS:
POLÍTICA, ESPORTE E HISTÓRIA
Graziella Reis de Sant’Ana (PNPD/CAPES-UFGD).
O que eu poderia falar nessa noite? O que eu poderia contar para vocês brancos e
índios? Todos vocês estão aqui hoje para ver uma coisa nova [...] E essa organização dos índios, a União das Nações Indígenas, pioneira no Brasil, buscará acima
de tudo tratar dos problemas dos índios com base na lei existente e cobrar tudo
aquilo que está presente na lei. Queremos isso, estamos buscando isso, não é fácil,
mas não é impossível que se realize. Queríamos que vocês compartilhassem de alguma forma dessa luta e que pudéssemos estender a mão para vocês no sentido de
dizer amizade mútua, respeito mútuo. Gostaria que todos vocês levassem em seus
corações essa mensagem de que também estamos preocupados com a situação do
Brasil. Não podemos resolver o problema do Brasil porque não nos compete, mas
também não podemos compartilhar os erros que têm sido cometidos, principalmente com a sofrida nação indígena.
Marcos Terena19
Introdução
Falar em Jogos dos Povos Indígenas (JPIs) é, sem sombra de dúvidas, pensar em festividade, práticas esportivas/culturais, celebração da diversidade cultural e interação lúdica entre os povos indígenas. Devido à importância dada
a essas características, seu caráter político e histórico tem pouca visibilidade
para expectadores e participantes tão envolvidos com a beleza de um evento
único e impactante.
19 Fala de Marcos Terena no dia da eleição para a coordenação da União das Nações Indígenas, extraído
de CPI, 1982, p. 45.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
193
Através de um resgate histórico, este texto procura descrever sobre a formação da UNIND – União das Nações Indígenas –, a primeira organização
indígena brasileira, que teve como princípio de articulação um time de futebol
formado por alguns jovens indígenas que saíram de suas aldeias para estudar
em Brasília. O texto, portanto, procura apontar como a articulação entre esporte e política se fez presente em um importante momento para o movimento
indígena nacional, abrindo caminhos para a constituição de outras organizações indígenas de representação nacional, bem como abrindo possibilidades
para que importantes representantes desse primeiro movimento pudessem
iniciar os processos que culminaram na idealização, construção e condução
dos JPIs.
Nesta linha de raciocínio, é possível compreender a agency indígena (no
seu aspecto político-histórico) como parte importante e atual dos JPIs através, também, dos fóruns e mesas de discussão presentes em todas as edições,
tanto nos nacionais quanto nos regionais. Não há JPIs sem fórum ou mesas de
debates, característica esta oriunda dos processos históricos que constituíram
a UNIND, juntamente com outras experiências políticas dos vários atores envolvidos e dos processos que se desdobraram depois.
Movimento Indígena
Tratar os JPIs a partir da perspectiva político-histórica enseja trazer à tona
não somente a articulação entre esporte e política, mas também os processos
que envolveram a luta dos indígenas pelos seus direitos, pela escolarização em
nível superior e sua importância para a história do movimento indígena nacional pós década 70. Também, é preciso ter em mente que o termo movimento
indígena, no singular, não significa uma articulação ou voz uníssona dos povos
indígenas brasileiros, pois, “O movimento indígena” deve ser entendido como
um fenômeno que abarca uma multiplicidade de ações, envolvimentos, articulações, objetivos e direcionamentos, locais, nacionais e internacionais,
194
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
dados, também, pelas especificidades de cada etnia, pelas relações particulares destas com o Estado, com as agências de apoio, pela inserção maior ou
menor no contexto da sociedade nacional, entre tantas outras particularidades. Não deve ser pensado como algo uníssono ou linear, mas sim como movimentos repletos de fluxos e refluxos, cujos contextos vivenciados influenciam nos impactos e resultados diferenciados (SANT’ANA, 2010, p. 20).
Portanto, nesse contexto de multiplicidade do movimento indígena20,
compreender o contexto e o modo como se constituiu a primeira organização indígena em nível nacional e seus desdobramentos, faz-se interessante na
medida em que, atualmente, parte do relacionamento do Estado brasileiro
com os povos indígenas e grande parte da definição das políticas indigenistas
ocorrem pela mediação com organizações indígenas juridicamente estabelecidas: financiamentos de projetos, participação em comissões, conselhos, dentre
outros. Não obstante, para a proposta deste livro, o interesse recai justamente
em como os jovens indígenas utilizaram – no princípio sem pretensões diretas – do esporte para fazer política, contribuindo assim para o crescimento do
movimento indígena nacional e a relação/articulação entre esporte e política
nos JPIs atuais.
Da UNIND a UNI: time de futebol e movimento político
Durante a década de 1970, a recém-criada capital federal, Brasília (inaugurada em 1960), já continha parte significativa da estrutura administrativa do país, dentre as quais a também recém-criada Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) – que substituiu o Sistema de Proteção aos Índios (SPI) em
1967 e, desde então, é a instância estatal de política indigenista. Essas duas
20 “É importante ressaltar que a década de 70 não foi o único momento de inserção das mobilizações étnicas na política nacional. Ao longo da história, diferentes formas de relações – interétnicas, entre Estado
e inúmeros segmentos da sociedade nacional – foram sendo construídas diante de situações específicas,
e foram esses (des)encontros, desenvolvidos no campo das relações entre diversos grupos e interesses,
que proporcionaram, também, as bases históricas para a criação e consolidação do movimento indígena
que despontaria no cenário nacional/internacional pós 70” (SANT’ANA, 2010, p. 88).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
195
características, ser capital federal e concentrar a sede da FUNAI, tornava Brasília rota frequente dos indígenas em busca de garantia de seus direitos e de
suas articulações.
Foi nesse contexto que Mariano Justino Marcos, conhecido como Marcos
Terena, na época um jovem indígena da etnia Terena, nascido na aldeia Bananal, Terra Indígena Taunay-Ipegue, município de Aquidauana, estado de Mato
Grosso do Sul21, pisou pela primeira vez em Brasília com o objetivo de buscar
uma certificação da aeronáutica para poder atuar na aviação comercial, como
era seu objetivo.
Chegando lá,
Eu fui pegar um certificado da aeronáutica pra poder entrar na aviação comercial como piloto, só que em Brasília eu conheci outra realidade. Na verdade o
processo em Campo Grande não era tão evidente assim. Estou fazendo uma
retrospectiva, também de reflexão, [...] porque eu só comecei a perceber isso
quando eu cheguei em Brasília, no cruzamento com outras etnias, principalmente a questão da terra, eu não tinha noção também, então eu também não
tinha isso [...] houve um entrosamento, uma facilidade, e esse primeiro contato
que anulou, naquele momento, a outra expectativa mais profissional que eu tinha de poder fazer as provas e partir para a aviação comercial de grande porte
(Marcos Terena, informação oral).
A espera de um mês pelo processo de certificação ampliou a visão de mundo de Marcos com relação às questões indígenas e parece ter mudado profundamente – ou teria acelerado? – sua trajetória de vida em prol do envolvimento
maior com as questões do movimento indígena:
Outro detalhe também, que muito desse nível de resistência dos Terena era uma
resistência na prática, apesar de ter um conteúdo político, ela era muito na prática.[...] a gente não conhecia, acho que a maioria dos índios, inclusive formados
21 Em 1977, o estado de Mato Grosso foi desmembrado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
196
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
nos centros urbanos, não conhecia o Estatuto do Índio22, que é a lei de proteção
ao índio. Eu não conhecia o conteúdo disso, e a FUNAI, que representava o governo nessa relação com os indígenas, fazia questão de não divulgar. E como eu
tive a oportunidade de ficar primeiramente 30 dias em Brasília, eu tive a oportunidade de ficar esperando esses 30 dias a resposta da aeronáutica conhecendo
essas outras realidades [...] Eu pedi, nesse tempo, pra ajudar a FUNAI porque
eu sabia datilografia e deram alguns livros pra eu ler. E como eu era estudante,
eu fui ler esses livros, era o Estatuto do Índio e a Convenção 10723 na época, e
quando eu li, fui tirando as conclusões, né? Então eu descobri que nós podíamos
criar um grupo de índios bolsistas em Brasília. Eu já não estava querendo mais ir
pra carreira de aviação [comercial], [queria] ficar um ano, dois anos, lá fazendo,
voltar à faculdade. E formamos, convencemos a FUNAI a criar um quarto com
dois beliches para 4 estudantes, começamos esses 4 estudantes, no ano seguinte
fomos para 7, no terceiro ano em Brasília em [19]80, éramos em 15 estudantes.
Então, e também procurávamos mostrar para os outros companheiros indígenas que nada daquilo era gratuito, era uma conquista dos indígenas, querendo
tirar um pouquinho a ideia de que “Bom que a FUNAI deu pra gente”. Ela não
deu pra gente, ela só tava cumprindo uma determinação legal (Marcos Terena,
informação oral).
Os 30 dias que teve que esperar pelo documento, incontestavelmente, teve
grande influência para os anos seguintes de sua vida, pois nesse momento teve
os primeiros contatos com as mobilizações políticas e as realidades vividas
pelos povos indígenas espalhados pelo país e que ali chegavam, e juntamente
com outros indígenas de outras etnias, buscou junto à FUNAI apoio para que
alguns estudantes pudessem realizar seus estudos na capital federal.
Maria Helena Ortolan Matos (1997), em sua dissertação sobre a consolidação
22 Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 – “Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou
silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”.
23 Convenção sobre as Populações Indígenas e Tribais, 1957 (Convenção sobre a Proteção e Integração das
Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes), da Organização Internacional do Trabalho – homologada nacionalmente pelo Decreto nº 58.824, de 14 de julho de
1966 –, substituída em 1989 pela Convenção Sobre os Povos Indígenas e Tribais, 1989, da Organização
Internacional do Trabalho (Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes)
– homologada nacionalmente pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
197
do movimento indígena na década de 1970 a 1980, demonstra que alguns destes jovens indígenas estudantes – sem o apoio do órgão indigenista oficial e,
principalmente, com ajuda de pessoas ligadas às missões religiosas que atuavam nas aldeias – teriam ido à capital federal continuar os estudos.
A autora identifica uma transformação nos objetivos destes estudantes: de
caráter mais individualista, inicialmente, para uma perspectiva mais ampla e
coletiva no âmbito do conjunto das relações que o Estado brasileiro vinha estabelecendo com os povos indígenas até então. Segundo ela,
Ao se encontrarem em Brasília, esses índios adquiriram um maior conhecimento sobre a FUNAI e o Estatuto do Índio, o que resultou na sua decisão de exigir
maior apoio do órgão indigenista oficial para realizar seus objetivos de estudo na
capital do país. No início, eles buscavam resolver seus problemas pessoais, que era
o de manter seus estudos na cidade. Mas, depois, seus problemas foram redimensionados e passou a ser não só do Mariano Justino Marcos, do Estevão Taukane,
do Curerrete Waritirre e de outros. Passou a ser de todos os índios, de diferentes
etnias, que tinham o direito de estudar assegurado por lei específica (o Estatuto [do
Índio]) e pelo apoio institucional do governo brasileiro, na década de 70, começaram a incentivar outros a virem para o Distrito Federal, usufruir de seu direito de
ter bolsa de estudos da FUNAI (MATOS, 1997, p. 188).
Pode-se afirmar que a organização destes jovens iria influenciar, não somente os rumos da luta indígena pelo direito do apoio governamental à escolarização em nível superior, mas, também, os rumos e desdobramentos do
movimento indígena em nível nacional e que vinha ocorrendo e que contava
com apoio de instituições como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e
a ABA (Associação Brasileira de Antropologia).
Os jovens estudantes que foram chegando à Brasília passaram a morar juntos na chamada “Casa Ceará24” e juntos começaram a estreitar os laços entre
24 Casa do Ceará: “Entidade filantrópica destinada à comunidade nordestina de Brasília [...] por um tempo manteve convênio com a Funai alojando indígenas para tratamento médico, estudantes e líderes
indígenas (MATOS, 1997, p. 169).
198
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
si, conhecendo outras realidades étnicas, a partir também da história pessoal
de cada um deles. A despeito das diferenças (de língua materna, de etnia, de
aldeia etc.), esses jovens perceberam que compartilhavam também pontos em
comum: estavam longe de suas famílias; buscavam uma formação escolar e
acadêmica; histórias difíceis relacionadas a preconceitos; e, também, histórias
semelhantes de enfrentamento diante de todas as barreiras encontradas.
Em meio aos estudos e trabalhos que começaram a desempenhar, esses jovens rapazes resolveram montar um time de futebol indígena em Brasília, o
qual deram o nome de UNIND – União das Nações Indígenas. Com o time
formado, os jovens, além dos momentos de lazer e partidas esportivas, começaram também a participar de competições e de eventos em escolas, momentos em que podiam falar sobre suas vidas, histórias e lutas dos mais diversos
povos indígenas25.
Com o passar do tempo e a interação entre eles, além do conhecimento
mais profundo com relação à estrutura e às ações da FUNAI, esses jovens deram início a uma série de reuniões em Brasília, reuniões essas que contavam
com a presença de caciques e de lideranças já conhecidas no movimento indígena. Dessas reuniões surgiram várias manifestações, reflexões, debates e palestras sobre as políticas vigentes, compondo, assim, e aos poucos, um grupo
com bastante potencial político, o que acabou por incomodar o governo, que
via na expulsão desses jovens de Brasília uma forma de desestruturar o recente
movimento.
Éramos em 15 estudantes em Brasília e nós formamos um time de futebol, o
time UNIND (União das Nações Indígenas) e começamos a jogar, a interagir.
Depois começamos a fazer debates com os estudantes, e aí chamavam a gente
pra ir fazer palestras, no Dia do Índio, em várias cidades. Então, esse grupo começou a fazer debates, nas escolas a fazer intercâmbio de futebol, inclusive faz
parte da história dos Jogos Indígenas isso tudo. De repente, esse 15 estudantes,
25 Carlos Terena também fala da formação de um time indígena chamado Kurumim, ver Gruppi (2011).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
199
nós tínhamos a filosofia de, apesar da FUNAI dar dinheiro para o bolso, a gente fazia questão de trabalhar, arranjar emprego. Então, esse arranjar emprego
fez com que a gente adquirisse uma certa autonomia e a FUNAI não percebeu
isso, nem nós, mas o Gabinete Militar, o Conselho de Segurança Nacional do
Governo Militar percebeu essa organização, que não era uma organização política ainda, mas fazia política, porque a gente não percebia que nós estávamos
quebrando a estrutura, e isso tudo é política também. Porque quando a gente
falava que não tinha demarcação de Terra nós estávamos criticando o governo
que não admitia crítica. Outra estratégia nossa foi se juntar com os Caciques, os
chamados Caciques tradicionais, então isso gerou a ideia de que nós éramos índios comunistas, índios mal agradecidos, índios do asfalto, índios aculturados,
para desqualificar. Então, eles começaram a dizer que nós não éramos líderes,
quando na verdade líder independe da FUNAI.
Então, de repente, houve uma recomendação do Governo Militar de expulsar
todos os estudantes de Brasília, cada um voltar paras suas terras, seus Estados,
então nós provamos para o governo militar que nós tínhamos a proteção da lei,
coisa que surpreendeu também a FUNAI porque eles supunham que a gente
não conhecia a lei. Então, conhecer as leis, o Estatuto, a Convenção 107, isso foi
uma vantagem para nós. E a partir daquele momento, esse que era um time de
futebol chamado “União das Nações Indígenas”, virou um movimento político,
porque nós já vínhamos fazendo a política, então virou um movimento político,
aí a gente começou a falar dos direitos humanos, da liberdade, da democracia
e tal, aí já agregamos outros valores dessa luta indígena (Marcos Terena, apud
SANT’ANA, 2010, p. 102).
Diante de todos esses fatos e da mobilização que fizeram para a fundação
do time UNIND, os jovens foram aos poucos transformando esse que era, no
início, apenas um time de futebol, em um grande movimento político, reivindicador e contestatório. Nessa conjuntura, os estudantes decidiram que a
UNIND deveria ser também uma organização (mesmo que sem estrutura burocrática) para debater os problemas nacionais enfrentados pela população indígena, a partir de conversas, denúncias e enfrentamento direto com o Estado
e as forças repressoras do regime ditatorial.
