Portal RP-Bahia www.rp-bahia.com.br Violência Urbana, o futuro refletido no passado Marcia Carvalhal A violência é toda forma de agressão que cause danos a integridade física, psicológica e moral do indivíduo ou grupo social. O aumento da violência configura-se em um dos principais problemas existentes no nosso país. Torna-se difícil justificar o motivo gerador, pois algumas pessoas acreditam ser derivada de causas individuais, já outras relacionam com as desigualdades sociais. A realidade é que ela está presente na vida cotidiana: no espaço público ou privado, atingindo todas as esferas sociais. A grande concentração de pessoas, a ineficiência na Educação, o não reconhecimento dos direitos sociais e de cidadania, a miséria, discriminações sociais, raciais e sexuais contribuem para o aumento da violência. Em um país com alto índice de pobreza e desemprego, um código penal inconsistente e uma educação precária, o combate a criminalidade é algo complexo pois, as pessoas presenciam presos, muitas vezes bandidos de alta periculosidade, tendo mordomias em pleno sistema carcerário, como o traficante “Fernandinho Beira Mar” que tem sido destaque na imprensa por ter muito “poder”. Trata-se de um marginal que tem acesso dentro da cadeia a celular e a traficar drogas, sem nenhuma punição. As armas são comercializadas ilegalmente, injustiças sociais são cometidas, inclusive com a discriminação contra negros, pobres e índios, como o crime cometido contra o índio Galdino, queimado em plena praça pública por jovens de Brasília, uma irregularidade no comportamento social, uma falta de interesse ao próximo, a exemplo também da garota de classe média alta, Suzane, que ajudou a assassinar os pais juntamente com o namorado. Esses fatos mostram que algumas famílias estão despreparadas para compreender e orientar os filhos. Estão preocupadas com o sucesso profissional deles e esquecem de orientá-los sobre os valores morais. Se vê também vários policiais sanguinários que tratam o ser humano como animal e uma parcela da sociedade ser conivente com esse tipo de atitude, o que fortalece a violência e gera uma fragilidade no sistema carcerário que, em vez de recuperar o homem da vida do crime, contribui para que ele se torne mais violento. A Educação é fundamental para combater a violência. Ela ajuda na formação da personalidade do indivíduo e orienta os pais a construírem um futuro melhor para seus filhos. O governo precisa também incentivar a criação de programas integrados com as artes e esportes, para desviar a atenção das pessoas, principalmente dos jovens que moram em lugares propícios à integração na marginalidade, resgatar as crianças que circulam pelas ruas pedindo esmola ou oferecendo serviços e que ficam expostas a qualquer ato de violência, inclusive sexual, colocá-las nas escolas e propor Portal RP-Bahia www.rp-bahia.com.br ajuda financeira às famílias que contribuírem para isso, lançar campanhas educativas no combate a violência que possibilite auxiliar na educação dos cidadãos, fazer reformas sociais estruturais, lutar para resgatar a cidadania de cada indivíduo que faz parte da sociedade, restruturar o código penal, exigindo um controle e uma punição mais rigorosa em relação ao porte de armas, drogas, tráfico e crimes cometidos pela discriminação, procurar fazer uma seleção mais criteriosa para a escolha de policiais, que deveriam tomar aulas de cidadania e de direitos humanos, o que já eliminaria o ingresso de pessoas desinformadas, formar policias íntegros que realmente garantam a nossa segurança. Seria necessário também acabar com esse sistema carcerário, que não contribuem para reintegrar o preso a sociedade, dando condições para que possa ter uma profissão e uma oportunidade de se transformar em um cidadão recuperado. Os infratores deveriam ir para locais onde ocupariam todo o seu tempo trabalhando, se profissionalizando e tendo uma educação adequada. É preciso alertar a população diante desse estado caótico de violência e propor uma parceria no combate a criminalidade, injustiças sociais e narcotráfico, pois as drogas são responsáveis por atos de violência. Quando consumidas, podem causar um descontrole no cidadão