Apontamentos Sobre a Lógica Financeira Como Transferência da Subalternidade Francieli Martins Batista1 Resumo O presente texto apresenta apontamentos acerca da formação capitalista brasileira a partir do século XX com a constituição do padrão industrial no país. A formação do Brasil está intimamente ligada à conjuntura internacional e à diretrizes do capital mundial. Por isso, busca-se elucidar algumas das relações estabelecidas com o capital externo, principalmente no campo econômico, na formação industrial e no processo de financeirização. Assim como, a consequente condição de dependência e subalternidade brasileira estabelecida com os países centrais do sistema capitalista. Palavras - chave: Brasil; capitalismo financeiro; imperialismo; neoliberalismo. Introdução O desenvolvimento do padrão industrial brasileiro assim como a instalação do regime capitalista na produção interna não se deu de forma espontânea ou enquanto continuidade do desenvolvimento econômico nacional, uma vez que estava fortemente determinado pela conjuntura externa colocada pelo capitalismo em seu âmbito mundial. A formação econômica do Brasil carrega o caráter particular de entificação do modo de produção capitalista brasileiro, na medida em que não aconteceu pela “via clássica”2 mas, tardiamente, em descompasso com os países centrais que já se encontravam em outro estágio econômico, inclusive em condições de subordinar o Brasil à seus interesses pela estrutura hegemônica consolidada. É necessário retomar este contexto mais amplo para compreender, em suas particularidades, os elementos que acompanham e determinam o desenvolvimento econômico do Brasil enquanto parte constituinte do da expansão e reprodução do 1 Licenciada (2012) e Bacharel (2013) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá/ email: [email protected]. 2 Compreende-se por via clássica o processo de desenvolvimento capitalista marcado pela Revolução Democrático – Burguesa na qual a burguesia emergente junto aos operários e trabalhadores do campo constituem, por insurreições e lutas revolucionárias, uma nova estrutura política, social e econômica calcada nos princípios iluministas. Uns dos principais processos históricos ocorridos decorrentes da via clássica são a Revolução Industrial, Revolução Francesa e Revolução Russa. sistema capitalista. Assim como, os desdobramentos políticos, sociais e econômicos posteriores que se colocam a nível nacional. A consolidação tardia do capitalismo brasileiro coloca-o em uma posição desfavorecida em relação aos países europeus, EUA e Japão que em fins do século XIX já possuíam um padrão industrial avançado, decorrido, sobretudo da II Revolução Industrial que proporcionou um alto progresso tecnológico na esfera produtiva. A nível mundial este processo representou um avanço dos países centrais sobre os países periféricos elevando substancialmente seus investimentos nestas regiões, especialmente via exportação de capitais. Consequentemente aprofundou-se a subordinação da periferia ao poder financeiro hegemônico, subjugando a autonomia nacional aos interesses externos. Ao longo do século XX, o Brasil passou por momentos de avanços industriais, mas conservou uma economia e sistema monetário frágeis que aos sinais de instabilidade na economia mundial era atingida a estrutura financeira brasileira. As políticas assumidas durante grande parte do século XX promovem avanços no setor produtivo e na economia com certo controle dos investimentos externos que adentram ao país, contudo se manteve a condição de subalternidade brasileira, uma vez que, dependia, em grande medida, da entrada de capitais externos para promover estes progressos econômicos. Com a reestruturação a geopolítica e geoeconomia mundial, no início da década de 1990, e a concretização da expansão mundial do capitalismo sob a direção do neoliberalismo identificamos, no Brasil, o ponto de inflexão de total inserção e submissão ao mercado mundial. Após o período de cinco anos de transição quando sucedeu o processo de abertura democrática e o fim da ditadura militar, o governo Collor, recém-eleito, implementou a política de reformas neoliberais encabeçadas pelos centros hegemônicos na busca de garantir livre movimentação de seus investimentos e garantia de altas taxas lucros ao capital internacional em detrimento das demandas sociais e projetos econômicos de cada Estado-Nação. 