Paralelamente, em Campo Grande, uma outra organização indígena, também com o nome de União das Nações Indígenas (e com a sigla UNI), seria
200
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
fundada em 1980, mas tendo como coordenador o tio de Marcos Terena, Domingos Veríssimo Marcos.
Para resolver esse impasse, em 1981, durante um evento realizado pela
Comissão Pró-Índio em SP, onde estiveram reunidos apoiadores da causa e
indígenas de mais de 30 etnias e de diferentes regiões – com o objetivo de
debater sobre os diversos problemas em comum enfrentados pelas comunidades e a quebra de direitos fundamentais – os indígenas presentes, e que já
participavam de diversas mobilizações pelo país, aproveitaram a oportunidade
do evento para eleger uma nova diretoria para a UNI objetivando, assim, fortalecer a luta, unir pautas e projetos em prol de uma articulação e representação
única dos povos indígenas. Em votação foram escolhidos Marcos Terena como
coordenador da UNI, Álvaro Tukano como vice coordenador e Lino Cordeiro
como secretário:
Estamos hoje aqui em São Paulo, participando do primeiro encontro indígena
do Brasil no qual estão presentes todas as tribos do Brasil. A nossa reunião foi
precisamente para que a gente pudesse conhecer as nações indígenas de todo o
Brasil e juntos ouvir o sofrimento de cada irmão índio, e dentro da nossa capacidade de luta, formar uma estratégia de ação para defender os interesses da comunidade indígena no Brasil. Então nós nos reunimos e surgiu uma proposta:
vamos criar a UNI?26 Vamos. São os lideres indígenas de todo o Brasil que estão
solicitando isso. Por isso foi eleita, agora de tarde, a diretoria que representará
os indígenas em todo o território nacional e possivelmente no exterior e aonde
mais se fizer direito, demonstrando que não somos mais aqueles que são empurrados. Demonstramos hoje, em união fraternal entre as nações, que o índio sabe
falar, ele sabe resolver os seus problemas. E ninguém veio aqui contra a ou contra b, viemos aqui a favor dos nossos interesses e hoje com alegria e participação
26 Lembrando que duas organizações já haviam sido criadas em 1980. Entretanto, em vistas do impasse
criado com dois movimentos, e diante de uma maior representatividade indígena no evento em SP,
foi realizada praticamente uma refundação/junção das organizações; tentava-se, dessa forma unir as
mobilizações. O livro que relata sobre esse evento fala que o objetivo dos indígenas era o de eleger uma
nova diretoria para a UNI: “Em sessões plenárias, foi reafirmada a necessidade e a legitimidade de uma
organização indígena. Embora não estivesse programado para o encontro de SP, os líderes indígenas
presentes, decidiram realizar eleições para renovação para a diretoria da União das Nações Indígenas”
(CPI, 1982, p. 11)
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
201
exclusiva dos índios estamos com a nossa União das Nações Indígenas criada.
Foram eleitos três rapazes que achamos que tem competência, como qualquer
branco que se ache intelectual para resolver os problemas do índio. Pra presidir
a nossa entidade foi escolhido o nosso amigo, que é índio e estudante de administração em Brasília e nós achamos que ele é uma pessoa altamente competente. Por isso agradecendo a todos os senhores que nos apoiaram, a todos vocês
que deram força para que chegássemos até aqui, quero apresentar aos senhores
o nosso presidente nacional, o nosso irmão Marcos Terena (Hibes Menino de
Freitas, liderança indígena, etnia Wassu, apud CPI, 1982, p. 43, 44).
Esse foi considerado um momento histórico de grande importância por
reunir várias etnias no espaço urbano, debatendo seus problemas e buscando
formas conjuntas e autônomas de solucioná-los. Foi o momento de afirmar o
crescente protagonismo indígena, que em meio às alianças poderia se fortalecer e ganhar espaços antes restritos e fechados para a voz indígena.
Com o passar do tempo, a UNI foi sendo aos poucos desmembrada em
várias UNIs regionais, inspiradas e empenhadas em levar adiante também o
ideal acalentado pelas mobilizações nacionais e pelos jovens de Brasília. Muitos desses jovens, inclusive, vieram a coordenar UNIs regionais, bem como
deram sequência em suas lutas por outras vias. Marcos acabou deixando a
coordenação da organização em 1982, diante do impasse criado pelo seu tio
que não aceitou a eleição da nova diretoria, mesmo tendo concordado no dia
com todo o processo de eleição e a escolha dos presentes.
Mas, o que tudo isso tem a ver com os Jogos?
Pós UNI: Comitê Intertribal e JPIs
Com a mobilização empreendida pela UNIND e depois UNI, juntamente
com o movimento indígena que crescia e ecoava pelo país, também com o
apoio de setores da sociedade civil, os indígenas conseguiram fazer chegar até
a nossa Carta Maior, a Constituição Federal de 1988, um capítulo específico
(VIII) versando sobre os direitos dos povos indígenas. Com destaque:
202
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Artigo 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costume, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.
Artigo 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas
para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo (Capítulo VIII, Constituição
Federal, 1988).
Com essa vitoriosa conquista, o movimento indígena saiu fortalecido e com
mais fôlego para prosseguir na luta para que a lei não ficasse apenas no papel.
O artigo 232 foi um divisor, pois a partir dele os indígenas poderiam viabilizar
suas próprias demandas junto ao Estado e outros setores, sem depender da
chancela do órgão indigenista. Era a conquista da autonomia, o não a tutela.
Essa possibilidade constitucional abriu caminho para que os indígenas, nas
mais diversas regiões do país, pudessem criar suas próprias organizações/associações27, nas aldeias e cidades, que viriam a atuar nos mais variados temas
e nas mais variadas situações ou espaços, e com diferentes tipos de parcerias e
financiamentos. As organizações agora teriam status jurídico de serem representantes legais de seus grupos.
Alguns dos jovens estudantes de Brasília participaram de todos os processos que envolveram a Constituinte: os debates, as discussões, as pressões em
cima dos deputados, enfim, estiveram lá participando ativamente, aprendendo
e contribuindo para aquele que foi um dos momentos mais marcantes em termos de direitos da nossa história recente.
27 “As associações indígenas, hoje, são importantes executoras ou cogestoras de políticas antes geridas
pelo Estado e realizam essas atividades através do gerenciamento de recursos sob a forma de projetos
(convênios, financiamentos, acordos), desenvolvidos nas mais diversas áreas (cultura, educação, gestão
ambiental) e em meio a toda uma estrutura burocrática. As associações, também, atuam como instrumentos nas reivindicações relacionadas às demarcações territoriais, à aplicação de direitos adquiridos
e às afirmações étnicas, bem como são utilizadas como mecanismos de busca por influência e prestígio
entre os grupos” (SANT’ANA, 2010, p. 19).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
203
Foi, portanto, a partir da formação desse novo cenário, desse novo campo
de direitos e possibilidades, que algumas importantes organizações e associações indígenas seriam criadas, entre elas o Comitê Intertribal – Memória e
Ciência Indígena, uma organização multiétnica fundada em 1990.
O Comitê intertribal teve participação fundamental, entre outras ações,
nos processos que envolveram a Rio 92 (ECO 92)28, com a construção de um
espaço específico para os debates indígenas. Também, a organização foi uma
das articuladoras da chamada Carta da Terra (com 109 recomendações), documento que até hoje é considerado um marco dentro nos debates da ONU
sobre a questão indígena.
Como fundadores dessa organização estavam alguns daqueles jovens estudantes e jogadores do time de futebol UNIND. Aqueles jovens indígenas,
agora homens, pais de famílias, continuavam a construir uma importante trajetória dentro das mobilizações, mas agora em uma nova instância.
Graziella: Vocês montaram o Comitê com quais pessoas?
Marcos Terena: Nós montamos com a Eliane Potiguara, o Itiarrori Karajá, o Aritana, o Carlos, e outros.[...] Então, o Comitê Intertribal recebeu essa incumbência de recepcionar os índios estrangeiros e brasileiros e montar essa estrutura
(na Rio 92 – ECO92). [...] Aí que o Comitê Intertribal começou a ser conhecido
no mundo internacional, tanto perante à ONU como perante aos outros indígenas. Então fizemos a Conferência, aí no final o secretariado da Rio 92, que era
da ONU, também disse: “Você vai falar na plenária da ONU”, eu não sabia bem
como era isso... Ele disse: “Porque você vai falar em nome dos indígenas, você
foi indicado pra falar em nome de todos os índios da Rio 92”. Nós tínhamos feito
uma declaração chamada Kari-Oca, de uma folha, e uma Carta da Terra com
109 recomendações, tem muita coisa que está na carta e que está acontecendo
agora, como o aquecimento global.[...] falei uma análise, um discurso, sobre o
papel do índio, quem éramos nós, e que nós estávamos ali, mas não éramos parte dos caras que iam decidir a Agenda 21, mas nós queríamos que eles fossem
28 Eco 92 ou Rio 92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, evento decisivo no cenário das mobilizações étnicas e ambientais, principalmente com a ampliação do debate, dos acordos e das parcerias com a cooperação internacional.
204
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
nossos aliados nesse processo. A partir disso o Comitê ficou conhecido e essa
Carta foi adotada pelo Parlamento Europeu e pela própria ONU que hoje é discutida a CDB e o PNUD e o PNUMA29 eles consideram aquele documento um
documento de referência para o ONU nas questões indígenas até hoje (Marcos
Terena, apud SANT’ANA, 2010, p 112, 113).
Anos depois, já com experiência nos debates dentro e fora do país, envolvidos com as temáticas dos direitos indígenas em variadas instâncias, o Comitê
entrou numa nova empreitada, fruto de um antigo sonho acalentado por eles:
a realização dos Jogos dos Povos Indígenas.
Desde que fundaram aquele primeiro time de futebol indígena, os principais articuladores, principalmente Carlos Terena, nunca deixou de estar envolvido com as práticas esportivas/culturais, articulando, juntamente com outros
indígenas, a participação indígena nos JEBs (Jogos Escolares Brasileiros)30. O
anseio de realizar jogos específicos com as práticas culturais das diversas etnias
vinha crescendo e sendo desenhado por eles, a partir também do diálogo com
os diferentes povos indígenas com os quais tinham contato, bem como a experiência adquirida na temática da prática esportiva/cultural e as bases legais
para levarem adiante o pleito sonhado:
Os Jogos dos Povos Indígenas surgiram das reivindicações das comunidades
indígenas pela formulação de políticas públicas socioculturais e esportivas. Cobravam ações efetivas do governo e da sociedade civil organizada para a valorização e divulgação das manifestações de sua cultura, como a preparação de seus
enfeites, plumários, desenhos, pinturas corporais, danças, cantos, instrumentos
29 CDB: Convenção sobre Diversidade Biológica; PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
30 “Em 1985, numa articulação de líderes indígenas junto ao então Ministério da Educação e Cultura, acertou-se a participação oficial das comunidades nos XIV Jogos Escolares Brasileiros, em São Paulo. A partir
daí, essas lideranças indígenas começaram a procurar os órgãos federais, estaduais e municipais na busca
de recursos para a realização dos Jogos dos Povos Indígenas. Esses Jogos viriam a contrapor o esporte de
alto rendimento e trariam o congraçamento como o mais importante princípio. A ideia nasceu a partir da
percepção de que não importava a etnia, a língua, a linha política e o local de onde vinham o esporte e o lazer
quebravam barreiras e preconceitos e propunham a celebração” (CARLOS TERENA, 2009, p. 21).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
205
musicais e esportes tradicionais. A ideia não era somente mostrar esses elementos a toda sociedade, mas também aproximar as mais de 200 etnias indígenas
existentes no Brasil. [...] A concepção dos Jogos também partiu do desejo dessa
população de chamar a atenção da sociedade para a aplicação do direito ao esporte, em suas diferentes manifestações, previsto no Art. 217 da Constituição
Federal de 1988. Esse direito gera o dever do Estado em fomentar práticas esportivas formais e não formais, cujas estruturas estejam relacionadas com os
aspectos culturais, lúdicos e históricos do povo brasileiro (Carlos Terena, 2009,
p. 20, 21).
Após muita articulação, diálogo, alianças e planejamento, foi possível ver
concretizado o apoio governamental para a realização dos Jogos, ainda que no
campo da novidade, do incerto, haja vista que uma empreitada desse tamanho
ainda não havia sido feita, em vistas também de possíveis críticas que poderiam surgir, principalmente daqueles que poderiam considerar que jogos dessa
monta não era “coisa de índio”. Mas os idealizadores não temeram o desafio, o
novo, afinal, foram protagonistas na história, fundaram a primeira associação
indígena de âmbito nacional.
E assim foi. Em articulação com o Ministério do Esporte, foi realizado em
1996, na cidade de Goiânia, o I Jogos Indígenas Nacionais, com a participação
de cerca de 500 atletas de 24 etnias. Um marco na história, uma conquista que
simboliza e representa o passado de luta, o presente de realizações e o futuro
de caminhos abertos.
Considerações Finais
Problematizar os Jogos dos Povos Indígenas a partir da formação da União
das Nações Indígenas é uma rica possibilidade para articularmos a perspectiva
histórica e política que envolve os Jogos, aspectos, como já destacado, pouco
visíveis diante do espetáculo da diversidade cultural. O “fato é que os Jogos
constituem um momento e uma instância importante do movimento indígena no Brasil contemporâneo” (D’ANGELIS, 2011, p. 9-10). Entender os jogos
206
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
sob esta perspectiva, possibilita-nos compreender “os caminhos trilhados pelo
movimento indígena no país, suas articulações políticas internas e externas às
sociedades autóctones e suas relações institucionais, [bem como] a contribuição à memória indígena, como a memória política nacional” (Ibidem, p. 10).
Historicizar a formação da União das Nações Indígenas é também compreender a multiplicidade e os diferentes momentos, alianças e atores que
compõem o campo das mobilizações indígenas. É entender, também, que nesse campo surgem cisões, críticas31, recuos, mas também muito aprendizado e
crescimento.
Nesse sentido, da articulação entre política, história e esporte, podemos
entender que os Jogos não são somente para as competições, para a realização
das práticas que envolvem os corpos, os ritos, a cultura, mas é também o momento da memória daqueles que lutaram, é também o momento da reflexão,
da troca de experiências, o momento da voz indígena, da luta sempre presente pelos direitos conquistados e por tantas vezes desrespeitados. Os Jogos
representam tudo isso, os Jogos trazem tudo isso, proporcionam a todos uma
multiplicidade de experiências, para além das partidas ou contagem de pontos,
afinal o “importante é celebrar e não competir”.
A história dos Jogos é a historia de cada povo indígena, que mesmo lá na
sua aldeia, sem vir até o evento, está em conjunto, lá no seu cotidiano, colaborando para a construção desse importante momento, desse impactante encontro da diversidade. A história dos Jogos é também a história daqueles jovens
31 O campo que compõe o movimento indígena é múltiplo, como ressaltado anteriormente, ele não é
uníssono ou linear. Nesse ponto destaco as críticas que o Comitê recebeu, na pessoa de Marcos Terena,
na época da realização e organização da participação indígena no evento Rio+20. Naquele momento,
parte do movimento indígena nacional se reuniu em outro espaço e os presentes elaboraram uma carta
com críticas à atuação e representatividade da organização e do Marcos. Ressalta-se que questionamentos e críticas com relação à atuação e representatividade de lideranças e organizações indígenas,
principalmente as que se despontam ou passam a morar ou atuar distante de suas aldeias de origem,
não é incomum, fazendo parte da dinâmica de um movimento(s) bastante complexo, com variados
desdobramentos e possibilidades de análises.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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meninos que um dia deixaram suas aldeias em busca de uma instrumentalização fundamental na luta pelos direitos, e que em meio a tudo isso inauguraram
um dos momentos mais importantes para a história do movimento indígena e
também para a nossa história nacional.
A partir de sonhos em comum, de problemas semelhantes, em meio às especificidades e bolas de futebol, cito aqui o nome de alguns dos jovens que
fundaram o time de futebol e o movimento UNIND, um time-movimento que
entrou para a história, abrindo caminhos para a celebração da cultura e a luta
pelos direitos indígenas. Em homenagem e em memória:
Estevão Taukane (Bakairi), Carlos Marcos (Terena), Paulo Miriakuréu (Bororo), Jorge Miles (Terena), Jeremias (Xavante), Sati (Canela), Osmar Coelho
(Terena), Oswaldo (Urubu-Kaapor), Idiarruri (Karajá) Mariano Marcos (Terena), Taxirama (Karajá), Xariri (Karajá), Waritaxi (Karajá), Gilson (Terena),
Inácio (Karajá), Warihiti (Karajá), Omar (Guajajara), Olayr (Karajá)32.
