COLEÇÃO INICIAÇÃO MESSIÂNICA LIBERDADE? Maio de 2007 Charles Guimarães Filho 1 2 ÍNDICE ■ Considerações iniciais • Importância do Tema • Significado • Um pouco de história a respeito ■ Ideias de pensadores • Materialista determinista • Condicionada pelo medo ■ Pensamento de Meishu-Sama • Diferenciar o homem do animal é uma lei • Ter que escolher entre o bem e o mal é uma sentença • Submeter à evolução é uma aprendizagem 05 05 06 07 20 20 32 47 51 53 55 3 4 LIBERDADE ■ Considerações iniciais ● Importância do Tema A liberdade tem sido entendida e usada de maneiras distintas e nos mais diversos contextos da literatura filosófica e parafilosófica dos gregos até o presente. Ela foi compreendida desde possibilidade de autodeterminação, de escolha, ato voluntário, espontaneidade, margem de indefinição, ausência de interferência, passando por salvação quer diante de alguma coisa ou para alguma coisa, até como realização de uma necessidade. Além disso, o conceito em questão foi captado de diferentes jeitos segundo a esfera de atividade ou alcance, assim, fala-se de liberdade privada, pessoal, pública, política, social, moral, de ação, de expressão, de ideias, de mercado etc. Para os Estados Unidos da América do Norte o conceito de liberdade é essencial para as suas ambições, pois, tem sido em nome dela que essa nação tem explorado economicamente países através da imposição do livre mercado, dominado politicamente por meio da defesa da democracia e hegemonizado ideologicamente por intermédio da ordem da salvação. 5 ● Significado Como se pode ver, o conceito de liberdade é complexo. Para compreender algumas de suas características, faz-se necessário relacioná-lo, para comparação ou confronto, com alguns outros conceitos como determinação e livre-arbítrio, ou ainda, autonomia, consciência moral, dever, indiferença e vontade. Poder-se-ia proceder, em princípio, a uma classificação simplificada de liberdade como autodeterminação ou como possibilidade de escolha. Isso, no entanto, obrigaria a descuidar de alguns outros conceitos, como liberdade enquanto ausência de interferência. Considera-se assim mais adequado destacar alguns dos conceitos capitais de liberdade que se manifestaram ao longo da história da filosofia a partir dos gregos e preceder a esse esboço histórico de algumas considerações de vocabulário. Uma atenção inicial com a terminologia de liberdade remete ao vocábulo latino de que deriva “livre”, e este teve em princípio o sentido de “pessoa na qual o espírito de procriação está naturalmente ativo”, donde a possibilidade de chamar de livre o jovem que ao alcançar a maturidade sexual incorpora-se à comunidade como homem capaz de assumir responsabilidades. Mais tarde, passa a se entender como livre o homem de condição não-submetida. Daí vem vários significados ulteriores, como se é livre quando se está “disponível” para fazer algo por si mesmo. A liberdade é então a possibilidade de decidir-se e de, 6 ao decidir-se, autodeterminar-se, inclusive quanto às paixões. No entanto, isso não implica a ideia de uma responsabilidade diante de si mesmo e da comunidade. Ou seja, ser livre quer dizer estar disponível, inclusive para cumprir certos deveres. Portanto, desde o começo, a noção de liberdade parece apontar para duas direções: uma delas é a de um poder fazer; a outra delas, é a de uma limitação. Em concepções posteriores da liberdade, introduziram-se muitas características que não figuram no significado “originário”; mas a existência dessas duas direções num mesmo conceito continua sendo muito comum. A partir de agora, se destaca, numa ordem histórica aproximada, várias concepções básicas. ● Um pouco de história a respeito Antiguidade: os gregos Este povo antigo usou o termo liberdade num sentido parecido ao que tinha entre os romanos, ou seja, o homem que é na verdade livre, o é no sentido de não ser escravo. O homem livre possui, pois, independência material, e também emancipação de espírito. Mas, como foi mencionado anteriormente viu-se que liberdade tanto podia significar “liberdade em qualquer sentido”, o que equivale a “liberdade em todos os sentidos” ou “liberdade num sentido determinado”. A noção de liberdade em todos os sentidos é demasiado ampla para ser usada sem 7 tropeços. Daí se opta pela noção de liberdade num sentido determinado, como a natural, a social e a pessoal. Eis o que cada uma delas quer dizer. 1) Liberdade natural é aquela que, quando admitida, costuma ser entendida como a possibilidade de livrar-se (ao menos em parte) a uma ordem cósmica predeterminada e invariável que aparece como uma “coação” ou “imposição”. Esta ordem cósmica por sua vez pode ser entendida de duas maneiras: operação do destino e ordem da natureza. a) Operação do destino não é necessariamente (pelo menos para muitos gregos) uma mostra de grandeza ou dignidade humana. Pelo contrário, só podem livrar-se do destino aqueles que não foram escolhidos pelo destino e, portanto, os que na verdade não importam por “não contar” ou “contar pouco”. Os homens escolhidos pelo destino para realizá-lo não são livres no sentido de poder fazer “o que quiserem”, contudo, eles são livres num sentido superior de serem realização de uma necessidade sublime. b) Ordem da natureza é necessariamente uma encadeação na quais todos os acontecimentos estão estreitamente imbricados, ou seja, colocados uns sobre os outros. O problema da liberdade se trata então de saber até que ponto e em que medida um indivíduo pode (se, além disso, “deve”) livrar-se à estreita imbricação interna, ou supostamente interna, dos acontecimentos naturais. Foram várias as respostas dadas a esse problema, mencionam-se apenas duas: a da alma e a da razão. Nesta segunda resposta – a da razão - a liberdade é 8 própria apenas do “sábio”, pois, embora todos os homens são, por definição, racionais, apenas o sábio o é eminentemente. 2) Liberdade social (ou “política”) é aquela concebida principalmente como autonomia ou independência. Numa determinada comunidade humana, essa autonomia ou independência consiste na possibilidade de reger o próprio destino sem interferência de outras comunidades. Nos indivíduos no interior de uma comunidade, essa autonomia ou independência consiste essencialmente não em furtar-se à lei, mas em agir de acordo com as próprias leis, isto é, as leis do próprio “Estado” ou “Cidade-Estado”. 3) Liberdade pessoal é aquela também concebida como “autonomia” ou “independência”, mas neste caso como independência das pressões ou coações procedentes da comunidade, quer como sociedade ou como Estado. Embora se reconheça que todo indivíduo é membro de uma comunidade e ainda que se proclame que ele tem deveres para com ela, é-lhe permitido abandonar por algum tempo seu “negócio” para dedicar-se ao “ócio” (isto é, ao “estudo”), para desse modo poder melhor cultivar sua personalidade. Quando, em vez de permitir-se ao indivíduo o desfrute do referido ócio, este mesmo o toma como um direito, sua liberdade consiste, ou está em vias de consistir, numa separação da comunidade, talvez fundada na ideia de que há no indivíduo uma realidade, ou parte de uma realidade, que não é, estritamente falando, “social”, mas plenamente “pessoal”. 9 Essas três concepções de liberdade, e os inúmeros matizes gerados a partir de cada uma delas, manifestaram-se em diversos períodos da filosofia grega. De fato, a concepção de liberdade adotada por diferentes escolas socráticas, bem como, e principalmente, pelos estoicos é a de considerar “o exterior” - seja a sociedade, os fenômenos da natureza e inclusive as paixões - como opressão. Para eles a liberdade consiste em “dispor de si mesmo”. Mas dispor de si mesmo só é possível se a pessoa se tiver libertado do “exterior”, o que só é possível quando se reduzem ao mínimo o que antes se consideravam “necessidades”. Dessa maneira, o homem livre acaba por ser aquele que se atém apenas, como diziam os estoicos, “às coisas que estão em nós”, ao que, como indicava Sêneca, “está em nossas mãos”. Liberdade é aqui liberdade para ser quem se é. E para os filósofos que, como os neoplatônicos, equiparavam “ser quem se é” ao “poder se dedicar à contemplação”. A liberdade consiste fundamentalmente em “contemplar” e recusar a ação, ou, o que é o mesmo, agir como se não se agisse, tirando a importância da ação. Além disso, em muitos casos se concebeu a liberdade como a consciência da necessidade; quando se é um ser racional, chega-se à compreensão do destino, compreensão que é essencialmente “libertadora”. Por isso, sábio é aquele que compreende, e aceita a ordem cósmica, ou o destino, que não são, nesse caso, uma “coação”, ao menos no sentido “pessoal”. 