FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA LINGUAGEM UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS Carga horária: 60 horas-aula - Créditos: 04 - Período 2010.2 Professor: Dr. JAN EDSON RODRIGUES LEITE – Atendimento: Sala 36 Sob quais ângulos da Filosofia podepode-se indagar o que significa para uma palavra ter ou fazer sentido? Quando identifica parcelas da Realidade Ex. Carro, garrafa, telefone, cadeira Quando representa acontecimentos Mentais compartilhados entre falantes e ouvintes Ex. ideia, igualdade, liberdade Quando é vivenciada no fluxo de práticas e costumes de uma comunidade lingüística sócio-culturalmente delimitada Ex. beleza, justiça, moral É possível dizer que esses ângulos se identificam perfeitamente com os paradigmas Realista, Mentalista, Mentalista, Pragmatista? Pragmatista? Inadequação taxonômica que demarca fronteiras rígidas entre pensamentos e pensadores Ângulos não são necessariamente excludentes para pensar a questão do sentido. Real, mental, histórico-cultural são elementos nucleares de cada ângulo Realismo, Mentalismo e Pragmatismo são movimentos e vertentes nem sempre atrelados a questão do sentido e da linguagem Hibridização dessas vertentes já estão na gênesis do pensamento helênico (Realismo e Mentalismo) Como esses pontos de vista sobre o sentido têm respaldo no senso comum? É intuitivamente razoável supor que uma palavra – CASA – identifica um objeto no mundo. Os significados de termos como IDEIA, APRENDIZADO, são facilmente tomados como eventos mentais representados na linguagem Empregos de conceitos como BELEZA são reconhecidos como tendo sentidos socioculturalmente determinados. É possível converter o senso comum em explicações gerais sobre o sentido da linguagem, concebendo apenas as correlações exemplificadas acima? Nosso senso comum é centrado no pensamento filosófico ocidental Nossas intuições, ainda assim, podem ser simplistas e genéricas Explicações científicas tendem a excluir abordagens simplistas Portanto, não é possível, apenas catalogando as correlações exemplificadas, conceber uma teoria explicativa do sentido. Concepção Realista Significado de uma expressão é a parcela da realidade identificada Insuficiência do modelo de nomenclatura: itens verbais = objetos para termos como fada, Deus, talvez, tomara, etc. Problema da correspondência biunívoca linguagem-realidade é objeto de discussão na Filosofia Inadequação da noção de linguagem como reflexo especular da realidade Concepção Mentalista Significado como entidade puramente mental Referência ao mundo real deixa de ser condição para a significação Imprecisão das entidades mentais como memórias imagéticas, como em não, justiça, coerência. O que dizer de significados como “Minha mãe”, Cristo Redentor, Cachorro? Concepção Pragmaticista Significados como correspondentes aos usos culturalmente determinados que fazemos das palavras Como identificar uma palavra como sendo a mesma, diante da multiplicidade de usos? O que garante estabilidade à palavra, se ela não se vincula a uma entidade real ou mental Visão contratualista da linguagem sugere que os usos estão sujeitos à comunidade e não à vontade individual Visão contratualista da linguagem e do sentido Deliberação comunitária – convencionalismo ingênuo Possibilidade de alteração das “cláusulas” da linguagem é um engano Não há deliberação nem comunitária nem individual sobre a linguagem As regras do uso exercem poder coercitivo sobre os falantes Questões realistas, mentalistas e relativistas são águas mais profundas na filosofia. Mito e Razão na Filosofia A filosofia se deflagra pelo “thauma” – a admiração pelo fato de que as coisas são como são Thauma (espanto, assombro) como a passagem do pensamento mítico ao racional (filosófico) O pensar filosófico nasce como alternativa ao discurso mítico para a explicação das coisas. A filosofia seria uma nova orientação do pensamento frente ao que causa perplexidade, gerando novo senso comum habitual. Mito e Razão na Filosofia Mito e Razão na Filosofia A filosofia enquanto fato cultural institui o terreno em que verdadeiro e falso se separam Demarca e reivindica um território legitimo para a busca da verdade que se contrapõe ao Mito (o que é fictício, imaginário, mentira) A passagem do mito à razão se associa à insatisfação quanto a uma forma de explicar as coisas e à determinação de parâmetros (regras, princípios, axiomas) para o que seriam explicações adequadas: racionais e verdadeiras. A filosofia grega bifurcou radicalmente o caminho da Racional idade. Essa partição acabou por instar a filosofia a debruçar-se sobre a linguagem. A polarização ocorreu entre os Sofistas (relativistas) e os Socráticos (essencialistas). Entre os últimos, destacam-se Platão e Aristóteles. Mito e Razão na Filosofia No pensamento