liberdade? - Charles Guimarães Filho

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COLEÇÃO INICIAÇÃO MESSIÂNICA
LIBERDADE?
Maio de 2007
Charles Guimarães Filho
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ÍNDICE
■ Considerações iniciais
• Importância do Tema
• Significado
• Um pouco de história a respeito
■ Ideias de pensadores
• Materialista determinista
• Condicionada pelo medo
■ Pensamento de Meishu-Sama
• Diferenciar o homem do animal é uma lei
• Ter que escolher entre o bem e o mal é uma sentença
• Submeter à evolução é uma aprendizagem
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LIBERDADE
■ Considerações iniciais
● Importância do Tema
A liberdade tem sido entendida e usada de maneiras
distintas e nos mais diversos contextos da literatura filosófica e
parafilosófica dos gregos até o presente. Ela foi compreendida
desde possibilidade de autodeterminação, de escolha, ato
voluntário, espontaneidade, margem de indefinição, ausência de
interferência, passando por salvação quer diante de alguma
coisa ou para alguma coisa, até como realização de uma
necessidade. Além disso, o conceito em questão foi captado de
diferentes jeitos segundo a esfera de atividade ou alcance,
assim, fala-se de liberdade privada, pessoal, pública, política,
social, moral, de ação, de expressão, de ideias, de mercado etc.
Para os Estados Unidos da América do Norte o conceito
de liberdade é essencial para as suas ambições, pois, tem sido
em nome dela que essa nação tem explorado economicamente
países através da imposição do livre mercado, dominado
politicamente por meio da defesa da democracia e
hegemonizado ideologicamente por intermédio da ordem da
salvação.
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● Significado
Como se pode ver, o conceito de liberdade é complexo.
Para compreender algumas de suas características, faz-se
necessário relacioná-lo, para comparação ou confronto, com
alguns outros conceitos como determinação e livre-arbítrio, ou
ainda, autonomia, consciência moral, dever, indiferença e
vontade.
Poder-se-ia proceder, em princípio, a uma classificação
simplificada de liberdade como autodeterminação ou como
possibilidade de escolha. Isso, no entanto, obrigaria a descuidar
de alguns outros conceitos, como liberdade enquanto ausência
de interferência.
Considera-se assim mais adequado destacar alguns dos
conceitos capitais de liberdade que se manifestaram ao longo da
história da filosofia a partir dos gregos e preceder a esse esboço
histórico de algumas considerações de vocabulário.
Uma atenção inicial com a terminologia de liberdade
remete ao vocábulo latino de que deriva “livre”, e este teve em
princípio o sentido de “pessoa na qual o espírito de procriação
está naturalmente ativo”, donde a possibilidade de chamar de
livre o jovem que ao alcançar a maturidade sexual incorpora-se à
comunidade como homem capaz de assumir responsabilidades.
Mais tarde, passa a se entender como livre o homem de
condição não-submetida. Daí vem vários significados ulteriores,
como se é livre quando se está “disponível” para fazer algo por si
mesmo. A liberdade é então a possibilidade de decidir-se e de,
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ao decidir-se, autodeterminar-se, inclusive quanto às paixões.
No entanto, isso não implica a ideia de uma responsabilidade
diante de si mesmo e da comunidade. Ou seja, ser livre quer
dizer estar disponível, inclusive para cumprir certos deveres.
Portanto, desde o começo, a noção de liberdade parece
apontar para duas direções: uma delas é a de um poder fazer; a
outra delas, é a de uma limitação. Em concepções posteriores da
liberdade, introduziram-se muitas características que não
figuram no significado “originário”; mas a existência dessas duas
direções num mesmo conceito continua sendo muito comum.
A partir de agora, se destaca, numa ordem histórica
aproximada, várias concepções básicas.
● Um pouco de história a respeito
Antiguidade: os gregos
Este povo antigo usou o termo liberdade num sentido
parecido ao que tinha entre os romanos, ou seja, o homem que
é na verdade livre, o é no sentido de não ser escravo. O homem
livre possui, pois, independência material, e também
emancipação de espírito.
Mas, como foi mencionado anteriormente viu-se que
liberdade tanto podia significar “liberdade em qualquer
sentido”, o que equivale a “liberdade em todos os sentidos” ou
“liberdade num sentido determinado”. A noção de liberdade em
todos os sentidos é demasiado ampla para ser usada sem
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tropeços. Daí se opta pela noção de liberdade num sentido
determinado, como a natural, a social e a pessoal. Eis o que cada
uma delas quer dizer.
1) Liberdade natural é aquela que, quando admitida,
costuma ser entendida como a possibilidade de livrar-se (ao
menos em parte) a uma ordem cósmica predeterminada e
invariável que aparece como uma “coação” ou “imposição”.
Esta ordem cósmica por sua vez pode ser entendida de
duas maneiras: operação do destino e ordem da natureza.
a) Operação do destino não é necessariamente (pelo
menos para muitos gregos) uma mostra de grandeza ou
dignidade humana. Pelo contrário, só podem livrar-se do destino
aqueles que não foram escolhidos pelo destino e, portanto, os
que na verdade não importam por “não contar” ou “contar
pouco”. Os homens escolhidos pelo destino para realizá-lo não
são livres no sentido de poder fazer “o que quiserem”, contudo,
eles são livres num sentido superior de serem realização de uma
necessidade sublime.
b) Ordem da natureza é necessariamente uma
encadeação na quais todos os acontecimentos estão
estreitamente imbricados, ou seja, colocados uns sobre os
outros. O problema da liberdade se trata então de saber até que
ponto e em que medida um indivíduo pode (se, além disso,
“deve”) livrar-se à estreita imbricação interna, ou supostamente
interna, dos acontecimentos naturais. Foram várias as respostas
dadas a esse problema, mencionam-se apenas duas: a da alma e
a da razão. Nesta segunda resposta – a da razão - a liberdade é
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própria apenas do “sábio”, pois, embora todos os homens são,
por definição, racionais, apenas o sábio o é eminentemente.
2) Liberdade social (ou “política”) é aquela concebida
principalmente como autonomia ou independência. Numa
determinada comunidade humana, essa autonomia ou
independência consiste na possibilidade de reger o próprio
destino sem interferência de outras comunidades. Nos
indivíduos no interior de uma comunidade, essa autonomia ou
independência consiste essencialmente não em furtar-se à lei,
mas em agir de acordo com as próprias leis, isto é, as leis do
próprio “Estado” ou “Cidade-Estado”.
3) Liberdade pessoal é aquela também concebida como
“autonomia” ou “independência”, mas neste caso como
independência das pressões ou coações procedentes da
comunidade, quer como sociedade ou como Estado. Embora se
reconheça que todo indivíduo é membro de uma comunidade e
ainda que se proclame que ele tem deveres para com ela, é-lhe
permitido abandonar por algum tempo seu “negócio” para
dedicar-se ao “ócio” (isto é, ao “estudo”), para desse modo
poder melhor cultivar sua personalidade. Quando, em vez de
permitir-se ao indivíduo o desfrute do referido ócio, este mesmo
o toma como um direito, sua liberdade consiste, ou está em vias
de consistir, numa separação da comunidade, talvez fundada na
ideia de que há no indivíduo uma realidade, ou parte de uma
realidade, que não é, estritamente falando, “social”, mas
plenamente “pessoal”.
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Essas três concepções de liberdade, e os inúmeros
matizes gerados a partir de cada uma delas, manifestaram-se em
diversos períodos da filosofia grega.
De fato, a concepção de liberdade adotada por diferentes
escolas socráticas, bem como, e principalmente, pelos estoicos é
a de considerar “o exterior” - seja a sociedade, os fenômenos da
natureza e inclusive as paixões - como opressão. Para eles a
liberdade consiste em “dispor de si mesmo”. Mas dispor de si
mesmo só é possível se a pessoa se tiver libertado do “exterior”,
o que só é possível quando se reduzem ao mínimo o que antes
se consideravam “necessidades”. Dessa maneira, o homem livre
acaba por ser aquele que se atém apenas, como diziam os
estoicos, “às coisas que estão em nós”, ao que, como indicava
Sêneca, “está em nossas mãos”. Liberdade é aqui liberdade para
ser quem se é.
E para os filósofos que, como os neoplatônicos,
equiparavam “ser quem se é” ao “poder se dedicar à
contemplação”. A liberdade consiste fundamentalmente em
“contemplar” e recusar a ação, ou, o que é o mesmo, agir como
se não se agisse, tirando a importância da ação. Além disso, em
muitos casos se concebeu a liberdade como a consciência da
necessidade; quando se é um ser racional, chega-se à
compreensão do destino, compreensão que é essencialmente
“libertadora”. Por isso, sábio é aquele que compreende, e aceita
a ordem cósmica, ou o destino, que não são, nesse caso, uma
“coação”, ao menos no sentido “pessoal”.
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A concepção de liberdade de Aristóteles coordena de
alguma maneira a ordem natural e a ordem moral.
Para esse filósofo, todos os processos têm uma finalidade
ao qual tendem naturalmente. No caso particular dos processos
humanos também suas ações tende naturalmente a um fim, só
que com duas diferenças dos processos não humanos: 1ª) a
finalidade humana se resume numa palavra: “felicidade”; 2ª) as
ações que o homem pratica podem ser voluntárias, isto é, ações
que não são produzidas por coação ou ignorância, ou seja, ações
produzidas por liberdade de vontade. As ações voluntárias se
aplicam às ações morais, mas para que haja uma ação moral é
preciso que, ao lado da liberdade da vontade haja uma liberdade
de escolha. Essas duas formas de liberdade estão estreitamente
relacionadas na medida em que não poderia haver escolha se a
vontade não fosse livre, e esta não seria livre se não se pudesse
escolher; mas é possível fazer a distinção entre elas, pelo menos
como dois “momentos” da liberdade.
Aristóteles reconheceu que a noção de liberdade,
especialmente a de liberdade de escolha, oferece alguns
paradoxos. Um deles é o do tirano que força a alguém a praticar
um ato mau (por exemplo, assassinar o vizinho) ameaçando-o
com represálias (como, a morte de um filho desse alguém). Se a
pessoa obedecer: não teve liberdade de vontade porque se viu
obrigada a fazer algo involuntário no sentido que ele não queria
fazê-lo; concomitantemente, teve liberdade de vontade porque
escolheu, apesar de tudo, fazê-lo. Apesar desses paradoxos,
Aristóteles acreditava ser possível argumentar razoavelmente
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em favor da liberdade nas duas formas citadas, particularmente
considerando-se o fato de ele ter ligado a liberdade em todas as
suas formas à operação da razão.