e levá-lo até a cometer crimes para adquiri-la. Uma grande parte do narcotráfico é alimentado pela classe média, principalmente por jovens viciados que contribuem com o tráfico, uma outra parte da sociedade é omissa. Exemplos disso são os programas transmitidos pela televisão, como o programa do Ratinho e o Linha Direta, desenhos animados e filmes que mostram violência e atingem altos índices de audiência. A população tem a sua parcela de culpa, procura assistir e manter-se na defensiva, sem protestar, sem exigir mudanças. Seria preciso reivindicar o problema da falta de segurança que assola os grandes centros, em que as pessoas de um modo geral, precisam viver atrás das grades, cercando a sua própria casa para que a sua privacidade não seja violada. Cada cidadão deve reclamar da insegurança de sair nas ruas e ser assaltadas, do constrangimento de conviver diariamente com o perigo de uma bala perdida e do medo que assola os pais, de um modo geral, em relação a segurança de seus filhos. Recentemente a TV noticiou o caso de Gabriela, uma adolescente morta por uma bala perdida, em um confronto entre policiais e marginais. Aqui nesse país violento, os seqüestradores colocam as suas vítimas em cativeiros durante dias ou até meses, muitas vezes sem direito a se alimentar decentemente, exigindo verdadeiras fortunas e ameaçando destruir vidas ou mutilar corpos, como no caso do irmão dos cantores Zezé de Camargo e Luciano, que teve a sua orelha cortada. Portal RP-Bahia www.rp-bahia.com.br É preciso também perceber que essas atitudes violentas são ligadas as desigualdades sociais. A partir do momento que analisamos o grande índice de pessoas que nascem em uma favela, com uma condição financeira desfavorável, que convive diariamente com a marginalidade, com bandidos armados e traficantes de drogas considerados heróis respeitados, que até contribuem financeiramente na comunidade, onde existe uma inversão de valores, em que os criminosos são considerados inocentes e os policiais são odiados, pois além de não saberem controlar a violência, agridem culpados e inocentes. Vemos a realidade de pessoas que acreditam na violência como sendo algo natural, parte do seu dia a dia e roubar para conseguir adquirir o que necessita - já que o poder aquisitivo é baixo e vivem em condições precárias - é apenas uma questão de sobrevivência. As crianças presenciam assassinatos, vêem o sofrimento dos pais para conseguir sustentá-los honestamente e a humilhação que eles passam por serem pobres. Compactuam com a luta diária da família, principalmente da mãe, para tirar o seu marido e filhos da marginalidade, convivem com parentes que cometem crimes bárbaros e matam às vezes simplesmente por um ímpeto causado por um sentimento negativo. Elas aprendem a conhecer a cadeia onde moram vários colegas e vivem em lares sem estrutura familiar, afinal nenhum ser humano nasce um marginal, ele convive em um ambiente propício para a marginalidade, aprende a ser igual a seus pais, parentes e amigos e a criar suas próprias leis fazendo justiça baseado no que presenciou. A educação que lhe é dada é que vai fazer o diferencial na sua vida. A educação de muitas crianças nascidas em bairros pobres, às vezes é baseada em aprender a distinguir tipos de drogas, como utilizar, comercializar, lidar com traficantes experientes e cruéis, a assaltar pessoas para conseguir dinheiro, já que predomina a miséria em suas vidas. Muitas vezes, elas são frutos de um relacionamento conturbado, são geradas em corpos de pessoas que não tiveram o menor cuidado para uma preservação de um feto saudável, filho de pais viciados em drogas, alcoólatras, com desequilíbrio mental ou doenças como a Aids. Crianças que fatalmente enveredam para o mundo da criminalidade e, quando são presas - por se tratarem de menores - são colocadas em lugares chamados de reformatórios, mas que não fazem jus a realidade. Não reformulam crianças para regenerá-las dos erros cometidos, são formatórios de marginais. O filme Pixote de Hector Babenco, retrata essa realidade. Conta a história de um menino pobre da favela, que diante de uma situação de miséria em que vivia, em um ambiente propício para a