filosófico, qual a causa da cisão? Os seres possuem existência particular(izada), sendo o homem a medida de todas as coisas ou sua essência é permanente? (Crátilo) Questão Ontológica – as coisas têm uma essência permanente? Para os sofistas – não, “o homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras) Para os socráticos – sim, existe, alternativamente, a verdade – questão central em jogo em ambos os pensamentos. Mito e Razão na Filosofia O que é a verdade, então, se as coisas não têm medida própria? Para os sofistas, a verdade resulta do consenso que se forma em torno de nossas opiniões e por isso é relativa Para os socráticos – para quem a verdade tem essência permanente – ela é fixa, única, e transcende a experiência humana concreta. Ultrapassa as opiniões dos homens e pode não coincidir com as opiniões mais consensuais. Ponto nevrálgico da dissensão: a verdade prevalece sobre o consenso ou o consenso prevalece sobre a verdade? Mito e Razão na Filosofia O pensamento linguístico originado na filosofia tem como base essa dissensão e incita a uma tomada de posição ante a questão da verdade. Assim os três paradigmas citados (Realismo e Mentalismo; Pragmatismo) têm em sua inauguração um compromisso com esta questão. Na linguística, entretanto, a verdade é, no máximo, subfocalizada. Na gênese do pensamento ocidental sobre a linguagem, portanto, a perspectiva Pragmática viuse incompatível com o pensamento Realista e Mentalista. Sofistas e a soberania do discurso Estudos linguísticos de cunho empírico que contribuíram para o conhecimento gramatical Dimensão conceitual sobre a linguagem Reconstrução do pensamento sofista dificultado concretamente pela falta de evidências textuais, isentas do filtro platônico Em termos abstratos, a primazia do ponto de vista anti-sofísitico, que funda o senso comum ocidental, torna difícil o acesso e a aceitação da perspectiva sofista. Visão sofista da linguagem Relativismo – tese radical da impossibilidade de estabelecerem-se verdades universalmente válidas, autônomas com relação às circunstâncias concretas e variáveis da experiência humana O homem como a medida de todas as coisas (Protágoras) exclui irreversivelmente a possibilidade de apreensão da realidade tal como ela é em si mesma. Sofistas como Górgias ressaltam o lugar da linguagem no contexto da impossibilidade de termos acesso à coisa em si. Visão sofista da linguagem Nesse sentido, ainda que se pudesse conhecer o real, não se poderia torná-lo intelígivel por meio da linguagem Visão sofista da linguagem Qual, pois, a relação entre a linguagem e o real? A linguagem não diz o real. A realidade não pode tornar-se nosso discurso. Isto é análogo à incomunicabilidade entre os sentidos da percepção O que diz, então, a linguagem? A linguagem revela apenas a própria linguagem Visão sofista da linguagem Se a linguagem não diz o real, os objetos que nos são manifestados não podem ser objetos conhecidos em um momento anterior ao uso da linguagem. A linguagem não representa uma realidade autônoma, estabelecida previamente. O real somente se manifesta como tal no discurso Assim, a existência humana é linguisticamente articulada, sendo a linguagem crucial em nossas experiências no mundo Visão sofista da linguagem Como não acessa o “real”, a linguagem diz as as opiniões e impressões humanas, a partir das quais se forma o consenso, onde repousa a estabilidade da própria linguagem. A despeito disso, a plasticidade da linguagem é capaz de acomodar, igualmente, as contradições Ter ou fazer sentido, nessa perspectiva, para uma expressão, não é uma propriedade nem fixa, nem pertencente à própria palavra ou expressão Um mesmo dizer – considerando a precariedade dos consensos – pode significar não apenas mais de uma coisa, como essa coisa e seu exato contrário. Visão sofista da linguagem Assim, a linguagem significa quando é usada em circunstâncias concretas e variáveis, o que desestabiliza qualquer distinção absoluta entre verdade e falsidade. O significado de uma expressão é, portanto, mutável, instituído no curso das nossas práticas, não fixo, persuasivo e mesmo demiúrgico. O que significa para a linguagem significar? A perspectiva sofista contraria o nosso senso comum platônico: Visão sofista da linguagem Visão platônica do mundo e da linguagem “A definição quase “inaugural” do papel da linguagem em relação ao mundo e aos objetos do conhecimento, advinda do pensamento platônico e registrada, sobretudo, no diálogo O Crátilo, aponta para diferentes vieses de explicação de como a língua pode ser usada referir-se aos objetos e seres da realidade: de modo natural, as palavras (nomes) são o reflexo e mimesis do mundo; de maneira convencional, é no acordo que está a justeza da nomeação.” (RODRIGUES-LEITE, 2008) Visão platônica do mundo e da