ANÁLISE DE UM LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO FUNDAMENTAL II SOB UM VIÉS DESCRITIVO 1. APRESENTAÇÃO O presente trabalho objetiva fazer uma análise de um livro didático de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II no que tange à concepção de gramática nele veiculada. Pretende investigar como é tratado no livro didático a sintaxe da Língua, mais especificamente o período composto por subordinação e coordenação. Para tanto, me fundamentarei nos pressupostos teóricos de Perini (2002) que servirá de base para compreensão dos aspectos ligados à caracterização do período composto por subordinação e coordenação, sob o viés descritivo. Também tomarei como aporte teórico Cunha & Cintra (2008), sob o ponto de vista normativo, a fim de ter um vislumbre da visão prescritiva. O livro didático é o suporte do aprendizado na escola, é peça que compõe o mosaico pedagógico no processo de aprimoramento dos conhecimentos, utilizado como um manual tanto por alunos como por professores. Sendo assim, atribui-se ao livro didático o status de facilitador da aprendizagem já que traz o percurso a ser seguido pelo professor e pelos alunos. O professor, como mediador no processo de aquisição dos saberes, ao invés de mobilizar a gramática para o ensino de língua materna, lança mão do suporte didático que a contém dissolvida na forma de normas e aplicadas em atividades, assumindo, com isso, um papel crucial no desenvolvimento da aprendizagem. Portanto, a análise do livro didático justifica-se em motivo da importância dessa ferramenta no processo ensino-aprendizagem. Levando-se em consideração que o professor precisa conhecer profundamente o material que utiliza em suas aulas, o trabalho se presta a fazer uma análise da abordagem gramatical feita pelo livro e como o professor pode melhora-la de acordo com seus conhecimentos de outros suportes que tem a seu dispor. Sendo assim, o trabalho está estruturado em três partes: a primeira quer apresentar o universo da pesquisa, caracterizando a coleção a qual o livro escolhido faz parte; a segunda quer fazer do leitor conhecedor das particularidades do livro escolhido; e a terceira quer apresentar a análise de um conteúdo sintático numa atividade do suporte didático. 2. UNIVERSO DE PESQUISA Para análise foi escolhida a coleção Português Linguagens, da Editora Saraiva, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. A coleção possui quatro volumes destinados aos quatro anos (6º, 7º, 8º e 9º) do Ensino Fundamental II. Cada um dos volumes é estruturado em quatro unidades, e cada unidade em quatro capítulos mais um que apresenta um projeto. Quanto aos temas que compõem os volumes, estes parecem estar em consonância com as recomendações dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais). Uma imagem artística e um pequeno texto abrem as unidades. Há ainda uma seção intitulada Fique ligado! Pesquise! que faz parte das páginas de abertura, nessa seção são indicadas atividades que se destinam à pesquisa, à leitura, à escuta de músicas, etc. O capitulo intitulado Intervalo, que encerra as unidades, retoma e aprofunda o tema trabalhado na unidade. Os três capítulos iniciais de cada unidade são compostos por cinco seções: Estudo do texto, Produção de texto, Para escrever com adequação/coerência/coesão/expressividade, A língua em foco e De olho na escrita. Há ainda tópicos que aparecem pelo menos uma vez em cada unidade: cruzando linguagens, trocando ideias e ler é prazer. 3. CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS Esse trabalho tomou como corpus a 7ª edição reformulada do livro do 8º ano, do ano de 2012, da coleção já caracterizada. O livro possui a mesma estruturação dos volumes que compõem a coleção Português Linguagens, de Cereja e Cochar Magalhães. Das seções que compõem os capítulos, Estudo do texto traz textos que circulam nas mais variadas esferas sociais: poéticos, jornalísticos, publicitários, cartuns, charges, quadrinhos, pinturas, fotografias, etc. Essa seção está disposta em três partes: compreensão e interpretação, a linguagem do texto e leitura expressiva do texto. A seção Produção de texto organiza-se em duas partes: a primeira desenvolve um trabalho com os gêneros textuais e a segunda, intitulada Agora é sua vez, é voltada para a produção do aluno. A seção A língua em foco apresenta as seguintes partes: construindo o conceito e conceituando; a primeira sugere a leitura de um texto e a realização de um exercício e a segunda apresenta uma explicação do conteúdo gramatical por meio de exemplos e observações; em seguida, tem-se uma subseção intitulada Exercícios, em que são propostas ao aluno questões práticas de reconhecimento das categorias gramaticais estudadas. 