Tal como a maioria dos gregos - exceção feita aos sofistas
e a alguns céticos -, Aristóteles julgou que um homem que
conhece o “bem” não pode deixar de agir de acordo com ele. A
única coisa que pode acontecer é que não deixem agir (que, por
exemplo, alguém que não conhece o “bem” - como o tirano
mencionado - obrigue a agir segundo o mal). Mas na medida do
razoável, a ação livre em favor do “bem” predomina sempre,
visto não se supor que o homem esteja, em algum sentido,
radicalmente “corrompido”. Assim, à vontade e a escolha (livrearbítrio) em que se fundam algumas noções gregas de liberdade
sempre estão ligadas a uma finalidade, e essa finalidade sempre
é compreendida por meio de uma consideração racional.
Idade Média: os cristãos
Os autores cristãos levaram em conta muitas das ideias
sobre a liberdade desenvolvidas pelos gregos, tendo feito uso
frequente delas. Porém, especialmente a partir de Santo
Agostinho, puseram o problema da liberdade num contexto bem
distinto: o do “conflito” entre a liberdade humana e a chamada
“predestinação divina” ou ao menos “presságio divino”.
Por isso, o problema da liberdade no pensamento cristão
esteve muitas vezes estreitamente ligado à questão da graça,
pois ‘liberdade diante da coação’ ou ‘liberdade de escolha’ eram
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insuficientes diante da possibilidade de se usar o bem ou o mal.
O livre-arbítrio fora trazido à luz em várias ocasiões tanto por
Aristóteles como por Ovídio nos seus famosos versos em que
proclama “aprovo o bem, mas sigo o mal”, como também por
São Paulo no peso do radicalismo afirma que “faço não o bem
que quero, mas o mal que não quero”.
A partir do momento em que se anuncia que a natureza
do homem havia sido completamente corrompida pelo pecado
original, o que surpreendeu não foi a possibilidade de o livrearbítrio ser usado para o bem ou para o mal, mas o fato de ser
usado, ou poder sê-lo, para o bem. Daí a insistência na graça e o
problema de saber se essa graça não suprime o ser livre do
homem.
A maior parte das questões sobre a liberdade humana
em sentido cristão foi discutida e esclarecida por Santo
Agostinho. Ele distingue livre-arbítrio como possibilidade de
escolha e realização do bem visando à beatitude. O problema
aqui não é tanto o referente ao que o homem poderia fazer, mas
como pode o homem usar seu livre-arbítrio para ser realmente
livre. Não basta, naturalmente, saber o que é o bem: é preciso
ter vontade e principalmente poder efetivamente inclinar-se a
ele.
Ora, ao lado dessa questão, e em estreita relação com
ela, há a questão de saber como se pode conciliar a liberdade de
escolha do homem com o presságio divino. Segundo Santo
Agostinho, elas são conciliáveis. O fato de o homem possuir uma
vontade e de buscar isto ou aquilo é uma experiência pessoal
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indiscutível. Por outro lado, Deus sabe que o homem fará
voluntariamente isto ou aquilo, o que não elimina que o homem
faça voluntariamente isto ou aquilo. Ele esclarece que presságio
de Deus não equivale a uma determinação dos atos voluntários
de uma forma que faça deles atos involuntários.
Os escolásticos trataram copiosamente das questões
relativas ao livre-arbítrio, à vontade, à graça etc. São numerosas
e quase sempre sutis as teorias elaboradas a respeito.
Para Santo Tomás de Aquino, o homem goza de livrearbítrio, tem também, naturalmente, vontade, que é livre de
coação, por que sem isso não mereceria esse nome. Mas o estar
livre de coação é uma condição da vontade, e não à vontade em
si. É preciso, com efeito, que algo mova a vontade, e isso, se
trata do intelecto, que apreende o bem como objeto da
vontade. Parece, assim, que a liberdade é eliminada. Mas ocorre
que a liberdade não se reduz ao livre-arbítrio; a liberdade
propriamente dita é também o que se denominou depois
“espontaneidade”. Esta consiste em seguir o movimento natural
próprio de um ser e, no caso do homem, em seguir o movimento
na direção do bem. Assim, não há liberdade sem escolha, mas a
liberdade consiste em escolher alguma coisa transcendente.
Na liberdade para a qual o homem emprega o livrearbítrio, pode haver erro. Pode-se de fato escolher mal ou, o que
vem a ser o mesmo, escolher o mal. E se escolher por si mesmo
e sem nenhuma ajuda de Deus, o homem por certo escolherá o
mal. Mas o fato de haver semelhante liberdade de escolha
completa (para o bem e para o mal) não significa que só ela
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exista; a liberdade não é mera liberdade de indiferença (pode
ser o bem e pode ser o mal), mas antes liberdade de diferenças
ou tendo em vista as diferenças (escolho o bem que é diferente
do mal).
Idade Moderna: libertários versus necessitários
A partir do século XVI apresentou-se também um
problema que, sem substituir inteiramente as questões
teológicas, ocupou muitos filósofos até o presente: é a questão
de saber se poder dizer que o homem é livre quando se declara
haver determinismo na natureza. É o famoso problema
“liberdade contra necessidade”. Esse problema suscitou a
maioria dos debates entre os chamados “libertários” (no sentido
de “defensores da realidade da liberdade”) e os chamados
“necessitários” (no sentido de “defensores da realidade da
necessidade”).
Entre os “libertários” se tem Hobbes, Locke e Voltaire
que tenderam a destacar no “ser livre” o elemento “o que
quero”. Entre os “necessitários” se tem Spinoza, sobretudo,
Leibniz e Hegel em parte que sustentaram que a liberdade
consiste fundamentalmente em seguir “a própria natureza” na
medida em que essa natureza está numa harmonia
preestabelecida ou estreita relação com toda a realidade.
A discussão entre “libertários” e “necessitários” adquiriu
uma nova dimensão na maneira como Kant enfrentou o
problema. Para ele não tratava de ver se a necessidade sufoca a
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liberdade nem se esta poderia subsistir diante da necessidade,
mas sim de saber como eram possíveis a liberdade e a
necessidade. No entender desse filósofo, todos haviam errado
fundamentalmente em relação à liberdade por não tê-la
considerado uma questão moral. A liberdade aparece como um
começo, o que só é possível na existência moral, pois na
natureza não existem esses “começos”, sendo toda ela, por
assim dizer, “continuação”. Há, portanto, como diz Kant, a
possibilidade de “uma causalidade por parte da liberdade”. Em
seu caráter experimental, prático, o indivíduo deve submeter-se
às leis da natureza; em seu caráter inteligível, teórico, o mesmo
indivíduo pode considerar-se livre.
Idade
contemporânea:
materialistas
espiritualistas, e analiticistas versus existencialistas
versus
No curso do século XIX, foram abundantes os debates em
torno da noção de liberdade e especialmente acerca de se o
homem é, ou pode ser, livre tanto com relação aos fenômenos
da natureza como com respeito à sociedade. Deixando de lado o
fato de ter havido inúmeras posições intermediárias entre o
determinismo absoluto e o total “libertarianismo”, se pode dizer
que houve dois grandes grupos de doutrinas: umas que negavam
a possibilidade da liberdade e outras que a afirmavam. É
verdade que os materialistas e mecanicistas inclinaram-se em
favor do determinismo e do “necessitarismo” universais, ao
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passo que os “espiritualistas” sustentavam que a liberdade é
possível.
Desta maneira, neste século, era possível entender
‘liberdade’ de diversos modos, como um conceito metafísico que
poderia referir-se a todo o real, como um conceito
primariamente psicológico que se referia ao indivíduo humano,
como um conceito sociológico referente à relação homemsociedade, como um conceito religioso, moral e até histórico
(Marx propugnava a possibilidade de que o homem alcançasse
um dia a liberdade por meio de um “salto para a liberdade”).
Também foram abundantes os debates em torno da
noção de liberdade no século XX. Destacam-se aqui apenas dois
modos de considerar essa noção: “analíticos” e
“existencialistas”.
Os analíticos se inclinaram a analisar o que significa dizer
que o homem age, ou pode agir, livremente. Segundo G. E.
Moore dizer que um homem agiu livremente é simplesmente
dizer que ele não estava constrangido nem coagido, ou seja, que
poderia ter agido de outra forma se o tivesse escolhido.
Autores analíticos achando que os atos do homem em
questão estivessem determinados chegaram à conclusão de que
não há incompatibilidade entre livre-arbítrio e determinismo, e
alguns chegaram a afirmar que o livre-arbítrio supõe o
determinismo. Por conseguinte, insistiu-se em que a proposição
“X é determinada causalmente” não implica de modo necessário
à proposição “X não é livre”. Ser livre não significa aqui “agir sem
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nenhuma causa”; não ser livre tampouco significa “agir segundo
uma causa”.
Estas concepções de liberdade e de livre-arbítrio dos
analíticos se assemelham a alguma das tradicionais gregas, como
a de Aristóteles. De todo modo, esses autores concordam com
Aristóteles quanto ao fato de não se poder falar de uma ação ou
de um ato a menos que estejam determinados de alguma
maneira, isto é, a própria noção de ação ou ato está, portanto,
relacionada com a de “determinação”.
Os existencialistas também usaram a análise, mas em
muitos casos não foi uma análise linguística, mas
fenomenológica e, em certa medida, ontológica. Comum a todos
esses autores é a ideia de que a pergunta sobre a existência da
liberdade não é objetiva, pois, segundo Jaspers, “a pergunta
sobre se a liberdade existe tem sua origem em mim mesmo, que
quero que ela exista”.
Disso decorre a diferença entre a liberdade existencial e
as outras formas de liberdade. A liberdade formal era saber e
livre-arbítrio; a liberdade transcendental era a auto-convicção na
obediência a uma lei evidente; a liberdade como ideia era a vida
num todo; a liberdade existencial é a auto-certeza de uma
origem histórica da decisão. O homem se faz então na liberdade.
Ortega y Gasset escrevera, já em 1930, que, sendo a vida
humana algo que é preciso fazer, não há escolha além de decidir
a cada momento o que se vai fazer e com isso o que se vai ser,
inclusive quando decide não decidir. A liberdade não é uma coisa
que se tem, mas algo que se é ou talvez que se vai sendo.
