A solidão faz mal ao coração. Literalmente

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A solidão faz mal ao coração.
Literalmente
Circuncisão em bebés
ANDREA CUNHA FREITAS 20/04/2016 ­ 08:33
As pessoas que se sentem sós ou socialmente isoladas têm um risco
acrescido de 30% de sofrer uma doença cardíaca ou um acidente
vascular cerebral, conclui uma meta­análise de 23 artigos científicos. As
relações que temos com os nossos amigos ou família são cada vez mais
um indicador da nossa saúde.
Estudos anteriores já tinham associado a solidão a um sistema imunitário comprometido,
pressão arterial elevada e até a morte prematura MIGUEL MADEIRA
A solidão pode provocar sérios danos na sua saúde. Mais precisamente
na sua função cardíaca. Assim como o isolamento social ou a morte de
um companheiro. As provas científicas sobre os efeitos das relações
sociais na saúde física aumentam de dia para dia. Um estudo publicado
esta semana na revista Heart, uma das publicações do grupo BMJ,
mostra que estar só ou socialmente isolado vale tanto como a ansiedade
ou a tensão no trabalho, quando estamos a falar factores de risco para
problemas cardíacos ou AVC (acidente vascular cerebral). Outro estudo,
publicado também este mês, já tinha revelado que quem perde um
companheiro ganha um risco acrescido de 41% de apresentar um
perigoso batimento cardíaco irregular. Mais há mais estudos. Até a
felicidade pode fazer mal ao coração.
Antes de mais, um esclarecimento prévio: solidão e isolamento podem
coexistir, mas não são a mesma coisa. Uma pessoa pode estar rodeada de
gente e sentir­se só e pode estar isolada sem se sentir sozinha. O que um
grupo de investigadores do Reino Unido agora vem dizer é que quer uma
coisa quer outra (ou as duas) significam um risco para a saúde. Mais,
precisamente um risco acrescido de 30% de doenças cardíacas ou AVC. A
culpa da solidão não nasceu aqui e agora. Estudos anteriores já a tinham
associado a um sistema imunitário comprometido, pressão arterial
elevada e até a morte prematura. Agora, chegou a altura de afirmar –
com provas científicas – que faz mal ao coração.
Nicole Valtora, do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade
de York, é a primeira autora do artigo que partiu da análise de 16 bases
de dados com estudos publicados até Maio de 2015. Os investigadores
encontraram 23 artigos científicos relevantes. No total, segundo um
comunicado de imprensa, esta meta­análise abrange mais de 181 mil
adultos, 4628 casos de doença cardíaca (ataques cardíacos, anginas,
morte) e 3002 AVC registados durante períodos que variam entre os três
e os 21 anos.
A análise dos dados revelou que a solidão e o isolamento social estavam
associados a um risco acrescido de 29% de um problema como um
ataque cardíaco ou uma angina e de 32% de sofrer um AVC. Os
investigadores sublinham que este é um estudo baseado nas observações
de resultados de outros trabalhos, logo não pode ser retirada nenhuma
conclusão definitiva sobre a relação causa­efeito. Aliás, sublinham, não
foi sequer possível excluir a possibilidade de um impacto inverso, ou seja,
pessoas com uma doença não diagnosticada mas que, por causa dela,
fossem menos sociáveis.
Por outro lado, os autores deste trabalho também reconhecem que a
solidão e o isolamento podem levar a comportamentos que são tudo
menos saudáveis. Desde má alimentação e hábitos tabágicos até consumo
de álcool e fraca (ou inexistente) actividade física regular. Um modo de
vida que, obviamente, aumenta o risco de todo o tipo de doenças.
Ainda assim, segundo sublinha o comunicado de imprensa, os resultados
desta meta­análise coincidem com uma preocupação cada vez mais
presente nas discussões de saúde pública, onde os factores sociais têm
vindo a ganhar importância. “O nosso trabalho indica que a abordagem
da solidão e isolamento pode ter um papel importante na prevenção de
duas das principais causas de morte nos países desenvolvidos”, defendem
os investigadores no artigo na revista “Heart”.
No editorial da mesma revista, Julianne Holt­Lunstad e Timothy Smith,
da Universidade Brigham Young (no Utah, EUA), reforçam a sugestão
dos investigadores e propõem que os factores sociais sejam incluídos de
forma clara na educação médica, na percepção do risco de saúde e em
orientações oficiais ou políticas. O que querem, dizem, é que a situação
pessoal e social de um doente – o facto de ser casado ou não, o estado
dessa união, o ter amigos, vida social ou família próxima – seja tida em
conta num processo clínico. Que não seja apenas uma nota quase
irrelevante à margem da sua história clínica. “Tal como os cardiologistas
e outros profissionais de saúde assumiram fortes posições públicas sobre
outros factores de risco para doenças cardíacas, como fumar ou dietas
ricas em gorduras saturadas, é preciso dar mais atenção às relações
sociais, com mais investigações, sistemas de vigilância de saúde pública,
prevenção e intervenção”, escrevem.