10 A concepção de liberdade de Aristóteles coordena de alguma maneira a ordem natural e a ordem moral. Para esse filósofo, todos os processos têm uma finalidade ao qual tendem naturalmente. No caso particular dos processos humanos também suas ações tende naturalmente a um fim, só que com duas diferenças dos processos não humanos: 1ª) a finalidade humana se resume numa palavra: “felicidade”; 2ª) as ações que o homem pratica podem ser voluntárias, isto é, ações que não são produzidas por coação ou ignorância, ou seja, ações produzidas por liberdade de vontade. As ações voluntárias se aplicam às ações morais, mas para que haja uma ação moral é preciso que, ao lado da liberdade da vontade haja uma liberdade de escolha. Essas duas formas de liberdade estão estreitamente relacionadas na medida em que não poderia haver escolha se a vontade não fosse livre, e esta não seria livre se não se pudesse escolher; mas é possível fazer a distinção entre elas, pelo menos como dois “momentos” da liberdade. Aristóteles reconheceu que a noção de liberdade, especialmente a de liberdade de escolha, oferece alguns paradoxos. Um deles é o do tirano que força a alguém a praticar um ato mau (por exemplo, assassinar o vizinho) ameaçando-o com represálias (como, a morte de um filho desse alguém). Se a pessoa obedecer: não teve liberdade de vontade porque se viu obrigada a fazer algo involuntário no sentido que ele não queria fazê-lo; concomitantemente, teve liberdade de vontade porque escolheu, apesar de tudo, fazê-lo. Apesar desses paradoxos, Aristóteles acreditava ser possível argumentar razoavelmente 11 em favor da liberdade nas duas formas citadas, particularmente considerando-se o fato de ele ter ligado a liberdade em todas as suas formas à operação da razão. Tal como a maioria dos gregos - exceção feita aos sofistas e a alguns céticos -, Aristóteles julgou que um homem que conhece o “bem” não pode deixar de agir de acordo com ele. A única coisa que pode acontecer é que não deixem agir (que, por exemplo, alguém que não conhece o “bem” - como o tirano mencionado - obrigue a agir segundo o mal). Mas na medida do razoável, a ação livre em favor do “bem” predomina sempre, visto não se supor que o homem esteja, em algum sentido, radicalmente “corrompido”. Assim, à vontade e a escolha (livrearbítrio) em que se fundam algumas noções gregas de liberdade sempre estão ligadas a uma finalidade, e essa finalidade sempre é compreendida por meio de uma consideração racional. Idade Média: os cristãos Os autores cristãos levaram em conta muitas das ideias sobre a liberdade desenvolvidas pelos gregos, tendo feito uso frequente delas. Porém, especialmente a partir de Santo Agostinho, puseram o problema da liberdade num contexto bem distinto: o do “conflito” entre a liberdade humana e a chamada “predestinação divina” ou ao menos “presságio divino”. Por isso, o problema da liberdade no pensamento cristão esteve muitas vezes estreitamente ligado à questão da graça, pois ‘liberdade diante da coação’ ou ‘liberdade de escolha’ eram 12 insuficientes diante da possibilidade de se usar o bem ou o mal. O livre-arbítrio fora trazido à luz em várias ocasiões tanto por Aristóteles como por Ovídio nos seus famosos versos em que proclama “aprovo o bem, mas sigo o mal”, como também por São Paulo no peso do radicalismo afirma que “faço não o bem que quero, mas o mal que não quero”. A partir do momento em que se anuncia que a natureza do homem havia sido completamente corrompida pelo pecado original, o que surpreendeu não foi a possibilidade de o livrearbítrio ser usado para o bem ou para o mal, mas o fato de ser usado, ou poder sê-lo, para o bem. Daí a insistência na graça e o problema de saber se essa graça não suprime o ser livre do homem. A maior parte das questões sobre a liberdade humana em sentido cristão foi discutida e esclarecida por Santo Agostinho. Ele distingue livre-arbítrio como possibilidade de escolha e realização do bem visando à beatitude. O problema aqui não é tanto o referente ao que o homem poderia fazer, mas como pode o homem usar seu livre-arbítrio para ser realmente livre. Não basta, naturalmente, saber o que é o bem: é preciso ter vontade e principalmente poder efetivamente inclinar-se a ele. Ora, ao lado dessa questão, e em estreita relação com ela, há a questão de saber como se pode conciliar a liberdade de escolha do homem com o presságio divino. Segundo Santo Agostinho, elas são conciliáveis. O fato de o homem possuir uma vontade e de buscar isto ou aquilo é uma experiência pessoal 13 indiscutível. Por outro lado, Deus sabe que o homem fará voluntariamente isto ou aquilo, o que não elimina que o homem faça voluntariamente isto ou aquilo. Ele esclarece que presságio de Deus não equivale a uma determinação dos atos voluntários de uma forma que faça deles atos involuntários. Os escolásticos trataram copiosamente das questões relativas ao livre-arbítrio, à vontade, à graça etc. São numerosas e quase sempre sutis as teorias elaboradas a respeito. Para Santo Tomás de Aquino, o homem goza de livrearbítrio, tem também, naturalmente, vontade, que é livre de coação, por que sem isso não mereceria esse nome. Mas o estar livre de coação é uma condição da vontade, e não à vontade em si. É preciso, com efeito, que algo mova a vontade, e isso, se trata do intelecto, que apreende o bem como objeto da vontade. Parece, assim, que a liberdade é eliminada. Mas ocorre que a liberdade não se reduz ao livre-arbítrio; a liberdade propriamente dita é também o que se denominou depois “espontaneidade”. Esta consiste em seguir o movimento natural próprio de um ser e, no caso do homem, em seguir o movimento na direção do bem. Assim, não há liberdade sem escolha, mas a liberdade consiste em escolher alguma coisa transcendente. Na liberdade para a qual o homem emprega o livrearbítrio, pode haver erro. Pode-se de fato escolher mal ou, o que vem a ser o mesmo, escolher o mal. E se escolher por si mesmo e sem nenhuma ajuda de Deus, o homem por certo escolherá o mal. Mas o fato de haver semelhante liberdade de escolha completa (para o bem e para o mal) não significa que só ela 14 exista; a liberdade não é mera liberdade de indiferença (pode ser o bem e pode ser o mal), mas antes liberdade de diferenças ou tendo em vista as diferenças (escolho o bem que é diferente do mal). Idade Moderna: libertários versus necessitários A partir do século XVI apresentou-se também um problema que, sem substituir inteiramente as questões teológicas, ocupou muitos filósofos até o presente: é a questão de saber se poder dizer que o homem é livre quando se declara haver determinismo na natureza. É o famoso problema “liberdade contra necessidade”. Esse problema suscitou a maioria dos debates entre os chamados “libertários” (no sentido de “defensores da realidade da liberdade”) e os chamados “necessitários” (no sentido de “defensores da realidade da necessidade”). Entre os “libertários” se tem Hobbes, Locke e Voltaire que tenderam a destacar no “ser livre” o elemento “o que quero”. Entre os “necessitários” se tem Spinoza, sobretudo, Leibniz e Hegel em parte que sustentaram que a liberdade consiste fundamentalmente em seguir “a própria natureza” na medida em que essa natureza está numa harmonia preestabelecida ou estreita relação com toda a realidade. A discussão entre “libertários” e “necessitários” adquiriu uma nova dimensão na maneira como Kant enfrentou o problema. Para ele não tratava de ver se a necessidade sufoca a 15 liberdade nem se esta poderia subsistir diante da necessidade, mas sim de saber como eram possíveis a liberdade e a necessidade. No entender desse filósofo, todos haviam errado fundamentalmente em relação à liberdade por não tê-la considerado uma questão moral. A liberdade aparece como um começo, o que só é possível na existência moral, pois na natureza não existem esses “começos”, sendo toda ela, por assim dizer, “continuação”. Há, portanto, como diz Kant, a possibilidade de “uma causalidade por parte da liberdade”. Em seu caráter experimental, prático, o indivíduo deve submeter-se às leis da natureza; em seu caráter inteligível, teórico, o mesmo indivíduo pode considerar-se livre. Idade contemporânea: materialistas espiritualistas, e analiticistas versus existencialistas versus No curso do século XIX, foram abundantes os debates em torno da noção de liberdade e especialmente acerca de se o homem é, ou pode ser, livre tanto com relação aos fenômenos da natureza como com respeito à sociedade. Deixando de lado o fato de ter havido inúmeras posições intermediárias entre o determinismo absoluto e o total “libertarianismo”, se pode dizer que houve dois grandes grupos de doutrinas: umas que negavam a possibilidade da liberdade e outras que a afirmavam. É verdade que os materialistas e mecanicistas inclinaram-se em favor do determinismo e do “necessitarismo” universais, ao 16 passo que os “espiritualistas” sustentavam que a liberdade é possível. Desta maneira, neste século, era possível entender ‘liberdade’ de diversos modos, como um conceito metafísico que poderia referir-se a todo o real, como um conceito primariamente psicológico que se referia ao indivíduo humano, como um conceito sociológico referente à relação homemsociedade, como um conceito religioso, moral e até histórico (Marx propugnava a possibilidade de que o homem alcançasse um dia a liberdade por meio de um “salto para a liberdade”). Também foram abundantes os debates em torno da noção de liberdade no século XX. Destacam-se aqui apenas dois modos de considerar essa noção: “analíticos” e “existencialistas”. Os analíticos se inclinaram a analisar o que significa dizer que o homem age, ou pode agir, livremente. Segundo G. E. Moore dizer que um homem agiu livremente é simplesmente dizer que ele não estava constrangido nem coagido, ou seja, que poderia ter agido de outra forma se o tivesse escolhido. Autores analíticos achando que os atos do homem em questão estivessem determinados chegaram à conclusão de que não há incompatibilidade entre livre-arbítrio e determinismo, e alguns chegaram a afirmar que o livre-arbítrio supõe o determinismo. Por conseguinte, insistiu-se em que a proposição “X é determinada causalmente” não implica de modo necessário à proposição “X não é livre”. Ser livre não significa aqui “agir sem 17 nenhuma causa”; não ser livre tampouco significa “agir segundo uma causa”. Estas concepções de liberdade e de livre-arbítrio dos analíticos se assemelham a alguma das tradicionais gregas, como a de Aristóteles. De todo modo, esses autores concordam com Aristóteles quanto ao fato de não se poder falar de uma ação ou de um ato a menos que estejam determinados de alguma maneira, isto é, a própria noção de ação ou ato está, portanto, relacionada com a de “determinação”. Os existencialistas também usaram a análise, mas em muitos casos não foi uma análise linguística, mas fenomenológica e, em certa medida, ontológica. Comum a todos esses autores é a ideia de que a pergunta sobre a existência da liberdade não é objetiva, pois, segundo Jaspers, “a pergunta sobre se a liberdade existe tem sua origem em mim mesmo, que quero que ela exista”. Disso decorre a diferença entre a liberdade existencial e as outras formas de liberdade. A liberdade formal era saber e livre-arbítrio; a liberdade transcendental era a auto-convicção na obediência a uma lei evidente; a liberdade como ideia era a vida num todo; a liberdade existencial é a auto-certeza de uma origem histórica da decisão. O homem se faz então na liberdade. Ortega y Gasset escrevera, já em 1930, que, sendo a vida humana algo que é preciso fazer, não há escolha além de decidir a cada momento o que se vai fazer e com isso o que se vai ser, inclusive quando decide não decidir. A liberdade não é uma coisa que se tem, mas algo que se é ou talvez que se vai sendo. 