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O homem, afirmou Sartre, está condenado a ser livre,
embora fuja desta condenação ou não queira saber dela. Por
isso, ele inventa artifícios e expedientes que lhe permitam não
ter de assumir a liberdade radical, isto é, que lhe permitam não
ter de enfrentar a decisão do que terá de fazer com ela.
Certos
autores
apresentam
o
marxismo,
dogmaticamente, como uma doutrina consideravelmente
determinista; embora se alegue não ser um determinismo
“mecânico”, mas um processo dialético em que é inútil opor-se à
“Marcha da História”.
Sartre considera, junto com outros intérpretes, que o
marxismo, enquanto método de interpretação e guia para a
ação, não nega a liberdade humana.
De fato, as limitações da liberdade são servidões que o
próprio homem forja para si, o ser humano nasce não livre, mas
escravo. Mas essa escravidão não é “natural”, ou seja, não
resulta de um processo da natureza. As relações de produção é
que condicionam a história, porém não da maneira como
operam na natureza as cadeias causais. A alienação não é um
processo que ocorre na natureza. No curso de sua existência
social, o homem dá uma série de passos por meio dos quais vai
se livrando de suas próprias servidões. Mediante essa
superação, a liberdade pode, por assim dizer, “ir-se fazendo”,
visto estar tão por fazer quanto à filosofia da liberdade. Trata-se
para Sartre da filosofia que, quando existir uma real liberdade
para todos, vai substituir o marxismo.
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■ Ideias de pensadores
Obviamente que ao se determinar falar sobre liberdade
em poucas palestras, não se teve a intenção de tratar de todos
os tipos de liberdade. O que se teve como diretriz foi a de
apenas tecer considerações sobre dois grandes grupos de
doutrinas: uns que negavam a possibilidade da liberdade, como
os materialistas deterministas, e outros que a afirmavam, como
os condicionados pelo medo.
● Materialista determinista
Na natureza, os fenômenos são o que só poderiam ser,
vejam que no vento, nos animais e plantas não há espaço para a
liberdade, porque tudo e regido por nexos de causalidade
material, que são da esfera do inexorável, do estritamente
necessário, do determinismo.
Neste sentido, se há liberdade entre os homens é preciso
que estes estejam à margem do resto da natureza para que sua
conduta não seja rigorosamente determinada por estes nexos de
causalidade material, e assim possa ser livre para criar a
existência, deliberar entre a conduta A, B ou C, enfim ser autor
de si mesmo.
Para isso é preciso que o homem tenha algo além do
corpo, da matéria, daquilo que é inexoravelmente determinado,
que escapa ao fluxo das causalidades materiais, ou seja, que
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tenha algo que permanece, uma espécie de reduto subjetivo da
transcendência: alma para uns, espíritos para outros, e outros
tantos nomes que já foram dados para isso. Portanto para que
haja liberdade no senso comum, isto é, liberdade de agir da
maneira A, B ou C, é preciso que se seja algo a mais do que um
simples corpo desejante.
A perspectiva de que a conduta só pode ser objeto da
moral quando for livremente deliberada é atraente porque ela
está absolutamente inscrita na cultura judaico-cristã. As
condenações morais são todas baseadas na possibilidade de agir
diferentemente, ou seja, só é possível pecar porque é possível
não pecar, não poderia haver pecado na esfera do inexorável.
Assim um porco não peca, mas peca o ser humano porque pode
não ter pecado, porque ele é livre para determinar, escolher,
deliberar sobre a sua conduta.
Mas, liberdade não é livre-arbítrio, isto é, não é uma
faculdade de escolha que não está sujeito a vontade humana.
Liberdade não é ser “escravo das paixões”.
Schopenhauer na primeira pagina do seu livro chamado
“Ensaio sobre um livre arbítrio”, em apenas meia pagina, destrói
a ideia de liberdade como livre arbítrio com argumentos
semelhante ao que vai exposto a seguir.
Imaginem se estar discutindo a possibilidade de agir
livremente, naturalmente alguém dirá: se agirá livremente
quando puder fazer o que se quer fazer, ou se preferir, se agirá
livremente de acordo com a vontade. Por exemplo, se tendo
vontade de fazer xixi, existe duas ações: a de não fazer e a de
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fazer. A primeira não é uma ação livre porque se quer fazer xixi e
não se pode. A segunda é uma ação livre porque se está
podendo fazer o que se quer. Mas para fazer o que se quer é
preciso querer antes, isto é, a vontade de fazer xixi precede a
ação livre de fazer xixi, sem a vontade de fazer xixi não se
poderia querer fazer xixi e não se poderia então agir livremente
fazendo xixi. Isso significa que se precisa sempre querer primeiro
para depois agir livremente, então querer é uma condição de
liberdade e se caí em um impasse lógico. Pois, se a liberdade é
condicionada pela vontade, então se é escravo da vontade e não
se é livre coisa nenhuma.
Ao se destruir liberdade como livre-arbítrio, vem à
tentação da ideia de demonstrar que aquilo que se entende por
liberdade é uma idiotice.
É claro que se resistirá e se bloqueará porque é
insuportável se conscientizar de que tudo é da esfera do
inexorável e tudo que foi deliberado, foi escolhido como só
poderia ter sido decidido, dada talvez por certa condição afetiva
apropriada para aquela deliberação. E assim as clássicas
deliberações da chamada escolha racional nada mais seriam do
que uma pura consequência dos afetos.
Alguns, como Oomala, tão contrariado com essa ideia
idiota de que liberdade é uma idiotice, ataca argumentando que
o que se vê mais no cotidiano é a razão direcionar o corpo e que
assim se é livre neste direcionamento.
Mas, se na verdade este cotidiano não estiver muito
certo? Se o direcionamento foi promovido por uma inclinação do
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corpo e obviamente se impôs a razão? Na perspectiva
materialista da existência, tudo é como um só poderia ser e,
portanto o homem que é só corpo, ele também está inscrito na
mais estrita esfera do inexorável, como o porco o rabanete e a
cebola. E isso tudo é que se abordará a seguir.
Anteriormente, foi dito que para “comprar o pacote” do
livre arbítrio é preciso colocar o homem fora da natureza,
porque o homem tem uma coisa a mais, embora tenha corpo ele
tem alma. Graças a ela, o homem pode ir na contra mão do
corpo, a razão pode enfrentar as paixões, como num ringue, ora
ganha um, ora ganha o outro, mas graças à alma existe a
possibilidade dos apetites serem controlados por nós mesmos,
graças à alma existe a possibilidade de não se ser pura
escravidão das pulsões. Pois muito bem, então vem a fatídica
pergunta: e se esta tal de alma não se sustentar filosoficamente?
Basta recordar que para se “comprar” a alma tem que ter
comprado o mundo das ideias e o mundo das ideias nunca
ninguém viu, até porque se visse já não seria mundo das ideias.
Então é claro que ou se compra ou não se compra, e não
é a toa que depois dos pós-platônicos se passou a dizer que isso
é uma questão de fé, a filosofia cristã é uma filosofia platônica.
Pois, a alma não é verificável, então alguém que quiser ficar só
com o que é experimentável, poderá arremessar com a alma,
impulsionar com o mundo das ideias, impelir com o livre arbítrio.
E ai o homem estaria inscrito em nexos de casualidade material
e, portanto a existência humana seria rigorosamente
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determinada por uma complexa rede de casualidades que a
determina em todos os seus instantes.
Todavia, se tem a impressão de escolher o tempo inteiro.
Uns decidiram por chegar atrasado, outros escolheram em
sentar na frente, alguns outros em sentar atrás, no meio ou até
em não sentar, ainda escolheram em não levantar mais.
Ninguém deliberou em tomar vinho no intervalo da palestra.
Então se dirá como é possível uma filosofia que vai dizer que a
cada instante se tem redes de casualidade? Matéria
determinando matéria que faz com que se exista como só se
poderia existir? Ora, basta que esta filosofia inclua o ser humano
no resto da animalidade e ai ele será puro corpo, pura matéria,
determinado rigorosamente pela própria matéria.
É óbvio que o Oomala, nessa altura, vai insistir em
afirmar que justamente tem a impressão contraria. E argumenta
que poderia não ter vindo à palestra, porque queria ir viajar, mas
que insistiu em vir à palestra e que isso é revelador de sua
liberdade.
No entanto, se poderia contra-argumentar que o fato
dele ter vindo é tão necessário quanto ao fato de uma queda da
carambola da caramboleira. Pois, num determinado momento
que ele pensou vir à aula, este pensamento produziu sobre o seu
corpo alguma alegria ou alguma tristeza e ai um destes dois
sentimentos produzido determinou a sua escolha,
inexoravelmente como a queda de uma carambola.
E o mala do Oomala, que não desiste nunca, insistirá
novamente: “mais eu não percebi nada disso”.
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Provavelmente lhe diriam: “não percebeu porque, em
geral, ninguém percebe alguma coisa, é difícil alguém entender
de sua própria existência. Por isso, que se tem a alegria dos
psicanalistas que fazem as pessoas deitar no divã e possibilitar
que se elocubre frases sobre a própria existência”. E se houver
mais uma insistência, talvez ele escute algo não muito agradável
como: “Oomala, você lembra um caroço de azeitona no
liquidificador, tomando bordoada do mundo sem saber de onde
vem, para onde vai, sem entender as causas e sem entender o
que determina a própria existência e achando que comanda o
espetáculo, que está pilotando um corpo, um corpo que
obviamente se dependesse de si para pilotar já teria
provavelmente morrido”.
Para este é como se Oomala estivesse inscrito num fluxo
muito complexo do qual ele não entende praticamente nada e
aquilo que ele chama de livre arbítrio nada mais é do que a
absoluta ignorância das causalidades que fazem dele aquilo que
vai sendo fabricado pelo mundo. Oomala existe, percebe a
própria existência e não entende nada e aí, como uma forma de
auto-proteção, ele elabora coisas esdrúxulas, como mundo das
ideias, alma e coisas imateriais, uma espécie de amuleto que
coloca no bolso e fica a mercê de tudo, como shazan. Algo
semelhante a ter medo da morte e se criar que continua
existindo em outro mundo.
