Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. O problema das gramíneas africanas no brasil GLAUCO KIMURA DE FREITAS - THE NATURE CONSERVANCY [email protected] No Brasil, várias espécies de gramíneas de origem africana foram introduzidas acidentalmente ou para fins comerciais e acabaram se tornando invasoras de ecossistemas naturais, principalmente ambientes abertos como os campos e cerrados. Atualmente, a maioria dessas espécies é empregada como forrageiras para rebanhos bovinos, sendo, portanto, bastante conhecidas. Como exemplo, pode-se citar Hyparrhenia rufa (capim-jaraguá), Brachiaria spp. (capim-braquiária), Panicum maximum Jacq. (capim-colonião) e Melinis minutiflora Beauv. (capimgordura) (Parsons, 1972). As formas de introdução destas gramíneas no continente americano não são muito conhecidas, no entanto, Parsons (1972) estudou a introdução de algumas das principais espécies e concluiu que os navios negreiros vindos da África no período colonial foram os principais agentes de introdução de espécies, como Hyparrhenia rufa (capim-jaraguá), Panicum maximum (capim-colonião) e o capim-pará (Brachiaria mutica) no Brasil. Estas gramíneas eram utilizadas como cama para os escravos durante as viagens, hipótese também defendida por Filgueiras (1990). As rotas de introdução das principais espécies invasoras africanas foram delineadas por Parsons (1972) e estão demonstradas na Figura 2. Figura 1: Rotas de dispersão das principais gramíneas africanas nas Américas (extraído de Parsons, 1972). Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. Uma vez introduzidas no Brasil, estas gramíneas encontraram condições ecológicas bastante favoráveis para sua dispersão e, consequentemente, invadiram ambientes naturais de campos e cerrados, cujas condições climáticas estacionais assemelhamse ao regime de chuvas e temperatura de seus hábitats de origem, ou seja, as savanas africanas. Além da semelhança climática, fatores de sua própria biologia contribuíram para seu sucesso como invasoras no Brasil, pois estas gramíneas possuem boas características genéticas e reprodutivas, como seleção r, grande capacidade de dispersão por reprodução vegetativa e pela produção de um grande número de propágulos, além de ciclo reprodutivo rápido. Todos estes fatores são considerados bons indicadores de invasibilidade (Willianson, 1996). Impactos causados pelas gramíneas africanas em ecossistemas naturais De fato, a maioria das gramíneas africanas, principalmente as espécies mais agressivas, como Melinis minutiflora, Panicum maximum, Hyparrhenia rufa e Brachiaria spp., representam atualmente uma séria ameaça à integridade e biodiversidade do Cerrado (Coutinho & Dionello, 1980; Coutinho, 1990; Pivello, 1992; Klink, 1994; Klink, 1996-a, 1996-b; Klink & Morosini, 1997; Pivello et al., 1999-a, 1999-b), principalmente por serem heliófitas, apresentando metabolismo fotossintético do tipo C4 - adaptado para colonização de áreas abertas e ensolaradas, como os campos e cerrados brasileiros (Klink & Joly, 1989) - e também devido ao seu dinamismo reprodutivo, competindo e deslocando espécies nativas, o que pode resultar em extinção local e perda de biodiversidade. Além de afetar diretamente as populações nativas por competição, estas espécies impactam o ecossistema como um todo, descaracterizando suas fisionomias e modificando sua estrutura (Coutinho, 1982; Filgueiras, 1990). Alguns estudos mostram que Melinis minutiflora, por exemplo, altera o regime de incêndios das áreas invadidas, favorecendo a ocorrência de grandes incêndios devido ao grande acúmulo de biomassa combustível (Hughes et al., 1991; D’Antonio & Vitousek, 1992; Asner & Beatty, 1996). Segundo outros autores, como Baruch et al., (1985), Klink (1996-b) e Pivello et al., (1999- a), o capim-gordura, assim como todas as gramíneas africanas, converte os recursos em biomassa, que por sua vez é alocada para a produção de folhas. Nestas condições, toda a biomassa acumulada queima mais lentamente e sob temperaturas muito elevadas, podendo levar à morte de microorganismos e sementes no solo. Outros estudos mostram que M. minutiflora pode alterar processos naturais de um ecossistema, como o ciclo de nutrientes. Asner & Beatty (1996), mostraram que esta espécie é capaz de alterar o ciclo de nitrogênio em ecossistemas invadidos no Havaí, reduzindo drasticamente a quantidade de N inorgânico no solo, devido à grande captação e utilização deste elemento durante seu período de crescimento, comprometendo, assim, outros processos ecológicos, como a dinâmica sucessional. Finalmente, as gramíneas africanas, especialmente o capim-gordura, possuem grande capacidade de expansão vegetativa, formando densas camadas de folhas e ramos, que podem atingir até 1,5 a 2 metros de altura (Parsons, 1972; Hughes et Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. al., 1991; Asner & Beatty, 1996). Esta densa biomassa foliar pode diminuir a chegada de luz no solo em até 99% (Hughes & Vitousek, 1993) prejudicando processos de germinação e recrutamento do banco de sementes de espécies nativas no solo. Além disso, nos períodos de maior vigor e biomassa destas gramíneas, as sementes oriundas de espécies arbóreas vizinhas não conseguem atingir o solo, ficando presas a esta camada, vindo a morrer por dessecamento e, consequentemente, havendo o impedindo dos processos de regeneração natural. Conclusões Os impactos das gramíneas exóticas em ecossistemas naturais são ainda pouco estudados no Brasil. Os estudos existentes são focados nos impactos no nível de populações e comunidades, enquanto que os impactos no nível de processos ecológicos ainda são praticamente desconhecidos. Da mesma forma, são escassos os estudos sobre o manejo e controle das espécies de gramíneas exóticas invasoras de ambientes naturais. É importante ressaltar a importância de se investigar os aspectos reprodutivos dessas espécies invasoras dentro de áreas protegidas para que, posteriormente, possam ser desenvolvidos programas de manejo e controle. Vale ressaltar que estudos de longo prazo (mínimo 5 anos) são essenciais para se compreender com profundidade a biologia reprodutiva dessas espécies e como as mesmas respondem às medidas de manejo e controle. Finalmente, é essencial que sejam desenvolvidos programas de educação e conscientização da população sobre o problema. Políticas públicas adequadas que visem à prevenção da introdução são igualmente necessárias. Referências Bibliográficas ASNER, G.P. & BEATTY, S.W. 1996. Effects of an African grass invasion on Hawaiian shrub land nitrogen biogeochemistry. Plant and Soil, 186: 205-211. BARUCH, Z.; LUDLOW.M.M.; DAVIS, R. 1985. Photosynthetic responses of native and introduced C4 grasses from Venezuelan savannas. Oecologia, 67: 388-393. COUTINHO, L.M. 1982. Aspectos ecológicos da saúva no cerrado-os murundus de terra, as características psamofíticas das espécies de sua vegetação e a sua invasão pelo capimgordura. Rev. Bras. Bot., 42(1): 147-153. COUTINHO, L.M. 1990. 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