Rui Cruz Ferreira, coordenador do Programa Nacional Para as Doenças
Cardiovasculares, concorda. “A medicina personalizada, o caminho que
devemos fazer, é isso mesmo: ter em conta tudo o que afecta o
indivíduo”, defende o cardiologista em declarações ao PÚBLICO,
reconhecendo, no entanto, que, na prática, os especialistas valorizam
sobretudo os factores de risco que estão suportados em fortes e
documentadas provas científicas. “A questão dos factores sociais e
pessoais é uma zona difícil de ter determinantes científicos e que, por
vezes, é erradamente esquecida. Os factores psicossociais são mais
difíceis de avaliar – são questões como a carga hereditária, a depressão,
problemas laborais, entre outros –, mas são importantes e podem ser um
caminho para uma doença”, nota Rui Cruz Ferreira. Assim, as conclusões
deste estudo não surpreendem o cardiologista, que conclui: “Tudo
importa. Tudo deve importar. A medicina personalizada tem de se
preocupar com tudo o que afecta o indivíduo. Isso é que define a arte [da
medicina]. Senão uma máquina faria o mesmo ou melhor do que nós.”
Morrer de coração partido
Pode­se morrer por causa de um coração partido, revela estudo era o
título da notícia publicada este mês pela agência AFP sobre o trabalho de
Simon Graff, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Depois da
análise de dados relativos a quase um milhão de pessoas, o investigador
concluiu que quem perde um companheiro pode aumentar em 41 % o
risco de desencadear um batimento irregular do coração, conhecido
como fibrilação arterial, e que muitas vezes resulta num AVC ou numa
paragem cardíaca. O risco, argumenta Simon Graff no artigo publicado
online a 5 de Abril na revista Open Heart, pode permanecer acrescido
durante um ano e é maior para quem tem menos de 60 anos e é
confrontado com uma inesperada viuvez. A conclusão é facilmente extrapolada. Tal como se fala da morte de um
companheiro há outras coisas dramáticas que nos acontecem na vida e
que podem fazer mal ao coração, fazendo disparar o risco de um ataque
cardíaco, ou AVC, como estudos anteriores já tinham mostrado. Mas
Simon Graff quis explorar especificamente os casos de fibrilação arterial
após uma situação de viuvez. Para isso, foram recolhidas as informações
de mais de 88 mil pessoas com o diagnóstico de fibrilação arterial e mais
de 886 mil pessoas saudáveis. O estudo mostrava que o risco de surgir
esta arritmia era mais elevado no período entre os oito e os 14 dias após a
perda e depois começava a diminuir gradualmente. Um ano após a
viuvez, o risco era praticamente o mesmo do que o resto da população
que não tinha sofrido uma perda. Ou seja, o coração é atingido pelo
desgosto, fica descontrolado, mas passa.
Mais uma vez há duas ressalvas a fazer e que são basicamente as mesmas
que foram feitas no estudo anterior. Por um lado, os investigadores
dinamarqueses alertavam que não era possível retirar deste estudo
conclusões definitivas, dado que também foi apoiado numa análise de
bases de dados já existentes. Por outro lado, escusado será dizer que a
morte de alguém próximo pode levar a depressões, perda de apetite e de
sono e também à adopção de outros comportamentos pouco saudáveis
como o abuso de álcool.
“Síndrome do coração feliz”
Tudo isto são más notícias para todos. Para quem vive sozinho, infeliz ou
em isolamento social e surge agora como um forte candidato a problemas
de saúde do tamanho de um AVC ou de um ataque cardíaco. Mas
também para quem não está sozinho e corre o risco de perder o
companheiro e, com isso, aumenta o risco de algo tão grave como um
AVC ou um ataque cardíaco ou perigoso como uma fibrilação arterial.
Como se isso não chegasse há mais uma informação recente: a felicidade
também pode fazer mal ao coração. Outro estudo divulgado em Março
mostra (só faltava esta!) que momentos felizes e intensos como um
nascimento, um casamento ou uma surpresa também podem causar
sintomas idênticos a um enfarte. Mais precisamente, podem causar os
mesmos sintomas de uma patologia cardíaca conhecida como
miocardiopatia de Takotsubo, ou na linguagem mais comum “síndrome
do coração partido”. Trata­se de uma situação reversível, conhecida pelos
cardiologistas e descrita pela primeira vez em 1990, que provoca os
mesmos sintomas de um enfarte (com dor no peito e alterações no
electrocardiograma, entre outros sintomas), mas sem que seja
encontrada nenhuma artéria obstruída e que é geralmente desencadeada
por um episódio de stress físico ou emocional. Se a miocardiopatia de
Takotsubo estava associada a situações negativas, o novo estudo
publicado na revista European Heart Journal relaciona estes casos com
momentos felizes. E assim temos o que alguns já chamam de “síndrome
do coração feliz”. Este estudo, de investigadores da Universidade de Zurique, na Suíça,
analisou dados dos primeiros 1750 doentes com a "síndrome do coração
partido", concluindo que 485 tinham passado por uma intensa situação
emocional. Tal como se previa, em quase todos os casos (96%) estava em
causa uma situação negativa. Mas, o mais curioso terá sido descobrir que
em 4% dos casos o gatilho terá sido um momento de felicidade. Numa
das situações, foi uma vitória do clube de futebol do doente. Será então
correcto dizer que o futebol pode fazer mal ao coração?
É provável que um dia alguém chegue à conclusão de que são os estudos
sobre o que nos pode partir o coração que ainda nos vão partir o coração. COMENTÁRIOS
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