18 O homem, afirmou Sartre, está condenado a ser livre, embora fuja desta condenação ou não queira saber dela. Por isso, ele inventa artifícios e expedientes que lhe permitam não ter de assumir a liberdade radical, isto é, que lhe permitam não ter de enfrentar a decisão do que terá de fazer com ela. Certos autores apresentam o marxismo, dogmaticamente, como uma doutrina consideravelmente determinista; embora se alegue não ser um determinismo “mecânico”, mas um processo dialético em que é inútil opor-se à “Marcha da História”. Sartre considera, junto com outros intérpretes, que o marxismo, enquanto método de interpretação e guia para a ação, não nega a liberdade humana. De fato, as limitações da liberdade são servidões que o próprio homem forja para si, o ser humano nasce não livre, mas escravo. Mas essa escravidão não é “natural”, ou seja, não resulta de um processo da natureza. As relações de produção é que condicionam a história, porém não da maneira como operam na natureza as cadeias causais. A alienação não é um processo que ocorre na natureza. No curso de sua existência social, o homem dá uma série de passos por meio dos quais vai se livrando de suas próprias servidões. Mediante essa superação, a liberdade pode, por assim dizer, “ir-se fazendo”, visto estar tão por fazer quanto à filosofia da liberdade. Trata-se para Sartre da filosofia que, quando existir uma real liberdade para todos, vai substituir o marxismo. 19 ■ Ideias de pensadores Obviamente que ao se determinar falar sobre liberdade em poucas palestras, não se teve a intenção de tratar de todos os tipos de liberdade. O que se teve como diretriz foi a de apenas tecer considerações sobre dois grandes grupos de doutrinas: uns que negavam a possibilidade da liberdade, como os materialistas deterministas, e outros que a afirmavam, como os condicionados pelo medo. ● Materialista determinista Na natureza, os fenômenos são o que só poderiam ser, vejam que no vento, nos animais e plantas não há espaço para a liberdade, porque tudo e regido por nexos de causalidade material, que são da esfera do inexorável, do estritamente necessário, do determinismo. Neste sentido, se há liberdade entre os homens é preciso que estes estejam à margem do resto da natureza para que sua conduta não seja rigorosamente determinada por estes nexos de causalidade material, e assim possa ser livre para criar a existência, deliberar entre a conduta A, B ou C, enfim ser autor de si mesmo. Para isso é preciso que o homem tenha algo além do corpo, da matéria, daquilo que é inexoravelmente determinado, que escapa ao fluxo das causalidades materiais, ou seja, que 20 tenha algo que permanece, uma espécie de reduto subjetivo da transcendência: alma para uns, espíritos para outros, e outros tantos nomes que já foram dados para isso. Portanto para que haja liberdade no senso comum, isto é, liberdade de agir da maneira A, B ou C, é preciso que se seja algo a mais do que um simples corpo desejante. A perspectiva de que a conduta só pode ser objeto da moral quando for livremente deliberada é atraente porque ela está absolutamente inscrita na cultura judaico-cristã. As condenações morais são todas baseadas na possibilidade de agir diferentemente, ou seja, só é possível pecar porque é possível não pecar, não poderia haver pecado na esfera do inexorável. Assim um porco não peca, mas peca o ser humano porque pode não ter pecado, porque ele é livre para determinar, escolher, deliberar sobre a sua conduta. Mas, liberdade não é livre-arbítrio, isto é, não é uma faculdade de escolha que não está sujeito a vontade humana. Liberdade não é ser “escravo das paixões”. Schopenhauer na primeira pagina do seu livro chamado “Ensaio sobre um livre arbítrio”, em apenas meia pagina, destrói a ideia de liberdade como livre arbítrio com argumentos semelhante ao que vai exposto a seguir. Imaginem se estar discutindo a possibilidade de agir livremente, naturalmente alguém dirá: se agirá livremente quando puder fazer o que se quer fazer, ou se preferir, se agirá livremente de acordo com a vontade. Por exemplo, se tendo vontade de fazer xixi, existe duas ações: a de não fazer e a de 21 fazer. A primeira não é uma ação livre porque se quer fazer xixi e não se pode. A segunda é uma ação livre porque se está podendo fazer o que se quer. Mas para fazer o que se quer é preciso querer antes, isto é, a vontade de fazer xixi precede a ação livre de fazer xixi, sem a vontade de fazer xixi não se poderia querer fazer xixi e não se poderia então agir livremente fazendo xixi. Isso significa que se precisa sempre querer primeiro para depois agir livremente, então querer é uma condição de liberdade e se caí em um impasse lógico. Pois, se a liberdade é condicionada pela vontade, então se é escravo da vontade e não se é livre coisa nenhuma. Ao se destruir liberdade como livre-arbítrio, vem à tentação da ideia de demonstrar que aquilo que se entende por liberdade é uma idiotice. É claro que se resistirá e se bloqueará porque é insuportável se conscientizar de que tudo é da esfera do inexorável e tudo que foi deliberado, foi escolhido como só poderia ter sido decidido, dada talvez por certa condição afetiva apropriada para aquela deliberação. E assim as clássicas deliberações da chamada escolha racional nada mais seriam do que uma pura consequência dos afetos. Alguns, como Oomala, tão contrariado com essa ideia idiota de que liberdade é uma idiotice, ataca argumentando que o que se vê mais no cotidiano é a razão direcionar o corpo e que assim se é livre neste direcionamento. Mas, se na verdade este cotidiano não estiver muito certo? Se o direcionamento foi promovido por uma inclinação do 22 corpo e obviamente se impôs a razão? Na perspectiva materialista da existência, tudo é como um só poderia ser e, portanto o homem que é só corpo, ele também está inscrito na mais estrita esfera do inexorável, como o porco o rabanete e a cebola. E isso tudo é que se abordará a seguir. Anteriormente, foi dito que para “comprar o pacote” do livre arbítrio é preciso colocar o homem fora da natureza, porque o homem tem uma coisa a mais, embora tenha corpo ele tem alma. Graças a ela, o homem pode ir na contra mão do corpo, a razão pode enfrentar as paixões, como num ringue, ora ganha um, ora ganha o outro, mas graças à alma existe a possibilidade dos apetites serem controlados por nós mesmos, graças à alma existe a possibilidade de não se ser pura escravidão das pulsões. Pois muito bem, então vem a fatídica pergunta: e se esta tal de alma não se sustentar filosoficamente? Basta recordar que para se “comprar” a alma tem que ter comprado o mundo das ideias e o mundo das ideias nunca ninguém viu, até porque se visse já não seria mundo das ideias. Então é claro que ou se compra ou não se compra, e não é a toa que depois dos pós-platônicos se passou a dizer que isso é uma questão de fé, a filosofia cristã é uma filosofia platônica. Pois, a alma não é verificável, então alguém que quiser ficar só com o que é experimentável, poderá arremessar com a alma, impulsionar com o mundo das ideias, impelir com o livre arbítrio. E ai o homem estaria inscrito em nexos de casualidade material e, portanto a existência humana seria rigorosamente 23 determinada por uma complexa rede de casualidades que a determina em todos os seus instantes. Todavia, se tem a impressão de escolher o tempo inteiro. Uns decidiram por chegar atrasado, outros escolheram em sentar na frente, alguns outros em sentar atrás, no meio ou até em não sentar, ainda escolheram em não levantar mais. Ninguém deliberou em tomar vinho no intervalo da palestra. Então se dirá como é possível uma filosofia que vai dizer que a cada instante se tem redes de casualidade? Matéria determinando matéria que faz com que se exista como só se poderia existir? Ora, basta que esta filosofia inclua o ser humano no resto da animalidade e ai ele será puro corpo, pura matéria, determinado rigorosamente pela própria matéria. É óbvio que o Oomala, nessa altura, vai insistir em afirmar que justamente tem a impressão contraria. E argumenta que poderia não ter vindo à palestra, porque queria ir viajar, mas que insistiu em vir à palestra e que isso é revelador de sua liberdade. No entanto, se poderia contra-argumentar que o fato dele ter vindo é tão necessário quanto ao fato de uma queda da carambola da caramboleira. Pois, num determinado momento que ele pensou vir à aula, este pensamento produziu sobre o seu corpo alguma alegria ou alguma tristeza e ai um destes dois sentimentos produzido determinou a sua escolha, inexoravelmente como a queda de uma carambola. E o mala do Oomala, que não desiste nunca, insistirá novamente: “mais eu não percebi nada disso”. 