1. A Constituição do Estágio Imperialista O modo de produção capitalista consolida suas estruturas a partir do século XVIII com a I Revolução Industrial e a inauguração do capitalismo concorrencial, sobretudo na Europa. Substitui-se a produção doméstica e a manufatura pela grande indústria mecanizada propiciando sua expansão a nível mundial. Neste período já se apontava a necessidade inerente do capital em acumular-se expansivamente para garantir sua produção e reprodução e por isso, a tendência à concentração e centralização. Contudo, é apenas com a II Revolução Industrial em fins do século XIX que estes aspectos ganharam corpo e expressão na economia. O modo de produção capitalista muda substancialmente suas bases com a implementação de novas tecnologias como a metal-mecânica, a química, o plástico que garantiu elevar os níveis de produtividade. Para Lênin estas mudanças representava uma nova fase do sistema capitalista, denominada, "Imperialismo". Fenômeno emergente nos países de modo de produção capitalista consolidado nos centros hegemônicos do capital -, caracteriza-se essencialmente pelo deslocamento na forma de produção até então estabelecido, a competitiva. O padrão de acumulação se assenta pela formação de monopólios. Estes, no geral mega-empresas com alta taxa de concentração de capital, em âmbito mundial, dominam a produção de um ou diversos produtos, bem como todo o processo de produção. No decorrer deste estágio, os bancos têm destaque especial, pois não mais exercem, apenas, a função de meros interlocutores de pagamentos, visto que, concentram em suas agências a riqueza dos grandes monopólios. Convertem-se nos principais financiadores dos setores industriais pelo fornecimento de crédito e, portanto, subjugam as empresas ao seu domínio financeiro. Este novo padrão de acumulação reitera a necessidade de internacionalização do capital devido aos altos níveis de produção e de concentração de massas monetárias para ser aplicado novamente e continuar se valorizando expansivamente. Há, então, uma exportação massiva de capitais para o exterior como forma de expansão e de produção a ser revertida em lucro. Esta exportação se fez, especialmente, em países sob domínio colonial como em países que já tenham independência política, ou no caso do Brasil, que continuam subordinados ao capital externo, agora sob a forma de dominação imperialista. É importante ponderar que, mesmo superada a forma tradicional do capitalismo competitivo, esta condição não deixa de existir. Apresenta-se, no entanto, em outros patamares nos quais os grandes monopólios disputam o domínio de determinadas esferas da produção e de novos mercados, e assim a exportação de capital ocorre, não apenas como forma expansão, mas como garantia de domínio da produção - em detrimento a um concorrente - e de controle das atividades econômicas a nível mundial. Na medida em que o imperialismo avança, a corrida por domínio territorial estrangeiro, com riquezas disponíveis ou em potencial desenvolvimento, se intensifica e integra estes países, sejam colônias ou “semi - independentes”, mantendo, em condição de dependência e subordinação aos centros hegemônicos, os seus respectivos interesses mercantis. Constitui-se uma espécie de “parasitismo” em que tais monopólios adquirem seus lucros pelos valores produzidos nestes países dependentes colocando o seu desenvolvimento aquém das necessidades internas e em disposição às vicissitudes do imperialismo que suga grande parcela dos rendimentos. O processo de auto-expansão do capital (e das relações sociais especificamente capitalistas) se dá no âmbito da produção e se estende ao conteúdo financeiro. Caracterizado nas primeiras décadas do século XX como a fusão entre capital bancário e produtivo, ratifica à tendência de concentração e centralização do capital, não apenas quanto a diferentes ramos econômicos, mas também por diferentes atividades que permitem maior eficiência no financiamento da produção e maiores rendimentos. Nesse sentido, os países do centro do sistema concentram em seus territórios o desenvolvimento na esfera de tecnologia visto que, é o setor que garante a dinâmica, aumento de produtividade e reprodução ampliada do capital, garantem, assim, sua dominância e vantagem sob outras economias, especialmente economias periféricas, que não possuem produção neste setor, ou tem uma produção pouco desenvolvida, e dependem da exportação dessas mercadorias para gerir suas economias. 