linguagem “Do posicionamento intermediário, proposto por Sócrates, através de quem o próprio Platão parece se expressar, decorrem algumas asserções que deixam clara a distinção entre o mundo físico e o mundo ideal (distinção essencial em se tratando de saber a natureza do conhecimento), bem como o papel da linguagem na apreensão, ainda que imperfeita, do mundo ideal.” (RODRIGUES-LEITE, 2008) Visão platônica do mundo e da linguagem “Tal consideração fortalece as bases do pensamento objetivista, cujas conseqüências derivam para uma visão de linguagem e, por conseguinte, de conhecimento, como estando em relação especular com o mundo, de maneira que não há alternativa ao conhecimento que não seja a apreensão, pela linguagem, dos objetos da realidade.” (RODRIGUES-LEITE, 2008) Visão platônica do mundo e da linguagem Teoria das ideias: ontologia sobre a natureza do real em Platão divide a realidade em mundo sensível (physis) – nossa percepção das coisas pela aparência que têm – e mundo inteligivel (logos) – sua natureza essencial, ideal. Variação e mutabilidade são efeitos do mundo das aparências. Está ao alcance de nossos sentidos tudo quanto é corpóreo, imperfeito e mutável, a exemplo das coisas que denominamos “belas” Visão platônica do mundo e da linguagem Intelectualmente, entretanto, podemos apreender outra dimensão do real, das coisas em si mesmas, do Belo, que transcende o corpóreo e revela um real perfeito, eterno, aquele dos exemplares originais dos quais as coisas que vemos são meras cópias. Visão platônica do mundo e da linguagem No realismo platônico, ainda que as essências sejam ideias, elas não são representações mentais ou conceitos. As essências existem em si mesmas e não nos objetos (modelos do real) nem nos sujeitos Isto encaminha um tipo de real(idade), de existência do ser, situado em uma outra dimensão atemporal e universal. Como entender a linguagem e o sentido a partir dessa ontologia dualista? Visão platônica do mundo e da linguagem O pensamento platônico sobre a linguagem orienta-se na demonstração de que seu funcionamento pressupõe a verdade como prevalente sobre o consenso – Objetivismo. O tratamento da temática da linguagem na obra de Platão tem como função prevenir a concepção de que os consensos têm primazia ante a objetividade, a honestidade intelectual e a verdade. O êxito no tribunal e assembleia por meio da linguagem, na atividade de políticos e sofistas, exige, segundo Platão, que se reconheça a verdade como algo independente e não ilusório. Visão platônica do mundo e da linguagem O paradoxo do discurso falso – Parmênides de Eleia: aquilo que não é não pode ter qualquer tipo de existência. Nada se pode dizer sobre o que não é, sobre o não-ser. Com base nesse argumento, os sofistas podem sustentar a inviabilidade da distinção entre discurso verdadeiro e falso. O discurso ou diz o que é ou não é um discurso. Ou é verdadeiro ou não é um discurso. Se não é possivel dizer o falso, todos os enunciados são igualmente verdadeiro. Visão platônica do mundo e da linguagem Ex. Sócrates é inocente é tão verdadeiro como Sócrates é culpado. Relativismo A verdade como parâmetro absoluto é ilusória, pois qualquer coisa que se diga com sentido é verdadeira por definição. Platão combate esse raciocínio mostrando que o funcionamento da linguagem supõe a possibilidade de se dizer o que não é, mantendo uma distinção objetiva entre o verdadeiro e o falso. Visão platônica do mundo e da linguagem Para isso, examina a estrutura dos enunciados que não são monolíticos, mas divisíveis em segmentos: Onoma (nomes – função de sujeito) e Rhema (verbos – função de predicado) Os segmentos têm autonomia simbólica, cada um remete a determinada coisa. Ex. “Teeteto” (o onoma remete a um individuo); “Estar sentado” (o rhema remete a uma atividade) “Teeteto está sentado” e “Teeteto voa” são enunciados que versam sobre coisas que são (existem), já que suas partes simbolizam, individualmente, coisas que são da ordem do ser Visão platônica do mundo e da linguagem Na tese de Parmênides, portanto, esses enunciados (“Teeteto está sentado” e “Teeteto voa”) seriam ambos verdadeiros. Mas isto está correto? Corrobora o senso comum? Platão renuncia a tese de seu mentor Parmênides e afirma que sob certo ponto de vista podemos dizer aquilo que não é, o que não corresponde a dizer o nada (o não-discurso) Estando Teeteto, de fato, sentado, o enunciado 1 “Teeteto está sentado” diz aquilo que é: a) suas partes (onoma e rhema) dizem, cada uma, o que é; b)a combinação das partes reproduz uma relação que existe no real. Visão platônica do mundo e da linguagem O enunciado 2 “Teeteto voa”, por sua vez, apesar de dizer o que é: suas partes referem-se independentemente à ordem do ser (coisas que existem), também diz o que não é: a articulação entre onoma