24 Provavelmente lhe diriam: “não percebeu porque, em geral, ninguém percebe alguma coisa, é difícil alguém entender de sua própria existência. Por isso, que se tem a alegria dos psicanalistas que fazem as pessoas deitar no divã e possibilitar que se elocubre frases sobre a própria existência”. E se houver mais uma insistência, talvez ele escute algo não muito agradável como: “Oomala, você lembra um caroço de azeitona no liquidificador, tomando bordoada do mundo sem saber de onde vem, para onde vai, sem entender as causas e sem entender o que determina a própria existência e achando que comanda o espetáculo, que está pilotando um corpo, um corpo que obviamente se dependesse de si para pilotar já teria provavelmente morrido”. Para este é como se Oomala estivesse inscrito num fluxo muito complexo do qual ele não entende praticamente nada e aquilo que ele chama de livre arbítrio nada mais é do que a absoluta ignorância das causalidades que fazem dele aquilo que vai sendo fabricado pelo mundo. Oomala existe, percebe a própria existência e não entende nada e aí, como uma forma de auto-proteção, ele elabora coisas esdrúxulas, como mundo das ideias, alma e coisas imateriais, uma espécie de amuleto que coloca no bolso e fica a mercê de tudo, como shazan. Algo semelhante a ter medo da morte e se criar que continua existindo em outro mundo. Oomala, não se entrega, continuaria: “Olhe lá! Eu não sou uma couve-flor, eu sei que pelo nexo de casualidades 25 materiais o meu corpo deveria ir para lá, mas a razão não vai, então eu vou para lá”. E o retruque também não se entrega: “Por favor, Oomala! Não parta da premissa de que o cogito, a razão, o intelecto, o pensamento, a consciência, possam ser autônomos em relação ao resto do mundo. Não coloque as coisas como num ringue, o corpo de um lado, carente, desejoso, de outro lado, a razão em pleno contato com o cosmo. A razão enfrentando o corpo, uma hora ela ganha outra hora ela perde. Tudo isso pressupondo que a razão possa ser autônoma independente do tal corpo desejante que está dentro da caverna vendo sombras. Para isso, Platão falava em corpo e alma, Descartes no século XVI também, a alma uma produção etérea funcionando autonomamente, enquanto, o corpo uma produção material precisando de alimento. Caia na real! Esta conjectura está destruída pela filosofia do século XVI, pela psicanálise no século XX, mas destruída ainda pelas neurociências do século XXI”. E quando Oomala ia falar, fulminaria: “Quem aqui já esteve em um Spa pode garantir que comendo 300 calorias, depois de quatro dias, a pessoa fica leso e não entende nem os textos da Luluzinha”. Então um filósofo escocês que viveu no século XVIII, e, por favor, OOmala não adianta dizer que não conhece nenhum filósofo que seja escocês, porque também ninguém te conhece. Mas, o importante não é saber se esse filósofo é ou não é importante, mas sim o que ele disse de tão valioso: “como é possível que a razão possa ser autônoma do corpo se ela precisa do corpo para funcionar”. 26 Deixando de lado esse bate-boca. A boca de Freud vai bater e dizer que tudo que passa pela cabeça nada mais é do que um resultado de uma espécie de somatório de vetores de afetos que determinam uma produção de consciência. E, portanto diferentemente do que se poderiam imaginar aqueles fluxos de consciência, aquilo que na psicanálise chama de livre associação de ideias, nada mais é do que a associação de ideias única que poderia ser. Ou seja, o corpo de uma pessoa trabalha para que uma única ideia apareça na consciência dela e não apareça outra ideia, e isto é claro, é uma produção dele, cujas causas a pessoa obviamente ignora. Já viram alguém entrar no carro e dizer que não vai parar de pensar até chegar em casa, e para isso arma um plano de ataque: até o primeiro semáforo vou pensar em nova formula de equação do segundo grau, do primeiro ao segundo semáforo vou pensar em Aristóteles. Possivelmente entre o terceiro e o quarto semáforo o deus dos neurônios, o deus que é corpo já está determinando a consciência. Freud vai propor que para entender a cabeça daquele motorista se tem que entender antes o que ele sente. Pois, o que ele sente e o que passa pela sua cabeça estão em fina harmonia e não há a menor possibilidade da cabeça ir num sentindo e os afetos em outro. Não concorda Oomala? Oh Carvalhão!”. Carvalhão é um gordo enorme que leciona ética e se chama Carvalho. Ele certamente também não concordaria, afinal 27 de contas quantas e quantas vezes ele quis fazer coisas que não fez. Um dia, Carvalhão contou a historia do chato do seu vizinho chamado Avelino, um insistente torcedor do flamengo, daqueles que andam com a camisa rubro-negra ainda por cima escrita “sou 100% flamenguista”, com boné vermelho e preto, com bandeira, cueca, enfim uma tragédia. Um dia Avelino lhe convidou para ir na Associação Cristã de Moços fazer aula de hidroginástica na hora do almoço. Carvalhão pensou que fosse uma brincadeira de mau gosto, porém seu vizinho insistiu “venha pelo o menos uma vez”. O professor respondeu: “Olha não vou, não sou cristão, não gosto de ginástica, nem de água; hora do almoço é para comer e bem”. Mas, ele foi um pentelho, encheu o saco do mestre, um quadro terrível. Carvalhão para se livrar resolveu ir pelo menos aquela única vez. Na hora que entrou a professora o professor entendeu o porquê da insistência. Carvalhão logo tomou gosto pela hidroginástica e chegava a argumentar com os amigos que o esporte é muito importante, principalmente a hidroginástica. A permanência assídua de Carvalhão na hidroginástica se deveu a equação afetiva dos afetos do seu corpo estar inclinado para o corpasso daquela professora. Um dia um aluno lhe disse: “viu como Pascal estava certo, de um lado do ringue o corpo, do outro lado à razão”. Carvalhão, irritado, respondeu de pronto: “certeza coisa nenhuma”. O problema de sua irritação é que o afeto dos glúteos da professora ele percebia, mas o afeto que lhe impedia 28 de manipulá-los, não. Ele não se deu conta de estar numa encruzilhada: de um lado, com um impulso tátil; de outro lado, com o medo. O mundo percebido com uma inclinação para o toque e o mundo imaginário numa inclinação no sentido ao contrario. E por quê? Porque a civilização existe, constrange e agride. O mundo imaginário é a reação da esposa, imagina a sogra, a associação Cristã de Moços, pensem no jornal: “professor de Ética agarra a professora de hidroginástica ao meio dia na ACM”. Carvalhão, quando falava sobre o assunto, dizia enfezado: “Se você acha que eu não manipulei aquelas coisas lindas porque não sou livre, chame como quiser, mas o que fiz, foi o que eu só poderia fazer dadas às certas condições objetivas de existência, como um rabanete, como uma carambola que cai. Toda vez que você acredita poder deliberar é porque você ignora as causas que presidem a deliberação. O livre arbítrio é uma ilusão, o livre arbítrio é a ignorância do mundo que nos afeta, o livre arbítrio é a ignorância das condições matérias de nossa existência, o livre arbítrio é uma forma consoladora para compensar a nossa incapacidade de entender”. E bradava descontroladamente pela sala de aula, pelos corredores, pela rua: “Existimos como existimos”. Esta é a perspectiva que triunfa na filosofia, até porque esta é a perspectiva que vai ganhar o apoio das ciências. Hoje se percebe que afetos felicidades têm relação com a maior atividade numa certa região do cérebro. A neurologia vai 29 defender a hipótese monista, quer dizer, produção de consciência e afeto é uma coisa só. Antes de encerrar se esclarece que o materialismo determinista não é uma perspectiva fatalista. Ao contrário. Por quê? Porque quando Carvalhão se esgoelava dizendo que nós agimos só como poderíamos agir num determinado ponto da existência, ele estava dizendo que o nosso corpo é afetado por causas que naquele instante o determinam, mas estas causas não poderiam ser conhecidas nenhum segundo antes, ou seja, o mundo determina o mundo num instante presente em que ele existe. Nem um segundo antes, nem um segundo depois. E é por isso que o materialismo é incompatível com o fatalismo. Trata-se de um determinismo não fatalista. Porque no fatalismo, os acontecimentos já estavam ou estão escritos. Porém, o real não tem nada já escrito, porque o real é o que é e o que é se define ali, no momento existencial. Portanto no materialismo nada já está escrito tudo se escreve no inexorável, mas no instante presente da existência. Para se ver um já escrito, para ver a possibilidade de prever o futuro, para ver qualquer tipo de antecipação do real, é preciso que haja a transcendência. E por quê? Porque na transcendência não há cronologia, quer dizer, na transcendência esta palestra que se assiste, sempre existiu. Se alguém aqui tem acesso à transcendência, tem acesso a esta palestra, bem como da próxima que vem e de todas as outras. O mundo das ideias de Platão não acompanha cronologicamente o mundo que se percebe este é sombra do 30 que acontece no mundo das ideias, esta palestra no mundo das ideias já tem a sua materialidade, ela já tem a sua existência definida. Esta, a próxima e todas as outras até o momento da morte do palestrante e das mortes dos participantes também. Então é claro se alguém tem acesso ao mundo das ideias, tem acesso há tempos ainda não vivido, ou tempos já vivido. Agora, o determinismo materialista, este é impossível de ser determinado, até um segundo antes do momento em que ganha materialidade. Porque o cruzamento das relações causais que faz com que as coisas sejam como são, eles são de tal forma complexos, que fazem com que, claro, qualquer antevisão, qualquer antecipação seja passível de fracasso, por conta exatamente do ineditismo dos encontros com o mundo, da virgindade dos encontros com o mundo e dai à imprevisibilidade do resultado do efeito que os corpos produzem sobre os outros. Então, diferentemente do que se pode conjecturar, o fatalismo combina com o livre arbítrio e não com o determinismo. Ainda que num primeiro momento pareça o contrario. Pois, o fato de tudo ser como só poderia ser, regido por relações causais, não quer dizer que o mundo é fatalmente como só poderia ser, isto é, inscrito desde sempre, de certa forma, pelo contrário. O fato das coisas serem como só poderiam ser, quer dizer, as coisas são determinadas no instante em que causa e efeito, coabitam o mesmo instante existencial, porque causa e efeito são contemporâneos e é por isso que a existência é o que é. 31 ● Condicionada pelo medo Ninguém cogita mais falar sobre liberdade fora da sociedade, porque só se fala de liberdade mesmo para o homem que vive mesmo em sociedade. O primeiro a falar nisso é Aristóteles, num livro chamado “A Política”, onde ele define o homem como sendo um animal político dotado de logos. Ou seja, o homem para ser homem