2. Sistema Monetário Internacional e Dominância financeira No início da fase imperialista, entre o fim do século XIX e início do século XX, o sistema monetário era controlado pelo padrão ouro-libra sob hegemonia inglesa. Ancorado nos princípios liberais de livre mercado, a Inglaterra consegue garantir sustentação do sistema até início do século XX, mas com o avanço econômico e industrial outros países começam a ganhar dinamismo e força neste período. EUA, Alemanha e Japão e passam a concorrer com o domínio inglês. O país começa a perder forças, assim como a política liberal em que se sustenta, sobretudo após a I Guerra Mundial. A Inglaterra encontra muitas dificuldades em manter estabilidade monetária e econômica do país e sofre com os grandes déficits sociais, já que o sistema monetário orientava-se apenas pela busca de estabilidade economia sem intervenções do Estado nas esferas econômicas e da sociedade. Sua fragilidade fica mais explicita durante a crise de 1929 com sérias dificuldades para superar os altos índices de inflação e consequentemente aumenta-se a desconfiança do mercado sobre a libra. Os EUA, por sua vez, com uma indústria bem consolidada desde o fim do século XIX, colocava-se, há décadas, à disposição para assumir tal posição, mas a pouca credibilidade do dólar no mercado mundial não possibilitou que o país alcançasse tal patamr. Apenas com a conjuntura do pós - II Guerra se consolidará a hegemonia do dólar. As catástrofes sociais acumuladas por dois conflitos mundiais somados aos altos déficits econômicos endossam as críticas ao modelo liberal e o livre mercado. O sistema monetário, que já dava sinais de esgotamento, é enterrado definitivamente com acordo de Bretton Woods. Os países que saíram vencedores da guerra, liderados pelos EUA, se reuniram em Bretton Woods para reorganizar o sistema financeiro retomar a estabilidade econômica e o desenvolvimento. Para tanto, se criou o Fundo Monetário Internacional (FMI), com a função de manter a constância financeira mundial e o Banco Mundial (Bird) tendo a função de alocar recursos para os países em reconstrução. Acordou-se a fixação do taxa de câmbio e o dólar foi adotado como padrão monetário devendo manter a paridade com o ouro. Deste modo, se definiu políticas de controle social assumido pelo Estado para assegurar o equilíbrio econômico e garantissem a proteção social, haja visto as catástrofes que os países enfrentavam ao menos desde a I Guerra Mundial. Nos trinta anos procedente, teremos em vigor a política de Estado de Bem-Estar-Social fundamentado nas teses de Keynes que definia como necessidade essencial da economia: garantir o crescimento e o pleno emprego. Neste período, os altos de investimentos estadunidenses para a reconstrução das regiões que passaram pelas duas Grandes Guerras garantiu o desenvolvimento acelerado destes países. Fundamental ponderar que este período é marcado por uma geopolítica e geoeconomia bipolar, uma disputa clara entre o capitalismo - liderado pelos EUA - e o socialismo - liderado pela URSS. Portanto, haviam interesses claros dos países capitalistas expandirem sua lógica a partir de investimentos e também de sustentar seu sistema econômico, demonstrando eficiência social e também de rendimentos frente aos países do leste europeu. As políticas implementas em Bretton Woods já começam a dar sinais de esgotamento durante a década de 1970, assim como o Welfare State. Os acontecimentos dos anos subseqüentes intensificará esta crise e resultará na hegemonia do capital financeiro como eixo central do sistema econômico. Dentre estes acontecimentos podemos elencar: internacionalização bancária, rompimento com Bretton Woods e implantação de taxas flexíveis a partir de 1970; desenvolvimento do mercado de eurodólares, privatização da liquidez internacional e endividamento dos países periféricos; estabelecimento do dólar como moeda padrão, liberalização dos sistemas financeiros, mercados de ações, câmbio e bônus, mercados de derivativos a partir do governo Tatcher e Reagan (Costa, 2008). O fato que decisivamente consolidou a hegemonia do capital financeiro na dinâmica capitalista foi a destituição