MÚSICA, GÊNERO E MÍDIA: GERANDO UM

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MÚSICA, GÊNERO E MÍDIA: GERANDO UM DEBATE NÃO SEXISTA
PAKIZZA SHERMA MARTINS BRÁZ
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB
A pesquisa representa um debate no combate às formas de discriminação e
preconceito, na formação de hábitos e atitudes gerados pelo espaço da mídia, buscando
desenvolver o debate relativo à eqüidade de gênero nas políticas das tecnologias midiáticas,
tratando da imagem da mulher veiculada nas músicas e os conceitos de corpo feminino
presentes nas músicas do mercado musical do tempo contemporâneo.
Neste sentido, discutimos,nesta pesquisa a importância de desenvolvermos o sentido
das músicas que escutamos cotidianamente e problematizarmos, no grupo de mulheres-mães
da Pastoral da Alimentação, que representa um espaço de construção de cidadania.
Especificamente, foi aplicado o Projeto: Dançando de acordo com a música, na
Pastoral da Alimentação, da Paróquia de São Sebastião com funcionamento no Seminário
Diocesano São João Maria Vianey, no bairro do Alto Branco, localizado no município de
Campina Grande- Pb, considerando, nas músicas, a possibilidade de construção de uma
educação não-sexista com o grupo de mulheres -mães.
Priorizando as questões de sexualidade e sua articulação com a educação, a presente
pesquisa surgiu nos debates do Núcleo de Estudos de Gênero do Curso de Pedagogia da
Universidade Estadual da Paraíba-PB, coordenado pela Profª. Dr.ª Ligia Pereira dos Santos.
Escolhemos a música, porque desde os primórdios da humanidade a mesma esteve presente
em todas as manifestações humanas de alegria, dor, esperança, fé, amor..., expressando-se das
mais variadas formas e nos mais diversos grupos sociais.
Fundamentado na concepção feminista, utilizando o conceito de gênero como uma
construção sócio-histórica das distinções/diferenciações baseadas no sexo e gênero, este
trabalho resultou do interesse pela busca de esclarecimentos quanto às circunstâncias a que a
mulher está submetida no atual contexto social nas músicas. Assim, interessa-nos refletir
sobre o papel social atribuído à mulher, nas concepções da produção musical no atual
contexto social.
O objetivo foi discutir a discriminação que denigre a imagem da mulher mediante as
letras das músicas brasileiras, bem como, a discriminação daquelas que a endeusam, ou seja,
apresentam uma extrema valorização do ser feminino, (WOLF,1992) versus músicas
inclusivas, com um grupo de mulheres das camadas excluídas.
Dessa forma, buscamos entender as relações sociais a que esta submetida à mulher e o
real tratamento dado à figura feminina nas músicas junto à reflexão com o grupo de mulheres
da Pastoral da Alimentação.
A amostra foi constituída através da análise de quatro músicas de sentido degradante
versus outras quatro que apresentam a construção de uma sociedade não excludente por
motivos de diferenças entre os sexos.
Observamos, na maioria das letras das músicas das bandas atuais que estão fazendo
“sucesso”, há uma prevalência da segregação e dos estereótipos de gênero, incluindo
situações de violência. Percebemos que os modelos musicais difundidos não são tratados com
a devida atenção, e, sempre são vistos como naturais. Nossa proposta considera que:
São, pois, as práticas rotineiras e comuns, os gestos e as palavras
banalizados que precisam se tornar alvos de nossa atenção renovada, de
questionamento e, em especial, de desconfiança. A tarefa mais urgente,
talvez, seja exatamente essa: desconfiar do que é tomado como ‘natural’.
Louro (2004, p.63)
Percebemos que o modelo da mulher, divulgado na mídia, tem fator determinante nas
relações de gênero, fator para indicar o sexo social por ser uma elaboração cultural no
envolvimento entre os sexos masculino e feminino, ou seja, nas relações de gênero.