Oomala, não se entrega, continuaria: “Olhe lá! Eu não
sou uma couve-flor, eu sei que pelo nexo de casualidades
25
materiais o meu corpo deveria ir para lá, mas a razão não vai,
então eu vou para lá”.
E o retruque também não se entrega: “Por favor,
Oomala! Não parta da premissa de que o cogito, a razão, o
intelecto, o pensamento, a consciência, possam ser autônomos
em relação ao resto do mundo. Não coloque as coisas como num
ringue, o corpo de um lado, carente, desejoso, de outro lado, a
razão em pleno contato com o cosmo. A razão enfrentando o
corpo, uma hora ela ganha outra hora ela perde. Tudo isso
pressupondo que a razão possa ser autônoma independente do
tal corpo desejante que está dentro da caverna vendo sombras.
Para isso, Platão falava em corpo e alma, Descartes no século XVI
também, a alma uma produção etérea funcionando
autonomamente, enquanto, o corpo uma produção material
precisando de alimento. Caia na real! Esta conjectura está
destruída pela filosofia do século XVI, pela psicanálise no século
XX, mas destruída ainda pelas neurociências do século XXI”.
E quando Oomala ia falar, fulminaria: “Quem aqui já
esteve em um Spa pode garantir que comendo 300 calorias,
depois de quatro dias, a pessoa fica leso e não entende nem os
textos da Luluzinha”. Então um filósofo escocês que viveu no
século XVIII, e, por favor, OOmala não adianta dizer que não
conhece nenhum filósofo que seja escocês, porque também
ninguém te conhece. Mas, o importante não é saber se esse
filósofo é ou não é importante, mas sim o que ele disse de tão
valioso: “como é possível que a razão possa ser autônoma do
corpo se ela precisa do corpo para funcionar”.
26
Deixando de lado esse bate-boca. A boca de Freud vai
bater e dizer que tudo que passa pela cabeça nada mais é do que
um resultado de uma espécie de somatório de vetores de afetos
que determinam uma produção de consciência. E, portanto
diferentemente do que se poderiam imaginar aqueles fluxos de
consciência, aquilo que na psicanálise chama de livre associação
de ideias, nada mais é do que a associação de ideias única que
poderia ser. Ou seja, o corpo de uma pessoa trabalha para que
uma única ideia apareça na consciência dela e não apareça outra
ideia, e isto é claro, é uma produção dele, cujas causas a pessoa
obviamente ignora.
Já viram alguém entrar no carro e dizer que não vai parar
de pensar até chegar em casa, e para isso arma um plano de
ataque: até o primeiro semáforo vou pensar em nova formula de
equação do segundo grau, do primeiro ao segundo semáforo
vou pensar em Aristóteles. Possivelmente entre o terceiro e o
quarto semáforo o deus dos neurônios, o deus que é corpo já
está determinando a consciência.
Freud vai propor que para entender a cabeça daquele
motorista se tem que entender antes o que ele sente. Pois, o
que ele sente e o que passa pela sua cabeça estão em fina
harmonia e não há a menor possibilidade da cabeça ir num
sentindo e os afetos em outro. Não concorda Oomala? Oh
Carvalhão!”.
Carvalhão é um gordo enorme que leciona ética e se
chama Carvalho. Ele certamente também não concordaria, afinal
27
de contas quantas e quantas vezes ele quis fazer coisas que não
fez.
Um dia, Carvalhão contou a historia do chato do seu
vizinho chamado Avelino, um insistente torcedor do flamengo,
daqueles que andam com a camisa rubro-negra ainda por cima
escrita “sou 100% flamenguista”, com boné vermelho e preto,
com bandeira, cueca, enfim uma tragédia. Um dia Avelino lhe
convidou para ir na Associação Cristã de Moços fazer aula de
hidroginástica na hora do almoço. Carvalhão pensou que fosse
uma brincadeira de mau gosto, porém seu vizinho insistiu
“venha pelo o menos uma vez”. O professor respondeu: “Olha
não vou, não sou cristão, não gosto de ginástica, nem de água;
hora do almoço é para comer e bem”. Mas, ele foi um pentelho,
encheu o saco do mestre, um quadro terrível. Carvalhão para se
livrar resolveu ir pelo menos aquela única vez. Na hora que
entrou a professora o professor entendeu o porquê da
insistência. Carvalhão logo tomou gosto pela hidroginástica e
chegava a argumentar com os amigos que o esporte é muito
importante, principalmente a hidroginástica. A permanência
assídua de Carvalhão na hidroginástica se deveu a equação
afetiva dos afetos do seu corpo estar inclinado para o corpasso
daquela professora.
Um dia um aluno lhe disse: “viu como Pascal estava
certo, de um lado do ringue o corpo, do outro lado à razão”.
Carvalhão, irritado, respondeu de pronto: “certeza coisa
nenhuma”. O problema de sua irritação é que o afeto dos
glúteos da professora ele percebia, mas o afeto que lhe impedia
28
de manipulá-los, não. Ele não se deu conta de estar numa
encruzilhada: de um lado, com um impulso tátil; de outro lado,
com o medo. O mundo percebido com uma inclinação para o
toque e o mundo imaginário numa inclinação no sentido ao
contrario. E por quê? Porque a civilização existe, constrange e
agride. O mundo imaginário é a reação da esposa, imagina a
sogra, a associação Cristã de Moços, pensem no jornal:
“professor de Ética agarra a professora de hidroginástica ao
meio dia na ACM”.
Carvalhão, quando falava sobre o assunto, dizia
enfezado: “Se você acha que eu não manipulei aquelas coisas
lindas porque não sou livre, chame como quiser, mas o que fiz,
foi o que eu só poderia fazer dadas às certas condições objetivas
de existência, como um rabanete, como uma carambola que cai.
Toda vez que você acredita poder deliberar é porque você ignora
as causas que presidem a deliberação. O livre arbítrio é uma
ilusão, o livre arbítrio é a ignorância do mundo que nos afeta, o
livre arbítrio é a ignorância das condições matérias de nossa
existência, o livre arbítrio é uma forma consoladora para
compensar a nossa incapacidade de entender”. E bradava
descontroladamente pela sala de aula, pelos corredores, pela
rua: “Existimos como existimos”.
Esta é a perspectiva que triunfa na filosofia, até porque
esta é a perspectiva que vai ganhar o apoio das ciências. Hoje se
percebe que afetos felicidades têm relação com a maior
atividade numa certa região do cérebro. A neurologia vai
29
defender a hipótese monista, quer dizer, produção de
consciência e afeto é uma coisa só.
Antes de encerrar se esclarece que o materialismo
determinista não é uma perspectiva fatalista. Ao contrário. Por
quê? Porque quando Carvalhão se esgoelava dizendo que nós
agimos só como poderíamos agir num determinado ponto da
existência, ele estava dizendo que o nosso corpo é afetado por
causas que naquele instante o determinam, mas estas causas
não poderiam ser conhecidas nenhum segundo antes, ou seja, o
mundo determina o mundo num instante presente em que ele
existe. Nem um segundo antes, nem um segundo depois.
E é por isso que o materialismo é incompatível com o
fatalismo. Trata-se de um determinismo não fatalista. Porque no
fatalismo, os acontecimentos já estavam ou estão escritos.
Porém, o real não tem nada já escrito, porque o real é o que é e
o que é se define ali, no momento existencial. Portanto no
materialismo nada já está escrito tudo se escreve no inexorável,
mas no instante presente da existência.
Para se ver um já escrito, para ver a possibilidade de
prever o futuro, para ver qualquer tipo de antecipação do real, é
preciso que haja a transcendência. E por quê? Porque na
transcendência não há cronologia, quer dizer, na transcendência
esta palestra que se assiste, sempre existiu. Se alguém aqui tem
acesso à transcendência, tem acesso a esta palestra, bem como
da próxima que vem e de todas as outras.
O mundo das ideias de Platão não acompanha
cronologicamente o mundo que se percebe este é sombra do
30
que acontece no mundo das ideias, esta palestra no mundo das
ideias já tem a sua materialidade, ela já tem a sua existência
definida. Esta, a próxima e todas as outras até o momento da
morte do palestrante e das mortes dos participantes também.
Então é claro se alguém tem acesso ao mundo das ideias, tem
acesso há tempos ainda não vivido, ou tempos já vivido.
Agora, o determinismo materialista, este é impossível de
ser determinado, até um segundo antes do momento em que
ganha materialidade. Porque o cruzamento das relações causais
que faz com que as coisas sejam como são, eles são de tal forma
complexos, que fazem com que, claro, qualquer antevisão,
qualquer antecipação seja passível de fracasso, por conta
exatamente do ineditismo dos encontros com o mundo, da
virgindade dos encontros com o mundo e dai à imprevisibilidade
do resultado do efeito que os corpos produzem sobre os outros.
Então, diferentemente do que se pode conjecturar, o
fatalismo combina com o livre arbítrio e não com o
determinismo. Ainda que num primeiro momento pareça o
contrario. Pois, o fato de tudo ser como só poderia ser, regido
por relações causais, não quer dizer que o mundo é fatalmente
como só poderia ser, isto é, inscrito desde sempre, de certa
forma, pelo contrário. O fato das coisas serem como só
poderiam ser, quer dizer, as coisas são determinadas no instante
em que causa e efeito, coabitam o mesmo instante existencial,
porque causa e efeito são contemporâneos e é por isso que a
existência é o que é.
31
● Condicionada pelo medo
Ninguém cogita mais falar sobre liberdade fora da
sociedade, porque só se fala de liberdade mesmo para o homem
que vive mesmo em sociedade. O primeiro a falar nisso é
Aristóteles, num livro chamado “A Política”, onde ele define o
homem como sendo um animal político dotado de logos. Ou
seja, o homem para ser homem tem que ser social e dotado ao
mesmo tempo de razão e capacidade de articulação discursiva.
Esta perspectiva aristotélica vai ser questionada pelos filósofos
da modernidade, como Hobbes (XVI), Locke (XVII) e Rousseau
(XVIII), e depois será coroada de triunfo pelos filósofos Durkhein
(XIX) e Freud (XX).
* Hobbes
A modernidade é antropocêntrica, tudo começa no
homem, tudo começa no Eu. Aquele Eu cartesiano, aquele Eu do
pensamento, do Eu como origem de tudo. Duvido das certezas
empíricas, duvido da matemática, duvido da coisa, duvido,
duvido, pois então qual é a única certeza? É a duvida. E ela é a
duvida de quem? De quem duvida, do Eu, da primeira pessoa.
