Texto 1 - Algumas considerações sobre a teoria de Darwin

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GEORGE, Wilma. As idéias de Darwin. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1985. p. 10-19. (Adaptação)
TEXTO 5
Algumas considerações sobre a teoria de Darwin
Wilma George
"Sobre a Origem das Espécies por meio da Seleção Natural", de Charles Darwin, foi
publicado em 24 de novembro de 1859 e seus 1.250 exemplares se esgotaram no dia da
publicação. [...] Por volta de 1876, Darwin podia anunciar traduções em todas as línguas
européias, apesar de se tratar – como o próprio Darwin confidenciou a Hooker, de uma
"leitura penosa, valha-me Deus!".
O sucesso inicial pode ser atribuído à sua perfeita adaptação à atmosfera particular
da época em que apareceu.
Na Alemanha, Emmanuel Kant havia formulado uma teoria da evolução cósmica no
seu "Allgemeine Naturgeschichte und Theorie des Himmels", publicado em Frankfurt, em
1755. Todo o aparato do Universo, argumentava ele, nasceu de forças físicas atuantes sobre
a matéria bruta, de acordo com leis mecânicas passíveis de serem descobertas.
Mais ou menos na mesma época, o Conde de Buffon procurava saber a idade e a
estrutura da Terra. Sua conclusão de que a Terra era muito antiga e se formara
gradualmente foi, contudo, rapidamente reprimida pela Igreja e ele viu-se forçado a se
retratar. [...] O trabalho de Buffon foi amplamente lido: era a obra básica da biologia dos
séculos XVIII e XIX.
Experiências práticas também estavam sendo feitas para testar a imutabilidade e a
criação. Em São Petersburgo, em 1766, Joseph Kolreuter cruzou variedades [...] de fumo
para descobrir se podia criar uma nova espécie com o cruzamento. Os híbridos resultantes
do cruzamento tinham um caráter intermediário entre as duas plantas de origem. Mas,
infelizmente, o pólen era estéril. Ele não criou uma nova espécie que pudesse perpetuar-se,
mas fizera uma tentativa e, através dela, dera início a uma longa linhagem de experiências
de hibridização de plantas. A fixidez das espécies, a estabilidade do mundo natural, estava
sendo questionada pela experiência.
Por volta de 1770, formou-se uma sociedade em Birmingham. Ela atraiu homens de
ciência como J. Watt, M. Boulton, J. Wedgwood, J. Priestley e o avô de Charles Darwin,
Erasmus Darwin. A "Sociedade Lunar" reunia-se informalmente para discutir os problemas
científicos do dia [...] e teorias provocantes, tanto no país como no estrangeiro: de Buffon e
daquele outro francês, Jean-Baptiste P.A.M. de Lamarck, e do geólogo escocês James
Hutton. [...] Os cientistas descreviam um mundo mutante e os "lunáticos" achavam-se no
centro da discussão. [...]
Lamarck havia reclassificado o reino animal, pela primeira vez desde Aristóteles, e
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o fizera de acordo com as afinidades naturais, organizando todos os seres orgânicos numa
ramificação de descendência sem lacunas. Erasmus Darwin convence-se de que os animais
mudavam de forma e se transformavam em novas espécies – a mudança era provocada pela
transmissão de caracteres adquiridos durante a vida de um indivíduo – e de que toda vida,
enfim, provinha do mar.
Em 1809, Lamarck havia finalmente publicado a "Philosophie Zoologique" na qual
afirmava categoricamente acreditar que todas as coisas vivas haviam-se desenvolvido, por
causas naturais, de outras coisas vivas. [...] Lamarck analisou a transformação das espécies,
uma a uma, ramificando-as paulatinamente como uma árvore: [...] Porque alguns pássaros
tinham asas longas e outros curtas ? – Estava claro para Lamarck que, no decorrer de uma
vida, um pássaro esforçava-se por adquirir alguma coisa nova para seu organismo. [...] Os
pássaros se empenhavam cada vez mais em atingir seus objetivos, e uma parte desse
progresso circulava na corrente sangüínea até alcançar as células reprodutoras e ser
transmitida às suas descendências. Lamarck acreditava na continuidade orgânica – "série" –
e apresentou uma teoria em sua defesa.