4. ANÁLISE Para análise foi escolhido a subseção Exercícios, que faz parte da seção A língua em foco, do livro já caracterizado. A subseção está na página 244, e possui três questões, em que a 2ª possui letras a e b e a 3ª possui letras a, b e c. Porém, desse exercício será analisado apenas a 1ª e a 2ª questão que dizem respeito à sintaxe. O exercício começa com a leitura de uma tirinha (Nicolau – Lucas Lima) que servirá de apoio para a realização do mesmo. Será analisado nesse exercício como os autores trabalham o período composto por subordinação e coordenação, que perspectiva adotam, como o fazem e os possíveis objetivos que pretendem atingir e se os atingiram. Antes do exercício os autores fazem explicações sobre o período composto por subordinação e coordenação. Começando pela coordenação, eles partem de uma frase para explicar que as duas orações que a compõem são independentes uma da outra sintaticamente, que cada uma das orações apresenta os termos necessários (sujeito, verbo, objeto) para ter sentido e que a 2ª oração se liga à 1ª apenas para estabelecer uma relação de oposição. Logo após define o período composto por subordinação a partir de uma frase para explicar que há entre as orações que compõem a frase uma dependência sintática. Vê-se, assim, que a abordagem do conteúdo feita pelo livro segue pelas trilhas normativas e está em consonância com o que Cunha & Cintra (2008) definem como período composto por coordenação e subordinação. Podemos constatar essa abordagem prescritiva na seção em análise. . A 1ª questão pergunta: no 1º quadrinho, o enunciado da fala da cliente constitui um período composto. Que tipo de período composto ele é? Observa-se que essa questão é puramente normativa, já que é sugerida apenas uma classificação da oração sem nenhuma reflexão acerca dos sentidos da oração. Os alunos são conduzidos a responder somente que o período é composto por subordinação (É verdade que nesta loja tem de tudo para o Dia dos Namorados?), nem é pedido uma explicação para essa classificação nem que se faça uma reflexão sobre os termos constituintes da oração. Essa questão poderia ser reformulada levando em consideração os estudos de Perini (2002) sobre a subordinação que a vê como parte da principal, confirmando a ideia de que os termos da oração fazem sempre parte dela. Essa frase poderia ser classificada, se seguisse a descrição, como um período composto por subordinação, porque existe nela uma oração menor que é parte de outra maior. Em contraposição à Gramática Normativa que encara a oração principal como apenas parte do período, ou seja, geralmente delimitada antes da conjunção, Perini (2002) assegura que essa afirmação não se sustenta, pois não existe oração principal incompleta, ao contrário, esta compreende, ou pelo menos deveria compreender todo o período. Assim, poder-se-ia realizar uma reflexão não somente quanto à composição da frase, mas também uma reflexão sobre os sentidos desta. A 2ª questão diz que no enunciado do 2º quadrinho, há um período composto por coordenação e a partir disso traz as letras a e b, em que a letra a pede para justificar por que a frase “O que a senhora está buscando” é constituída por um período simples. Os aprendizes teriam que responder simplesmente que é porque há apenas uma oração. Vê-se novamente que a questão só propõe uma classificação; assim como a letra b, que pede para classificar a conjunção que liga as orações e para dizer que tipo de relação ela estabelece entre as orações, e os alunos responderiam que é uma conjunção coordenativa aditiva e que estabelece entre as orações uma relação de adição, acréscimo. Quanto à classificação das conjunções coordenativas, a questão aborda mais uma vez a prescrição, em consonância com Cunha e Cintra (2008) que afirmam que as orações coordenadas são ligadas por conjunções coordenativas que podem ser aditivas, adversativas, alternativas, conclusivas ou explicativas. Assim, a questão pede apenas que se classifique a conjunção e diga que relação estabelece entre uma e outra oração. A questão poderia ser resolvida de acordo com a descritiva seguindo as ideias de Perini (2002), que vê a coordenação como a justaposição de oração que podem vir separadas por uma conjunção ou por sinal de pontuação. Perini descreve as marcas formais que caracterizam as estruturas coordenadas, subdividindo-as em pelo menos três grupos: a justaposição pura e simples das orações, em geral com algum sinal de pontuação entre elas; coordenação com “e”, “ou” e “mas”; e porém. Portanto, o exercício poderia ser respondido dizendo que o coordenador e coordenando membros de uma estrutura maior. Constata-se, portanto, que o livro aborda puramente a Gramatica Normativa, apesar de ter intenção de, como afirmam os autores no Manual do Professor, no final do livro, alterar o enfoque tradicional dado à gramática procurando não limitar o trabalho linguístico à frase. Os autores afirmam ter conhecimento dos avanços das pesquisas ligadas à Gramática Descritiva, defendida por Perini, mas que “por falta de outro modelo consensual, melhor e mais bem acabado”, preferem trabalhar com categorias mais consagradas. O que os fazem, sim, limitarse, pelo menos nesse exercício, à frase e sua classificação. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Da análise pode-se concluir que os períodos compostos por coordenação e subordinação parecem ser abordados no livro didático numa perspectiva normativa ainda numa visão “reducionista” de mera classificação de frases. A análise indica que o livro apresenta conteúdo pertinente à série, à faixa etária dos alunos, no entanto os dispositivos que constituem o seu fazer apresentam-se, em algumas situações, limitados quanto à sintaxe. Sendo assim, propõe-se que o professor não apenas reproduza a proposta pedagógica do livro didático, mas amplie e redimensione suas atividades, buscando aporte teórico não somente na Gramática Normativa, mas também na Descritiva. 6. REFERENCIAS CEREJA, William Roberto. MAGALHÃES, Tereza Cochar. Português: linguagens, 8º ano: língua portuguesa. 7 ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2012. CUNHA, Celso. CINTRA, Luís Filipe Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 4 ed. São Paulo: Editora Ática, 2002.