Referências
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO/SP. Índios; Direitos Históricos. Cadernos da Comissão Pró-Índio/SP, nº III, 1982.
D’ANGELIS, Vilmar da Rocha. “Prefácio”. In.: CAMARGO, Vera Regina Toledo; FERREIRA, Maria Beatriz Rocha; SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes
(orgs.). Jogos, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória
de criação, implementação e difusão dos Jogos Indígenas no Brasil (19962009). Campinas: Curt Nimuendaju, 2011.
GRUPPI, Deoclecio Rocco. “Jogos Escolares Brasileiros e Jogos dos Povos
32 Os nomes foram retirados de duas referências: de Matos (1997) e Gruppi (2011), mas não foi
possível verificar se todos esses estudantes jogavam no time de futebol.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Indígenas”. In.: CAMARGO, Vera Regina Toledo; FERREIRA, Maria Beatriz
Rocha; SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes (orgs.). Jogos, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e
difusão dos Jogos Indígenas no Brasil (1996-2009). Campinas: Curt Nimuendaju, 2011.
MATOS, Maria Helena Ortolan. O processo de criação e consolidação do
movimento Pan-Indígena no Brasil (1970-1980). 1997. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UnB, Brasília, 1997.
SANT’ANA, Graziella Reis. História, espaços, ações e símbolos das Associações indígenas Terena. 2010. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Unicamp, Campinas, 2010.
TERENA, Carlos Justino. Brincar, jogar e viver indígena: a memória do sonho realizado. In: PINTO, Leila Mirtes Santos de Magalhães; GRANDO,
Beleni Saléte (org.). Brincar, Jogar, Viver: IX Jogos dos Povos Indígenas.
Cuiabá: Central de Texto, 2009.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Roberta Tojal
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
CA PÍTULO 11
XIKUNAHATY (1914 -2014)
José Ronaldo Mendonça Fassheber
Liliane da Costa Freitag
Introdução
1914. O Brasil ainda nascia em sua república golpista realizada por antigos
monarquistas, amigos do imperador, não haviam passado quinze anos. Começaria ali o século da matança indígena, cujas notícias se internacionalizaram e
escandalizaram o planeta e fariam com que o Brasil criasse seu primeiro organismo de tutela, localização e proteção indígena alguns anos antes: o SPILTN
[serviço de proteção ao índio e localização de trabalhadores nacionais, em
1910 e liderado pela simpática figura do Marechal Cândido Rondon. Pelo menos aos índios que o conheciam ou passariam a conhecê-lo bem nas décadas
seguintes.
1914. O futebol brasileiro mal havia nascido por aqui. É certo, já faziam
algumas décadas que os ingleses ganhavam glebas de terras para construir estradas de ferro em Belém do Pará ou em Buenos Aires ainda antes, o que fez
o futebol invadir o país em várias frentes, seja pelo norte fluvial, seja pelas
fronteiras secas da porção meridional. Muito além daquele paulista, filho de
ingleses, que ganhou fama por trazer as primeiras bolas de Futebol e de Rugby
para o estado. Uma injustiça por sinal, já que os padres já haviam trazido jogos
pré-desportivos e bolas em seu colégio ituano. Décadas ainda antes do Charles
Miller.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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1914. A capital federal ainda amava as touradas do povo ou as regatas da
elite. Os primeiro grandes clubes da então São Sebastião do Rio de Janeiro gostavam de fazer força na baia da Guanabara e nas lagoas da cidade. Ali já existia
o time do bairro e da enseada de Botafogo. De Futebol e Regatas, nascido para
abrigar as paixões que existiam e que estavam por vir. É lá que cinquenta anos
mais tarde abrigaria o mais famoso jogador de futebol, mestre com a bola nos
pés e descendente de indígenas, de família migrada para os arredores da capital há algumas gerações, vindos dos Fulni-ô da porção setentrional do país:
Garrincha. Embora muitos contestem o fato do Mané não se auto-identificar à
época como indígena não abala a crença de que seus parentes indígenas atuais
– todos, afinal – o reconheçam como tal.
1914. Pode ter sido um ano qualquer do início da primeira república.
Quando tudo engatinhava nas instituições do país. Da proteção do índio ao
futebol, importados de fora por protestos ou por motivações campais. Já havia,
portanto, e entre tantos clubes, um Botafogo na capital. E havia um Marechal
que rodava no interior e de quem muitos índios gostavam.
1914. Ou melhor, um ano antes o Marechal tratou de ciceronear, sem muito entusiasmo o ex-presidente americano Theodore Roosevelt em uma longa
expedição pelos rios amazônicos e adjacências e que recebeu o nome de Expedição Roosevelt-Rondon. O ciclo da borracha estava em queda já havia alguns
anos. O preço baixo do mundo atingiu em cheio a Amazônia. Roosevelt não
fora o único desbravador. Ao longo de séculos o Brasil recebera a visita de
diversos naturalistas interessados em expressar as riquezas naturais da terra
brasilis diante do mundo. Mas Theodore tinha espírito aventureiro para caçar
jaguares maiores que os americanos e assim o fez para o jaguar e outros bichos.
Legado diferente da neta antropóloga Anna, décadas mais tarde, a pesquisadora do Marajó.
1914 já fez um século. Um século e um pouco mais da visita de Roosevelt
aos Paresí em fins de janeiro, quando subiu o Rio Sucre [MT]. Lá ele presenciou
212
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
uma estranha prática tradicional. Um jogo com bola de látex, produzida por
eles a partir da seiva de seringueira que ele denominou Headball.
Índios Paresi cabeceando a bola no jogo do zicunati.
Foto: acervo de José Louro – Museu do Índio/Funai – Anos 1920 [In.: FREIRE, 2009]
Headball
E foi então que no fim de janeiro de 1914, Roosevelt encontrou os pacatos
Paresí da aldeia Utiarity, ribeirinhos do Rio Sucre. Os Paresí que já haviam ensinado o ofício aos seringueiros sem maiores conflitos, agora trabalhavam na
montagem das linhas do telégrafo que Rondon esticava Brasil afora. Rondon
conhecia os Paresí desde a década anterior. Os trabalhadores Paresí naqueles
dias ensinaram algo novo aos olhos de Roosevelt: “os homens, que tinham
vindo de trabalho na balsa ou ao longo das linhas de telégrafo, fizeram alguns
trabalhos próprios, ou brincaram com as crianças. Mas o absorvente divertimento dos homens foi um extraordinário jogo de bola”. Absorto ao interessante jogo, ele o descreveu:
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Bem, esses índios Paresí entusiasticamente jogam futebol com as cabeças. O
jogo não é apenas nativo para eles, mas eu nunca tinha ouvido ou lido de ser jogado por qualquer outra tribo ou povo. Eles usam uma bola de borracha oca, de
sua própria fabricação. Ela é circular e tem cerca de oito polegadas de diâmetro.
Os jogadores são divididos em dois lados, servidos como nas equipes de futebol
e a bola é colocada no chão para se iniciar o jogo como no futebol. Então um
jogador corre para frente, se joga no chão e mete a cabeça na bola em direção ao
lado oposto. Esta primeira cabeçada, quando a bola está no chão, nunca levanta
muito e ela rola aos limites dos adversários. Um ou dois do último corre em
direção a ela; um lança-se de cara nela e mete a bola de volta. Geralmente esta
jogada consegue levantá-la, e ela voa em uma curva bem acima no ar; e um jogador oposto, correndo em direção a ela, rebate-a na cabeça com um balanço de
seu pescoço musculoso em tal precisão e endereço que os limites de bola volta
pelo ar como uma bola de futebol sobe após um pontapé. Se a bola voa para um
lado ou o outro é trazida de volta e novamente é posta em jogo. Muitas vezes ela
será enviada para cá e para lá uma dúzia de vezes, de cabeça, até que finalmente
se levanta com uma varredura que passa longe, sobre as cabeças dos jogadores
opostos e desce por trás deles. Então gritos estridentes, cambalhotas de triunfo
bem-humorado surgem a partir dos vencedores; e o jogo recomeça instantaneamente com renovado gosto. Não há, naturalmente, regras como em um jogo de
bola especializado da civilização; e eu vi sem disputas. Pode haver oito ou dez
ou muitos mais, jogadores de cada lado. A bola nunca é tocada com as mãos
ou os pés, ou com qualquer coisa, exceto o topo da cabeça. É difícil descrever a
destreza e a força com que a bola é atingida ou rebatida com a cabeça, enquanto
descia pelo ar, ou para a audácia, velocidade e habilidade com que os jogadores
se atiravam no chão para devolver a bola, curvando-se de baixo para cima. Não
imagino o porquê deles não machucarem seus narizes. Alguns dos jogadores
que quase nunca conseguiam pegar e devolver a bola, mas se ela vinha em sua
vizinhança, conseguiam um lance tão vigoroso da cabeça que muitas vezes a
bola voava em uma grande curva por uma distância realmente surpreendente
(tradução nossa de http://www.gutenberg.org/ebooks/11746).
Pelo tempo de estada entre os Paresí do Mato Grosso, Roosevelt pode acompanhar diversas partidas do que ele chamou de Head Ball. Ele via em todos os
finais de tarde os homens começaram a jogar as partidas tendo sempre um deles disposto a contar os tentos. Mesmo em tardes de chuva, como foram muitos
daqueles dias descritos em que os homens, a qualquer brecha do tempo, saiam
214
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
de suas ocas para jogar. Roosevelt muitas vezes percebia os gritos estridentes,
as palmas e as algazarras feitas ao longe de suas vistas. Era impossível não se
contagiar e Roosevelt descreveu a paixão Paresí por seu jogo tradicional:
Eles são mais encantados com o jogo do que um garoto norte americano de
beisebol ou futebol [americano]. É uma coisa extraordinária que este estranho e
excitante jogo deve ser jogado por, e somente por, uma tribo de índios que está
quase no centro da América do Sul. Se algum etnólogo sabe de uma tribo em
outro lugar que joga um jogo semelhante, quem dera me avisasse. Para jogá-lo,
exigem-se grandes capacidades de habilidade, vigor e resistência. Olhando para
os corpos dos jogadores fortes e flexíveis e com o grande número de crianças à
volta, pareceu-me que a tribo deve gozar de uma saúde vigorosa, ainda que os
Paresí tenham diminuído em número, já que o sarampo e a varíola foram fatais
para eles (tradução nossa de http://www.gutenberg.org/ebooks/11746).
Roosevelt não conheceu outra descrição deste jogo embora pudesse intuir
sua existência em outros grupos ainda não descritos etnograficamente. No entanto, dois anos antes dele o etnólogo alemão Max Schmidt havia publicado
em seu País a experiência entre os Paresí e seu jogo Kopfballspiel (SCHMIDT,
1912, p. 173) com poucas linhas de descrições, mas com uma fotografia reveladora.
Foto: Max Schmidt, 1912.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Afora estes relatos dos jogos de cabeça Paresí de fato, é apenas no início
dos anos 1960 que se começam os contatos com os Enawene-nawe, povo de
língua Arwak, semelhante aos que falam Paresí de quem se sabiam e se faziam
escravos desde o século XVII pelas bandeiras, e também localizados na parte
noroeste do Estado do Mato Grosso, habitando o alto Rio Juruena, não muitas
léguas distante daqueles do Rio Sacre.
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Os jogos com bola não eram uma novidade no mundo. Entre os jogos classificados por Culin originalmente publicado em 1907 (1975), destacaríamos os diversos jogos ameríndios praticados com bolas e que foram descritos como sendo
jogos precursores do Futebol. Também no oriente, a Antiguidade com jogos de
bola são referenciadas. Segundo Giulianotti (2002, p. 15), as descrições mais antigas de jogos tradicionais envolvendo bolas aparecem na china: “Durante período neolítico, manufaturavam-se bolas de pedras para serem chutadas em jogos
na província de Shan Xi. Mais tarde, durante a dinastia dos Han (206 a.C. - d.C.
220), jogava-se o Cuju com regras muito semelhantes ao Futebol”.
Do outro lado, nas Américas, dos jogos cerimoniais Astecas em que a bola
representava um astro como o sol ou a lua, ao Mapuche chileno Pilimatum e
ao patagônio Tchoekah, foram logo descritos pelos colonizadores europeus.
Mas, especificamente, nas Américas, difundido entre diversos povos indígenas, desenvolveram-se os jogos com bola de látex, dura, sólida (que exigia indumentária de proteção aos corpos) e extremamente elástica – Olli para os
mexicanos e Quic para os guatemaltecos – como relata Chan (1969), o jogo
de bola se espalha, em vários tipos de campos, por grandes áreas da América
Central, tanto no seu significado religioso, como devido ao seu valor como
exercício físico. Assim, ele é encontrado em praticamente todos os centros de
culto da região Maia.
Provavelmente criado no século II d.C. pelos Olmecas, segundo Chan (1969),
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
o jogo de bola era uma forma de significar o mundo e o cosmos. A bola podia
simbolizar o sol, a lua ou constelações e seu movimento significava o movimento
dos céus:
O jogo de bola representava não apenas o percurso do sol no céu mas também
todas as estrelas com o seu nascer e se pôr numa fenda do horizonte, representado por bater a bola através de buracos nos anéis de pedra. A vitória e a derrota
dos jogadores representava a luta entre a luz e a escuridão, quando uma vez o
sol ganhava e outras ganhavam as constelações da noite (CHAN, 1969, p. 31).
Enfim, no Brasil podemos também notar uma imensa diversidade de jogos
tradicionais indígenas utilizando bolas de diversas confecções como sendo seu
instrumento e seu símbolo. No entanto, parece ocorrer no Brasil um tipo de
jogo ritualizado especificamente de cabeça em bola de látex oca.
Cacique Geral Paresí-Haliti, João Garimpeiro (João Arrezomae), fabricando bola de látex de mangaba, utilizada na prática do Xikunahity.
Fonte: http://teatrogan.blogspot.com.br/2010/09/serie-lendas-e-mitos-paresi-haliti_20.html
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Apesar de não existirem muitos registros etnográficos a abordar a temática
dos jogos cotidianos e rituais ao longo do século XX, alguns pesquisadores
puderam registrá-lo em estudos mais recentes. Oliveira destaca os aspectos
ritualísticos do jogo Xikonahati dos Paresí:
Segundo a tradição Paresí, é um jogo que comemora a festa de Wasare, entidade
mítica, que, após acomodar seu povo em sua chapada, fez uma grande festa
de confraternização antes de regressar a seu mundo. Durante a festa, Wasare
mostrou a todos a função da cabeça no comando do corpo e sua capacidade de
desenvolver a inteligência e alcançar a plenitude mental e espiritual. Ele também
demonstrou que a cabeça poderia ser usada em sua capacidade física, especificamente na habilidade para com o Xikunahity. Foi nesta comemoração que
aconteceu a primeira partida deste esporte; ou seja, entrando literalmente de
cabeça (OLIVEIRA, 2012, p. 07).
A bola de látex da Mangaba, conhecida pelos Paresí como igomaliró ou
haira, descreve Oliveira [2012], atende a uma série de rituais em seu processo
de fabricação. Ainda segundo essa autora,
Na fabricação, o látex da mangaba é colocado ao fogo, sobre uma frigideira, até
tomar um aspecto de panqueca. Em seguida, o índio morde a massa e a sopra
para formar a bola. O látex é espalhado em tiras sobre uma mesa, onde o material seca: a bola é envolvida por camadas e fica mais espessa e pesada. A escolha
da seringa de onde é extraída a mangaba também é cuidadosa, não podendo
esta ser fina. Para confeccionar a bola é importante que o dia esteja quente e
ensolarado, o que ajuda na secagem da liga (OLIVEIRA, 2012, p. 08).
A bola de látex era também conhecida pelo ritualizado jogo em certos períodos do ano e quase homônimo, o Hayra ou o futebol de cabeça dos vizinhos
Enawene-Nawe como relatou Gilton Mendes dos Santos (2006) em sua tese.