Na virada do século, os naturalistas influentes estavam questionando a ordem das
coisas e encontravam sustentação na ciência da geologia, que progredia rapidamente.
O desenvolvimento econômico da Inglaterra tinha necessidade de geólogos práticos
para assessorarem a construção de canais e estradas de ferro. Era essencial saber como e
onde as rochas se estendiam. As camadas teriam sempre a mesma ordem? Seriam as
mesmas em diferentes partes do país? Como resultado do estudo sistemático da
estratificação [...] foi elaborado um mapa geológico da Inglaterra e de Gales, em 1815, por
William Smith. O mapa foi uma revelação: camadas que, na seqüência de Smith, ficavam
bem embaixo, em certos lugares apareciam expostas; algumas apareciam em diferentes
lugares; outras estavam ora dobradas, ora inclinadas e algumas encontravam-se deslocadas
para baixo. Os geólogos práticos faziam descobertas sobre a estrutura da terra que teriam
conseqüências teóricas imprevisíveis.
A ciência prática estimulava a ciência teórica e – com a publicação, entre 1830 e
1833, dos "Princípios de Geologia" de Charles Lyell – a geologia teórica entrou numa nova
fase de sua história. A lição de Lyell era o "Uniformitarismo", baseado na geologia de
Hutton, de uma terra antiga sem "nenhum vestígio de começo e sem nenhuma perspectiva
de fim". A Terra, de acordo com Lyell, fora formada pelos mesmos processos que ainda
continuavam a formá-la: terremotos, enchentes, vulcões e rios; tombamentos e inclinações,
explosões e afundamentos, erosão pelo vento e pela água. A Terra não era estável e – como
descobriu Hutton – era antiga.
Lá pelos idos de 1830, havia no ar uma sensação desconfortável de mudança e de se
estar vivendo um momento muito curto numa vasta extensão de tempo. O Universo mudava
de acordo com leis mecânicas; a Terra mudava através da ação de forças naturais; os
animais e as plantas, naturalmente, deveriam também mudar; e a sociedade estava mudando
por intermédio das forças políticas, econômicas e religiosas.
Quando o livro "Os Vestígios da História Natural da Criação" foi publicado
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anonimamente em Londres, em 1844, juntou todos esses sistemas de mutação – Universo,
Terra, plantas, animais e o homem – num todo em desenvolvimento. Tudo acontecia por
estágios e até mesmo os graus da mente eram "meros estágios do desenvolvimento". O
livro "Vestígios" causou sensação, mas recebeu uma pesada crítica dos cientistas
profissionais. [...] A ciência pobre de "Vestígios" era fácil de rejeitar, mas esta não era a
verdadeira causa da inquietação que havia criado. A causa verdadeira era o desagrado por
uma "teoria da mudança", e uma teoria da mudança que tinha a temeridade de, nela, incluir
o homem. O livro "Vestígios" teve quatro edições nos primeiros seis meses e foi discutido e
satirizado tanto por cientistas como por artistas.
Tanto Darwin, como Wallace, leram "Vestígios" e, embora Darwin tivesse
confessado que não achava graça nele, admitiu que era bem escrito, que fora mais falado do
que qualquer trabalho recente e fora, na verdade, atribuído a ele (Darwin). Wallace
considerou-o uma "hipótese engenhosa".
"Vestígios" foi seguido do artigo de Herbert Spencer, no jornal "Leader", intitulado
"A Hipótese do Desenvolvimento" (1850), no qual argumentava energicamente em favor de
uma doutrina da evolução. Ele reuniu fatos de geologia e os novos estudos de embriologia –
que estavam sendo realizados na Alemanha – e concluiu que os fatos existiam para dar
corpo a uma teoria da mudança orgânica.
Darwin vinha preparando um livro – provisoriamente intitulado "Seleção Natural" –
há anos. É difícil precisar desde quando, porque Darwin sempre trabalhava em vários
projetos ao mesmo tempo.