do sistema Bretton Woods.O crescente déficit na balança estadunidense, pela grande demanda de dólar e emissão de moeda, começou a gerar desconfianças quanto a paridade da moeda com o ouro. As pressões de outros países se intensificam e levou o presidente dos EUA, Nixon, em 1971, romper com o padrão ouro, deixando o dólar à deriva conforme o sistema financeiro, sem lastro. A partir desta conjuntura, o sistema monetário irá se modificar substancialmente com a flutuação das taxas de câmbio legalizada pelo FMI em 1976. Ocorre também, a chamada reciclagem dos petrodólares a partir do aumento unilateral da comodite pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que resultará na privatização da liquidez internacional, ampliação do credito internacional e do endividamento dos países periféricos. A crise do petróleo intensifica a crise do Estado de bem-estar social pela exaustão do desempenho global e o próprio ritmo de crescimento. Esta crise inaugurou uma nova fase do aparelho financeiro. Da crise, que se segue nos anos de 1974 e 1975, emerge dois fenômenos: 1) desemprego crônico e estagflação devido aos altos índices de desemprego nos países centrais; 2) altos índices inflacionários conservados em ambos os momentos, de recessão e crescimento, sendo esta a razão para sepultamento do sistema Bretton Woods e do Estado de Bem-Estar-Social. Deste modo, se constitui um novo ciclo na economia capitalista. Este novo ciclo encerra a vigência da política keynesiana e se instala a política monetarista e neoliberal sob a predominância do setor financeiro. No que concerne ao regime de trabalho, rompe com a organização fordista estabelece contratos de trabalho flexíveis a partir da regulação do Estado mínimo e de privatizações em larga escala. Este novo ciclo foi liderado e iniciado pelos EUA e Inglaterra entre as décadas de 1950 e 1960 que nos anos seguintes se tornaram as forças hegemônicas na economia mundial de modo que, a acumulação financeira torna-se reinante sob o setor produtivo e Estado. A estratégia estadunidense para manter sua hegemonia, econômica e monetária que neste período estava em declínio -, se dará a partir do governo Carter ao nomear Paul Volcker, em 1979, para a presidência do FED (Federal Reserve System). Edificará como meta a estabilização da economia estadunidense pelo aumento da taxa de juros para fortalecer o dólar, pois o país encontrava-se em crise por altos índices inflacionários e déficits. A política do FED inverteu o fluxo mundial de moedas em direção ao tesouro norte-americano retomando novamente o dólar a moeda hegemônica e admitindo a política econômica estadunidense e o consequente abandono das políticas keynesianas pela estabilidade monetária com o objetivo final de controle da inflação. Com Reagan e Tatcher, o neoliberalismo e o monetarismo se expandem para grande parte do mundo. Com estas duas gestões se consolida o processo de desregulamentação e liberalização financeira sem restrição à mobilidade de capitais, criando novos tipos de aplicação e dando grande poder ao capital financeiro na elaboração das políticas macroeconômicas. A elevação da taxa de juros passou a ser o elemento estabilizador da economia e em contraposição ao crescimento econômico e de emprego. A política neoliberal/monetarista fortaleceu o setor financeiro do grande capital impondo ao restante da economia novas regras de mercado determinada pela lógica das finanças. A busca pela hegemonia do pólo financeiro leva a captura de todos os setores da economia. No limiar da década de 1990, com o fim da Guerra Fria, a plataforma neoliberal se expande pelo restante do globo, principalmente nas economias periféricas, como no Brasil. O estabelecimento das concepções liberais em âmbito mundial promove a internacionalização definitiva do capitalismo sob o viés da liberalização, desregulamentação e financeirização das economias visando garantir a lucratividade do capital. Há um rompimento com a barreira do espaço e tempo, dispondo da internet para valorizar o capital a qualquer horário e em qualquer lugar. A consequência mais direta deste fenômeno tem sido o deslocamento de investimentos de áreas produtivas para a financeira, por gerar mais lucro em menor tempo, provocando disputa por alocação de recursos em uma esfera que não produz valor, mas se apropria dele. A nível social