tem que ser social e dotado ao mesmo tempo de razão e capacidade de articulação discursiva. Esta perspectiva aristotélica vai ser questionada pelos filósofos da modernidade, como Hobbes (XVI), Locke (XVII) e Rousseau (XVIII), e depois será coroada de triunfo pelos filósofos Durkhein (XIX) e Freud (XX). * Hobbes A modernidade é antropocêntrica, tudo começa no homem, tudo começa no Eu. Aquele Eu cartesiano, aquele Eu do pensamento, do Eu como origem de tudo. Duvido das certezas empíricas, duvido da matemática, duvido da coisa, duvido, duvido, pois então qual é a única certeza? É a duvida. E ela é a duvida de quem? De quem duvida, do Eu, da primeira pessoa. Primeira pessoa é a única certeza absoluta, a de que Eu existo. Portanto toda filosofia moderna parte daí. E Hobbes não é diferente, parte do individuo. No entanto, Hobbes faz uma análise do indivíduo a partir de suas emoções, um pouco diferente de Descartes que parte do Eu enquanto estância 32 cognitiva. Em suma, Descartes parte do Eu que pensa, e Hobbes parte do Eu que sente. Esta primeira parte de Hobbes é maravilhosa, ele fala dos sentidos, do mundo que afeta, fala da alegria e da tristeza, fala das paixões. Toda esta literatura que ainda não foi absolutamente colocada em desuso, muito pelo contrario. E ele vem naquela análise absolutamente inebriante, absolutamente alegre, até que Hobbes diz: “Mais o homem no estado de natureza ele tem medo”. E por que ele tem medo? Ele tem medo porque os apetites são incompatíveis, um fulano que ama uma mulher e o outro também ama a mesma mulher, pronto, se tem apetites incompatíveis. E ai Hobbes diz: o homem no estado de natureza, ele tem qualquer outro homem como inimigo em potencial, porque qualquer outro homem pode ter com ele apetites incompatíveis, ou seja, dada à escassez de bens no mundo, é perfeitamente natural que o homem esbarre no apetite do outro, como condição de satisfação do próprio corpo. E, portanto o homem tem medo. O grande medo hobbesiano é o medo da morte violenta, este é um momento chato. O homem não quer morrer assassinado, e quem percebe que no mundo da natureza ele tem que ficar de vigília o tempo inteiro, e tem que ser superior fisicamente o tempo inteiro, por que se não, o outro cara, mais esperto ou mais forte, vem e mata. Então o que faz o homem? Diz Hobbes, o homem faz uma troca. Ele faz esta troca com o resto dos homens, instituídos em certo coletivo chamado Estado. A pessoa abre mão de um monte 33 de coisa, como a do professor Carvalhão “em não manipularei nádegas”, mas em compensação quer a garantia que enquanto ela estiver dormindo ninguém vai vir por traz e chan! Esta é a troca. Agora perceba que a perspectiva hobbeseana parte do indivíduo, mostra que o individuo sozinho tinha medo e ele deliberou viver em sociedade. Toda esta teoria em que o indivíduo está sozinho se sente desconfortável sozinho e prefere abrir mão de certas coisas em proveito de outros, são chamadas de teses contratualistas. Isso porque o Estado ou a vida em sociedade seria consequência de um contrato social, nome de um livro de Rousseau. É por isso que a questão da segurança é tão sensível ao Estado, a hora que o Estado não garante a vida, não impede a morte violenta, cabe perguntar: “em troca do que eu estou abdicando de tantas coisas, como o passar em um sinal vermelho para não ser assaltado”. A sociedade, para Hobbes, é uma constatação decorrente de um afeto em especial, e este afeto em especial é o medo. Eu tenho medo, por isso eu vou viver em sociedade. Nesta perspectivas de que a sociedade é uma consequência de uma deliberação original do sujeito. O homem poderia ter optado por viver eternamente em estado de natureza, todo mundo comendo todo mundo, mas o homem livremente optou em viver em sociedade. E a partir daí a sociedade é uma deliberação livre do homem, do racional do homem, e, portanto é claro, a sociedade é o próprio resultado da liberdade do homem. 34 * Durkhein No entanto, a partir do final do século XIX surge Emile Durkheim que escreveu um clássico “As regras do método sociológico”. Neste livro, Durkheim propõe uma inversão que dá inicio a uma ciência, a sociologia, assim ele se torna o pai fundador da sociologia, como Freud é o pai fundador da psicanálise. Durkheim dá inicio a sociologia quando ele diz: “A sociedade é lógica e cronologicamente anterior ao individuo”. Como se nota, ele inverteu a perspectiva de Hobbes. Na perspectiva hobbesiana, o homem vivia em estado de natureza, e ela achava legal, ele comia pêra na hora que queria, mas quando ele dormia o cara vinha por traz e roubava a pêra dele. Ora, então ele resolveu viver em sociedade, então a sociedade é lógica e cronologicamente posterior ao individuo porque é consequência de uma deliberação do individuo. Durkheim diz: “isso nunca aconteceu! Nunca um indivíduo A encontrando um individuo B, diz: vamos viver juntos. Pensem num diálogo: - Olá eu nunca vi você por aqui. - Eu também não. O que você faz? - Eu planto trigo e faço pão. - Eu crio gado. - Vamos viver em sociedade, e assim teremos um churrasquinho? E assim A e B formam a primeira sociedade. Lamento, nunca aconteceu isso, não tem registro na historia, e por quê? Porque é claro a própria linguagem, pré-requisito deste encontro é social. Um indivíduo não social, não fala, não haveria como deliberar, alcançar uma finalidade não alcançável sozinho, nem nada disso”. 35 E, portanto, nesse momento, se está regressando a hipótese aristotélica. Durkheim resgata Aristóteles, ele não tirou isso do nada, ele tirou isso da política de Aristóteles, não é o homem que criou a sociedade, mas é a sociedade que é a condição da existência do homem. O homem só é homem porque é social, ou seja, a sociedade é o espaço material de construção da subjetividade. E o professor Carvalhão quem é? Um ser no mundo. Mas, que mundo? O mundo social. A sociedade esta que permitiu que ele fosse o que é, e assim claro, a anterioridade do social em relação a ele é óbvia. Não acreditam, então pensem um pouco. Carvalhão nasceu em 1965, numa família que não escolheu, em um país que não escolheu, ouvindo uma língua que não escolheu, ouvindo discursos que não escolheu, e de repente começou a falar, falar não em javanês, não em chinês, curiosamente falar na mesma língua que os outros que estão ao seu lado falam e a repetir o que eles dizem e assim a sua existência foi sendo construída inexoravelmente em função das relações sociais onde ele estava inscrito e assim foi se construindo este sujeito que é contemplado. Num determinado momento ele nadava, mal mais nadava e perdia horas indo e voltando, indo e voltando, indo e voltando, era o momento que a sociedade lhe afetava pouco. Ele reprocessava tudo aquilo que a sociedade tinha lhe bombardeado durante o período que estava fora da piscina e assim voltava a existir no mundo social e nos múltiplos mundos sociais, ele foi se constituindo, até se 36 converter nisso que se vê hoje. Para alguns moralistas: um gordo tarado que dá aula de moral. A sociedade é lógica e cronologicamente anterior a ele porque se tivesse sido outro o universo social que ele tivesse nascido, ele seria outro, que se chamaria pelo um outro nome, que falaria outra língua, que gesticularia de outra maneira, que se expressaria de outra forma, mas discretamente talvez, quem sabe até apertasse as nádegas da professora de hidroginástica. E assim por diante. Aquele insistente Oomala vai dizer: “Que a sociedade seja anterior ao professor Carvalhão ou a mim, eu estou obviamente de acordo. Mas a sociedade não pode ter sido sempre anterior ao individuo, tem que ter tido um momento que o individuo foi anterior à sociedade, não teve? Um indivíduo como Adão?”. Para responder a esta pergunta é necessário se defrontar com esta indagação: “O homem é uma categoria criada por quem?”. Pelo homem, alias, pelo homem do século XVIII, pode ser que no século XXI haja uma nova definição. Oomala não resiste: “Mas, um fulano que morreu um dia antes de se entrar no século XVIII? Este não entra nesta categoria”. Ele ouve: “Não adianta achar que isso é um absurdo, achar que ele é um coitadinho afinal morreu só um dia antes, considerar esse critério injusto, porque toda categorização estabelece mesmo uma fronteira entre o dentro e o fora, o sim e o não, os aprovados e os reprovados, tem sempre o quinquagésimo primeiro, de cinquenta vagas, não tem? E o 37 quinquagésimo primeiro diz: “deixa-me ficar entrar os aprovados”. “Não”, declara a banca do concurso. Sem se abalar com os argumentos, fala Oomala: “puxa, deixa o sujeito, que nasceu em 31 de dezembro de 1799, ser homem”. “Não”, declaram os sujeitos que nasceram a partir do dia seguinte. Oomala: “Mas, o que ele seria então?” Ele escutaria: “Talvez um hominídeo, um antropóide. O rabinho desapareceu, verticalidade e tal e coisa, mas homem é daqui pra cá. O cara, não insista, ele não é homem, é um pouco antes de homem”. No entanto, esse ser indefinido já era social. Porque os outros primatas que não viraram homem, dispõe hoje tudo que caracteriza uma sociedade, os estudiosos dos primatas superiores mostram que eles têm universos sociais complexos, como tribunais, mecanismos eleitorais, divisão social de trabalho, posições, papéis sociais, códigos de conduta, etc. Aliás, sociedade até as formigas e as abelhas tem. Então a sociedade é anterior, até o tal do primeiro homem. É claro que se você tiver uma perspectiva bíblica da humanidade, ai não, mas não é esta a perspectiva de Durkheim e das ciências sociais do século XX. Em resumo, não é mais possível falar em liberdade como sendo esta faculdade humana de deliberar viver em sociedade, porque a sociedade pré-existe, a sociedade é condição para que o homem exista. Como a liberdade é incompatível com uma condição, então a sociedade restringe qualquer tipo de reflexão sobre a liberdade. 