[...] Num dia decisivo – 18 de junho de 1858 – Darwin recebeu um artigo do
Arquipélago Malaio. Achava-se em casa, em Kent, e Wallace estava em sua cabana, nas
Molucas. Os dois haviam conjecturado sobre o "problema das espécies". Darwin fizera
comentários nos seus cadernos de anotações, de 1839 em diante. Wallace discutira o
problema com o seu amigo H. Bates, onze anos antes de enviar a Darwin o seu artigo
"Sobre a Tendência das Variedades de Partirem Indefinidamente do Tipo Original". Mas,
quando Darwin recebeu esse artigo das Molucas – descrevendo em poucas palavras o que
ele próprio se propunha a discutir em dez volumes – foi como "um raio vindo do céu". [...]
O artigo argumentava que as espécies haviam se ramificado de outras espécies. [...]
Passaram-se dois anos até Wallace receber um comentário encorajador. Na sua primeira
carta a Wallace, Darwin escreveu que concordava com a verdade de quase todas as palavras
da publicação e que ele mesmo andara pensando sobre as mesmas coisas. Mas não contou a
Wallace que havia escrito, porém não publicado, um ensaio de 230 páginas sobre o assunto,
em 1844. [...] Parte desse manuscrito de Darwin e uma carta escrita para o botânico
americano, Asa Gray, em setembro de 1857, foram preparadas – juntamente com uma
comunicação de 1858, de Wallace – para a Sociedade Linneana.
"Que grande estupidez não ter pensado nisso!" – disse Huxley, em Londres; mas, na
Sociedade Geológica de Dublin, o Rev. Samuel Haughton esbravejou que "se é o que quer
dizer, isto é um truísmo; se quer dizer alguma coisa a mais, é contrário aos fatos".
O "truísmo" sustentava que "pode ser comprovada" a existência de "um poder
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infalível em funcionamento na seleção natural" [...] e que "a vida dos animais selvagens é
uma luta pela existência [...] mas se ocorrer alguma alteração das condições físicas na
região [...] a variedade superior, então, permanecerá sozinha [...] aqui, e então, teremos
progresso e diferenciação contínua.
A "Origem das Espécies" causou tumulto. [...] Diferentemente do autor de
"Vestígios", Darwin era um cientista com anos de experiência em geologia, botânica,
zoologia, e tinha consigo todo o trabalho de campo da viagem no Beagle (Galápagos).
Darwin foi impecavelmente preciso e havia reunido quase 500 páginas de fatos. Esses fatos
iriam mostrar não apenas que a evolução orgânica havia ocorrido, mas, também, como ela
havia ocorrido: a seleção natural. Os números da população natural permaneciam mais ou
menos constantes: era criada uma prole maior que a requerida para a manutenção da
população; as proles diferiam umas das outras, e apenas as que se adaptavam ao meio
ambiente sobreviviam para reproduzir a geração seguinte, e se o meio ambiente mudava,
selecionava sobreviventes diferentes.
Afora a raça humana, os animais não pareciam estar superpovoando o mundo. Os
ovos das moscas eram comidos ou destruídos de outra forma, a maior parte das sementes
não germinava e até mesmo a cria dos elefantes estava sujeita a catástrofes. A seleção era o
meio ambiente: o clima, o solo, a comida disponível, e o predador. Este eliminava os
indivíduos menos adaptados. Os galos silvestres de melhor aparência eram selecionados
pelas aves de rapina e as ameixas vermelhas sucumbiam mais à doença do que as amarelas.
Não havia nenhum plano no processo de seleção, nenhum objetivo final. Um mesmo
elemento podia ser favorecido sob uma série de condições e desfavorecido pela seleção sob
outras.
A teoria Darwin-Wallace foi a primeira a fornecer um mecanismo satisfatório para a
evolução. Ela foi para as ciências biológicas o que a revolução coperniciana foi para as
ciências cosmológicas: uma hipótese que estimulou a experimentação e a observação, uma
hipótese cujas repercussões foram sentidas por toda a sociedade, porque o mundo, a partir
daí, jamais pareceria o mesmo. Exatamente como a Terra fora removida do centro do
Universo, assim também o homem fora banido do centro da vida.
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