Ele destaca as relações entre ritual e colheita, sem revelar os aspectos cosmológicos do jogo:
218
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
O auge da estação onekiniwa [época das chuvas], durante todo o mês de janeiro e boa parte de fevereiro, é vivido integralmente na aldeia, em atividades de
rotina e de curtos e condensados momentos rituais. As mulheres dedicam-se
ao preparo cotidiano de alimento, o que exige breves idas às roças para colher
a mandioca, plantada no ano anterior; os homens saem para coletar alguma
espécie de fruto, verificar pequenas armadilhas de pesca, explorar uma colmeia
ou recolher insetos, suas larvas e pupas. A atenção, porém, está voltada para
o “jogo de bola de cabeça”, o hayra, praticado por homens de todas as idades.
Joga-se bola, às vezes, o dia inteiro, de manhã e de tarde, atividade que se interrompe apenas por uma forte chuva, que encharca o terreno e compromete
o desempenho da bola, por uma grave doença ou a morte de alguém. O hayra
aglutina e mobiliza dezenas de participantes em duas movimentadas equipes,
posicionando-se cada uma num dos lados da grande linha que divide o pátio da
aldeia. Os de fora assistem, torcem, emitem opinião (SANTOS, 2006, p. 154).
Pode-se confirmar aqui, a ideia de uma centralidade desse evento na vida
tanto dos Pareci quanto dos Enawene-Nawe. É notório o espaço e o tempo que
o Xikunahaty e o Hayra ocupam nas redes de sociabilidades e de negociações
em suas respectivas aldeias, tanto como havia demonstrado Fassheber (2006;
2010) entre os Kaingang ou Vianna entre os boleiros do cerrado.
Haira apostada
As descrições etnográficas dos Paresí e dos vizinhos Enawene-nawe descrevem o jogo de forma similar àquela feita por Roosevelt, quase um século
antes na Aldeia Utiarity do Rio Sucre. Um documento produzido pelo Comitê
Inter-Tribal (ITC) junto à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a
Universidad Politécnica de Madrid, de 2008 revela as condições de campo e o
desenvolvimento do jogo Xikonahati:
O tamanho do campo é semelhante a um campo de futebol e conta somente
com uma linha demarcatória no centro que delimita o espaço de cada equipe.
A partida começa com atletas veteranos um de cada equipe. Eles se dirigem
ao centro do campo para decidir quem irá lançar a bola. O jogo continua com
a primeira cabeçada para o campo adversário que deverá ser recepcionada
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
219
também pela cabeça. Em seguida os atletas veteranos deixam imediatamente o
campo e a responsabilidade deles é somente fazer o lançamento inicial da partida. Durante a partida, a bola não pode ser tocada com as mãos, pés ou qualquer
outra parte do corpo, mas, pode ser tocado no solo antes de ser rebatido por
outro da equipe. A equipe marca pontos quando a bola não é devolvida pelos
adversários.
Mapa do Alto Juruena (COSTA, 1985).
Entre os Enawene-nawe, Santos (2006) observa os sistemas de posições e
números de participantes do Hayra, bem como os objetivos e os sistemas de
contagem de pontos para um resultado final. Ele destaca que:
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
No jogo do hayra, cada equipe se organiza a partir de três posições “fixas”, definidas (o mínimo para se efetivar uma partida) e cerca de dez ou mais jogadores
em posições que se alternam e movimentam. Para dar início às jogadas, os arremessos são feitos com a mão e, a partir daí, deve-se tocar na bola apenas com a
cabeça. Uma vez no campo, a bola deve ser remetida de volta, tendo tocado (apenas uma vez) ou não o solo. O objetivo é fazer com que o adversário não consiga
devolver a bola. O bom ponto é aquele em que a bola é arremessada para o alto e
além do alcance dos jogadores. Marca-se ponto a cada conjunto de três tentos de
vantagem. O primeiro é registrado, por toda a equipe, por um som emitido pelo
sopro bilabial (brrrrrruuuuu), o segundo, por um assobio surdo, extraído das
mãos em contato com os lábios; o terceiro tento marca a pontuação. Os pontos
são contados e registrados por flechas: cada equipe mantém, em número igual,
seu estoque, do qual se retira uma a cada ponto ganho. Esgotado o conjunto de
flechas, tem-se o resultado final da partida (SANTOS, 2006, p. 154, Nota 54).
De igual forma, o conjunto de jogadores Paresí é descrito nas informações
da página dos Povos Indígenas do Brasil do Instituto Socioambiental (PIB/
ISA). Destaca-se a importância da escolha de parentes e afins que refletem as
demais reciprocidades Paresí apontadas por Costa (1985) como as genealogias
e as alimentares e também a possibilidade de se ofenderem ante a recusa de
algum deles:
Cada equipe é formada por homens de um mesmo grupo local ou por indivíduos que se consideram ihinaiharé kaisereharé (“parente verdadeiro”). Para
que haja o jogo é preciso que uma aldeia convide a outra. O convite é irrecusável; dizem que a recusa em participar de um jogo é considerada uma afronta
aos que tomaram a iniciativa de realizá-lo. Os Paresí referem-se ao convite
por “desafio”. Por ocasião das festas de chicha, quando vários grupos locais se
reúnem, os dias são praticamente dedicados aos jogos de bola, em que confrontam-se grupos de aldeias ihinaiharé kaisereharé (“parente verdadeiro”) e
aldeias ihinaiharésekoré (“parente longe ou de consideração”) (http://pib.socioambiental.org/).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
221
Mas tanto o Xikonahati Paresí quanto o Hayra Enawene-nawe, pode se
apontar um equivalente jogo de apostas, como demonstrado pelo PIB/ISA entre os Paresí e por Santos (2006) entre os Enawene-nawe:
O hayra é movimentado por frenéticas apostas (“individuais”, par a par, entre
interessados) feitas pelos jogadores entre si (principalmente por aqueles que
ocupam posições fixas e estratégicas no jogo, mas também pelos demais de
ambas as equipes) e também por quem está na plateia. As apostas envolvem
pequenos e úteis objetos como colares de tucum, diademas coronários e braceletes de penas, redes de dormir, arco e flechas etc. e aqueles industrializados: isqueiro, anzol, sabão, sabonete, roupa e calçado, dentre outros (SANTOS, 2006,
p. 154, Nota 54).
No caso dos Paresí, a aposta é fundamental ao Xikonahati. Antes de se iniciar o jogo, cada equipe é responsável em indicar os apostadores. O número de
objetos apostados interfere diretamente na duração e execução do jogo, como
destaca o documento do PIB/ISA:
Antes de o jogo ser iniciado cada jogador entrega aos apostadores objetos
variados como caixas de fósforo, linhas de pesca, anzois, pentes, sabonetes, peças de vestuário, armas, munição, que serão apostados. Os apostadores ficam
lado a lado e sentam-se, via de regra, próximos à casa do chefe da aldeia. (...)
As apostas são feitas antes de cada partida, e se sucedem até que os apostadores não tenham mais o que apostar. Em geral suspende-se o jogo quando uma
das equipes esgota sua provisão de coisas, e então o apostador da outra equipe
distribui o resultado pelos jogadores (http://pib.socioambiental.org/).
Ainda que se possam notar tais sistemas de apostas, vale ressaltar que os
aspectos ritualísticos permanecem presentes, como nos mostrou Santos (2006)
sobre o calendário Enawene-nawe ou Oliveira (2012, p. 7) relatando as crenças
rituais do jogo entre os Paresí, ou melhor, sobre “a oferta da primeira colheita
das roças, iniciação dos jovens de ambos os sexos, reforma das flautas sagradas, caça, pesca e coleta de frutas silvestres abundantes e a reincorporação de
222
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
um espírito novo em doentes terminais”. E muitas vezes, um jogo só termina
quando todos ganham.
Foto: Ministério do Esporte, JPI/2011.
Fora dos rituais da estação das chuvas, o Xikunahaty tem sido demonstrado
nas várias edições dos Jogos dos Povos Indígenas Em tempos recentes, o Xikunahity só não foi elencado na primeira edição destes eventos, ocorridas desde
os jogos de Goiânia em 1996. Sua primeira demonstração pública ocorrera na
edição dos JPIs de Guaíra/PR e a partir daí foi demonstrada em todas as edições até a mais recente em Cuiabá 2013, ainda que nem sempre os Paresí ou os
Enawene-nawe tenham-na demonstrado em todas as edições – estes últimos
só participaram a partir de 2001, numa demonstração justamente “contra” os
Pareci – mas, por outras etnias que incorporaram o Xikunahaty e o Hayra
como os Salumã, Irántxe, Mamaidê, além dos Nambiquara, Todos eles entre os
Estados de Mato Grosso, Rondônia e sul do Amazonas.
Mas é certo que nos previstos primeiros Jogos Mundiais Indígenas, marcado para setembro de 2015 em Palmas/Tocantins, o Xikunahaty e o Hayra e
como sempre alcançarão grande curiosidade nacional internacional. Sucesso,
portanto, garantido.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
223
Desvendando a Dúvida
Naqueles tempos de fins da borracha, foram oferecidas ao ex-presidente
americano Theodore Roosevelt algumas opções de aventura expedicionária.
Acompanhado de Rondon, decidiu por desbravar a Foz do Rio da Dúvida (depois rebatizado Rio Roosevelt). Rondon desconfiava que o rio fosse afluente
do Rio Madeira e pertencesse à margem direita do Rio Amazonas e mandou
por essa via uma equipe de encontro no sentido oposto.
Roosevelt e Rondon precisaram subir o planalto dos Paresí pelo Rio Sucre
para alcançar e estudar a cabeceira do Rio da Dúvida e descê-lo, o que fizeram
em abril de 1914. O próprio Roosevelt escreveu um livro sobre a expedição:
Through the Brazilian wilderness (1914), editado em português com o título Nas selvas do Brasil (1976) como nos mostra Drummond (2010, p. 854).
Este autor, fazendo a tradução do livro The River of Doubt de Candice Millard
(2005) demonstra que aquela não foi uma viagem fácil:
O obscuro rio da Dúvida mostrou ser muito mais difícil de explorar do que poderiam supor Rondon e Roosevelt. Em vez de uma viagem heroica, mas relativamente segura nas selvas brasileiras, Roosevelt quase morreu. Desde o início,
trechos numerosos e longos do rio eram marcados por cachoeiras, corredeiras, estreitos, pedras e quedas d’água. Isso obrigava a estafantes e demoradas
operações de descarregar e carregar os barcos, a difíceis manobras dos barcos
vazios com a ajuda de cordas e a cansativas caminhadas dos expedicionários
pelas margens íngremes e rochosas. O ritmo da viagem caía às vezes a poucas
centenas de metros por dia, o que causou grande atraso (DRUMMOND, 2010,
p. 851).
Se aquele abril foi o mais difícil para Roosevelt, a semana final de janeiro
de 1914 havia sido mais divertida entre os Pareci e seu estridente jogo de Headball que Roosevelt cuidadosamente observara. Apesar de não citar os termos
Xikunahaty e haira que os pareci designam ao jogo e à bola de látex, Roosevelt
fez ecoar aquele Headball até a capital federal daqueles tempos provocando
224
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
grande curiosidade. Os jornais do Rio de Janeiro sugeriram trazer o que lhes
parecia um futebol genuinamente nacional, o Fluminense ofereceu o Estádio
das Laranjeiras e finalmente em 1922, dezesseis Pareci viajaram por cerca de
dois mil quilômetros para jogar uma partida alardeada como Zicunati (BELLOS, 2003).
E assim foram os Paresí, num domingo de estádio lotado, uniformizados
de escoteiros e cabelos penteados cantar o hino nacional no idioma deles na
semana da pátria de outrem. Foram vaiados e após trocarem suas roupas por
outras estranhas, daquelas de jogador de futebol moderno, voltaram ao gramado e executaram um jogo que terminou em 21 X 20 marcados em dois
tempos de trinta minutos como apontou o jornal carioca Correio da Manhã
(BELLOS, 2003, p. 74). No entanto, o jornal O Paiz de 23 de setembro de 1922
relata ter sido 31 X 20 para a equipe que vestia branco (contra azuis).
Mas é fato que o jogo não pegou na capital, naquele tempo, já obcecada
pelo Futebol herdado dos ingleses. Mas deu na primeira página do Jornal
Imparcial incluindo a entrevista com o Cacique Coloisoressê dos Paresí que
reclamava: “(...) isso de botinas, camisas e calções atrapalha! A grama também atrapalha porque é escorregadia. Nas nossas terras, temos grandes campos, sem capim, preparados com cuidado para a prática do Zicunati” (citado
por BELLOS, 2003, p. 75). O Estudo feito por Faria em 1924 para o Museu
Nacional do Rio de Janeiro confirmaria o interesse em pesquisar essa prática
(BALDUS, 1954).
Era, enfim, o que Roosevelt gostaria de ter visto e lido há muitas décadas
atrás, mas apenas intuiu. No entanto, e caçador de jaguares à parte, ninguém
fez como ele o headball/ Xikunahaty ser tão conhecido pelo Brasil e pelo
mundo há um século: da Expedição Roosevelt-Rondon aos Jogos dos Povos
Indígenas, ou melhor, um pouco além dos cem anos entre 1914 aos atuais
2014.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
225
Referências
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226
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
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Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
CA PÍTULO 12
SAÚDE SOCIAL: FONTE REVITALIZADORA DOS
JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS
Marina Vinha
Introdução
Os Estados Membros da Organização Mundial de Saúde (USP, 2015, p. 1)
declararam, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, alguns princípios importantes para “a felicidade dos povos, para as suas relações harmoniosas e para a sua segurança”. Para tanto, emitiram dez princípios, dos quais
destaco o primeiro: “A saúde é um estado de completo bem-estar(sic) físico,
mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Recebendo algumas críticas desfavoráveis e outras nem tanto, optei por
selecionar o elogio acerca deste princípio, publicado por Parlebas33 (2010, p.
85): “Saída de uma entidade oficial, esta definição tem a feliz iniciativa de associar às características sanitárias fatores de bem estar psicológico e relacional
que desempenham um grande papel na qualidade de vida de cada pessoa”.
O elogio favorável àquele primeiro princípio recebe destaque neste estudo,
por enfatizar o segmento social dos demais componentes da saúde e, dentre
estes, o fator relacional, o qual nos remete às inter-relações pessoais. O bem
33 No original: “Salida de una entidad oficial, esta definición tiene la feliz iniciativa de asociar a las características sanitarias factores de bienestar psicológico y relacional que desempeñan un gran papel en la
calidad de vida de cada persona” (2010, p. 85).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
229
estar relacional vai se constituindo no encontro com outras pessoas, no partilhar emoções comuns, na divisão de tarefas, na alegria proporcionada por enfrentamentos e nas diferentes formas de lutas e ludicidades coletivas, próprias
da diversidade, a exemplo dos jogos tradicionais. Assim, o bem estar relacional
no contexto dos jogos se embasa “na capacidade de adaptação do jogador a
esta ludodiversidade abundante”, explica Parlebas (2010, p. 85).
Os fatores de bem estar psicológico e relacional, próprios do social, qualificam e valorizam a saúde social, de forma a constituir a fonte revitalizadora dos
jogos tradicionais, os quais dão identidade ao evento nacional Jogos dos Povos
Indígenas, que primam pela ‘celebração34’, com apresentação pública de jogos
significativos para a qualidade de vida de povos indígenas.
Mantenedora das metas específicas do brasileiríssimo evento Jogos dos Povos Indígenas, a saúde – no seu sentido social – enriquece as singularidades
culturais. Esse movimento é dinamizador das diferenças culturais e corrobora com a produção do conhecimento. Simultaneamente, tal movimento exige
de nós, pesquisadores, o compromisso de ampliar a compreensão de ciência,
outorgando a ela um status plural, no sentido de reconhecer e validar outras
formas também sistematizadas de conhecimento, no caso a indígena. Assim,
o objetivo desse estudo é o de dialogar sobre adaptabilidade, ajustes e inserção
social, como elementos constitutivos da saúde social, fonte da diversidade de
jogos tradicionais.
A motivação para a escrita deste estudo vem da inquietude diante da visão
eurocêntrica e reducionista de saúde, normalmente adotada no campo de conhecimento da Educação Física. Embora este campo de conhecimento pouco
reconheça os saberes indígenas ou outro tipo de conhecimento, sei, de antemão, que a valorização de ambos os saberes, indígena e ocidental, com suas
semelhanças e diferenças, é o caminho que possibilita o diálogo intercultural.
34 Lema dos Jogos dos Povos Indígenas: O importante é celebrar.
230
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Sendo assim, a relevância do estudo, para a academia, está na possibilidade de
que o conceito de saúde seja desconstruído, libertando-o desta visão unicista.