38 Portanto, hoje, o que os cientistas sociais estudam é o comportamento humano como sendo o comportamento daquele que inscrito num certo universo social, age em função dos demais atores sociais. Por exemplo, não se pode estudar o comportamento de Lula, pelo comportamento de Lula, porque a chave do comportamento de Lula está no comportamento de todos os demais, principalmente do povo. Então o que os cientistas sociais vão mostrar é que a existência humana é um compromisso neste engajamento social, é o resultado deste engajamento social, é, portanto condicionada por este pertencimento em universos social específicos. * Freud Num livro seu intitulado “O mal estar na civilização” propõe que o homem nasce 100% Id, ou seja, nasce com a inclinação do corpo para um mundo que possa satisfazê-lo, é o estado psíquico dominado pelos prazeres. No momento em que se nasce passa a ser regido por um principio chamado, principio de prazer. O bebezinho, quando sente fome, chora, não tem esta de esperar um pouco, porque esperar um pouco, é um condicionamento da satisfação, não tem isso de esperar, é já. Satisfação imediata e radical é uma característica do principio de prazer. Este bebezinho é colocado em uma civilização para se civilizar. E o que significa civilizar na psicanálise? Condicionar as satisfações? Não, até porque, se eliminar o instinto do prazer, se mata, e a civilização só mata de vez em quando. A civilização, em 39 principio não mata, ela condiciona as satisfações no tempo e no espaço, ou seja, quer dizer: nem aqui e nem agora, mais tarde. Imaginem que o professor Carvalhão conseguiu aquilo tão desejado. Só que ele está com a professora de hidroginástica às 3 horas da tarde, na esquina da Avenida Rio Branco dentro de um fuskinha, e começa aquele idílio, e o corpo grandioso dele é uma inclinação só em direção aquele corpasso, e começa aquela coisa, etc e tal. A civilização, através das forças repressoras, vão por ordem na casa, ou melhor, naquela avenida, ou quem sabe, pelo menos, naquele fuskinha. Um guarda gentil poderá dizer: “Pode me acompanhar, aqui não, a sociedade possui curródromos autorizados”. Então, lá se vai o professor Carvalhão translocar as satisfações para outro momento e para outro lugar, o deslocamento do tempo é tão danoso, quanto o deslocamento no espaço. Ao sair dali e ir para o motel, o Carvalhão no motel teve que dar o número da carteira de identidade, o que foi altamente broxante, além disso, teve que negociar a suíte, tirar novamente a roupa, e nada de f..., realmente a sociedade é que é f..., o papel da civilização é impor condições. Então o que acontece é que este Id, embora jogado numa civilização, ainda continue a lutar pela reprodução, porém, vai satisfazer sem colocar em risco a chamada ordem pública. Então o que diz Freud: “A sua existência, do principio ao fim será orquestrada por uma tensão entre o princípio de prazer e o princípio de realidade”. Ou seja, até o fim da vida o professor Carvalhão continuará tendo inclinações, continuará buscando o mundo que lhe satisfaça, ao mesmo tempo e em qualquer 40 espaço, ele vai ter uma civilização que lhe imporá limites e faz isso de muitas formas quer explicitamente reprimido, quer ensinado. Mas, falar em ensino é com o professor Carvalhão. O que é educação formal, a escola, senão a parte da civilização repressora que ensina que se uma pessoa quiser satisfazer seus instintos prazerosos deste jeito a civilização vai lhe bater. É isso que a escola conta de muitas maneiras através inclusive da equação do segundo grau. Grande parte do processo civilizatório se dá sem repressão ostensiva. A repressão ostensiva só entra quando de fato se é um herético, quando de fato é um insubordinado. Grande parte das pessoas se submete ao princípio de realidade de maneira mais ou menos tranquila. Participam desta lógica a publicidade, e o que ela faz? Ela desfila o desejável, aquilo que você pode buscar no mundo para te satisfazer. Às vezes a publicidade faz isso didaticamente. Ela põe um do lado do outro: Juliana Paes e a Antártica. O professor Carvalhão não tem dúvida e a sociedade também “sem o consentimento dela, não será possível”. Mas na impossibilidade de ter a Juliana Paes, o professor Carvalhão toma uma cerveja antártica, é uma compensação é claro, mas ele pode se sentir orgulhoso porque estará movimentando a economia, a Antártica vai dar emprego. Tomar cerveja tudo bem, beba com moderação, para não botar em risco o transito, que beleza! Mas a Juliana Paes sem moderação, sem trânsito, que feio! Juliana Paes é o que Carvalhão quer, Antártica é o que ele pode querer, se ele associar bem acaba sofrendo menos. É mais ou menos o 41 que a publicidade conta para uma pessoa didaticamente, desfilando o desejável e denunciando em contra partida por exclusão o que não deverá desejar. Pois muito bem! A historia do homem é a historia de sua repressão, na melhor das hipóteses: a luta entre o Id e a civilização (o Super-Ego), como consequência deste embate se tem o Ego, isto é, a consciência, o que passa pela cabeça, pensamento, conhecimento, calculo, juízo, moral. O Ego é a prudência, é a possibilidade de deliberar, é aquilo que se coloca na cabeça como variável para decidir sobre as coisas do mundo e sobre nós mesmos. E aí é que está a liberdade? Markuse escreveu “O Eros e a Civilização” – clássico do século XX. Aonde ele diz que a função de toda a civilização é reprimir. Mas que cada civilização reprime de um jeito, cada civilização controla as satisfações de certa maneira, e a civilização capitalista, que é a vivida por nós, tem uma forma particular de controle. Sabe qual é? É a conversão da libido em potencia laboral, em energia para o trabalho. A sociedade capitalista se caracteriza por controlar o desejo de uma forma particular, é transformar excitação em excitação pelo trabalho, transformar libido em eficiência. Não adianta o professor Carvalhão olhar para mim e pensar: “Mas quem em sã consciência trocaria a Juliana Paes por uma hora extra?”. Assim, do mesmo jeito que Durkheim falava que a sociedade é lógica e cronologicamente anterior ao sujeito, Freud diz que a civilização é condição do Ego pensante. Então a sociologia e a psicanálise, na virada do século XIX para o século 42 XX, defendem a mesma coisa: a anterioridade da sociedade, da civilização sobre a pessoa. É claro que isso é frustrante porque o ser humano é subjetivista, acredita que tudo começou com o homem. É muito desencantador saber que se é uma consequência de um processo, quando se quer ser a causa. Imagine alguém como o mala insistente do Oomala aceitar que o que ele pensa, o que ele faz, a sua aura, tudo isso é resultado de um Id com a civilização, e ele, seu Ego, não controla nenhum dos dois? “Mas ...”, começaria a balbuciar no pensamento do Oomala. Um pouco antes disso, ele já estaria ouvindo que a sociologia é paquidérmica e um pouco arcaica, porém a psicologia social ela é jovem e interessante pela sua obsessão de mostrar a influencia do comportamento coletivo sobre o comportamento do indivíduo. Toda pesquisa de psicologia social tem esta lógica: “tenho um comportamento coletivo que controlo, logo, um dado; por outro lado, tenho um comportamento individual que ignoro, portanto, uma incógnita”. E “tome” exemplos. Um estudante de matemática quando arguido sobre o resultado do produto de dois números negativos ser um número positivo ou negativo, provavelmente, mesmo sem saber o porquê, vai responder que é um número positivo, mesmo que sua intuição ache ser um número negativo. Sabe por que ele responde positivo? Porque ele sabe que se disser negativo, ele vai sofrer, é o medo do Hobbes de novo. 43 Outro exemplo. Oomala vai à casa de alguém, por conta de um convite de outra pessoa. O sol se põe, e as pessoas decidem comer uma pizza, todo mundo se conhece, menos o Oomala que não conhece ninguém, pois até quem lhe convidou faltou, o que é admissível por saber o que ali iria encontrar. Então as pessoas que se conhecem perguntam para o desconhecido qual pizza que ele quer, e a sua resposta deveria ser “qualquer uma”. Sabe por que ele deveria responder “qualquer uma”? Porque “qualquer uma” não tem a chance de ficar na minoria. Porém, como ele é o Oomala pode ser que ele diga que só não come pizza de mussarela, o que já impôs uma senhora restrição. Um terceiro exemplo. Um eleitor quando interpelado sobre em quem vai votar responde que vai votar naquele candidato que tem chance de ganhar. No entanto, quando perguntado “Qual é o melhor candidato?”, a sua resposta não coincide com aquele candidato do seu voto útil. O mais interessante ainda é que esse melhor candidato na pesquisa de melhor candidato tinha 24%, enquanto na pesquisa de intenções de voto tinha 2%. Este candidato, de posse da pesquisa, no dia do debate, desesperado implorava: “se você acha que eu sou o melhor candidato, vote em mim que eu ganho!” Só que apurada as urnas, ele teve 2% de votos, ninguém acreditou e ele continuou com a mesma percentagem de intenções de voto. Nos dias de hoje, falar de liberdade não pode ser feito mais metafisicamente. Por que agora se tem ciências que estão 44 mostrando as condições objetivas de uma manifestação livre. Oomala acha que não. Pois bem! Mais exemplos. Na USP, lá está o professor Carvalhão participando de uma banca de tese sobre prostituição. O doutorando expõe a declaração de um travesti em uma entrevista: “Quando eu estou sozinha, a chance de um carro parar é remota”. E chega a contar: “Tem uma média de 40 carros que passam”. Observou que tendo um carro parado ali, a chance de parar um segundo é muito maior. Ela explicou então o que fazia: “Então eu, mesmo sabendo que aquele bofe não vai pegar os meus serviços, eu seguro ele ali, converso, regateio o preço, quanto maior o tempo que eu seguro ele ali, maior a chance de parar outro carro, com isso maior a chance de um pegar o meu serviço. E ele ou ela diz: “A chance de parar um terceiro é de 100%. E ai é bem possível que eu crie uma muvuca, porque quanto mais carro tem, mais gente pára. É como na rua, quando alguém olha para cima, com 5 ou 6 olhando, para daqui a pouco 200 olhando para cima é fácil”. Carvalhão como