gerou desemprego, concentração de renda e empobrecimento, ao passo que mantém as mesmas posições hierárquicas favorecendo os países centrais e subordinando os países periféricos 3. O capitalismo no Brasil O Brasil emerge como colônia, marcado pelo trabalho escravo e com larga exploração comercial voltada para exportação, o que lhe confere um alto grau de conservadorismo mesmo com o fim da escravidão. Mantém, também, sua condição de dependência e subalternidade ao capital internacional ademais do ganho "político" da independência e do alvorecer da industrialização. Sob as condições postas pelo imperialismo, o Brasil, apesar de independente politicamente, continua vinculado à uma produção colonial, pois está voltado às demandas externas fundamentalmente, fato que certamente não atinge apenas o âmbito econômico, mas político, social e cultural. E não se restringe ao século passado, mas adentra o século XXI. Os períodos de maior crescimento industrial do Brasil estiveram atrelados, substancialmente, às condições da conjuntura mundial em que se estabelecia o imperialismo e à presença do capital financeiro que estimulava, direta e indiretamente, os setores produtivos. Certamente tal situação colocou a economia brasileira sob bases muito frágeis e instáveis, criando o que Caio Prado Jr. chama de “indústria fictícia”. O primeiro grande surto de industrialização brasileira ocorre em meados da I Guerra Mundial, no qual o Brasil passa a atender as demandas externas que, em grande parte, eram de solvência dos produtos primários e incorporação da produção dos países que se encontravam em guerra. Isto posto, tem-se um desenvolvimento considerável da produção manufatureira que atende, de forma restrita, o mercado interno. Contudo, este surto não promove um desenvolvimento industrial com bases internas, pois não houve acumulação de capital necessário para investimentos contínuos na produção interna. O Brasil só volta a ter um crescimento significativo com a II Guerra Mundial, sob as mesmas condições em que ocorreram no primeiro momento, todavia o país já possui bases econômicas mais sólidas e consegue chegar a avanços mais significativos. Neste período entre guerras, verifica-se o crescimento das subsidiárias dos monopólios estrangeiros que se instalam no país e ocupam função primordial na vida econômica do país. Passado a conjuntura favorável da II Guerra Mundial, o Brasil volta a ter dificuldades na produção industrial com os desequilíbrios das contas externas e aumento de dívida, inflação e instabilidade financeira. Os problemas postos expressam a forma de produção instalada no Brasil - colonial -, mantida sob interesse imperialista, na qual a produção não se desenvolve de forma ordenada e em consonância com as demandas internas mas, faz-se a partir de conjunturas temporalmente favoráveis em que alguns setores se devolvem e outros ficam estagnados conforme a margem de lucratividade possível ao capital externo. Em alguma medida, o Brasil avança em sua produção industrial, contudo não consegue abarcar o desenvolvimento que o país carece e consolidar um mercado interno ficando atrelado a dependência imposta pelas hegemonias imperialistas. As associações capitalistas monopolistas centralizam para si tanto os lucros como as forças produtivas que possibilitam a manutenção e o contínuo desenvolvimento industrial. Exemplo disto são as tecnologias, que são elementos essenciais a necessidade do desenvolvimento expansivo do capitalismo e dão suporte e inovação a sua produção. Tais recursos são produzidos e controlados pelos centros do capital, restando, para os países periféricos, a transferência dos mesmos como opção. Ou seja, a possibilidade de desenvolvimento industrial autônomo está assegurado nas mãos dos grandes capitalistas, aos quais, o interesse é justamente manter a maior parcela de países sob seu domínio, de modo que a produção nestes países não vá em direção à economia nacional, mas que, ao contrário, os mantenham dependentes do mercado externo. Esta situação demonstra como a internacionalização, abertura comercial e financeira e exportação de capitais não garantem as mesmas condições de competitividade e investimento entre os países centrais e periféricos. Mas, ao contrário, permite que os centros hegemônicos mantenham sua vantagem sobre as formações sociais com