Para os indígenas, a relevância está na perspectiva de verem valorizados seus
universos diferenciados, de forma que o conhecimento dele derivado, no caso
o jogo tradicional, encontre lugar na ciência; assim como há a possibilidade de
que tais estudos retornem como devolutos para estes povos, contribuindo com
os cursos de formação de indígenas-professores nos Ensino Médio e Superior,
para serem estudados por seus pares.
Este ensaio, cuja natureza é bibliográfica, desenvolve um diálogo entre os
elementos fundantes da saúde social, tendo os seguintes autores de referência:
Emílio Moran, Roque Laraia, Maria Beatriz Rocha Ferreira, Pere Lavega Burgués e Paulo Freire.
Nas considerações finais, pontuo o campo do evento ‘Jogos Indígenas’
como um contexto político de múltiplas articulações, permeado pela descontração e a diversão. Enquanto espaço geográfico que se alterna a cada evento,
têm mostrado nas suas 12 edições, as identidades étnicas enraizadas nos diferentes lugares de origem, reavivando passados históricos e as características
sociais atuais. Este conjunto de realidades entra em campo e se deixa ver em
arenas, cujo jogo de inter-relações transpiram a ancestralidade, a resistência à
homogeneização e a adoção de práticas criadas ou/e aceitas em seus universos,
renovadas sob a dinâmica sociocultural.
Contextualizando
Gauthier (2011, p. 40), fundamentado nos estudos sobre a “decolonialidade
do saber”, cita Descola (2005) por sua referência “às outras maneiras de fazer
ciência na espécie humana”, quais sejam: o “totemismo” [povos do Pacífico], o
“analogismo” [povos da Ásia, da América Central e Sul e da África] e o “animismo” [povos que têm o mundo animal, vegetal e mineral se comunicando
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
231
como indivíduos com os humanos, incluindo a metamorfose]. Entre os indígenas vigora o “animismo”, que Gauthier prefere chamar de “xamanismo”. E
destaca ainda que “não devemos hierarquizar essas formas de pensamento”,
mas, sim, reconhecer as diferenças. Argumenta ainda que utiliza “a palavra
“ciência” para caracterizar todo tipo de saber eficiente, independentemente das
crenças das pessoas” (2011, p. 23).
Nesta mesma direção, Langdon (2009, p. 1) argumenta quanto às “contribuições da antropologia para a construção de um novo paradigma em saúde”,
as quais visam “entender o ser humano e suas práticas de uma perspectiva
comparativa, ou seja, de uma perspectiva que reconheça e respeite a diversidade de soluções que as diversas culturas têm construídas para explicar e atender
os problemas de saúde e doença”.
Tendo como eixo condutor destas reflexões os saberes relativos ao ‘jogo’, ressalto que há várias compreensões de jogo proporcionadas pela polissemia do
termo, assim como há diferentes compreensões de jogo quando lhes são agregadas adjetivações. Por exemplo: jogo popular, jogo tradicional, jogo infantil,
jogo de antigamente, jogo esportivo, quase jogo, dentre outras denominações.
Optando pela compreensão de jogos adjetivados com o termo ‘tradicionais’,
adoto o conceito de Rocha Ferreira et al (2005, p. 33) que os entendem como
“[...] atividades corporais, com características lúdicas, pelas quais permeiam
os mitos e os valores culturais. Eles requerem um aprendizado específico de
habilidades motoras, estratégias e/ou chances”. A participação neste tipo de
jogo tem significados próprios e “promove experiências que são incorporadas
pelo grupo e pelo indivíduo”.
Burgués (2009, p. 49) contribui também para a compreensão dos jogos tradicionais inspirando-se em Parlebas (2001, p. 281), que o denominou “jogo
esportivo tradicional”, conceituando-o como aquele “[...] praticado frequentemente em uma longa tradição cultural, que não foi sancionado pelas instâncias
232
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
sociais”. Geralmente, tais jogos estão unidos a uma tradição antiga e seu sistema de regras admite muitas variantes segundo a vontade dos participantes;
não dependem de instâncias oficiais e geralmente são ignorados por processos
socioeconômicos. Tal tipo de jogo deixa para a tradição local o cuidado de
transmitir seus códigos e rituais, o sistema de regras é estabelecido pelos grupos que os praticam, segundo costumes locais. Um mesmo jogo pode dar origem a outras formas, as quais podem converter-se, por sua vez, a novos jogos,
explicam os autores.
Ambos os conceitos trazem a temporalidade, a continuidade na transmissão
e a ausência de influências econômicas como instâncias constitutivas predominantes nas tradições dos jogos. Tais processos são caracterizados por relações
de contato com diferentes etnias, por contatos em ambientes urbanizados e nas
relações de poder assimétricas, decorrentes destas novas figurações sociais. No
sentido dado por Elias (1980), estes são processos civilizadores formados por
coerções sociais vindas do próprio grupo e de outros, sendo assimilados em
diferentes circunstâncias e mediadas por relações de poder, assim como coerções autoimpostas. No conjunto, elas conduzem a mudanças e/ou superação
de formas e de objetivos de certas práticas corporais. Na fervura desse processo, algumas destas práticas, no caso dos jogos, se mantiveram, outras ficaram
em desuso, e outras foram esvaziadas do sentido sociocultural que os geraram.
Em que pesem os fatos sociais e históricos, os jogos tradicionais encontravam
e encontram espaço de significação no cotidiano, fortalecidas nos eventos locais e regionais e lindamente apresentadas no evento nacional.
Brotando aqui e ali, constatamos que há “[...] atualmente, o reconhecimento, ainda que tardio, da riqueza das culturas dos povos indígenas que fazem
parte da construção da cidadania brasileira [...]” explicam Rocha Ferreira et al
(2003, p. 33). O pouco reconhecimento pode ter sido gerado devido ao fato de
que a complexidade relacional destas práticas corporais ficou marcada como
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
233
frívola, por ter vínculo com o lúdico. Consequentemente, muitas vezes são
ainda pouco valorizadas. No entanto, é justamente o aspecto relacional a chave para constituir tais práticas como altamente significativas para promover a
saúde social destes povos.
Saúde e Qualidade de Vida
O termo ‘saúde social’ traz implícito, na sua adjetivação, o social e a cultura.
Mas não foi sempre assim. Em meados do século XX, o primeiro princípio de
saúde, propagado em 1948 pela OMS, mostrou-se reducionista. Passados mais
de 40 anos, um grupo de especialistas de diferentes culturas iniciaram estudos
que culminaram com a renovação e ampliação deste princípio, resultado do
acréscimo do conceito de ‘qualidade de vida’. A partir de então, saúde passou a
ser entendida como “percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores em que vive e em relação com seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (OMS, 1994, p. 1). Ressignificado, o conceito de saúde, atualmente, requer a compreensão da percepção
pessoal e das possibilidades de realização humana, em todas as dimensões.
Vale destacar, no entanto, a observação de Burgués (2009), da qual concordamos, de que saúde, no seu sentido físico mesmo, é uma condição básica para o
bem viver. A ausência deste tipo de saúde nega ou diminui o nível de qualidade
de vida de qualquer ser humano.
Passada mais de uma década, o conceito de saúde, ampliado em 1994, foi
tomando mais consistência. De forma que, em 2010, na Austrália, foi emitida
a “Declaração de Adelaide sobre a Saúde em Todas as Políticas”, cujo objetivo é
o de “engajar líderes e formuladores de políticas de todos os níveis de governo:
o local, o regional, o nacional e o internacional” (2010, p. 3). Tal documento
enfatiza que é mais eficaz alcançar os objetivos dos governos quando todos
os setores incorporam a saúde e o bem estar como componentes centrais no
234
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
desenvolvimento de suas políticas. A justificativa da OMS para emitir tal Declaração foi motivada pelo fato de que as bases da compreensão de saúde e de
qualidade de vida se encontravam fora das políticas públicas, elaboradas por
setores governamentais responsáveis por ela.
Embora haja possibilidade deste estudo contribuir com políticas públicas
de saúde e de esporte e lazer para indígenas, o foco está no perfil saudável do
jogo tradicional forjado na adaptabilidade humana ao ambiente, nos ajustes
socioculturais e na inserção social, mediados pelos aspectos relacionais, os
quais geram os vínculos identitários em cada povo.
Adaptabilidade/Ajuste/Inserção
De modo geral, todas as mudanças adaptativas têm foco na sobrevivência,
ajudando a manter o equilíbrio corporal nos diferentes espaços planetários.
Moran (1994, p. 23) argumenta que “uma das características mais notáveis das
populações humanas é que elas são admiravelmente adaptáveis”, em zonas árticas, às grandes altitudes, às terras áridas, aos campos e aos trópicos úmidos.
Assim, a adaptabilidade humana pode ser estudada no enfoque biológico e no
sociocultural, explica o autor. A adaptação biológica comporta as variações
ambientais que afetam a fisiologia, promovendo alterações anatômicas em médio e longo prazo, em ocorrência sobre gerações e gerações, levando um tempo
incalculável e atingindo a população em geral.
Por outro lado, explica o autor, a adaptação cultural está associada ao comportamento, variando conforme as diferenças no modo de ser, de viver e de
produzir artefatos tecnológicos a fim de aliviar o stress humano promovido
pelas variações dos diferentes ambientes. Stress, neste caso, é mais amplo do
que o que comumente denominamos ‘estou estressado’, quando nos referimos
às atividades cumulativas cotidianas. Significa, portanto, uma força ou determinada situação extrema ocorrendo em um ambiente onde está um ser vivo,
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
235
podendo causar morte ou algum rompimento de grande intensidade. O tempo
de ocorrência da adaptação cultural é rápido, tanto as que dizem respeito à
fisiologia humana [adaptável em meses, semanas, dias ou mesmo de forma
instantânea], quanto às socioculturais, ocorrendo no devir do tempo, mas
concomitantemente às condições sociais, particularizadas segundo a amplitude das redes de inter-relações humanas, as quais favorecem ou forçam coercitivamente tais mudanças, atingindo cada população e podendo ser também de
caráter individual.
Ao tratar a cultura, porém, Moran (1994, p. 130) adota o termo “ajustes
reguladores sociais/culturais”, descartando o termo adaptação. O autor argumenta que as diferentes formas das habitações, o modo de vestir, a tecnologia
de subsistência, os rituais, as formas de organização social e econômica são
considerados ajustes culturais. Estes ajustes são flexíveis, infinitamente variáveis quanto às alterações no ambiente, na historicidade e nas relações internas
e externas aos agrupamentos humanos. Por exemplo, os ajustes culturais adequados às condições climáticas requerem saberes referentes ao tipo de habitação, os tecidos específicos para o vestuário e as tecnologias que aumentem o
resfriamento ou o aquecimento das pessoas ou da população.
As estratégias de subsistência humanas geralmente estão relacionadas aos
padrões de colonização, às estruturas de sobrevivência provisórias ou sedentárias, variando conforme o perfil de cada grupo ou povo. Em todos os casos,
porém, um fator muito significativo para a arquitetura e localização das moradias humanas é a religiosidade, ou a cosmologia. Altura, tamanho, finalidade
de cada cômodo e a escolha do espaço podem seguir as complexas interpretações cosmológicas fundantes dos fatores sociais e culturais a elas associados.
Da mesma forma, casamentos e valores culturais influenciam os padrões de
moradia e as proximidades entre as famílias, enquanto que os materiais disponíveis no ambiente e os fatores climáticos influenciam mais no modelo da casa,
236
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
explica o autor. Em que pese a diversidade de ambientes, de materiais, de cosmologias, dentre outros, o fato real é que destes contextos brotam as culturas,
e entre elas as práticas lúdicas e ritualísticas, a exemplo dos jogos tradicionais.
Não obstante tais reflexões serem plausíveis, o estudo da adaptabilidade e
dos ajustes socioculturais requer assertividade para revermos preconceitos milenares, gradualmente estabelecidos, ou os ‘determinismos’ – tanto ambiental
quanto cultural. A conotação pejorativa atribuída a eles se deve à evocação de
predominante superioridade dos povos pertencentes à determinada sociedade, por sua cultura identitária, ou à determinada região geográfica.
No século XVIII houve um retorno ao foco das teorias greco-romanas de
valorização da posição geográfica e dos elementos da natureza que outorgavam superioridade aos bem nascidos, de forma que os determinismos voltaram a ser referência. Naquele período, este aparente retrocesso favoreceu o
tratamento homogêneo dado a regiões diferentes, de modo que nações foram
unificadas pelo processo de colonização. No final do século XIX intensificou-se a necessidade de organizar dados arqueológicos e etnológicos para elucidar
processos pelos quais a história da cultura humana sofria alterações socioculturais.
Reafirmando a posição de desconstrução dos determinismos, Laraia (2009)
nega a crença de que o determinismo biológico, cuja predominância é genética, seja responsável pela transmissão da cultura, a exemplo da nobreza das
pessoas de ‘sangue azul’. O mesmo ocorre com o determinismo geográfico,
pois, embora o ambiente contribua para firmar diferenças e, de certa forma,
influencia o lócus cultural de inserção humana, não é determinante para homogeneizar o modo de vida. Sendo assim, Laraia (2009) ressalta não ser correto afirmar que o ambiente físico influencia grandemente a diversidade cultural. Justifica seu argumento afirmando que é possível encontrar, em um mesmo ambiente físico, uma grande diversidade cultural. Como exemplo, cita o
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
237
Parque Nacional do Xingu, no Brasil, onde os indígenas xinguanos [Kamajurá,
Kalapalo etc] não adotam as proteínas de grandes mamíferos na alimentação,
por restrições culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e caça de aves.
Naquele mesmo ambiente físico, os indígenas Kayabi, habitantes ao norte, são
excelentes caçadores e preferem justamente os mamíferos de grande porte,
como a anta, o veado e o caititu, para se alimentarem. O ser humano, portanto,
não é puramente receptivo ao ambiente que o cerca, mas, sim, proativo, por
atribuir significado ao ambiente, transformar, recriar e o explorar, por vezes
até drasticamente, conforme sua história, cultura e economia (LARAIA, 2009).
O processo de dissecação dos determinismos ainda está em ocorrência, a
exemplo de documentos internacionais que objetivam inferir em ações governamentais, dando voz aos diferentes povos, grupos e etnias, ressaltando que
as forças mobilizadoras das sociedades são nossas diferenças humanas, e não
meramente as questões geográficas, climáticas ou biológicas.
Não obstante, para além das questões ambientais e de ajustes acima mencionados, enfatizo que, para a constituição da saúde social, é imprescindível a
ação exclusivamente humana, ou seja, a ‘inserção social’. Inspiro-me em Freire
(YouTube, 2007), ao afirmar que ele se situa entre aquelas pessoas que creem
na transcendentalidade. E por crer na transcendência humana, estando no
mundo material, ele se considera também “entre aqueles que não dicotomizam
a transcendentalidade da mundialidade”. Um reporta ao outro e vice-versa, diz
o mestre. Em vista deste fato, Freire faz distinção entre as compreensões políticas de ‘adaptação ao mundo’ [ambiental e cultural] e de ‘inserção no mundo’.
“Na adaptação há uma adequação, há um ajuste do corpo às condições
materiais, às condições históricas, sociais, geográficas, climáticas etc.”. Já “na
inserção o que há é a tomada de decisão, no sentido da intervenção no mundo”. Esta visão política complementa nosso estar no mundo, principalmente
porque, enquanto a adaptação ambiental e os ajustes socioculturais podem ser
238
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
usados para justificar ‘posições fatalistas’, do tipo, temos de ‘aceitar’ o mundo
e as relações humanas como estão, Paulo Freire (YouTube, 2007) a refuta afirmando que nenhuma realidade “é assim mesmo”. “Toda realidade está submetida à nossa capacidade de intervenção nela”.
Reflexões
Considerando os argumentos acima construí uma base teórica para compreender o contexto de onde brotam as inter-relações ambientais, socioculturais e políticas, alicerces para a constituição do ethos de cada povo e, sendo
assim, da fonte de saúde social e a consequente riqueza da diversidade lúdica!
Como apresentado nos subitens acima, os significados e valores de ‘saúde
social’ já foram bastante desconsiderados, milenarmente obscurecidos por determinismos e inserções sociais desastrosas e poderosas. Apesar de a saúde ser
reconhecidamente um conceito positivo, por mobilizar recursos sociais, culturais e pessoais, a Declaração de Adelaide (2010, p. 3) destaca que a “promoção
da saúde não está relacionada somente às responsabilidades do setor saúde, e
vai muito além dos estilos de vida saudáveis, passando pelo bem-estar e por
ambientes que incentivem a saúde”.