Primeira pessoa é a única certeza absoluta, a de que Eu existo.
Portanto toda filosofia moderna parte daí. E Hobbes não é
diferente, parte do individuo. No entanto, Hobbes faz uma
análise do indivíduo a partir de suas emoções, um pouco
diferente de Descartes que parte do Eu enquanto estância
32
cognitiva. Em suma, Descartes parte do Eu que pensa, e Hobbes
parte do Eu que sente.
Esta primeira parte de Hobbes é maravilhosa, ele fala dos
sentidos, do mundo que afeta, fala da alegria e da tristeza, fala
das paixões. Toda esta literatura que ainda não foi
absolutamente colocada em desuso, muito pelo contrario. E ele
vem naquela análise absolutamente inebriante, absolutamente
alegre, até que Hobbes diz: “Mais o homem no estado de
natureza ele tem medo”. E por que ele tem medo?
Ele tem medo porque os apetites são incompatíveis, um
fulano que ama uma mulher e o outro também ama a mesma
mulher, pronto, se tem apetites incompatíveis. E ai Hobbes diz: o
homem no estado de natureza, ele tem qualquer outro homem
como inimigo em potencial, porque qualquer outro homem
pode ter com ele apetites incompatíveis, ou seja, dada à
escassez de bens no mundo, é perfeitamente natural que o
homem esbarre no apetite do outro, como condição de
satisfação do próprio corpo. E, portanto o homem tem medo.
O grande medo hobbesiano é o medo da morte violenta,
este é um momento chato. O homem não quer morrer
assassinado, e quem percebe que no mundo da natureza ele tem
que ficar de vigília o tempo inteiro, e tem que ser superior
fisicamente o tempo inteiro, por que se não, o outro cara, mais
esperto ou mais forte, vem e mata.
Então o que faz o homem? Diz Hobbes, o homem faz uma
troca. Ele faz esta troca com o resto dos homens, instituídos em
certo coletivo chamado Estado. A pessoa abre mão de um monte
33
de coisa, como a do professor Carvalhão “em não manipularei
nádegas”, mas em compensação quer a garantia que enquanto
ela estiver dormindo ninguém vai vir por traz e chan! Esta é a
troca.
Agora perceba que a perspectiva hobbeseana parte do
indivíduo, mostra que o individuo sozinho tinha medo e ele
deliberou viver em sociedade. Toda esta teoria em que o
indivíduo está sozinho se sente desconfortável sozinho e prefere
abrir mão de certas coisas em proveito de outros, são chamadas
de teses contratualistas. Isso porque o Estado ou a vida em
sociedade seria consequência de um contrato social, nome de
um livro de Rousseau. É por isso que a questão da segurança é
tão sensível ao Estado, a hora que o Estado não garante a vida,
não impede a morte violenta, cabe perguntar: “em troca do que
eu estou abdicando de tantas coisas, como o passar em um sinal
vermelho para não ser assaltado”. A sociedade, para Hobbes, é
uma constatação decorrente de um afeto em especial, e este
afeto em especial é o medo. Eu tenho medo, por isso eu vou
viver em sociedade.
Nesta perspectivas de que a sociedade é uma
consequência de uma deliberação original do sujeito. O homem
poderia ter optado por viver eternamente em estado de
natureza, todo mundo comendo todo mundo, mas o homem
livremente optou em viver em sociedade. E a partir daí a
sociedade é uma deliberação livre do homem, do racional do
homem, e, portanto é claro, a sociedade é o próprio resultado
da liberdade do homem.
34
* Durkhein
No entanto, a partir do final do século XIX surge Emile
Durkheim que escreveu um clássico “As regras do método
sociológico”. Neste livro, Durkheim propõe uma inversão que dá
inicio a uma ciência, a sociologia, assim ele se torna o pai
fundador da sociologia, como Freud é o pai fundador da
psicanálise. Durkheim dá inicio a sociologia quando ele diz: “A
sociedade é lógica e cronologicamente anterior ao individuo”.
Como se nota, ele inverteu a perspectiva de Hobbes.
Na perspectiva hobbesiana, o homem vivia em estado de
natureza, e ela achava legal, ele comia pêra na hora que queria,
mas quando ele dormia o cara vinha por traz e roubava a pêra
dele. Ora, então ele resolveu viver em sociedade, então a
sociedade é lógica e cronologicamente posterior ao individuo
porque é consequência de uma deliberação do individuo.
Durkheim diz: “isso nunca aconteceu! Nunca um
indivíduo A encontrando um individuo B, diz: vamos viver juntos.
Pensem num diálogo: - Olá eu nunca vi você por aqui. - Eu
também não. O que você faz? - Eu planto trigo e faço pão. - Eu
crio gado. - Vamos viver em sociedade, e assim teremos um
churrasquinho? E assim A e B formam a primeira sociedade.
Lamento, nunca aconteceu isso, não tem registro na historia, e
por quê? Porque é claro a própria linguagem, pré-requisito deste
encontro é social. Um indivíduo não social, não fala, não haveria
como deliberar, alcançar uma finalidade não alcançável sozinho,
nem nada disso”.
35
E, portanto, nesse momento, se está regressando a
hipótese aristotélica. Durkheim resgata Aristóteles, ele não tirou
isso do nada, ele tirou isso da política de Aristóteles, não é o
homem que criou a sociedade, mas é a sociedade que é a
condição da existência do homem. O homem só é homem
porque é social, ou seja, a sociedade é o espaço material de
construção da subjetividade. E o professor Carvalhão quem é?
Um ser no mundo. Mas, que mundo? O mundo social. A
sociedade esta que permitiu que ele fosse o que é, e assim claro,
a anterioridade do social em relação a ele é óbvia. Não
acreditam, então pensem um pouco.
Carvalhão nasceu em 1965, numa família que não
escolheu, em um país que não escolheu, ouvindo uma língua que
não escolheu, ouvindo discursos que não escolheu, e de repente
começou a falar, falar não em javanês, não em chinês,
curiosamente falar na mesma língua que os outros que estão ao
seu lado falam e a repetir o que eles dizem e assim a sua
existência foi sendo construída inexoravelmente em função das
relações sociais onde ele estava inscrito e assim foi se
construindo este sujeito que é contemplado. Num determinado
momento ele nadava, mal mais nadava e perdia horas indo e
voltando, indo e voltando, indo e voltando, era o momento que
a sociedade lhe afetava pouco. Ele reprocessava tudo aquilo que
a sociedade tinha lhe bombardeado durante o período que
estava fora da piscina e assim voltava a existir no mundo social e
nos múltiplos mundos sociais, ele foi se constituindo, até se
36
converter nisso que se vê hoje. Para alguns moralistas: um gordo
tarado que dá aula de moral.
A sociedade é lógica e cronologicamente anterior a ele
porque se tivesse sido outro o universo social que ele tivesse
nascido, ele seria outro, que se chamaria pelo um outro nome,
que falaria outra língua, que gesticularia de outra maneira, que
se expressaria de outra forma, mas discretamente talvez, quem
sabe até apertasse as nádegas da professora de hidroginástica. E
assim por diante.
Aquele insistente Oomala vai dizer: “Que a sociedade
seja anterior ao professor Carvalhão ou a mim, eu estou
obviamente de acordo. Mas a sociedade não pode ter sido
sempre anterior ao individuo, tem que ter tido um momento
que o individuo foi anterior à sociedade, não teve? Um indivíduo
como Adão?”.
Para responder a esta pergunta é necessário se defrontar
com esta indagação: “O homem é uma categoria criada por
quem?”. Pelo homem, alias, pelo homem do século XVIII, pode
ser que no século XXI haja uma nova definição.
Oomala não resiste: “Mas, um fulano que morreu um dia
antes de se entrar no século XVIII? Este não entra nesta
categoria”. Ele ouve: “Não adianta achar que isso é um absurdo,
achar que ele é um coitadinho afinal morreu só um dia antes,
considerar esse critério injusto, porque toda categorização
estabelece mesmo uma fronteira entre o dentro e o fora, o sim e
o não, os aprovados e os reprovados, tem sempre o
quinquagésimo primeiro, de cinquenta vagas, não tem? E o
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quinquagésimo primeiro diz: “deixa-me ficar entrar os
aprovados”. “Não”, declara a banca do concurso.
Sem se abalar com os argumentos, fala Oomala: “puxa,
deixa o sujeito, que nasceu em 31 de dezembro de 1799, ser
homem”. “Não”, declaram os sujeitos que nasceram a partir do
dia seguinte. Oomala: “Mas, o que ele seria então?” Ele
escutaria: “Talvez um hominídeo, um antropóide. O rabinho
desapareceu, verticalidade e tal e coisa, mas homem é daqui pra
cá. O cara, não insista, ele não é homem, é um pouco antes de
homem”.
No entanto, esse ser indefinido já era social. Porque os
outros primatas que não viraram homem, dispõe hoje tudo que
caracteriza uma sociedade, os estudiosos dos primatas
superiores mostram que eles têm universos sociais complexos,
como tribunais, mecanismos eleitorais, divisão social de
trabalho, posições, papéis sociais, códigos de conduta, etc. Aliás,
sociedade até as formigas e as abelhas tem. Então a sociedade é
anterior, até o tal do primeiro homem. É claro que se você tiver
uma perspectiva bíblica da humanidade, ai não, mas não é esta a
perspectiva de Durkheim e das ciências sociais do século XX.
Em resumo, não é mais possível falar em liberdade como
sendo esta faculdade humana de deliberar viver em sociedade,
porque a sociedade pré-existe, a sociedade é condição para que
o homem exista. Como a liberdade é incompatível com uma
condição, então a sociedade restringe qualquer tipo de reflexão
sobre a liberdade.
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Portanto, hoje, o que os cientistas sociais estudam é o
comportamento humano como sendo o comportamento
daquele que inscrito num certo universo social, age em função
dos demais atores sociais. Por exemplo, não se pode estudar o
comportamento de Lula, pelo comportamento de Lula, porque a
chave do comportamento de Lula está no comportamento de
todos os demais, principalmente do povo. Então o que os
cientistas sociais vão mostrar é que a existência humana é um
compromisso neste engajamento social, é o resultado deste
engajamento social, é, portanto condicionada por este
pertencimento em universos social específicos.