economias mais fracas que se tornam ainda mais fragilizadas sob os efeitos da mundialização do capital. “A questão central nessa discussão refere-se a notar que os países desenvolvidos não somente exploram suas vantagens comparativas em relação aos países em desenvolvimento, mas também controlam os mecanismos competitivos, visto que, são detentores da tecnologia avançada, alta produtividade e capacidade de desterritorialização da rede produtiva, que reduz custos e facilita a comercialização e distribuição de mercadorias e ou produtos.” (MATHIAS, 2011, p. 72.). Cabe ressaltar que a relação de dependência e subalternidade entre o centro e periferia foi preconizada pelas teses do “Imperialismo” já no início do século XX, na América Latina, um dos teóricos que buscou compreender este processo a partir das especificidades da região foi Ruy Mauro Marini, através da Teoria Marxista da Dependência a partir dos anos 1960. Dentre suas elaborações, destaca-se a compreensão que do autor sobre a realização do ciclo do capital na periferia no qual capital externo que não apenas realiza o financiamento da economia interna, mas requer retorno de seus investimentos seja por empréstimos ou por instalação de empresas filiais nestes países. Este processo resulta na apropriação de parte do valor produzido nacionalmente que seja acumulado externamente e esta transferência para o exterior torna-se parte constituinte da dinâmica de acumulação destes capitais internacionais. Visto isso, a produção em economias dependentes não se consolida a partir de um mercado interno e das demandas sociais de seu país, mas a partir dos investimentos que adentram ao país e apenas buscam alta rentabilidade que ocorre não apenas por transferências de valores produtivos, mas em pagamentos de juros, royalties, dividendos... Ou seja, atua também na esfera financeira. Para além dos momentâneos progressos da produção industrial e capitalista, as consequências foram drásticas para grande parte da população brasileira. Este progresso foi acompanhado de uma intensa desigualdade econômica e social, no qual grande parcela da sociedade não teve acesso à massa de riqueza produzida por eles mesmos. Os momentos de instabilidade em que ocorreram tais avanços provocaram altas vertiginosas dos produtos, contudo não provocaram a valorização da mão-de-obra e dos salários, ficando estes estagnados e levando a uma precariedade da condição de vida da sociedade em geral. A grande acumulação realizada no país ocorreu sob a intensa exploração da classe trabalhadora levando-os a níveis de subsistência e apenas uma pequena parcela da sociedade brasileira teve acesso aos progressos sucedidos nos país. 4. Desregulamentação e Abertura a Lógica Financeira A década de 1990 foi marcada no Brasil pela adoção de um novo padrão de acumulação, voltado à abertura do mercado, a liberalização econômica e desregulamentação, ou seja, o país se submete a política neoliberal, já instalada nos países centrais em décadas anteriores. Com a crise dos anos 1980, no qual o padrão de desenvolvimento-nacional não consegue mais se sustentar devido a vertiginosa dívida externa e os altos índices inflacionários, o projeto que ganha força e se consagra no país é o neoliberal, estabelecendo um novo patamar de dependência e subalternidade. A diretriz econômica se forja a partir do gerenciamento da política monetária sendo este o aspecto fundamental para garantir a estabilidade econômica e torna-se orientadora das políticas estatais. Ainda na década de 1980 foi organizado um encontro nos EUA com a finalidade de determinar reformas necessárias à América Latina para enquadrar definitivamente a região à doutrina neoliberal. O resultado do encontro foi o Consenso de Wanshigton que determinou algumas diretrizes e reformas para estes países: redução de gastos públicos, reforma tributária, investimento estrangeiro, privatizações e entre outros. O Brasil, condicionado pelas agências multilaterais, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, assume acordos no início da década de 1990, sob a gestão do governo Collor, que impõe a abertura de mercado, a desregulamentação de capitais e do mercado interno, a liberalização cambial e a privatização econômica submetendo-o ao mercado externo e ao capital e inserindo o país no bojo da política neoliberal. Há um “declínio