Tal afirmativa atinge diretamente as populações indígenas35, a quem a referida Declaração se dirige (2010, p. 4), por ser assertiva quanto às especificidades destes povos, destacando o aspecto relacional entre saúde e bem estar,
interligados à questão da terra, ambiente vital para a saúde dos indígenas. Diz
a Declaração: “um acesso mais amplo à terra pode gerar uma melhoria à saúde
e ao bem estar de populações indígenas, visto que a saúde e o bem estar dessas
populações está ligado espiritual e culturalmente a um sentimento profundo
de pertencimento à terra e ao país”. E, para consolidar as conquistas destes
35 Relações sobre o tema específico para os Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, ver Vinha e Rossato
(2009).
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
239
povos, o documento destaca que “as melhorias na saúde de populações indígenas podem fortalecer comunidades e suas identidades culturais, além de ampliar a participação dos cidadãos e o apoio à manutenção da biodiversidade”.
Certamente, as populações indígenas vivenciam há muito tempo seus valores associados à terra, e, quando tal fato passa a ser reconhecido por organizações internacionais, este reconhecimento contribui para consolidar políticas e
forçar governos a reconhecerem o protagonismo indígena e suas sustentabilidades. A envergadura de tal documento ainda está incipiente na inter-relação
entre esta jurisprudência internacional e a política de saúde do índio no Brasil.
Embora haja reconhecimento de pertencimento à terra, fato que outorga um
diferencial no modo de ver e compreender o mundo, há, reconhecidamente,
incompatibilidade entre os saberes biomédicos e os saberes indígenas, explica
Langdon (2001). A autora cita a 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde
do Índio, realizada em 1986, que gerou três princípios para dar encaminhamentos políticos de respeito às diferenças, dos quais destacamos apenas um
deles, qual seja: a garantia não só ao atendimento aos problemas de doenças,
mas também “o respeito às especificidades culturais e práticas tradicionais de
cada grupo”. Os três princípios foram incorporados à Constituição de 1988 e
estão de acordo, também, com os ‘Princípios sobre a Tolerância36’, aprovados
pela UNESCO, em 1995. Não obstante todo este aparato legal, ainda é visível
a dificuldade de enxergar nossa humanidade no ‘outro’ e o ‘outro’ dentro de
nós mesmos, argumenta Langdon (2001, p. 157), citando Roberto Da Matta
(1987).
Para dar um passo adiante, Langdon propõe, com urgência, que os conceitos antropológicos de cultura e de relativismo devam ser esclarecidos e apropriados por quem atua com saúde indígena. A autora eleva a saúde indígena
ao nível de um sistema simbólico sistematizado. E, ao estabelecer correlações
36 “[...] o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas” (1997, p. 11).
240
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
e distinções deste sistema simbólico e sistematizado com o sistema biomédico, ressalta que (p. 161) “é perigoso caracterizar os dois sistemas de medicina
como sendo opostos e de nenhuma maneira estou me referindo ou tentando
reforçar as velhas noções de que a medicina indígena é basicamente mágica,
o que considero um erro etnocêntrico”. Tal erro fez parte da Antropologia durante muitos anos, de forma que tornou inviável o fato de que, “assim como a
biomedicina, [os sistemas indígenas] procuram identificar os sintomas, fazem
um diagnóstico temporário que guia a escolha de terapia e depois avaliam o
êxito do tratamento”. Ocorre, porém, que:
[...] o sistema indígena tem uma noção de cura mais abrangente que a biomedicina. Por isso as medicinas podem ser vistas como complementares, necessitando para isso uma abordagem intercultural na qual a biomedicina fosse relativizada e os saberes indígenas tratados como ciência, para redefinir os conceitos de
eficácia e cura (LANGDON, 2001, p. 162).
Langdon explica também que a biomedicina está caracterizada como biológica, de cura sintomática, pública, com base nos sintomas corporais, curativa, escrita e formal. Comparativamente, o constructo mecanicista da biomedicina não requer as possibilidades amplas do bem estar relacional. As relações
interpessoais, o partilhar emoções e tarefas, a alegria e celebração dos jogos
tradicionais, são fatores próprios de saúde do sistema indígena!
Comparados os fatores do jogo tradicional com os fatores do sistema médico xamânico, definidos por Langdon (2001) observamos que o jogo atende às
características principais da percepção de saúde, de cura e eficácia do mundo
indígena. A triangulação saúde-cura-eficácia e jogo tradicional têm em comum o veio preventivo, cujas práticas corporais alegres exigem resistência
física, estando aberto para participação de todas as gerações. Ao mesmo tempo, o jogo tradicional e a citada triangulação podem ser secretos, figurando
situações de rito de passagem, de mediações terreno-transcendentais, como
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
241
explicou Rocha Ferreira et al (2003).
Burgués (2009), estudioso da motricidade presente nos jogos tradicionais,
destaca outra ação emitida pela OMS (1994), após a recente visão de saúde,
que foi a elaboração de um instrumento para determinar a qualidade de vida
em qualquer população do planeta. Este instrumento valoriza a visão intercultural, considerando as percepções da pessoa no contexto de sua cultura e de
seu sistema de valores, relevando os objetivos pessoais.
Para compreender a visão biomecânica da conduta motriz de uma pessoa
em movimento, ou de um jogador, Burgués explica que o enfoque cartesiano
considera suficientes as regras da mecânica, vendo este sujeito prioritariamente movido por um conjunto de articulações ósseas e grupos musculares, de
forma que a conduta motriz fica reduzida ao esforço, à energia consumida pelo
jogador e à resistência na execução da atividade. Esta mesma conduta motriz
na visão sistêmica, multidimensional, está associada aos seguintes fatores: (a)
há um significado externo, observável; e (b) há um significado interno, elaborado pela vivência corporal, por imagens mentais e pela emoção, as quais
ativam as dimensões biológica, cognitiva, afetiva e social da pessoa e/ou da sua
comunidade de pertencimento.
Comparativamente, a motricidade do jogador no foco biomecânico fica
reduzida aos fatores de força muscular, resistência cardiorrespiratória, resistência muscular e flexibilidade; enquanto a motricidade no foco multidimensional abrange tanto os significados do contexto externo, possíveis de serem
observados, quanto os significados internos ao sujeito, suas vivências, as emoções. Ambos ativam os fatores biológicos [força, resistência, flexibilidade], os
cognitivos, os afetivos e os sociais da pessoa, explica o autor.
Encontrando respostas para minhas motivações, considero incontestável a
amplitude da visão sistêmica para compreender e valorizar a conduta motriz,
cujo perfil pode ser transferido para o jogo tradicional. Vinha (2004) cita o
242
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
exemplo do jogo de tabuleiro, no estilo Merels, encontrado entre os indígenas
Kadiwéu, habitantes no Mato Grosso do Sul. Os conhecimentos requeridos
por este jogo podem contribuir para a saúde identitária/social daquele povo,
porque os conhecimentos gerados nos contextos sociais de pertencimento são
transmitidos via (i) relações familiares, (ii) por meio de motivações afetivas
e ritualísticas, e (iii) no ambiente físico e social onde todos se conhecem e se
influenciam mutuamente [sob as coerções sociais e as auto impostas].
Tais reflexões me levam a considerar os Jogos dos Povos Indígenas, agora
em sua 13ª edição, cumprindo seu papel de agrupar os povos para celebrar,
divertir, desafiar e interagir etnias em um tempo e espaço determinados, de
forma a injetar energia política e cultural para que as diferenças dialoguem e
se fortaleçam uma na outra.
Considerações Finais
Com o objetivo de dialogar sobre adaptabilidade, ajustes culturais e inserção social - elementos constitutivos da saúde social -, estudei autores que buscam desconstruir determinismos e os consequentes preconceitos. Permeando
a compreensão de saúde social, mostro de onde vem a força para manter as
metas propostas no evento Jogos dos Povos Indígenas, cuja raiz está consistentemente fixada na saúde social de cada povo participante e no reconhecimento
por parte dos organizadores. As metas e ações específicas deste brasileiríssimo
evento energizam cada um desses povos. O diálogo envolvendo o conceito de
saúde social e o de jogo tradicional é sustentado nas características do sistema
médico xamânico. O conhecimento tradicional presente nos jogos tradicionais
requer, também, vínculos com o ambiente de pertencimento, no qual todos
se conhecem, se influenciam mutuamente e cuja participação está carregada
de significados, promovendo experiências que são incorporadas pelo grupo e
pelo indivíduo.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
243
Referências
BURGUÉS, Pere Lavega. Contribuición de los jueos y deportes tradicionales
a uma concepción sistémica de la salud. IN: Juegos Tradicionales y Salud
Social. Encontro Internacional de Juegos Tradicionales. Ribera del Duero,
Espanã, 2009.
ELIAS, Norbert. Introdução à Sociologia. Lisboa: Edições 70, 1980.
FERREIRA, M. B.; VINHA, M.; SOUZA, A. F. de. Jogos de tabuleiro: um percurso em etnias indígenas. In.: Revista Brasileira de Ciência e Movimento,
2008.v. 16, p. 47-55.
LANGDON, Jean E.. A tolerância e a Política de Saúde do Índio no Brasil:
são compatíveis os saberes biomédicos e os saberes indígenas? In.: GRUPIONI, Luís D.B.; VIDAL, Lux B.; FISCHMANN, Roseli (Org.). Povos Indígenas
e Tolerância – construindo práticas de respeito e solidariedade. EDUSP,
2001.
MORAN, Emilio F.. Adaptabilidade Humana: uma introdução à Antropologia Ecológica. São Paulo: EDUSP, 1994.
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caminho de uma governança compartilhada, em prol da saúde e do bem-estar. Governo da Austrália Meridional, Adelaide, 2010. Obtido em: http://
www.who.int/social_determinants/publications/isa/portuguese_adelaide_statement_for_web.pdf?ua=1 Obtido em: 21jun.2014
ROCHA FERREIRA et el. Raízes – Jogos Tradicionais. In.: Atlas do Esporte
no Brasil, 2003, p. 33.
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Celebrando os jogos, a memória e a identidade
USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Obtido em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html Acesso em: 10 jan 2015.
VINHA, Marina. Corpo-Sujeito Kadiwéu – Jogo e Esporte. Tese. Faculdade
de Educação Física – Unicamp, 2004.
YOUTUBE. Última Entrevista a Paulo Freire - 1° parte. Enviado em 17 de
abr de 2007. Obtido em: https://www.youtube.com/watch?v=Ul90heSRYfE;
duração 6:59. Entrevistadora: Luciana Burlamaque.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
245
Roberta Tojal
CA PÍTULO 13
FÓRUM SOCIAL INDÍGENA: O ESPORTE E O LAZER
PROVOCANDO UM DIÁLOGO INTERSETORIAL
Khellen Cristina Pires C. Soares37
Ana Elenara da Silva Pintos38
Jogos dos Povos Indígenas: uma arena de jogo, luta e poder
A Constituição Federal é um marco de mudança na relação entre o Estado
e as comunidades indígenas no Brasil. Observa-se no Artigo 231 do Capitulo
VII, que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens” (BRASIL, 1998). Tal artigo demonstra estar em conformidade com a Declaração das Nações Unidas, sobre o direito dos Povos Indígenas, documento elaborado pela Organização das Nações Unidas, no qual
se afirma que “os Povos Indígenas são iguais a todos os demais povos e que
reconhece ao mesmo tempo o direito de todos os povos a serem diferentes”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007).
Este trabalho tem como objetivo destacar a importância do Fórum Social
Indígena, enquanto uma arena política que promove possibilidades de políticas intersetoriais. O trabalho de análise da memória do Fórum Social Indígena
37 Professora de Educação Física do IFTO- Campus Palmas. Doutoranda em Estudos do Lazer da UFMG.
38 Coordenadora Geral de Estudos e Pesquisas de Esporte e Lazer do Ministério do Esporte.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
247
nos embasou para as reflexões acerca da importância do esporte e lazer como
espaço e tempo para a reflexão das políticas públicas para os povos indígenas.
Os Jogos dos Povos Indígenas como espaço de politização provoca novas
alternativas de intervenções, em busca de investimentos nas políticas públicas
para os grupos étnicos. A possibilidade do esporte e do lazer promoverem a
participação popular, como forma educativa, no sentido de politizar o grupo,
frente aos seus direitos e desafios abrem novas perspectivas na relação entre o
Estado e as comunidades indígenas, contribuindo para a causa indígena.
O Ministério do Esporte vem se empenhando para construir e implementar uma política nacional de esporte e lazer que atenda os anseios da população
indígena, buscando cumprir com o dever do estado de reconhecer a diversidade sociocultural, práticas e saberes tradicionais dos povos, compreendendo
que as políticas públicas devem ser elaboradas, desenvolvidas e avaliadas com
a participação qualificada de todos os segmentos, especialmente às quais as
ações e programas se destinam.
As articulações elaboradas nesse processo podem determinar a maneira
como se desenvolverão as políticas para os indígenas brasileiros, e estas também determinam as diversas capacidades dos atores sociais ou grupos de interesse em conseguirem resultados políticos favoráveis.
(FUKS 1998) nos traz a perspectiva de aprofundamento destas questões
de articulação e conflitos dos envolvidos no contexto das políticas públicas,
quando destaca a importância de se conceber a vida social e política como
arena argumentativa, em que os partidos políticos, os grupos organizadores e
o governo participam de um permanente processo de debate.
As arenas públicas são então reconhecidas como espaços de ação e debate
dinâmico que por vezes são permeados de conflitos sociais, mas esses acima de
tudo, é que viabilizam a garantia do debate, não permitindo que as demandas
e os projetos sejam sempre determinados pelos representantes dominantes. A
248
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
ideia de “sistema de arenas públicas” sugere a saliência dos assuntos que nele
circulam. Supõe-se, antes de qualquer coisa, a visibilidade das ações e dos debates a ele associados (FUCKS, 1998).
Para a efetivação de uma arena é necessário que os atores sociais envolvidos
nas políticas públicas estejam participando dos processos pré – decisórios e
decisórios, e principalmente, sejam reconhecidos como parte do processo.
Como lhe é característico, os povos indígenas vêm ao longo dos séculos
lutando cotidianamente, utilizando de diferentes estratégias, em busca da efetivação do que está consagrado na Constituição Federal, bem como em documentos internacionais, em que o Brasil é signatário. Essa luta é também travada, pelo fato de que os povos indígenas não vêem os seus direitos respeitados
e materializados por meio de políticas públicas, ou seja o reconhecimento no
processo de direitos sociais. Diante deste contexto em que os indígenas desejam exercer essa cidadania, a salvaguarda de suas práticas corporais, os direitos
ao esporte e lazer emergem como importantes demandas.
Com o reconhecimento do direito à diferença, os povos indígenas vêm reivindicando o reconhecimento de seus patrimônios culturais por meio do movimento indígena, articulados em torno de interesses comuns. Neste sentido, o
Estado deve garantir-lhes o direito a participação na formulação, desenvolvimento e avaliação de políticas públicas.
Desta forma, estes atores sociais buscam estar envolvidos na elaboração da
agenda. A agenda é, justamente, o instrumento que reflete a priorização de temas e problemas a serem trabalhados por um governo, portanto, a um espaço
de conflitos, disputado entre os diversos atores que fazem parte do jogo político (ROTH DEUBEK, 2006). Nesse jogo a forma como se planeja e articula o
poder nas diversas situações é que determina os temas que irão compor parte
da agenda e ainda, os temas que não serão priorizados.
Ao estudar sobre o estabelecimento da agenda, (KINGDON, 2006) propõe
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
249
três explicações: problemas, política e “participantes visíveis”. O reconhecimento do problema é um passo crítico para o estabelecimento de agendas, e
alguns problemas recebem mais atenção do que outros, devido à forma pelas
quais os atores tomam conhecimento das situações, quanto nas formas pelas quais essas situações foram definidas como problema. O fluxo da política
explica também a alta ou baixa importância de um tema na agenda, sendo
influenciada pelos desdobramentos na esfera política e ainda pelos consensos
realizados pela negociação. E por último, a agenda é influenciada pelo grupo
de “atores visíveis”, que são aqueles que recebem considerável atenção da imprensa e do público.