* Freud
Num livro seu intitulado “O mal estar na civilização”
propõe que o homem nasce 100% Id, ou seja, nasce com a
inclinação do corpo para um mundo que possa satisfazê-lo, é o
estado psíquico dominado pelos prazeres. No momento em que
se nasce passa a ser regido por um principio chamado, principio
de prazer. O bebezinho, quando sente fome, chora, não tem esta
de esperar um pouco, porque esperar um pouco, é um
condicionamento da satisfação, não tem isso de esperar, é já.
Satisfação imediata e radical é uma característica do principio de
prazer. Este bebezinho é colocado em uma civilização para se
civilizar. E o que significa civilizar na psicanálise? Condicionar as
satisfações? Não, até porque, se eliminar o instinto do prazer, se
mata, e a civilização só mata de vez em quando. A civilização, em
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principio não mata, ela condiciona as satisfações no tempo e no
espaço, ou seja, quer dizer: nem aqui e nem agora, mais tarde.
Imaginem que o professor Carvalhão conseguiu aquilo
tão desejado. Só que ele está com a professora de hidroginástica
às 3 horas da tarde, na esquina da Avenida Rio Branco dentro de
um fuskinha, e começa aquele idílio, e o corpo grandioso dele é
uma inclinação só em direção aquele corpasso, e começa aquela
coisa, etc e tal. A civilização, através das forças repressoras, vão
por ordem na casa, ou melhor, naquela avenida, ou quem sabe,
pelo menos, naquele fuskinha. Um guarda gentil poderá dizer:
“Pode me acompanhar, aqui não, a sociedade possui
curródromos autorizados”. Então, lá se vai o professor Carvalhão
translocar as satisfações para outro momento e para outro lugar,
o deslocamento do tempo é tão danoso, quanto o deslocamento
no espaço. Ao sair dali e ir para o motel, o Carvalhão no motel
teve que dar o número da carteira de identidade, o que foi
altamente broxante, além disso, teve que negociar a suíte, tirar
novamente a roupa, e nada de f..., realmente a sociedade é que
é f..., o papel da civilização é impor condições.
Então o que acontece é que este Id, embora jogado numa
civilização, ainda continue a lutar pela reprodução, porém, vai
satisfazer sem colocar em risco a chamada ordem pública. Então
o que diz Freud: “A sua existência, do principio ao fim será
orquestrada por uma tensão entre o princípio de prazer e o
princípio de realidade”. Ou seja, até o fim da vida o professor
Carvalhão continuará tendo inclinações, continuará buscando o
mundo que lhe satisfaça, ao mesmo tempo e em qualquer
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espaço, ele vai ter uma civilização que lhe imporá limites e faz
isso de muitas formas quer explicitamente reprimido, quer
ensinado.
Mas, falar em ensino é com o professor Carvalhão. O que
é educação formal, a escola, senão a parte da civilização
repressora que ensina que se uma pessoa quiser satisfazer seus
instintos prazerosos deste jeito a civilização vai lhe bater. É isso
que a escola conta de muitas maneiras através inclusive da
equação do segundo grau. Grande parte do processo civilizatório
se dá sem repressão ostensiva. A repressão ostensiva só entra
quando de fato se é um herético, quando de fato é um
insubordinado. Grande parte das pessoas se submete ao
princípio de realidade de maneira mais ou menos tranquila.
Participam desta lógica a publicidade, e o que ela faz? Ela
desfila o desejável, aquilo que você pode buscar no mundo para
te satisfazer. Às vezes a publicidade faz isso didaticamente. Ela
põe um do lado do outro: Juliana Paes e a Antártica. O professor
Carvalhão não tem dúvida e a sociedade também “sem o
consentimento dela, não será possível”. Mas na impossibilidade
de ter a Juliana Paes, o professor Carvalhão toma uma cerveja
antártica, é uma compensação é claro, mas ele pode se sentir
orgulhoso porque estará movimentando a economia, a Antártica
vai dar emprego. Tomar cerveja tudo bem, beba com
moderação, para não botar em risco o transito, que beleza! Mas
a Juliana Paes sem moderação, sem trânsito, que feio! Juliana
Paes é o que Carvalhão quer, Antártica é o que ele pode querer,
se ele associar bem acaba sofrendo menos. É mais ou menos o
41
que a publicidade conta para uma pessoa didaticamente,
desfilando o desejável e denunciando em contra partida por
exclusão o que não deverá desejar.
Pois muito bem! A historia do homem é a historia de sua
repressão, na melhor das hipóteses: a luta entre o Id e a
civilização (o Super-Ego), como consequência deste embate se
tem o Ego, isto é, a consciência, o que passa pela cabeça,
pensamento, conhecimento, calculo, juízo, moral. O Ego é a
prudência, é a possibilidade de deliberar, é aquilo que se coloca
na cabeça como variável para decidir sobre as coisas do mundo e
sobre nós mesmos. E aí é que está a liberdade?
Markuse escreveu “O Eros e a Civilização” – clássico do
século XX. Aonde ele diz que a função de toda a civilização é
reprimir. Mas que cada civilização reprime de um jeito, cada
civilização controla as satisfações de certa maneira, e a
civilização capitalista, que é a vivida por nós, tem uma forma
particular de controle. Sabe qual é? É a conversão da libido em
potencia laboral, em energia para o trabalho. A sociedade
capitalista se caracteriza por controlar o desejo de uma forma
particular, é transformar excitação em excitação pelo trabalho,
transformar libido em eficiência. Não adianta o professor
Carvalhão olhar para mim e pensar: “Mas quem em sã
consciência trocaria a Juliana Paes por uma hora extra?”.
Assim, do mesmo jeito que Durkheim falava que a
sociedade é lógica e cronologicamente anterior ao sujeito, Freud
diz que a civilização é condição do Ego pensante. Então a
sociologia e a psicanálise, na virada do século XIX para o século
42
XX, defendem a mesma coisa: a anterioridade da sociedade, da
civilização sobre a pessoa. É claro que isso é frustrante porque o
ser humano é subjetivista, acredita que tudo começou com o
homem. É muito desencantador saber que se é uma
consequência de um processo, quando se quer ser a causa.
Imagine alguém como o mala insistente do Oomala aceitar que o
que ele pensa, o que ele faz, a sua aura, tudo isso é resultado de
um Id com a civilização, e ele, seu Ego, não controla nenhum dos
dois?
“Mas ...”, começaria a balbuciar no pensamento do
Oomala. Um pouco antes disso, ele já estaria ouvindo que a
sociologia é paquidérmica e um pouco arcaica, porém a
psicologia social ela é jovem e interessante pela sua obsessão de
mostrar a influencia do comportamento coletivo sobre o
comportamento do indivíduo. Toda pesquisa de psicologia social
tem esta lógica: “tenho um comportamento coletivo que
controlo, logo, um dado; por outro lado, tenho um
comportamento individual que ignoro, portanto, uma incógnita”.
E “tome” exemplos.
Um estudante de matemática quando arguido sobre o
resultado do produto de dois números negativos ser um número
positivo ou negativo, provavelmente, mesmo sem saber o
porquê, vai responder que é um número positivo, mesmo que
sua intuição ache ser um número negativo. Sabe por que ele
responde positivo? Porque ele sabe que se disser negativo, ele
vai sofrer, é o medo do Hobbes de novo.
43
Outro exemplo. Oomala vai à casa de alguém, por conta
de um convite de outra pessoa. O sol se põe, e as pessoas
decidem comer uma pizza, todo mundo se conhece, menos o
Oomala que não conhece ninguém, pois até quem lhe convidou
faltou, o que é admissível por saber o que ali iria encontrar.
Então as pessoas que se conhecem perguntam para o
desconhecido qual pizza que ele quer, e a sua resposta deveria
ser “qualquer uma”. Sabe por que ele deveria responder
“qualquer uma”? Porque “qualquer uma” não tem a chance de
ficar na minoria. Porém, como ele é o Oomala pode ser que ele
diga que só não come pizza de mussarela, o que já impôs uma
senhora restrição.
Um terceiro exemplo. Um eleitor quando interpelado
sobre em quem vai votar responde que vai votar naquele
candidato que tem chance de ganhar. No entanto, quando
perguntado “Qual é o melhor candidato?”, a sua resposta não
coincide com aquele candidato do seu voto útil. O mais
interessante ainda é que esse melhor candidato na pesquisa de
melhor candidato tinha 24%, enquanto na pesquisa de intenções
de voto tinha 2%. Este candidato, de posse da pesquisa, no dia
do debate, desesperado implorava: “se você acha que eu sou o
melhor candidato, vote em mim que eu ganho!” Só que apurada
as urnas, ele teve 2% de votos, ninguém acreditou e ele
continuou com a mesma percentagem de intenções de voto.
Nos dias de hoje, falar de liberdade não pode ser feito
mais metafisicamente. Por que agora se tem ciências que estão
44
mostrando as condições objetivas de uma manifestação livre.
Oomala acha que não. Pois bem! Mais exemplos.
Na USP, lá está o professor Carvalhão participando de
uma banca de tese sobre prostituição. O doutorando expõe a
declaração de um travesti em uma entrevista: “Quando eu estou
sozinha, a chance de um carro parar é remota”. E chega a
contar: “Tem uma média de 40 carros que passam”. Observou
que tendo um carro parado ali, a chance de parar um segundo é
muito maior. Ela explicou então o que fazia: “Então eu, mesmo
sabendo que aquele bofe não vai pegar os meus serviços, eu
seguro ele ali, converso, regateio o preço, quanto maior o tempo
que eu seguro ele ali, maior a chance de parar outro carro, com
isso maior a chance de um pegar o meu serviço. E ele ou ela diz:
“A chance de parar um terceiro é de 100%. E ai é bem possível
que eu crie uma muvuca, porque quanto mais carro tem, mais
gente pára. É como na rua, quando alguém olha para cima, com
5 ou 6 olhando, para daqui a pouco 200 olhando para cima é
fácil”.
Carvalhão como ainda estava pensando na hidroginástica
e na cerveja, saiu pouco satisfeito com aquele travesti, quase
que reprovou sua tese. Mas, a vida de professor como se sabe é
igual à de taxista e lá foi ele para fazer parte de outra banca de
doutorado. Foi rezando para ver se o assunto fosse atraente. Ih!