marginalidade, sem nenhuma base de sustentação familiar, foi preso e levado para um desses reformatórios. Dentro desse lugar, aprendeu a usar drogas, armas, pois a brincadeira preferida das crianças e adolescentes era a violência. Elas brincavam de assaltar bancos e torturar pessoas. Pixote presencia a violência sexual praticada pelos próprios internos, injustiças, corrupção e tirania Portal RP-Bahia www.rp-bahia.com.br cometidas por policiais, convive com delinqüentes que ajudam na formação do seu caráter. Como sempre acontece com essas crianças e adolescentes, fogem dos reformatórios e passam a pôr em prática o que foi aprendido nas ruas. O filme mostra como a vida de um menino pobre que não teve acesso a educação e a uma estrutura familiar, pode ser difícil e ocasionar graves problemas. Pixote aprende a comercializar drogas, a cometer assassinatos e chega a se envolver com uma prostituta. Em uma cena do filme devido a sua carência, a compara com a figura materna para se sentir protegido, o que faz essa cena ser uma das mais marcantes do filme, pois transmite uma mistura de piedade, revolta e dor. Em todo decorrer do filme percebe-se que todos os problemas que Pixote passa é devido à falta de oportunidade na vida, o que muitas pessoas não têm. Um fato curioso é que o ator principal que interpreta Pixote foi uma criança pobre, que conseguiu uma oportunidade de mostrar o seu talento, tendo recebido elogios pelo seu rosto expressivo e carismático. Após o filme ainda fez alguns trabalhos como ator e, mesmo assim, enveredou pelo crime e foi assassinado. As crianças precisam ser acompanhadas em sua trajetória, na formação do seu caráter, pois só assim não se tornarão marginais do futuro. Recentemente, o mesmo diretor de Pixote lançou Carandiru, que todos afirmam ser o futuro do passado. Histórias de homens que foram “Pixotes” nos anos 80. Baseado no livro do médico Drauzio Varela, retrata os mesmos temas de Pixote, a violência contida nos cárceres, ou fora deles, a interligação com as desigualdades sociais e as atrocidades cometidas por policiais. Engloba a marginalidade, drogas, o sistema carcerário, a bigamia e adultério. Fala sobre homossexualismo, religião e doenças como a Aids, transmite até ensinamentos sobre o uso de preservativos e finaliza com um acontecimento ocorrido no Brasil, a chacina de 111 presos, noticiada mundialmente e que causou revolta na população em todo o mundo. O filme mostra a realidade que existia dentro daquela prisão de segurança máxima recentemente implodida. Em Carandiru, a tranqüilidade que os presos contam suas histórias, se isentando das suas culpas e se assumindo inocentes constrói idéias que induzem as pessoas a fazerem uma análise comparando a realidade da cadeia e fora dela, pois existem problemas semelhantes, como tráfico de drogas, crimes e violência em geral, já que a forma de convívio dos presos com a violência é algo natural, pois a maioria vem de uma cultura na qual se aprende a ser marginal, que o uso de armas é uma proteção, onde a pobreza e o preconceito reinam, servindo de incentivo para o ingresso na vida criminosa, mostrando que o homem é fruto do meio. O filme deixa claro o posicionamento do diretor de que o crime não compensa. Assistimos na tela prisões sendo realizadas na frente da família, retratando o sofrimento dela, em que muitas Portal RP-Bahia www.rp-bahia.com.br vezes, por apenas um impulso momentâneo, um sentimento de raiva passageiro, a vida de um cidadão é condenada à prisão pelo resto dos seus dias. Enfatiza também, temas polêmicos como bigamia, mostrando a dificuldade de um preso em se relacionar com duas famílias. O homossexualismo é revelado em várias cenas, cuminando com o casamento realizado na cadeia. A forma transmitida para o espectador é que foi crítica e vulgar. A religiosidade também foi passada de forma negativa, apesar de todos terem conhecimento do benefício que a fé traz aos presos que resolvem segui-la, pois eles recorrem exatamente a ela para mudar de vida e muitas vezes se regeneram. Dava uma impressão de ser algo imposto aos presos, não uma opção pessoal. O próprio diretor ridiculariza esses temas, que são alvos de discriminação. O adultério