A perspectiva colocada por Kingdon (2006) é interessante, pois estabelece
os envolvidos na definição da agenda ao defender a participação dos “atores
visíveis” e “atores invisíveis”, esclarecendo como a arena é constituída e como
são definidas as prioridades do estado.
O grupo de atores visíveis, aqueles que recebem considerável atenção da imprensa e do público, inclui o presidente e seus assessores de alto escalão, importantes membros do Congresso, a mídia, e atores relacionados ao processo eleitoral, como partidos políticos e comitês de campanha. O grupo relativamente
invisível de atores inclui acadêmicos, burocratas de carreira, e funcionários do
Congresso. Descobrimos que o grupo de atores visíveis define a agenda enquanto o grupo de atores invisíveis tem maior poder de influência na escolha das
alternativas (KINGDON, 2006, p. 230).
Como resultado de uma definição de agenda, os Jogos dos Povos Indígenas,
idealizado pelos irmãos Marcos e Carlos Terena, fundadores da organização
não governamental Comitê Intertribal de Memória e Ciência Indígena - ITC
passaram a contar com apoio governamental federal a partir de 1996, com a
criação do Ministério Extraordinário do Esporte e Turismo. O então Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto – INDESP, em parceria com
o Comitê Intertribal, desenvolveu as demandas de planejamento de custos e
250
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
recursos financeiros para realização da primeira edição do evento. Ou seja,
esta foi à primeira ação do governo federal em relação ao esporte e ao lazer
para os povos indígenas no Brasil. Já em 2007 o ITC passou a contar com a
instância do Ministério do Esporte, o seu principal parceiro. E foi a partir da
IX edição, que o Ministério do Esporte, através da evidente participação dos
seus gestores na organização de todo o processo junto ao Comitê Intertribal,
constatou que os Jogos dos Povos Indígenas seriam uma importante ferramenta para valorizar a cultura indígena e afirmar sua identidade, frente a uma política pública que nunca existiu no campo do esporte e do lazer.
Com o lema “o importante não é competir e sim celebrar”, os Jogos dos
Povos Indígenas tiveram a partir de 2007 um apoio institucionalizado do Governo Federal, envolvendo além do Ministério do Esporte, a FUNAI/Ministério da Justiça, o Ministério da Cultura, o Ministério da Saúde, o Ministério da
Educação, além dos Governos de Estado e Prefeituras Municipais. Os jogos
foram criados tendo como principal objetivo resgatar e valorizar os jogos esportivos indígenas, promovendo o congraçamento e intercâmbio entre outras
etnias participantes, fortalecimento da identidade cultural desses povos e confraternização digna e respeitosa dos índios com a sociedade indígena.
Lidar com um evento desta magnitude exige um grande esforço por parte
dos líderes do Comitê Intertribal, bem como da Equipe do Ministério do Esporte, na busca pelas melhores soluções as demandas apresentadas, com vistas
a garantir à qualidade dos Jogos, em conformidade com as especificidades da
cultura indígena, atendendo as exigências burocráticas necessárias a efetivação
da ação.
A compressão do esporte e lazer como instrumento político, uma forma de
lutar, reivindicar e conquistar direitos se faz presente ao longo da história destes
jogos. A evolução das edições dos Jogos dos Povos Indígenas e o envolvimento
ativo das diversas etnias nos eventos são reconhecidos pelos organizadores da
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
251
seguinte forma: “[...] não importava a etnia, a língua, a linha política, e o local
de onde vinham, o esporte e o lazer, os Jogos dos Povos Indígenas, quebravam
barreiras e preconceitos e propunham a celebração” (TERENA, 2009).
O Fórum Social Indígena é um evento que ocorre dentro dos Jogos dos
Povos Indígenas, objetivando ser um espaço (arena) de discussão entre as diferentes etnias. As rodas de conversa e trocas são realizadas a partir de temas
(problemas) sugeridos pelo Comitê Intertribal e o Ministério do Esporte, assim como ás demais representações executivas se fazem presentes para contribuir com o processo ( atores visíveis e atores invisíveis). A ideia é romper com
a pobreza descrita por Pedro Demo:
[...] a dinâmica mais profunda da pobreza: sua politicidade. Ser pobre não é apenas não ter certas coisas. É principalmente ser destituído de ter e, em especial,
de ser, um tipo de exclusão que tem em sua origem não só em carências materiais, mas mormente em imposições mobilizadas por processos de concentração
de bens e poder por parte de minorias. Pobreza é carência politizada, no sentido
de a carência servir para o favorecimento de alguns em detrimento de muitos.
Temem um pobre que sabe pensar. Exigindo ser visto como protagonista, requer direitos, não apenas benefícios. É muito pobre nossa concepção de pobreza. Escondemos sob a capa superficial, por vezes até mesmo fútil, de estudos e
políticas focados em benefícios materiais, um oceano de problemas muito mais
graves, em especial o extermínio do sujeito capaz de história própria. Concebemos pobreza como nos convém, não como convém ao pobre. Segue que a ele reservamos, com naturalidade fria, propostas pobres. Em termos de pobreza, tudo
é muito grave. “Mas nada é mais grave que a pobreza política” (DEMO, 2008).
A gestão do esporte e o lazer promove assim um espaço educativo, o Fórum
Social Indígena, é um espaço e um tempo de discussão de causas indígenas,
dos problemas que afligem toda uma população e a riqueza desse processo de
construção histórica centra-se no fato de que é nas relações estabelecidas ali,
nas rodas de conversa, no debate com os representantes governamentais que a
educação política vai se desenvolvendo, e os gestores vão identificando novas
252
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
demandas, e vai se construindo uma nova relação interétnica rumo ao reconhecimento dos envolvidos como seres políticos.
Fórum social indígena: o diálogo promovendo possibilidades para a intersetorialidade
A intersetorialidade pode se apresentar como uma das possibilidades de
articulação entre os saberes e as ações, com vistas à superação das dificuldades
coletivas, tornando-se mais seletiva e colaborando com a redução das desigualdades e com o bem estar social. Encontramos em Maesch (2008) uma caracterização sintética sobre intersetorialidade, como articulação entre sujeitos
de setores diversos, de saberes, poderes e vontades diferenciados, para enfrentar questões complexas.
Um espaço de encontro, diálogo e debates acerca das políticas públicas
para os povos indígenas, assim vem se consolidando o Fórum Social Indígena,
evento que acontece dentro do tempo e espaço dos Jogos dos Povos Indígenas.
As mais de 39 etnias envolvidas no evento se organizam para debater temas
como meio-ambiente, saúde, esporte e lazer, educação, igualdade racial e direito da mulher indígena, no sentido de melhorar a qualidade de vida e as
políticas públicas que envolvem esses povos. Faz-se necessário esta postura
intersetorial, enquanto um princípio que orienta a ação, com aparato governamental, considerando território e população.
O XI Jogos dos Povos Indígenas, realizado no Tocantins, reuniu cerca de
1.400 indígenas, que para além da participação na corrida de tora, no arremesso de lança, na natação, arco e flecha, nas danças e demais modalidades esportivas e de lazer se organizaram para debater questões referentes ao ser índio na
sociedade atual. Seicchi in Pinto (2011) contribui com esse olhar ao nos fazer
refletir que “Não basta apenas dizer: “sou jovem”; “sou negro”; “sou índio”, é
necessário que esses pertencimentos sejam aceitos e legitimados pelo Estado
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
253
e pela sociedade. Portanto, o critério de pertencimento supõe a pluralidade
de percepções e de situações, isto é, supõe a legitimidade de múltiplos atores”.
O Fórum Social Indígena aconteceu durante três dias, e um pouco do que
foi dialogado neste espaço estaremos compartilhando aqui, no sentido de socializarmos as discussões, contribuir para com a continuidade dessa política
pública promovida pelo esporte e lazer e para com as conquistas dos povos
indígenas do Brasil.
Importantes temas foram abordados durante a realização do Fórum Social
em meio a XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas. Dentre eles: “Igualdade Racial e os Direitos da Mulher Indígena”; “Direito Indígena – Identidade,
Cultura e Educação” e “Juventude Indígena Formação Superior Intercultural
Bilíngue”. A cada conferência, além da apresentação de um convidado com
significativa contribuição na área, foi garantido o espaço necessário para as intervenções do publico presente. Além disso, foram apresentados pelos coordenadores do Comitê Intertribal a proposta dos Jogos dos Povos Indígenas e do
evento Rio+20, posteriormente realizado no RJ. Aos gestores do Ministério do
Esporte, coube a reflexão sobre as ações desenvolvidas no âmbito do governo
federal, sob o enfoque “Esporte e Tradição - Afirmação Étnica”, com destaque
para o Programa Esporte e Lazer da Cidade.
A primeira mesa foi organizada com o tema: Igualdade Racial e os Direitos
da Mulher Indígena: Terra é Vida! A indígena Maria Helena Pareci se responsabilizou pela coordenação desta mesa que tinha como conferencista a ministra da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, a Secretária
Nacional de Esporte e Lazer, o Secretário Estadual de Esporte do Tocantins
e o Secretário de Cultura do município de Porto Nacional, tendo ainda como
comentarista Miriam Terena.
A ministra do SEPPIR destaca que este ministério foi criado a oito anos
para trabalhar com questões que nunca haviam sido trabalhadas pelo governo
254
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
brasileiro, ficando as comunidades indígenas e negras a margem das políticas
públicas. Não tendo espaço no Congresso Nacional, assim houve uma organização do movimento negro, tendo este se organizado para trabalhar pelos
direitos relacionados a igualdade racial. As comunidades quilombolas foram
catalogadas e assim como as indígenas identificando a necessidade da terra, da
vida rural, confrontando com interesses do governo ou privado. Faz-se determinante criar espaços de discussões entre as comunidades da mata para que se
identifiquem as lutas.
As mulheres indígenas se identificam neste processo a partir da oportunidade de serem lideranças, de verificarem como, na atualidade, o indígena se
encontra, estabelecendo um olhar acerca dos problemas que a comunidade
enfrenta, se responsabilizando por verificar as possibilidades de intervenção
para solução de problemas.
O encontro das várias etnias é compreendido como uma possibilidade de
aprendizagem, assim como o encontro com o não indígena, afinal, estamos
construindo uma história de respeito a diversidade. A comentarista esclarece
que o movimento das mulheres indígenas vem crescendo, chegando à aldeia as
políticas públicas. A história indígena reflete uma luta da mulher por espaço,
neste momento é destacado que as mulheres indígenas estão lutando para que
tenham 15% de participação nos jogos, sendo ressaltado que neste evento tem
delegação que não garantiu a participação feminina. O movimento indígena e
negro feminino devem buscar a irmandade, pois as lutas são quase as mesmas
(posse da terra, educação, saúde, respeito a diversidade, investimentos em fortalecimento da cultura), reivindicam a necessidade do SEPPIR abrir espaço de
trabalho para um indígena, para que este possa lutar pelos direitos indígenas.
A segunda mesa teve como tema PELC - Esporte Tradição e Afirmação
Étnica, sendo coordenada pela professora e pesquisadora Maria Beatriz Rocha
Ferreira; uma técnica do Ministério do Esporte foi a conferencista e Carlos
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
255
Terena, coordenador dos Jogos dos Povos Indígenas, Tainara Terena e Samira
Tsibodowapre foram os comentaristas.
Um breve histórico dos Jogos dos Povos Indígenas marcou o início desta mesa, problematizando questões como a dificuldade de recursos humanos
para se discutir o desenvolvimento desse evento. O jogo dos sonhos, como é
caracterizado pelo coordenador geral recebe a parceria do Ministério do Esporte, que por meio dos vários técnicos assessoram a elaboração do projeto e a
organização da realização deste grande evento para as comunidades indígenas.
Ocorre que há que se refletir acerca da sobrevivência dos jogos frente as mudanças de gestão, ficando a ressalva de que os povos indígenas são os grandes
responsáveis pela realização deste evento e apoio do Ministério Esporte é determinante para a garantia de realização.
O sonho do encontro dos povos com intercâmbio cultural e intercultural
está se realizando e os limites e possibilidades desse processo foi destacado
nesse momento, acrescentando a ideia de se envolver outros povos na realização e participação desse grande evento. De acordo com o coordenador geral
dos jogos “... há que se envolver outros povos, ver as pinturas diferentes, a
plumagem diferente, ... o índio está ficando diferente. A televisão enfraquece a
cultura, o jovem tem vergonha de manter a cultura e os jogos são importantes
para que o jovem veja a importância da língua e da cultura”.
A participação indígena na discussão dos jogos, do esporte e lazer trouxe
algumas reflexões quanto a importância destes para as comunidades e jovens,
visto que os jogos transformam o povo, trazendo maior qualidade de vida,
podendo contribuir para evitar o alcoolismo e o envolvimento com drogas. Os
indígenas solicitaram uma política pública que implantasse ações de esporte e
lazer nas aldeias, com professores qualificados e ainda que as lideranças indígenas sejam preparadas para assumir os jogos, entender como o esporte não
indígena está presente na atualidade nas comunidades indígenas, em especial
256
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
o futebol, sendo questionado o valor da competição nesta modalidade. Os indígenas que participaram desse momento destacaram o desejo de conhecer e
aprender para assim defender o seu povo.
Com o tema Direito Indígena – Identidade, Cultura e Educação, a terceira
mesa se desenvolveu, sob a coordenação de Cristine Maxakali, tendo como
conferencistas uma representante do Ministério da Educação e uma do Ministério da Cultura e como comentarista uma representante da Secretaria de
Educação do Estado do Tocantins.
O Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, busca promover a educação escolar
indígena, inovando o sistema de ensino com a possibilidade do ensino intercultural, específico e diferenciado. A busca pelo respeito a diversidade sociocultural é um dos grandes desafios das políticas públicas, compreendendo diversidade como um recurso enriquecedor. A interculturalidade na educação
e na comunicação pode contribuir para políticas pluriculturais e plurilíngues,
agregando o valor social da diversidade entendida como patrimônio da nação
A busca do Ministério da Educação é pela autonomia pedagógica das escolas indígenas, local onde as línguas indígenas são tratadas como línguas de
conhecimento, na compreensão ampla de educação escolar própria a cada realidade sociocultural, e mais ainda reconhecendo a distinção entre educação
indígena e educação escolar indígena.
Os indígenas trazem a dificuldade quanto á relação estabelecida com os órgãos responsáveis pala gestão da educação e a nível Estadual questionam a necessidade de se ter um indígena como coordenador de assuntos educacionais,
observando que no Tocantins já existem pessoas capacitadas para tal função.
Já o Ministério da Cultura, destaca que vem trabalhando por meio da Secretaria de Diversidade e Identidade Cultural no sentido de desenvolver ações
transversais, tanto no âmbito governamental, quanto por meio de diálogos
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
257
diretos com a sociedade civil, promovendo a interlocução com setores culturais, notadamente, desprovidos de políticas públicas e/ou onde o braço do Estado não lhes alcança. Neste sentido, instituiu em 2005, o Grupo de Trabalho
para Identificar Políticas Públicas para a Cultura Indígena, com a finalidade de
indicar políticas públicas para a cultura indígena, em parceria com os povos
indígenas, através de uma metodologia de atuação que contemple efetivamente a interlocução com representações.
Dentre a promoção de Campanhas que visam à valorização da Cultura Indígena, oferta de Oficinas para Elaboração de Projetos voltados para Lideranças Indígenas, realização de Encontro entre Povos, esta o Ponto de Cultura
– uma ação do Programa Mais Cultura, que tem o objetivo de preservar, valorizar e fortalecer a identidade cultural das comunidades indígenas; utilizando
dentre outras ferramentas, as novas tecnologias da comunicação digital.
O tema Economia Verde e Sustentabilidade Indígena foi abordado por
Marcos Terena e Fernanda Kaingang, que abordaram a realização do evento
Rio+20. Foi esclarecido que tudo começou na Rio 92, podendo verificar entre os participantes quem esteve presente no evento realizado a 20 anos atrás,
sendo que o objetivo agora na RIO + 20 é verificar o que mudou nesse período
com relação ao meio ambiente, ressaltando que hoje tem muita destruição causada pelo crescimento urbano (do branco destruindo a natureza), a poluição
do ar, os venenos agrícolas, alto índice de câncer, necessitando o não indígena
estabelecer um olhar para as plantas, pois nelas estão as possibilidades para a
elaboração de medicamentos que podem curar as doenças do mundo atual.