Visto dessa forma, o conceito de gênero refere-se a um sistema de relações de poder
com base num conjunto de papéis, qualidades e comportamentos opostos atribuídos a homens
e mulheres, e estas relações são determinadas pelas relações sociais, culturais, políticas e
econômicas. Diferentemente de sexo que é determinado pela natureza, pelas condições
biológicas do ser humano, gênero representa uma categoria constituída historicamente e,
sendo assim pode ser variada e mutável.
Dentro do conceito de gênero, devemos considerar a sua equidade representando o
sistema de relações humanas com base na igualdade entre os sexos e na relação equilibrada
daquilo que é considerado feminino e masculino.
O conjunto de valores culturais a que está submetida a sociedade humana, funciona
como se fossem códigos ou normas sociais responsáveis pela definição dos papéis da vida de
homens e mulheres.
Apesar dos papéis sexuais serem visíveis no cotidiano, não têm sido problematizados
no seio das famílias, escolas e grupos de mulheres o papel das tecnologias midiáticas e das
músicas bem como a força social e influência de como esses papéis são definidos.
Assim, a importância de trabalharmos com as mulheres-mães, justo pelo fato do
contanto intenso das mães com os/as filhos/as e de ser, na família, que aprendemos os valores,
logo cedo construímos os destinos de mulheres e homens na sociedade. Na família, a criança
aprende qual seu papel, assim como o que a espera, de forma a ser recompensada ou punida,
de acordo com o seu comportamento. Assim, seus valores são os dos pais que os absorvem
através do processo de identificação.
Selecionamos para análise neste trabalho, as seguintes músicas: Maria, Maria Composição:
Milton Nascimento, Mulher (sexo frágil) Composição: Narinha - Erasmo Carlos, Mulheres
de Martinho da Vila, Mulher de 40 de Roberto Carlos, Kit da Puta da Banda Saia Rodada,
Locadora de Mulher de Tom Oliveira, Mulher de Amigo Meu da Banda Aviões do Forró,
Vida de Play Boy da Banda Garota Safada.
Nas músicas Maria, Maria e Mulher (sexo frágil), fica notório o respeito pela
mulher dispensando comentários.
Na música Kit da Puta, a mulher é tratada como objeto de uma loja de vitrine fútil e
utiliza todos os meios para atrair o sexo oposto. Ela lança mão de artifícios que, segundo a
letra da música, são ingredientes necessários para se tornar vista, e assim sendo servir de
atração ao homem, tendo como principal objetivo conquistar o homem, transformando-se em
“caçadoras de homens”, como se “eles” fossem troféus.
Na música Locadora de Mulher, o ser feminino é tratado como objeto que se
encontra nas locadoras, onde os homens escolhem a que desejam, locam e depois devolvem
para que outros homens realizem outras locações. Desta forma, a mulher é tratada como
objeto descartável, locável, passível de uso e abuso com a facilidade de ser manipulada. Na
música Mulheres, a figura feminina, apesar de aparecer como algo importante, é endeusada.
E, o homem tratado como ser superior capaz, apenas, de se doar para algumas mulheres “pra
outras apenas um pouco me dei”.Nesses termos, as mulheres são desconsideradas, tratadas
como um ser dependente do homem.
Os termos “já tive donzelas e até meretrizes” mostram o quanto a mulher é vista em
espaços dúbios de satisfação para os homens. “Ter donzela” o exalta mediante os demais.
Funciona com a importância de ser o primeiro homem de uma mulher, esquecendo-se,o
compositor, que talvez seja mais importante ser o último. Quanto a “possuir meretrizes”,
deixa transparecer como se fosse uma obrigação de provar a masculinidade, pois para muitos
homens representa a afirmação ao possuir diversas mulheres.
Nas músicas Mulher de amigo meu e Vida de Play Boy o sexo feminino é
discriminado e reduzido a objeto sexual, reforçando o sexismo e reduzindo o sexo feminino a
peça de uso, de acordo com o desejo do sexo masculino.
Na música Mulheres de 40, de Roberto Carlos, a mulher é vista com menos
preconceito, sendo tratada como alguém que pode ser valorizada depois daquela idade. No
entanto, nela há discriminação, quando solicitado para esquecer da história da mulher de 40,
de seu passado. Assim a mulher passa a ser considerada como uma caixa que se enche e se
esvazia de acordo com as necessidades, e sendo assim, ainda serve para se namorar, desde que
sua história, seu passado seja esquecido.