ainda estava pensando na hidroginástica e na cerveja, saiu pouco satisfeito com aquele travesti, quase que reprovou sua tese. Mas, a vida de professor como se sabe é igual à de taxista e lá foi ele para fazer parte de outra banca de doutorado. Foi rezando para ver se o assunto fosse atraente. Ih! Lembrou que era sobre culto religioso. Precavido, colocou seu óculos de emergência, aquele mais escuro que tinha e partiu com muita fé. 45 Lá está o professor Carvalho, mais para Carvalinho do que para Carvalhão, com seus olhos não visto por causa daquela escuridão em seus óculos, é claro que amuado. Infelizmente, o doutorando inicia a exposição. Ele começa por dizer que adotou duas técnicas metodológicas completamente diferentes. Uma quantitativa, por questionário, anônima; e a outra, qualitativa, grupos focais, onde o individuo é obrigado a debater sobre culto religioso. E um dos objetivos da pesquisa é identificar a incidência dos alunos da USP que frequentam cultos religiosos. Carvalinho que nessa altura, por trás daquelas lentas negras poderosas, já estava cochilando. Só que à medida que o entusiasmo do doutorando aumenta, desfavoravelmente a sua voz também. Até que Carvalinho é acordado diante daquelas palavras vibrantes: “Os senhores acham que o numero de alunos que afirmam frequentar estes cultos, teriam sido o mesmo nas duas abordagens? Foi maior ou menor?” E abaixando a voz para fazer o suspense dá a resposta: “O numero de frequentadores de cultos destas igrejas, pelo questionário, foi maior, esse é o dado”. E com aquela pausa do doutorando, Carvalinho imaginou que poderia voltar para dentro daquele silêncio interior. Pura ilusão! O doutorando em alto e bom tom: “Agora o quanto maior, isso é que é interessante”. E continuando ininterruptamente: “Qualquer pessoa que tenha trabalhado com pesquisa sabe que 3% é uma enormidade”. Imaginem que o doutorando tivesse dito que foi o dobro, já se deveria ouvir: ”oh!”. Mais não foi o dobro, foi 17 vezes mais, quer dizer, de cada 17 frequentadores destes cultos, só um estava disposto a 46 debater sobre este tema, afirmando a sua prática e a sua adesão a este tipo de culto. Poupando de contar o sofrimento do professor Carvalho, se pode chegar à conclusão de que a perspectiva de uma opinião dominante faz com que as pessoas adotem a opinião mais aceitável, a menos comprometedora. Como no caso do “menos vezes menos dar mais” do estudante de matemática, no caso do voto útil do eleitor, no caso de “qualquer uma pizza” ou pelo menos “mussarela” que deveria ser dito pelo Oomala, como no caso da estratégia do travesti, bem como no caso da frequência dos cultos religiosos dos alunos da USP, Isso ocorre porque o ser humano busca a alegria, e quando ele se depara com alguém que não concorda consigo, ele se entristece, sofre, gasta energia e procura evitar isso. E assim graças ao medo da morte, de violência, do isolamento, a sociedade é condição da existência, condição da reflexão sobre a liberdade. ■ Pensamento de Meishu-Sama Após se ter visto as ideias de pensadores assinalando para uma liberdade materialista determinista e condicionada pelo medo se fica tentado a mostrar rigorosamente o quanto o fundador da Igreja Messiânica Mundial considera esses pontos de vista filosófico. Porém, como se tem outras prioridades, apenas se indica superficialmente a concepção de Meishu-Sama a respeito destes entendimentos filosóficos sobre a liberdade. 47 A compreensão do fundador a respeito da noção materialista determinista pode se começar a ser sentida nestas suas palavras: “A ideia preconcebida de que determinada coisa nunca poderá acontecer, já constitui um erro, pois leva em consideração apenas aquilo que se manifesta exteriormente, isto é, as aparências. Como até agora o pensamento da maioria dos homens baseava-se em conceitos materialistas, se às vezes sucede algo diferente, eles pensam que se trata de milagre. Por exemplo: uma criança cair de um penhasco e não sofrer nada; um carro bater numa bicicleta e não haver ferimentos nem prejuízos; uma pessoa se salvar por ter se atrasado e perdido um trem que depois descarrilhou, virou ou colidiu com outro”. Pode ser um pouco mais percebida nos títulos de seus ensinamentos como “Materialismo e espiritualismo”, “O Materialismo cria o homem mau”, “Nós é que traçamos o destino”. Querendo se aprofundar basta lê-los. Todavia, para dar pequenos indícios se podem expressar alguns trechos, conforma a seguir. “Baseados nisso, podemos comparar o materialismo com o macaco Songoku, o qual, tentando fugir dos domínios espirituais de Buda, percorreu milhares de milhas, mas, quando percebeu, ainda estava na palma da mão de Buda, e se arrependeu do que fizera. (...) Pela exposição acima, acredito que entenderam como está errado analisar as coisas espirituais do ponto de vista da matéria, pois esta é finita, enquanto aquelas têm vida eterna e são infinitas. É a mesma coisa que querer colocar um elefante dentro de um pote ou ver todo céu através de um orifício, ou seja, é ter uma visão limitada das coisas. 48 Materialistas! Depois de conhecerem esta verdade, ainda têm algo a dizer? Pensem no que farão!” “Talvez estas palavras [o materialismo cria o homem mau] pareçam demasiado fortes, mas não posso evitá-las, pois correspondem à pura verdade. Segundo nosso ponto de vista, o materialismo, ou seja, o ateísmo, pode ser considerado o pensamento mais perigoso que existe. Vejamos. Se Deus não existisse, eu também ganharia dinheiro enganando o próximo habilmente, de modo que não fosse descoberto; faria o que bem entendesse e, além de viver uma vida de luxo, estaria ocupando uma posição de maior destaque na sociedade. Entretanto, consciente da existência de Deus, de forma alguma sou capaz de proceder assim. Tenho de percorrer o caminho mais correto possível e tornar-me um homem que deseja a felicidade das outras pessoas. Caso contrário, jamais poderia ser feliz e levar uma vida que vale a pena ser vivida. O que eu estou dizendo não é mera teoria ou algo parecido. Como podemos ver através de inúmeros exemplos que a História nos mostra desde os tempos antigos (...)”. “O homem costuma resignar-se a tudo, atribuindo ao destino o desenrolar dos acontecimentos. (...) Mas eu desejo ensinar que todos podem mudá-lo de acordo com sua própria vontade, ou melhor, cada um pode traçar o seu destino. A consciência desse fato permite transformar o pessimismo em otimismo”. A compreensão de Meishu-Sama a respeito da noção condicionada pelo medo pode ser orientada pelo conhecimento 49 de que o espírito primordial do homem tem as qualidades “sabedoria, amor e coragem”, o ser humano deve discernir se está de posse de uma razão sábia, de um sentimento amoroso e de uma vontade corajosa, ou, ao contrário, de uma razão ignorante, de um sentimento irado e de uma vontade insaciável, medrosa. Por isso, talvez se possa afirmar que a evolução da liberdade humana passa por uma vontade corajosa e não por um permanecer numa vontade medrosa, em outras palavras, condicionada pelo medo. Ao se falar em evolução, uma maneira de se entender como Meishu-Sama raciocina sobre a evolução, talvez seja esta que se descortina no que segue. A centelha divina, que tem origem no Mundo Divino, inicia sua evolução pelo plano inferior, explicando melhor, pelos reinos inferiores, mais precisamente, pela ordem, começa pelo Reino Mineral, passa para o Reino Vegetal e termina no Reino Animal, em seguida se tornando uma alma individualizada entra no plano intermediário onde está o Reino Hominal, e finalmente, alcança o plano superior, local do Reino Divinal. Neste processo evolutivo em cada reino a centelha divina aprende com a lei deste reino e leva sua aprendizagem para o reino posterior. Neste processo evolutivo os reinos vão desenvolvendo corpos, ou melhor, vão criando premissas, formando, destruindo, conservando e inovando corpos: o reino mineral forma o corpo físico; o reino vegetal, por sua vez, destrói, conserva e inova o corpo físico e cria premissas para o corpo emocional; o reino animal, por sua vez, destrói, conserva e inova 50 o corpo físico, forma o corpo emocional e cria premissas para os corpos mental e social; o reino hominal, por sua vez, destrói, conserva e inova os corpos físico e emocional, formas os corpos mental e social, bem como cria premissas para os corpos ecológico, cósmico e transcendental (espiritual). Desta maneira, o homem é formado por sete corpos, quais sejam: físico, emocional, mental, social, ecológico, cósmico e espiritual. ● Diferenciar o homem do animal é uma lei Meishu-Sama quem sabe deixa a entender que os minerais são regulados pela lei da coesão, pela união, ao escrever: “No grande Universo, a começar do espaço, que se estende infinitamente, até as mais minúsculas existências, impossíveis de serem detectadas mesmo com uso de microscópios, todas as matérias sejam elas grandes, médias ou pequenas, cada qual obedecendo à Lei da Concordância, nascem, crescem, unem-se e separam-se, aglomeram-se e espalham-se, destroem-se e constroem-se, numa sequência infinita na cadeia da evolução”. Por isso, não seja acaso, quando sua esposa, a Segunda Líder Espiritual da Igreja Messiânica Mundial, diz: “É difícil misturar vinagre e óleo, mas, uma vez juntos e misturados, eles se completam para compor um delicioso molho de salada”. Já os vegetais, nessa linha de suposição, são prescritos pela lei da verdade, ou seja, pelo próprio estado natural das coisas, como não nascer jaqueira de caroço de limão. Esta experiência o homem não deveria ter esquecido, por isso 51 Meishu-Sama escreve: “A Verdade é o próprio estado natural das coisas. O Sol desponta no nascente e desaparece no poente; o homem inevitavelmente caminha para a morte (...) O homem manter-se vivo através da respiração e da alimentação também é Verdade”. E alerta que não há felicidade para o ser humano quando este se afasta da autenticidade: “Observando os revoltantes acontecimentos deste mundo, o caos reinante na sociedade, os conflitos, a desordem, o