do Estado-Nação” no qual se perde sumariamente a função social do Estado e os setores sociais (saúde, educação, previdência, etc.) são colocados a serviço da iniciativa privada em prol da lucratividade. A chamada reforma do Estado direciona-se à implantação do Estado Mínimo no qual um projeto de desenvolvimento nacional não tem espaço. Não nos surpreende que a forma de produção esteja alheia a realidade social de grande parcela da população resultando em altos índices de desigualdade. Afirma Ianni: “Também por isso a globalização não significa nunca homogeinização, mas diferenciações em outros níveis, diversidades com outras potencialidades, desigualdades com outras forças. Nesse horizonte, a sociedade global pode ser vista como uma totalidade desde o início problemática, no sentido complexo e contraditório; atravessado pelo desenvolvimento desigual, combinado e contraditório, que se especifica no âmbito de indivíduos, grupos, classes, tribos, nações, sociedades, culturas, religiões, línguas e outras dimensões singulares ou particulares.” (IANNI, 1994; p.159) A necessária adoção da abertura e liberalização financeira e comercial propugnada pelos países centrais não encontra relação direta com as políticas adotadas nestes países. As reformas da plataforma neoliberal se restringiram a não ameaçar o padrão de acumulação interno garantido pela proteção de seus mercados. Afirma Carcanholo: “ Em que pese as reformas neoliberais para o mercado doméstico (e regional no caso da União Européia e NAFTA), as estratégias e práticas de abertura externa e a presença do Estado na economia destes países estão muito distantes do discurso propalado. A abertura financeira só foi feita nas ocasiões em que o excesso de capitais no mercado interno requeria ampliação das fronteiras, enquanto as reformas do mercado de trabalho, da previdência, dos processos de privatização, dentre outras, foram implementadas no sentido de retomar a capacidade de acumulação interna nos anos 70. É mais no campo comercial do que no financeiro que o paradoxo entre discurso neoliberal e a prática política se apresenta. Apesar do discurso propagado pró-abertura comercial tanto no âmbito regional como supranacional, o protecionismo comercial americano e europeu é bastante conhecido.” (CARCANHOLO, 2005, p. 81) Portanto, verifica-se a direção e as ambições que se toma o projeto neoliberal ao constituir uma economia mundial sendo determinada pelas necessidades e interesses dos capitais centrais, no qual aprofunda a condição vulnerabilidade dos países periféricos que são subordinados a tais reformas e colocam seus mercados a serviço das intemperes do mercado. Enquanto os países centrais garantem sua hegemonia, inclusive pela proteção de seu mercado nacional e das instabilidades e demandas externas. No âmbito das economias periféricas, como o Brasil, o cumprimento da pauta neoliberal adequou a necessidade do capital internacional movimentar-se livremente e buscar rendimentos de alta e rápida valorização sem grandes riscos ou mecanismos de controle. A partir da esfera financeira que passa a dominar a lógica de acumulação, no qual os investidores não são responsáveis pela realização do valor, ou seja, não tem relação direta com a esfera da produção. Contudo, se apropriarem de parcela, e de parcelas cada vez maiores, deste valor do qual não investiram para sua criação. Nessa conjuntura, as regiões periféricas ocupam os espaços ideais para a busca desta valorização – espaços construídos pelo ideário neoliberal. Deste modo, o Brasil seria uma “plataforma de valorização do capital financeira” como define Paulani: “É nos anos 1990 que se consuma a vitória avassaladora da doutrina neoliberal e, com ela, a política econômica e as providências ainda em curso para a transformação do Brasil num locus de valorização financeira, particularmente num instrumento que, por meios mais variados, permite substantivos ganhos reais em moeda forte, em detrimento de nossa capacidade de aumentar o estoque de riqueza, de crescer e de conter o aumento da miséria e da barbárie social.” (PAULANI, 2008, p.103) Apesar do discurso em garantia da autonomia econômica, o projeto neoliberal representou a aprofundamento da subalternidade das economias dependentes aos centros hegemônicos do sistema. Mais de um século passado desde a constituição