Lembrou que era sobre culto religioso. Precavido, colocou seu
óculos de emergência, aquele mais escuro que tinha e partiu
com muita fé.
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Lá está o professor Carvalho, mais para Carvalinho do
que para Carvalhão, com seus olhos não visto por causa daquela
escuridão em seus óculos, é claro que amuado. Infelizmente, o
doutorando inicia a exposição. Ele começa por dizer que adotou
duas técnicas metodológicas completamente diferentes. Uma
quantitativa, por questionário, anônima; e a outra, qualitativa,
grupos focais, onde o individuo é obrigado a debater sobre culto
religioso. E um dos objetivos da pesquisa é identificar a
incidência dos alunos da USP que frequentam cultos religiosos.
Carvalinho que nessa altura, por trás daquelas lentas
negras poderosas, já estava cochilando. Só que à medida que o
entusiasmo do doutorando aumenta, desfavoravelmente a sua
voz também. Até que Carvalinho é acordado diante daquelas
palavras vibrantes: “Os senhores acham que o numero de alunos
que afirmam frequentar estes cultos, teriam sido o mesmo nas
duas abordagens? Foi maior ou menor?” E abaixando a voz para
fazer o suspense dá a resposta: “O numero de frequentadores
de cultos destas igrejas, pelo questionário, foi maior, esse é o
dado”. E com aquela pausa do doutorando, Carvalinho imaginou
que poderia voltar para dentro daquele silêncio interior. Pura
ilusão! O doutorando em alto e bom tom: “Agora o quanto
maior, isso é que é interessante”. E continuando
ininterruptamente: “Qualquer pessoa que tenha trabalhado com
pesquisa sabe que 3% é uma enormidade”. Imaginem que o
doutorando tivesse dito que foi o dobro, já se deveria ouvir:
”oh!”. Mais não foi o dobro, foi 17 vezes mais, quer dizer, de
cada 17 frequentadores destes cultos, só um estava disposto a
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debater sobre este tema, afirmando a sua prática e a sua adesão
a este tipo de culto.
Poupando de contar o sofrimento do professor Carvalho,
se pode chegar à conclusão de que a perspectiva de uma opinião
dominante faz com que as pessoas adotem a opinião mais
aceitável, a menos comprometedora. Como no caso do “menos
vezes menos dar mais” do estudante de matemática, no caso do
voto útil do eleitor, no caso de “qualquer uma pizza” ou pelo
menos “mussarela” que deveria ser dito pelo Oomala, como no
caso da estratégia do travesti, bem como no caso da frequência
dos cultos religiosos dos alunos da USP, Isso ocorre porque o ser
humano busca a alegria, e quando ele se depara com alguém
que não concorda consigo, ele se entristece, sofre, gasta energia
e procura evitar isso. E assim graças ao medo da morte, de
violência, do isolamento, a sociedade é condição da existência,
condição da reflexão sobre a liberdade.
■ Pensamento de Meishu-Sama
Após se ter visto as ideias de pensadores assinalando
para uma liberdade materialista determinista e condicionada
pelo medo se fica tentado a mostrar rigorosamente o quanto o
fundador da Igreja Messiânica Mundial considera esses pontos
de vista filosófico. Porém, como se tem outras prioridades,
apenas se indica superficialmente a concepção de Meishu-Sama
a respeito destes entendimentos filosóficos sobre a liberdade.
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A compreensão do fundador a respeito da noção
materialista determinista pode se começar a ser sentida nestas
suas palavras: “A ideia preconcebida de que determinada coisa
nunca poderá acontecer, já constitui um erro, pois leva em
consideração apenas aquilo que se manifesta exteriormente, isto
é, as aparências. Como até agora o pensamento da maioria dos
homens baseava-se em conceitos materialistas, se às vezes
sucede algo diferente, eles pensam que se trata de milagre. Por
exemplo: uma criança cair de um penhasco e não sofrer nada;
um carro bater numa bicicleta e não haver ferimentos nem
prejuízos; uma pessoa se salvar por ter se atrasado e perdido um
trem que depois descarrilhou, virou ou colidiu com outro”. Pode
ser um pouco mais percebida nos títulos de seus ensinamentos
como “Materialismo e espiritualismo”, “O Materialismo cria o
homem mau”, “Nós é que traçamos o destino”. Querendo se
aprofundar basta lê-los. Todavia, para dar pequenos indícios se
podem expressar alguns trechos, conforma a seguir.
“Baseados nisso, podemos comparar o materialismo com
o macaco Songoku, o qual, tentando fugir dos domínios
espirituais de Buda, percorreu milhares de milhas, mas, quando
percebeu, ainda estava na palma da mão de Buda, e se
arrependeu do que fizera. (...) Pela exposição acima, acredito que
entenderam como está errado analisar as coisas espirituais do
ponto de vista da matéria, pois esta é finita, enquanto aquelas
têm vida eterna e são infinitas. É a mesma coisa que querer
colocar um elefante dentro de um pote ou ver todo céu através
de um orifício, ou seja, é ter uma visão limitada das coisas.
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Materialistas! Depois de conhecerem esta verdade, ainda têm
algo a dizer? Pensem no que farão!”
“Talvez estas palavras [o materialismo cria o homem
mau] pareçam demasiado fortes, mas não posso evitá-las, pois
correspondem à pura verdade. Segundo nosso ponto de vista, o
materialismo, ou seja, o ateísmo, pode ser considerado o
pensamento mais perigoso que existe. Vejamos. Se Deus não
existisse, eu também ganharia dinheiro enganando o próximo
habilmente, de modo que não fosse descoberto; faria o que bem
entendesse e, além de viver uma vida de luxo, estaria ocupando
uma posição de maior destaque na sociedade. Entretanto,
consciente da existência de Deus, de forma alguma sou capaz de
proceder assim. Tenho de percorrer o caminho mais correto
possível e tornar-me um homem que deseja a felicidade das
outras pessoas. Caso contrário, jamais poderia ser feliz e levar
uma vida que vale a pena ser vivida. O que eu estou dizendo não
é mera teoria ou algo parecido. Como podemos ver através de
inúmeros exemplos que a História nos mostra desde os tempos
antigos (...)”.
“O homem costuma resignar-se a tudo, atribuindo ao
destino o desenrolar dos acontecimentos. (...) Mas eu desejo
ensinar que todos podem mudá-lo de acordo com sua própria
vontade, ou melhor, cada um pode traçar o seu destino. A
consciência desse fato permite transformar o pessimismo em
otimismo”.
A compreensão de Meishu-Sama a respeito da noção
condicionada pelo medo pode ser orientada pelo conhecimento
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de que o espírito primordial do homem tem as qualidades
“sabedoria, amor e coragem”, o ser humano deve discernir se
está de posse de uma razão sábia, de um sentimento amoroso e
de uma vontade corajosa, ou, ao contrário, de uma razão
ignorante, de um sentimento irado e de uma vontade insaciável,
medrosa. Por isso, talvez se possa afirmar que a evolução da
liberdade humana passa por uma vontade corajosa e não por um
permanecer numa vontade medrosa, em outras palavras,
condicionada pelo medo.
Ao se falar em evolução, uma maneira de se entender
como Meishu-Sama raciocina sobre a evolução, talvez seja esta
que se descortina no que segue.
A centelha divina, que tem origem no Mundo Divino,
inicia sua evolução pelo plano inferior, explicando melhor, pelos
reinos inferiores, mais precisamente, pela ordem, começa pelo
Reino Mineral, passa para o Reino Vegetal e termina no Reino
Animal, em seguida se tornando uma alma individualizada entra
no plano intermediário onde está o Reino Hominal, e finalmente,
alcança o plano superior, local do Reino Divinal. Neste processo
evolutivo em cada reino a centelha divina aprende com a lei
deste reino e leva sua aprendizagem para o reino posterior.
Neste processo evolutivo os reinos vão desenvolvendo
corpos, ou melhor, vão criando premissas, formando,
destruindo, conservando e inovando corpos: o reino mineral
forma o corpo físico; o reino vegetal, por sua vez, destrói,
conserva e inova o corpo físico e cria premissas para o corpo
emocional; o reino animal, por sua vez, destrói, conserva e inova
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o corpo físico, forma o corpo emocional e cria premissas para os
corpos mental e social; o reino hominal, por sua vez, destrói,
conserva e inova os corpos físico e emocional, formas os corpos
mental e social, bem como cria premissas para os corpos
ecológico, cósmico e transcendental (espiritual). Desta maneira,
o homem é formado por sete corpos, quais sejam: físico,
emocional, mental, social, ecológico, cósmico e espiritual.
● Diferenciar o homem do animal é uma lei
Meishu-Sama quem sabe deixa a entender que os
minerais são regulados pela lei da coesão, pela união, ao
escrever: “No grande Universo, a começar do espaço, que se
estende infinitamente, até as mais minúsculas existências,
impossíveis de serem detectadas mesmo com uso de
microscópios, todas as matérias sejam elas grandes, médias ou
pequenas, cada qual obedecendo à Lei da Concordância, nascem,
crescem, unem-se e separam-se, aglomeram-se e espalham-se,
destroem-se e constroem-se, numa sequência infinita na cadeia
da evolução”. Por isso, não seja acaso, quando sua esposa, a
Segunda Líder Espiritual da Igreja Messiânica Mundial, diz: “É
difícil misturar vinagre e óleo, mas, uma vez juntos e misturados,
eles se completam para compor um delicioso molho de salada”.
Já os vegetais, nessa linha de suposição, são prescritos
pela lei da verdade, ou seja, pelo próprio estado natural das
coisas, como não nascer jaqueira de caroço de limão. Esta
experiência o homem não deveria ter esquecido, por isso
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Meishu-Sama escreve: “A Verdade é o próprio estado natural das
coisas. O Sol desponta no nascente e desaparece no poente; o
homem inevitavelmente caminha para a morte (...) O homem
manter-se vivo através da respiração e da alimentação também
é Verdade”. E alerta que não há felicidade para o ser humano
quando este se afasta da autenticidade: “Observando os
revoltantes acontecimentos deste mundo, o caos reinante na
sociedade, os conflitos, a desordem, o pecado, é impossível
negar que tudo contribui mais para a infelicidade do que para a
felicidade do homem. Precisamos, pois, conhecer a razão de tais
coisas. Tudo se baseia no fato de estarmos longe da Verdade isso é evidente. O problema é que não temos consciência disso”.