pecado, é impossível negar que tudo contribui mais para a infelicidade do que para a felicidade do homem. Precisamos, pois, conhecer a razão de tais coisas. Tudo se baseia no fato de estarmos longe da Verdade isso é evidente. O problema é que não temos consciência disso”. No caso dos animais, eles são regidos pela lei da justiça, mas, de uma imparcialidade em nível da exata reação a cada ação, do olho por olho e dente por dente, do carma. Por isso, é que Meishu-Sama diz: “Só se procura controlar o mal por meio de fortes redes e prisões chamadas leis. Isso, porém, é tratar os homens como se fossem animais, não sendo à toa que o método não surte resultados positivos.” “Ainda que exteriormente, os homens tenham forma de seres humanos, interiormente são como animais”. Ao se tornar homem se passa a ser estabelecido pela lei da liberdade. Meishu-Sama ensina: “Por outro lado, a criança recém-nascida não se afasta da mãe e nada faz sozinha. Comparando-a com os animais mamíferos, poderíamos dizer que a criança nasce prematuramente. Exemplificando com o macaco: o filho do macaco, quando recém-nascido, se segura firmemente 52 à mãe com os pés e as mãos, instinto natural nesta espécie. A criança, desde o nascimento, possui plena liberdade de movimento das mãos e pés, diferentemente desses animais. Poderíamos até dizer que as crianças não possuem tanta habilidade e capacidade para sobreviver quanto os macacos recém-nascidos. Entretanto, ainda no confronto entre eles, poderíamos dizer que as crianças, que tem livre movimento de mãos e pés, possuem outras potencialidades e capacidades que não aparecem nos mamíferos macacos. Esse estado do homem ao nascer não é uma simples inabilidade. Ele oculta um grande significado, isto é, o da liberdade humana. Assim, entre os mamíferos antropóides, o homem seria um espécie completamente diferenciado”. Além do movimento existem outras diferenças de potencialidades e capacidades nos humanos que não aparecem nos animais como: a emissão da voz e a sua utilização; o saber o porquê faz; acúmulo e produção de cultura; pensamento. Sobre esta última diferença Meishu-Sama é afirmativo que “O homem depende de seu pensamento”. ● Ter que escolher entre o bem e o mal é uma sentença Como o homem depende de seu pensamento e, ao mesmo tempo, está sempre se defrontando com o dilema de decidir entre o certo e o errado, ele deve cuidar de analisar frequentemente sua razão, sentimento e vontade a fim de rumar no caminho do bem. 53 Um homem no nível Inferior do Plano Intermediário: escolhendo o mal, involui para o Plano Inferior (Justiça), passando ser colhido pela ação purificadora, pelo resgate de carma; escolhendo o bem, eleva-se ao nível Intermediário do Plano Intermediário (Lei do Servir), subindo, escapa deste resgate, há uma “queima” do carma, das máculas. Meishu-Sama diz que atualmente, em geral, os seres humanos decidem pelo mal: “Considera-se que todo cidadão é independente, apesar de ser um membro da sociedade, e que, portanto, ele é livre para praticar quaisquer atos. Atualmente, “viver com inteligência” significa empregar a habilidade exclusivamente no que possa proporcionar benefícios à própria pessoa. O homem, simulando admiração pelas palavras dos seus superiores ou religiosos, no íntimo zomba delas, achando que são tolices. Prende-se a formalidades, tornando-se nulo não apenas espiritualmente, mas também quanto ao seu valor humano”. Esse é o pensamento moderno da maioria dos homens, os quais, longe de conseguirem a almejada felicidade, acabam fracassando. E fracassam porque, embora o mal não seja descoberto pelos outros, a própria pessoa sabe que o cometeu. Aí é que está o problema, pois o conteúdo do consciente e do subconsciente reflete-se num local do Mundo Espiritual que corresponde, na Terra, ao nosso Palácio da Justiça. Pode ser chamado de Fórum do Mundo Espiritual”. “Há um elo espiritual semelhante ao telégrafo sem fio que estabelece uma ligação entre cada homem e esse Fórum, no 54 qual as nossas ações são registradas com assombrosa exatidão. O registrador anota tudo minuciosamente num livro, e os delitos são julgados de acordo com o grau de perversidade. Por esse julgamento do Mundo Espiritual, o delito é revelado no Mundo Material, de forma hábil, para a pena correspondente. Quando o homem tomar consciência desse fato, deixará de cometer qualquer espécie de mal. Se, ao contrário, praticar bons atos, será recompensado também, segundo o próprio mérito. Esta é a realidade dos dois mundos, o Espiritual e o Material. Deus construiu-os sabiamente. Sendo esta a Verdade Absoluta, não há outra solução a não ser aceitá-la”. ● Submeter à evolução é uma aprendizagem Obtendo desenvolvimento ideológico e cultural “Gostaria de falar a respeito das pessoas que acham gratificante preservar as velhas ideologias e a cultura que cheiram a mofo, das quais não conseguem desvencilhar-se. É do conhecimento de todos que o homem não consegue se desfazer tão facilmente das tradições e costumes mantidos por seus ancestrais. É a essas pessoas que chamo de “escravos das tumbas”. Hoje em dia, quando tudo progride, aqueles que possuem tal tipo de pensamento são retrógrados, e a realidade mostra claramente que são uns derrotados”. “(...) todas as culturas têm se transformado com o correr do tempo. A teoria de Bergson sobre a transformação de todas 55 as coisas, deve se referir a isso. Assim, conforme os processos históricos, podemos compreender claramente que a Lei da evolução determina a queda do obsoleto e o avanço do novo. Neste sentido, somente com o surgimento de uma ideologia capaz de assumir a liderança de uma época, é que a civilização evolui”. Cultivando espiritualismo, altruísmo e desapego Cultivar espiritualismo é livrar-se do materialismo, do ateísmo. Altruísmo é livrar-se do egocentrismo: amando seu semelhante a ponto de não se importar de cair no Inferno desde que salve o maior número de pessoas; melhorando o mundo e a sociedade; escolhendo profissão que seja a mais útil para a sociedade e assim fazer maior número de pessoas feliz. Desapego é desobrigar sua mente da dor da perda, para salvar antepassado no Inferno se deve esforçar para esquecê-lo como conta Meishu-Sama: “Deixe-me contar-lhe uma história sobre discípulo de Buda, Saint Mokuan e sua mãe. Um dia, Saint Mokuan, viu sua mãe sofrendo no Inferno. Esforçou-se ao máximo para salvá-la, não conseguiu retirá-la de lá. Assim, dirigiu-se ao Buda e perguntou-lhe o que poderia fazer para ajudar sua mãe. A resposta de Buda foi: “Será salva quando esquecer-se dela.” Mokuan esforçou-se ao máximo para esquecê-la. Cerca de um ano depois, teve uma nova visão física de sua mãe, e não estava mais no Inferno”. 56 Sendo predestinação independente dentro dos limites da Predestino é determinado desde o nascimento, como filiação, sexo, raça, país, carmas, pertinência a um dos três planos do Mundo Espiritual; o destino depende do esforço feito para se atingir nível mais alto ou mais baixo desse plano, receber suas vibrações, analogamente como fazer uma visita a condenado na cadeia ou conviver com seu líder religioso: “Agora darei uma breve explicação sobre predestinação e destino. O predestino é determinado desde o nascimento, sendo limitado a um dos três planos - Superior, Intermediário e Inferior - do Mundo Espiritual; e é impossível ultrapassar este limite. O destino depende do esforço feito para se atingir o nível mais alto ou o nível mais baixo do plano predestinado. Portanto, em relação à imutabilidade do predestino, o destino concede certa liberdade.” Por isso Meishu-Sama explicou dessa forma o acidente que uma pessoa havia sofrido: “O acidente e seu ferimento foi de natureza cármica e já estavam predestinados no reino espiritual”. Liberdade infinita é a liberdade do destino que não ultrapassa os limites do predestino; liberdade individual é aquela que não prejudica a liberdade dos outros. 57 Livrando-se sem desrespeitar a liberdade alheia Por um lado, não se limitar sem caminhar para o anarquismo, ou seja, ter fé messiânica: “‘não criar formas, normas e mandamentos’ e, por extensão, ‘ser completamente livre de todas as limitações’. Devo lembrar-lhes que não se trata de anarquia, e sim, da liberdade que respeita a liberdade alheia. (...) as *pessoas+ de fé ‘Daijo’ sentem-se mais livres, alegres, sem necessidade de camuflagem, porque sabem respeitar a liberdade humana; nelas, a hipocrisia não tem lugar. Esta é a verdadeira e grata fé messiânica”. Aquela fé que conta com o vigor dos outros e não só com a sua própria energia, sabendo aguardar o tempo certo. Por outro lado, não se soltar sem caminhar para a tirania. Emancipando-se com responsabilidade e alegria Executar tarefas realizáveis com contentamento sem se descuidar da construção paradisíaca é o que diz Nidai-Sama, a Segunda Líder Espiritual da Igreja Messiânica Mundial: “Naquela época, Meishu-Sama dava muita liberdade aos servidores; entretanto, uma vez atribuída determinada tarefa sempre verificava o que fora feito, não permitindo nenhum descuido. Nunca distribuía trabalhos que eles não pudessem realizar, mas só aqueles que lhes proporcionassem alegria. Preocupava-se em fazer os servidores sentir a vida como Paraíso”. “Sem apego, acolhendo o lado bom das coisas e ignorando seu lado mau, 58 empenhemo-nos alegremente na construção do Paraíso Terrestre.” Aliviando no pensamento e agravando nas palavras e ações Deus permite a liberdade de pensamento, gá forte, o que não se deve é manifestá-lo na prática: “Pensar não tem importância, Deus permite a liberdade de pensamento. Mas não se pode manifestar na prática. Geralmente, de acordo com o sentimento do momento, a pessoa fala muito entusiasmada, mas se aguentar calada, verá mais tarde que, sem dúvida, foi bom não ter falado”. Tornando as leis, prisões e tribunais desnecessários “Se fossem verdadeiros seres humanos, a sociedade não necessitaria de jaulas. Quem jamais pratica o mal, esteja onde estiver, é que tem a qualificação de autêntico ser humano”. 59 60