A participação indígena é muito importante, visto que são 240 povos, ou
seja, 240 sabedorias. Estes espaços de discussão devem ter a participação dos
indígenas, para que todos possam conhecer sua sabedoria e os indígenas possam também conhecer a sabedoria do não indígena. Neste processo se faz necessário que os indígenas busquem as universidades, estudando, pesquisando,
258
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
aprendendo outras línguas, nunca esquecendo o respeito pelos anciãos e o cuidado para com as crianças.
O indígena deve compreender como pode participar efetivamente desse
evento que se discute a economia verde, em que se fala do meio ambiente e
para que haja esse protagonismo é importante que o indígena entenda que esse
interesse deve ser seu: cuidar da terra, do lugar onde vivem, é interesse das comunidades indígenas. Desta forma há que se buscar saber como vai funcionar
as pautas, discutir a economia verde na visão do indígena ou do não indígena
e afinal, o que é a economia verde?
Os povos indígenas não tem representação nos segmentos de discussão da
Rio +20, daí a necessidade de se reconhecer o significado do que é economia
verde para saber promovê-la. E assim caminham, os indígenas, rumo a defesa
dos seus territórios e conhecimentos, estudando o conhecimento do não indígena para defender os seus.
O indígena contemporâneo deve lutar pela de segurança jurídica de suas
posses, e isso inclui seus conhecimentos e fórmulas, que ao saírem da aldeia já
não fazem mais parte dela, tornam-se domínio publico. A Rio +20 está incentivando os representantes indígenas a estudarem as pautas a serem discutidas,
a buscarem o conhecimento do inglês e do espanhol, pois não querem ir só
para desfilar cocar e sim para participar efetivamente do evento.
Considerações finais
O esporte e o lazer como espaço de educação popular, de incentivo ao
protagonismo na busca das lutas das minorias sociais e do senso de pertencimento. Os Jogos dos Povos Indígenas instigam a comunidade indígena e não
indígena a reconhecerem e discutirem as causas que envolvem as etnias brasileiras, promovendo a diversidade. A busca pelo diálogo entre comunidade e
os diversos setores da gestão pública, fomentam uma ideia de política pública
intersetorial.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
259
A realização do Fórum Social Indígena fortalece um espaço de conversa
acerca de ações e programas do Governo Federal, das mais diferentes áreas,
que tenham como intento maior fomentar o desenvolvimento social e humano
nas comunidades indígenas.
Apesar dos avanços, muitos são os desafios a serem superados, especialmente por aqueles que tratam do fazer público (gestores). Considerar questões como extensão territorial, densidade demográfica, diversidade cultural,
entendimento com relação ao lazer, conhecimentos administrativos e legais,
além de infraestrutura e orçamento, é de fundamental importância, visto as especificidades do público alvo a ser beneficiado, objetivando a implantação de
uma política verdadeiramente inclusiva, que cumpra com os desígnios legais,
necessários a gestão do recurso público.
Os povos indígenas após anos de buscas por parcerias veem esta possibilidade consolidando, podendo ser comprovado esse avanço em 2012, quando
os frutos desta relação e dos avanços trazidos pelos Jogos dos Povos Indígenas.
A experiência da implantação de três núcleos pilotos do Programa Esporte e
Lazer da Cidade Indígena (Xavante, Terena e Wai Wai), possibilitou o Ministério do Esporte a assumir outros desafios visando à ampliação do acesso ao
esporte e ao lazer, enquanto direito social. O PELC, como é chamado, é um
programa que visa ampliar, democratizar e universalizar o acesso ao esporte recreativo e de lazer, favorecendo o desenvolvimento humano e a inclusão
social. Ao garantir o investimento na contratação de recursos humanos, compra de material, promoção de atividades sistemáticas e assistemáticas, além da
formação de agentes sociais, os PELC’s Indígenas poderão oportunizar as etnias beneficiadas, o resgate e a valorização das práticas tradicionais indígenas
como: corridas, cabo de guerra, canoagem, arco e flecha, brincadeiras no rio e
atividades culturais; como também as etnias que assim desejarem a vivência de
esportes não tradicionais como o vôlei e o futebol.
260
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Neste sentido, aponta-se como desafio para o poder público a efetivação
em maior escala, de ações sistemáticas que garantam de forma eficaz o direito
ao esporte e ao lazer às comunidades indígenas no Brasil. Faz-se necessário e
urgente a promoção de espaços qualificados para o diálogo, entre gestores e
representantes indígenas de diferentes etnias, a exemplo do Fórum Indígena
mencionado, com vistas a garantir o reconhecimento e respeito aos seus direitos pelo Estado e pela sociedade civil. Este processo é educativa visto que
promove a formação de quadros indígenas, ou seja, o fomento ao surgimento
de novas lideranças, para que possam opinar discutir e decidir o futuro das
próximas gerações.
REFERÊNCIAS
DEMO, Pedro. Pobreza Política. Campinas-SP. Autores Associados, 2006.
FUKS, Mario. Arenas de ação e debate públicos: conflitos ambientais e a
emergência do meio ambiente enquanto problema social no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Editora Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Serzedello Corrêa, 1998.
KINGDON, John W. Agendas, Alternatives, and Public Policies. 2 ed. Nova
York, Harper Collins College Publishers, 1995.
KINGDON, John. Como chega a hora de uma ideia? In.: SARAVIA, Enrique
e FERRAREZI, Elisabete (Org.). Políticas Públicas. Brasília: ENAP, 2006.
PINTOS, Leila. Brincar, Jogar, Viver: IX Jogos dos Povos Indígenas. Brasília,
Gráfica e Editora Ideal, 2011.
ROCHA FERREIRA, M. B. Jogos dos povos indígenas: tradição e mudança.
Rev. Educ. Fís. Esp, São Paulo, v. 20, Suplemento n. 5, 2006.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
261
TERENA, M. O brincar, jogar e viver indígena: os jogos para o Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena. In.: PINTO, L.M.S.M.; GRANDO, B. S
(Org.). Brincar, jogar, viver: IX Jogos dos Povos Indígenas. Cuiabá: Central
de Texto, 2009.
TERENA, C.J. O importante não é ganhar, mas celebrar. Revista de História
da Biblioteca Nacional, 2007.
262
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
APORTES FINAIS
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha
Agradecemos ao Ministério do Esporte, ao Comitê Intertribal Memória e
Ciência Indígena, à Universidade Federal da Grande Dourados e a todos os
autores que se dedicaram para a elaboração deste livro CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE: XI Jogos dos Povos Indígenas – Porto
Nacional – Tocantins, 2011.
As pesquisas textuais e imagéticas dos autores contribuíram para que esta
obra se tornasse realidade. O livro retrata mais uma etapa do processo de consolidação da política pública de esporte e lazer, o exercício dos direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988, o protagonismo
indígena e as ações dos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento.
As vozes dos líderes indígenas Marcos e Carlos Terena, dos representantes
dos povos indígenas participantes refletem uma retomada e a autodeterminação desses povos, no processo de revitalização das culturas e de resistência aos processos de dizimação cultural. A linguagem corporal representada
pelas práticas corporais – jogos, danças, rituais, o artesanato e as discussões
no fórum social – estabelecem diálogos entre o conhecimento ancestral ainda
presente na atualidade, o conhecimento técnico-científico, o governo e a sociedade civil.
Os legados dos XI Jogos dos Povos Indígenas – Porto Nacional – Tocantins,
2011, associados às outras edições, são imensuráveis!
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
263
Roberta Tojal
SOBRE OS AUTORES
Marcos Mariano Terena
Filho da Nação Indígena Terena de Mato Grosso do Sul; Fundador do 1o movimento indígena brasileiro – a União das Nações Indígenas; Professor da
Cátedra Indígena Intercultural – CII; Membro do Comitê Intertribal Memória
e Ciência Indígena; Membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e Articulador Internacional dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas - Brasil 2015.
Carlos Justino Terena
Filho da Nação Indígena Terena de Mato Grosso do Sul, Liderança indígena,
mentor e organizador dos Jogos dos Povos Indígenas, fundador e membro do
Comitê Intertribal Ciência Indígena, diretor de eventos culturais e esportivos
da Funai.
Rejane Penna Rodrigues
Licenciada e Mestre em Educação Física, foi Diretora de Operações e Serviços/
Autoridade Pública Olímpica; Secretária Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer/Ministério do Esporte; Secretária Municipal de Esporte, Recreação e Lazer de Porto Alegre; assessora do Governo Estadual do Rio Grande
do Sul e integra quadro da Secretaria de Esporte e Lazer de Porto Alegre. Tem
e internacionais.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
265
Leila Mirtes Magalhães Pinto
Doutora em Educação pela UFMG. Mestre em Educação Física pela Unicamp.
Docente aposentada da UFMG. Foi consultora de esporte/lazer nas prefeituras de Belo Horizonte e Betim; diretora do Departamento de Ciências e
Tecnologias do Esporte do Ministério do Esporte; supervisora da Autoridade
Pública Olímpica; e consultora de lazer, cultura e esporte do Departamento
Nacional do SESI e DR-Bahia. Pesquisadora nas áreas do esporte e lazer, tem
várias publicações, dentre elas várias indígenas.
Deoclecio Rocco Gruppi
Possui graduação em Educação Física pela UNIVERSIDADE DE MOGI DAS
CRUZES, UMC (1988) e Mestrado em Educação pela UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA, UNIMEP(2001). Doutorado em Educação Física pela
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, Unicamp (2013). Atualmente é
professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física na Educação Básica, atuando principalmente nos seguintes temas: educação física,
ção, jogos indígenas.
Vera Regina Toledo Camargo
Doutora em Comunicação, pós-doutorado pelo Multimeios-Unicamp. Pesquisadora na Unicamp, no Laboratório de Jornalismo (Labjor). Professora
(IEL-Labjor-Unicamp), trabalhando com Estudos Culturais e a Comunicação
de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: Comunicação
266
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Khellen Cristina Pires Soares
Graduada em Educação Física pela ESEFFEGO (1999), especialista em Gestão
Pública pela UFT (2011), Mestre em Educação pela UCG (2006), doutoranda
em Estudos do Lazer pela UFMG. Atualmente sou professora do Instituto de
Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. Possuo experiência na área da
educação física, tendo atuado na educação básica do Estado do Tocantins;
como gestora na Secretaria de Esporte do Estado do Tocantins, como assessora técnica na coordenação de educação indígena e ainda como coordenadora
e professora de curso de licenciatura em Educação Física. Formadora do Programa Esporte e Lazer na Cidade (PELC) - Ministério do Esporte e participo
do Núcleo de estudos sobre Aprendizagem na Prática Social, onde desenvolvo
estudos relacionados com os temas: Cultura, Lazer e Indígenas.
Ana Elenara Pintos
Graduada em Educação Física Plena pela URCAMP (2003), especialista em
Metodologia do Ensino da Educação Física e Esporte pela Universidade Portal
(2008) e Habilitada para o Magistério pela E.E. Liberato Salzano Vieira da
Cunha (1997). Professora da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul
possui experiência com educação de crianças, jovens, adultos e idosos tanto
no âmbito da Alfabetização quanto da Educação Física. Coordenou um dos
dez PELCs Piloto do Ministério do Esporte em Bagé/RS, município em que
atuou como Secretária Municipal de Esporte e Lazer. Atualmente esta cedida
para o Governo Federal à frente da Coordenação Geral de Esporte e Lazer/
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
267
SNELIS – Ministério do Esporte. Titular nos Conselhos dos Direitos da Pessoa
Idosa – CNDPI e Igualdade Racial – CNPIR.
Maria Clara Ferreira Guimarães
Experiências em organização e análise linguística de textos pela Unicamp.
Ensino na área de segunda língua (alemão, português e inglês) e ensino no
geral (aulas de apoio escolar), bem como pesquisa nesta área. Bolsista CNPq
Jornalismo (Labjor) da Unicamp nos anos de 2012 e 2013, bolsista Santander
em Portugal no segundo semestre de 2013, intercâmbio na Alemanha em
janeiro de 2008 a janeiro de 2009 e primeiro semestre de 2014.
Heloisa Guimarães
Graduada em Linguística pela USP e Línguas Português e Inglês na Mackenzie, Experiências em linguista em diferentes setores acadêmico e industrial
português e inglês, graduada em Linguística pela USP e Letras Português e
Inglês pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
José Ronaldo Mendonça Fassheber
físico. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Estadual do Centro
Oeste - PR e Professor Colaborador do PPGH da Unicentro. Possui graduação
em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1993), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1998) e doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Tem maior experiência, produção e atuação em Antropologia
268
Celebrando os jogos, a memória e a identidade
Social, com ênfase em Antropologia do Corpo e da Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: Corpo e sociedade, Kaingang, etnohistória e
etnologia indígena e também nas relações de gênero. Em 2009, recebeu o 1º
Premio Brasil de Esporte e Lazer de Inclusão Social do Ministério do Esporte
autor de Etno-deporto Indígena, a Antropologia Social e o Corpo entre os
Kaingang. Brasília: Ministério do Esporte, 2010.
Liliane da Costa Freitag
Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(1991), mestrado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(1997) e doutorado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2007). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Centro-Oeste e pertence ao quadro docente do Programa de Pós-graduação em História, área de concentração História e Regiões. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Latino-Americana, atuando
principalmente nos seguintes temas: região, identidade, cultura, historiogra-
Levi Marques Pereira
Professor associado da Universidade Federal da Grande Dourados, onde leciona na Faculdade Intercultural Indígena (Licenciatura Intercultural Indígena - Teko Arandu, desde 2006). Participa dos programas de pós-graduação em
Antropologia e História. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase
em Etnologia Sul-americana, atuando principalmente nos seguintes temas:
parentesco e organização social, educação indígena, antropologia da religião,
infância e gênero, história indígena, terras indígenas e movimento social.
Maria Beatriz Rocha Ferreira e Marina Vinha (Org.)
269
Roberta Tojal
Roberta Tojal
Maria Beatriz Rocha
Ferreira
Graduada e Mestre em
Educação Física pela
Universidade de São Paulo,
Doutorado em Antropologia
pela Universidade do
Texas, Austin, Estados Unidos, Livre Docente pela
Faculdade de Educação Física da Universidade
Estadual de Campinas. Professora Visitante
nas Universidades Católica de Leuven, Bélgica,
Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná
e atualmente Professora Nacional Visitante Sênior
da CAPES/UFGD na Faculdade de Educação da
UFGD. Experiências em pesquisas na linha de
Educação, Esporte e Diversidade com enfoque
antropológico, atuando principalmente em
temáticas sobre educação, interculturalidade,
esportes tradicionais, povos indígenas e
processos civilizadores.
Marina Vinha
Graduada em Educação
Física pela UFMS, Mestrado
e Doutorado em Educação
Física pela Faculdade
de Educação Física da
Universidade Estadual
de Campinas. Experiências na formação de
professores indígenas em nível Médio e Superior,
pesquisadora nas linhas de Educação, Lazer
e Esporte com enfoque sócio-antropológico,
atuando principalmente com temáticas sobre
a ludodiversidade indígena. Professora efetiva
na Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD), nos cursos de Educação Física,
Licenciatura Indígena e Pedagogia.
CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE
é uma obra interdisciplinar sobre a XI Edição dos Jogos
dos Povos Indígenas, realizada no município de Porto
Nacional, Tocantins, em 2011. O livro se propõe a registrar e analisar informações referentes à memória deste
evento, busca identificar e compreender os principais legados do protagonismo indígena. Aponta rumos para a
elaboração de políticas públicas de esporte e lazer para
indígenas no Brasil. A metodologia do livro seguiu os seguintes critérios: processos históricos e significados dos
jogos, pesquisas e legados, e desdobramentos sócio-antropológicos. Os autores são pesquisadores especialistas
que participaram na organização do evento, no trabalho
de campo e na análise das informações. O conjunto dos
artigos traz benefício teórico aos leitores por elucidar o
construto do evento na lógica interna e externa das práticas corporais, do fórum social e das redes de inter-relações, de forma a ampliar o conhecimento acerca desse
universo pouco difundido. Todos os artigos estão publicados na Edição Eletrônica, indexada no “Repositório Vitor
Marinho” - REDE CEDES, Ministério do Esporte.
Foto da capa: Fernando Amazônia
ISBN 978-85-917811-7-1
9 788591 781171
Ministério do
Esporte
Secretaria Nacional,
esporte, educação, lazer e
inclusão social (Snelis)
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