efetiva do capitalismo no Brasil, os desafios e contradições parecem manter-se e se aprofundando. Abandonou-se o projeto de desenvolvimento nacional e da constituição de produção voltado as demandas e necessidades internas em prol dos ganhos de mercado e da iniciativa privada. Assim como, as consequências sociais, politicas subalternas se intensificam, o aumento da desigualdade e das contradições sociais, com uma política restrita ao grande capital, agora sob a forma do rentismo financeiro. “Na época neoliberal, não há espaço para o aprofundamento dos direitos sociais, ainda que limitados, mas estamos diante da tentativa aberta – infelizmente em grande parte bem sucedida – de eliminar tais direitos, de desconstruir e negar as reformas já conquistadas pelas classes subalternas.” (COUTINHO, 2012; p.123). Considerações O desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista no último século demonstrou a capacidade extraordinária deste sistema modificar frequentemente sua forma de acumulação ante as diferentes conjunturas políticas, sociais e econômicas para garantir a valorização do capital e expropriação do trabalho social a nível mundial com taxa de lucros cada vez maiores. A consolidação do imperialismo enquanto uma nova fase do capitalismo conduziu todo o século XX e adentrou o século o XXI. Nesse sentido, embora o capitalismo preserve suas estruturas e mantenha as condições de produção vinculadas à propriedade privada, o imperialismo emergente com a II Revolução Industrial, forja-se em condições diferentes das quais nos deparamos atualmente, visto que identificamos modificações significativas fruto das transformações geopolíticas e geoeconômicas ocorridas ao longo deste período. Por isso, a análise da dinâmica social demanda esforços contínuos e revigorantes no intuito de compreendermos os fenômenos contemporâneos do capitalismo e suas manifestações na esfera social, econômica e política. No fim do século XX, o capitalismo atinge sua expansão mundial com a implementação da ordem neoliberal em praticamente todos os países a partir da determinação de agencias multilateral - como FMI e Banco Mundial - e da hegemonia estadunidense. A difusão capitalista avança internacionalmente amparada pelas políticas de livre mercado, iniciativa privada e desregulamentação econômica e financeira. Neste processo, a riqueza passa a ser financeirizada e a economia passa a ser dominada pelo capital financeiro enquanto o setor produtivo fica submetido às ações especulativas do mercado mundial, estima-se que a esfera financeira movimenta recursos dez vezes maiores que os alocados na área produtiva. (COSTA, 2004) Os esforços para enquadrar definitivamente os países latino-americanos, inclusive o Brasil, na ordem neoliberal, ocorrem em 1989 com o Consenso de Washington reunindo membros do governo norte-americano, FMI, Banco Mundial no intuito de definir estratégias de reformas para a região. O Brasil, sob a gestão de governo de Fernando Collor de Melo, prontamente adere os pressupostos neoliberais e passa a se adequar as condições impostas neste acordo, bem como inicia o processo de implementação de reformas voltadas para o mercado. Assim, a partir da década 1990, temos uma nova conjuntura política e econômica já colocada a nível mundial que desde então, se instala em bases nacionais. Nesta nova conjuntura, que propugna a abertura comercial e financeira como condutores de uma economia competitiva e estruturada resulta na conservação das relações hegemônicas construída no sistema econômico mundial desde o século XX, no qual as regiões periféricas colocam sua produção a serviço da acumulação externa e não sob bases de um projeto nacional. As políticas que se adotam elevam a vulnerabilidade de países como Brasil e estabelece um novo caráter de dependência, agora sob a égide do capital financeiro. Referências BELLUZO, Luiz Gonzaga. Os Antecedentes da Tormenta: Origens da Crise Global. São Paulo, Ed. Unesp; Campinas, Ed. FACAMP, SP, 2009. CARCANHOLO, Marcelo Dias. A Vulnerabilidade econômica do Brasil: Abertura externa a partir dos anos 90. Ed. Idéias e Letras, Aparecida, SP, 2005. COSTA, Edmilson. Para onde vai o capitalismo. Ensaio sobre a globalização neoliberal e a nova fase do imperialismo. In: PADRO, de Abreu Dallari. (Org.). 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