e rhema não reproduz uma relação que existe no real. Portanto, a combinação entre onoma e rhema poderá ou não espelhar fielmente a tessitura do real. A linguagem, ainda que seja capaz de dizer o que não é, também distingue entre o que é verdadeiro – a estrutura da linguagem entra em compasso com a estrutura do real – e o que é falso – quando há descompasso entre a estrutura da linguagem e a do real. Visão platônica do mundo e da linguagem O que determina a verdade ou falsidade de um enunciado é um parâmetro independente: a estrutura autônoma do real. Como pensar a questão do sentido das expressões linguísticas em tal perspectiva? A verdade/falsidade dos enunciados é função exclusiva da relação entre a linguagem e o mundo, o que exclui a premissa sofista de que a linguagem pode significar muitas coisas diferentes, ou a coisa e seu exato contrário Visão platônica do mundo e da linguagem A visão de sentido dos sofistas só é possível em uma concepção de linguagem em que os significados são sobredeterminados pelas circunstâncias particulares e variáveis. No pensamento platônico, a significação é atributo imanente dos enunciados em sua relação com o real, o que exclui as particularidades dos falantes, suas vivências, suas relações, sua cultura ou momento histórico. Como tomar um enunciado como objetivamente verdadeiro ou falso se seu sentido variasse de modo a significar algo para mim e algo diferente para você? Visão platônica do mundo e da linguagem Compreensão realista do sentido – o sentido de um enunciado é a descrição objetiva de uma parcela da realidade, de um estado de coisas. Assim, a função da linguagem é descrever ou representar o real. “Os nomes respondem não à comunidade, mas à realidade”. As coisas, assim como as ações, têm uma essência permanente. Falar – como uma forma de ação – realiza-se conforme sua essência própria. As ações da linguagem se realizam por meio de instrumentos adequados a essa essência: os nomes. Visão platônica do mundo e da linguagem A função essencial da linguagem é, neste sentido, informar sobre as coisas (a realidade) Para funcionarem, os instrumentos (nomes) devem ter sido projetados de modo correto por um especialista – o Legislador de Nomes Este precisa ter os olhos sempre fixos no que é o nome em si, a fim de que o instrumento desempenhe com perfeição sua função de identificar a coisa nomeada Visão platônica do mundo e da linguagem Por meio das analogias, Platão sugere que a linguagem teria sido inventada com um propósito que se manifesta em sua própria estrutura (onoma e rhema). Caso os nomes não estejam em conformidade com seu propósito – a funcionalidade racional – a linguagem não funciona. Funcionar, para a linguagem, equivale a dizer que ela serve ao propósito racional que motiva sua existência: falar das coisas. Platão ataca a tese sofista de que a linguagem traduz consensos precários e mutáveis, porque esta tese apresenta a linguagem como algo irracional e fortuito, incompatível com sua própria funcionalidade. Visão platônica do mundo e da linguagem Platão não coloca em questão, como Górgias, a capacidade da linguagem dizer o ser. Na verdade, ele pressupõe que esta seja sua verdadeira vocação, ainda que não esclareça se a linguagem desempenha de modo perfeito ou não essa função. Se funcionar deste modo, um nome é tanto mais correto quanto melhor representar a parte da realidade que ele tem a incumbência de identificar. Assim, a linguagem transcende nossa opinião e a si mesma, respondendo não à comunidade mas à realidade. Visão platônica do mundo e da linguagem A que dimensão do real a linguagem responderia, então? Ainda que diferentes povos tenham opiniões culturalmente determinadas a respeito do real, as línguas humanas ao representar corretamente a realidade têm, a despeito de sua aparente variabilidade, a mesma estrutura conceptual profunda. Visão platônica do mundo e da linguagem Para escapar da variabilidade do real do modo como nossos sentidos o apreendem (physys), a vocação da linguagem é representar a dimensão fixa e eterna do real (logos) As palavras não representam, assim, as coisas aparentes, variáveis e múltiplas, mas as suas essências – realidades extralinguísticas, universais, autônomas e transcendentes. Na compreensão realista da linguagem e do sentido, Platão insiste no domínio abstrato e virtual da realidade em oposição ao concreto. E sensorial. Visão platônica do mundo e da linguagem Isto o identifica como um precursor da perspectiva mentalista. É natural conceber o ideário platônico como uma espécie de mente universal. A ênfase do filósofo, porém, é na tese que as essências são externas aos sujeitos, e não internalizadas em suas mentes A relação do sentido e da linguagem com o real é, portanto, constitutivamente exterior e independente dos sujeitos.