é enfatizado no intuito de se fazer entender que, apesar do choque da traição, não vale a pena desperdiçar sua vida para fazer vingança, principalmente quando existem filhos envolvidos nessa relação que não merecem pagar por isso. No filme, um preso tentou fazer justiça e morreu infeliz e doente na cadeia. Babenco mostra cenas fortes com os presos, como o patriotismo ao ouvirem o hino brasileiro num campeonato de futebol e o pacto de honra que existe entre eles, que condena até a morte quem ousar trair as regras impostas. Sem dúvida, um dos momentos mais marcantes do filme, se dá quando, já havia sido sanado o conflito entre os presos pelo diretor do presídio, a tropa de choque da policia invade, matando dezenas de presos, sem nenhum escrúpulo. A lavagem de sangue é desumana. A cena vista em uma tela no cinema torna-se chocante. Causa revolta no espectador. A chacina é feita por marginais, muitas vezes piores do que os que estão presos, mas só porque usam fardas, a sociedade acoberta atrocidades dessa natureza e por isso eles continuam soltos. Presenciar a reconstrução dessa chacinha causa tristeza, principalmente porque apesar de toda repercussão em nível mundial na época do acontecimento, nada mudou. As mesmas barbaridades são cometidas e continuam impunes. A música Aquarela do Brasil, executada no final do filme é a prova que esse país precisa melhorar, que precisamos transformar toda a sociedade brasileira e que só vamos conseguir isso, com a mobilização de todas as pessoas lutando por um país mais justo e menos desigual. A matéria da revista Cult, “Um olhar austero”, diz que em Carandiru “os presos são considerados como seres humanos confrontados com uma situação insuportável. O mais cruel assassino não deixa de ser, mas é alguém dotado de forças e fraquezas, virtudes e defeitos”. A matéria fala que o filme procurou ver o lado dos presos, suas experiências, seus depoimentos em relação ao massacre e que Carandiru se diferencia de O Invasor (2001) de Beto Brant, e Cidade de Portal RP-Bahia www.rp-bahia.com.br Deus (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, porque “constrói um outro olhar em relação aos desertados.” Na verdade, filmes como Pixote e Carandiru são importantes por mostrar o outro lado da moeda. Histórias de seres humanos que precisam ser ajudados e respeitados como tal. Não se pode só olhar o lado negativo dos presos, é preciso tentar achar soluções para transformá-los em cidadãos honestos. Em entrevista a revista Cult, Hector Babenco fala que “o cinema é a forma que o diretor tem de expressar suas opiniões, e que os seus filmes estão relacionados as suas dúvidas, as suas dores e ao que o mundo diz”. Ele não acredita nos relatos dos presos, mas pelo menos, proporciona as pessoas a oportunidade de assistirem filmes baseados em histórias reais, para que elas possam fazer o seu próprio julgamento. São muitas semelhanças existentes entre o filme Pixote e Carandiru. Igualmente ao menino que interpretou Pixote, o rapper Sabotage, que participou do filme Carandiru, também foi pobre, criado em uma favela e morreu jovem. Em entrevista a revista Trip (março de 2003), Sabotage falou que “a violência é um processo de transformação na vida de um menino pobre da favela. Primeiro discute na rua, depois entra para o tráfico, bate em alguém, dá um tiro, mata, vai para a cadeia e perde os anos da sua vida”. Sabotage faz uma crítica ao filme Cidade de Deus, dizendo que em nenhum momento se mostrou o sofrimento das mães, que lutam para tirar os filhos da marginalidade. Ele presenciou a violência, viu o seu irmão ser assassinado e chegou a conclusão de que não valia a pena. “A violência é a maior besteira”. “O inteligente é aquele que aprende com o erro do errado”, palavras de Sabotage. É impressionante vermos que os mesmos problemas expostos no filme Pixote, ainda continuam acontecendo, como mostra o filme Carandiru e que após os mais de 20 anos passados entre uma produção e outra, nenhuma solução foi eficaz no combate a violência. A sociedade precisa se mobilizar no sentido de buscar soluções práticas para o acabar com ela, para que exemplos como o do raper Sabotage possam um dia ter um final feliz.