Na maioria das músicas citadas, ficam implícitas ou explícitas razões de preconceito
contra a mulher. As músicas tratam o sexo feminino como um ser existente a serviço do sexo
masculino e não como alguém que pensa, tem vontades e influencia nas transformações
sociais. O perfil apresentado é o de mulheres totalmente submissas à vontade do seu superior
“o homem” e, o mais grave, diz respeito à forma como estes conceitos são passados e
mantidos no meio social sem nenhum questionamento, sempre tratados como comuns e
aceitáveis para a sociedade como um todo.
Os resultados revelam que as mulheres-mães não percebem as questões de gênero e de
discriminação da mulher mediante as letras das músicas, ou até mesmo aquelas que endeusam
as mulheres. Essas questões tornam-se ainda mais graves quando uma mulher-mãe não
consegue enxergar essas discriminações e as repassa aos filhos e filhas.
A visão deturpada da mulher que a música carrega é preocupante, uma vez que ela está
reproduzindo uma visão de mundo preconceituosa e discriminatória em relação ao ser
feminino. Esse posicionamento dificultará as conquistas das mulheres mediante a sociedade,
pois ao invés de ser difundida uma necessidade de paridade entre homens e mulheres tem sido
passada uma visão de conformidade, de aceitação da situação e está dada como satisfatória e
desnecessária de melhorias.
Devem ser considerados os valores transmitidos pelas letras das músicas, pois estas
são memorizadas pelos filhos e filhas e, junto a essa memorização ficam retidos os modelos
de masculinos e femininos que vão sendo propagadas no meio social.
Ainda que esta visão seja resultado de uma constituição social, calcada nas relações
patriarcais de organização social, se faz necessário que os profissionais, em especial os
professores e professoras, questionem essa forma de ver a mulher, passando a tê-la como um
ser pensante e útil ao meio social, assim como dotadas de direitos e deveres.
A mulher precisa ser vista como consumidora embalada em gostos e opiniões, capazes
de mover o mercado consumidor do mundo artístico musical.
Mesmo tendo consciência da importância da mulher na sociedade, ainda encontramos,
no decorrer da pesquisa, um pensamento que muito prejudica o bom desempenho do alvorecer
do feminismo na sociedade. As mulheres pesquisadas, quando se pronunciavam a respeito do
tema, só percebem a mulher apenas como ser romântico e diluído dentro do gênero
masculino.
Tem sido notória também, a construção da identidade feminina nas músicas que falam
da mulher Mãe, baseada na celebração da maternidade e no elogio das inúmeras atitudes a ela
associadas, acabando por definir a maternidade como uma categoria por demais preciosa
desmerecendo as mulheres que não pariram, como se o ato de parir fizesse da mulher um ser
especial. Bem sabemos que a maternidade não melhora nenhuma mulher. A integridade de
um ser não se mede pela procriação, no entanto o papel das tecnologias midiáticas tem sido de
construir modelos que difundam uma visão de mundo única. Cabe a professores e professoras
questionarem o mundo posto junto às instituições.
Quando a igualdade de gênero se coloca, cresce o espaço da libertação feminina. A
democratização efetiva da sociedade humana passa pela discussão das relações de gênero e,
neste sentido, a luta das mulheres não está relacionada apenas aos seus interesses imediatos,
mas aos interesses de toda produção social, inclusive a produção musical.
São, por estas e outras questões implícitas ou explicitas, que este trabalho ainda não
está acabado. A pesquisa continua, haja vista a necessidade de um estudo mais aprofundado a
respeito do tema, uma vez que muitas são as conquistas da mulher, mas que ainda são muitas
as formas de preconceitos que elas enfrentam no cotidiano em todos os veículos de
informação midiático. Resta assim, um maciço trabalho junto à sociedade, na constante luta
de incentivo ao respeito pela mulher na sociedade contemporânea.
BIBLIOGRAFIA
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