No caso dos animais, eles são regidos pela lei da justiça,
mas, de uma imparcialidade em nível da exata reação a cada
ação, do olho por olho e dente por dente, do carma. Por isso, é
que Meishu-Sama diz: “Só se procura controlar o mal por meio
de fortes redes e prisões chamadas leis. Isso, porém, é tratar os
homens como se fossem animais, não sendo à toa que o método
não surte resultados positivos.” “Ainda que exteriormente, os
homens tenham forma de seres humanos, interiormente são
como animais”.
Ao se tornar homem se passa a ser estabelecido pela lei
da liberdade. Meishu-Sama ensina: “Por outro lado, a criança
recém-nascida não se afasta da mãe e nada faz sozinha.
Comparando-a com os animais mamíferos, poderíamos dizer que
a criança nasce prematuramente. Exemplificando com o macaco:
o filho do macaco, quando recém-nascido, se segura firmemente
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à mãe com os pés e as mãos, instinto natural nesta espécie. A
criança, desde o nascimento, possui plena liberdade de
movimento das mãos e pés, diferentemente desses animais.
Poderíamos até dizer que as crianças não possuem tanta
habilidade e capacidade para sobreviver quanto os macacos
recém-nascidos. Entretanto, ainda no confronto entre eles,
poderíamos dizer que as crianças, que tem livre movimento de
mãos e pés, possuem outras potencialidades e capacidades que
não aparecem nos mamíferos macacos. Esse estado do homem
ao nascer não é uma simples inabilidade. Ele oculta um grande
significado, isto é, o da liberdade humana. Assim, entre os
mamíferos antropóides, o homem seria um espécie
completamente diferenciado”.
Além do movimento existem outras diferenças de
potencialidades e capacidades nos humanos que não aparecem
nos animais como: a emissão da voz e a sua utilização; o saber o
porquê faz; acúmulo e produção de cultura; pensamento. Sobre
esta última diferença Meishu-Sama é afirmativo que “O homem
depende de seu pensamento”.
● Ter que escolher entre o bem e o mal é uma sentença
Como o homem depende de seu pensamento e, ao
mesmo tempo, está sempre se defrontando com o dilema de
decidir entre o certo e o errado, ele deve cuidar de analisar
frequentemente sua razão, sentimento e vontade a fim de rumar
no caminho do bem.
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Um homem no nível Inferior do Plano Intermediário:
escolhendo o mal, involui para o Plano Inferior (Justiça),
passando ser colhido pela ação purificadora, pelo resgate de
carma; escolhendo o bem, eleva-se ao nível Intermediário do
Plano Intermediário (Lei do Servir), subindo, escapa deste
resgate, há uma “queima” do carma, das máculas.
Meishu-Sama diz que atualmente, em geral, os seres
humanos decidem pelo mal: “Considera-se que todo cidadão é
independente, apesar de ser um membro da sociedade, e que,
portanto, ele é livre para praticar quaisquer atos. Atualmente,
“viver com inteligência” significa empregar a habilidade
exclusivamente no que possa proporcionar benefícios à própria
pessoa. O homem, simulando admiração pelas palavras dos seus
superiores ou religiosos, no íntimo zomba delas, achando que
são tolices. Prende-se a formalidades, tornando-se nulo não
apenas espiritualmente, mas também quanto ao seu valor
humano”.
Esse é o pensamento moderno da maioria dos homens, os
quais, longe de conseguirem a almejada felicidade, acabam
fracassando. E fracassam porque, embora o mal não seja
descoberto pelos outros, a própria pessoa sabe que o cometeu.
Aí é que está o problema, pois o conteúdo do consciente e do
subconsciente reflete-se num local do Mundo Espiritual que
corresponde, na Terra, ao nosso Palácio da Justiça. Pode ser
chamado de Fórum do Mundo Espiritual”.
“Há um elo espiritual semelhante ao telégrafo sem fio
que estabelece uma ligação entre cada homem e esse Fórum, no
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qual as nossas ações são registradas com assombrosa exatidão.
O registrador anota tudo minuciosamente num livro, e os delitos
são julgados de acordo com o grau de perversidade. Por esse
julgamento do Mundo Espiritual, o delito é revelado no Mundo
Material, de forma hábil, para a pena correspondente.
Quando o homem tomar consciência desse fato, deixará
de cometer qualquer espécie de mal. Se, ao contrário, praticar
bons atos, será recompensado também, segundo o próprio
mérito. Esta é a realidade dos dois mundos, o Espiritual e o
Material. Deus construiu-os sabiamente. Sendo esta a Verdade
Absoluta, não há outra solução a não ser aceitá-la”.
● Submeter à evolução é uma aprendizagem
Obtendo desenvolvimento ideológico e cultural
“Gostaria de falar a respeito das pessoas que acham
gratificante preservar as velhas ideologias e a cultura que
cheiram a mofo, das quais não conseguem desvencilhar-se. É do
conhecimento de todos que o homem não consegue se desfazer
tão facilmente das tradições e costumes mantidos por seus
ancestrais. É a essas pessoas que chamo de “escravos das
tumbas”. Hoje em dia, quando tudo progride, aqueles que
possuem tal tipo de pensamento são retrógrados, e a realidade
mostra claramente que são uns derrotados”.
“(...) todas as culturas têm se transformado com o correr
do tempo. A teoria de Bergson sobre a transformação de todas
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as coisas, deve se referir a isso. Assim, conforme os processos
históricos, podemos compreender claramente que a Lei da
evolução determina a queda do obsoleto e o avanço do novo.
Neste sentido, somente com o surgimento de uma ideologia
capaz de assumir a liderança de uma época, é que a civilização
evolui”.
Cultivando espiritualismo, altruísmo e desapego
Cultivar espiritualismo é livrar-se do materialismo, do
ateísmo. Altruísmo é livrar-se do egocentrismo: amando seu
semelhante a ponto de não se importar de cair no Inferno desde
que salve o maior número de pessoas; melhorando o mundo e a
sociedade; escolhendo profissão que seja a mais útil para a
sociedade e assim fazer maior número de pessoas feliz.
Desapego é desobrigar sua mente da dor da perda, para salvar
antepassado no Inferno se deve esforçar para esquecê-lo como
conta Meishu-Sama: “Deixe-me contar-lhe uma história sobre
discípulo de Buda, Saint Mokuan e sua mãe. Um dia, Saint
Mokuan, viu sua mãe sofrendo no Inferno. Esforçou-se ao
máximo para salvá-la, não conseguiu retirá-la de lá. Assim,
dirigiu-se ao Buda e perguntou-lhe o que poderia fazer para
ajudar sua mãe. A resposta de Buda foi: “Será salva quando
esquecer-se dela.” Mokuan esforçou-se ao máximo para
esquecê-la. Cerca de um ano depois, teve uma nova visão física
de sua mãe, e não estava mais no Inferno”.
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Sendo
predestinação
independente
dentro
dos
limites
da
Predestino é determinado desde o nascimento, como
filiação, sexo, raça, país, carmas, pertinência a um dos três
planos do Mundo Espiritual; o destino depende do esforço feito
para se atingir nível mais alto ou mais baixo desse plano, receber
suas vibrações, analogamente como fazer uma visita a
condenado na cadeia ou conviver com seu líder religioso: “Agora
darei uma breve explicação sobre predestinação e destino. O
predestino é determinado desde o nascimento, sendo limitado a
um dos três planos - Superior, Intermediário e Inferior - do
Mundo Espiritual; e é impossível ultrapassar este limite. O
destino depende do esforço feito para se atingir o nível mais alto
ou o nível mais baixo do plano predestinado. Portanto, em
relação à imutabilidade do predestino, o destino concede certa
liberdade.”
Por isso Meishu-Sama explicou dessa forma o acidente
que uma pessoa havia sofrido: “O acidente e seu ferimento foi de
natureza cármica e já estavam predestinados no reino
espiritual”.
Liberdade infinita é a liberdade do destino que não
ultrapassa os limites do predestino; liberdade individual é aquela
que não prejudica a liberdade dos outros.
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Livrando-se sem desrespeitar a liberdade alheia
Por um lado, não se limitar sem caminhar para o
anarquismo, ou seja, ter fé messiânica: “‘não criar formas,
normas e mandamentos’ e, por extensão, ‘ser completamente
livre de todas as limitações’. Devo lembrar-lhes que não se trata
de anarquia, e sim, da liberdade que respeita a liberdade alheia.
(...) as *pessoas+ de fé ‘Daijo’ sentem-se mais livres, alegres, sem
necessidade de camuflagem, porque sabem respeitar a liberdade
humana; nelas, a hipocrisia não tem lugar. Esta é a verdadeira e
grata fé messiânica”. Aquela fé que conta com o vigor dos
outros e não só com a sua própria energia, sabendo aguardar o
tempo certo.
Por outro lado, não se soltar sem caminhar para a tirania.
Emancipando-se com responsabilidade e alegria
Executar tarefas realizáveis com contentamento sem se
descuidar da construção paradisíaca é o que diz Nidai-Sama, a
Segunda Líder Espiritual da Igreja Messiânica Mundial: “Naquela
época, Meishu-Sama dava muita liberdade aos servidores;
entretanto, uma vez atribuída determinada tarefa sempre
verificava o que fora feito, não permitindo nenhum descuido.
Nunca distribuía trabalhos que eles não pudessem realizar, mas
só aqueles que lhes proporcionassem alegria. Preocupava-se em
fazer os servidores sentir a vida como Paraíso”. “Sem apego,
acolhendo o lado bom das coisas e ignorando seu lado mau,
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empenhemo-nos alegremente na construção do Paraíso
Terrestre.”
Aliviando no pensamento e agravando nas palavras e
ações
Deus permite a liberdade de pensamento, gá forte, o que
não se deve é manifestá-lo na prática: “Pensar não tem
importância, Deus permite a liberdade de pensamento. Mas não
se pode manifestar na prática. Geralmente, de acordo com o
sentimento do momento, a pessoa fala muito entusiasmada,
mas se aguentar calada, verá mais tarde que, sem dúvida, foi
bom não ter falado”.
Tornando as leis, prisões e tribunais desnecessários
“Se fossem verdadeiros seres humanos, a sociedade não
necessitaria de jaulas. Quem jamais pratica o mal, esteja onde
estiver, é que tem a qualificação de autêntico ser humano”.
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