EXISTE INFLUÊNCIA DA GRAVIDADE SOBRE A VELOCIDADE DE CAPTURA DE PRESAS NA ARANHA CYCLOSA FILILINEATA (ARANEAE, ARANEIDAE)? Gustavo R. Mazão INTRODUÇÃO Entre as diversas estratégias de captura de presas existentes está a estratégia de senta-e-espera (Viera et al. 2007), que oferece benefícios aos predadores devido ao pequeno gasto energético (Riechert & Luczak 1982) e custos devido ao longo tempo de espera de suas presas (Wise 1993). Esse tipo de estratégia consiste no comportamento dos predadores de aguardar suas presas em pontos estratégicos até que estas passem, para neste momento apanhá-las, economizando o gasto energético da procura e da perseguição. As aranhas construtoras de teias provavelmente constituem o grupo de predadores que melhor ilustra essa estratégia de predação, merecendo destaque em seu papel ecológico como predadores (Foelix 1982). As aranhas podem ser ecologicamente classificadas em dois grupos: aranhas errantes, que procuram ativamente suas presas e aranhas sedentárias que, em sua maioria, produzem teias para interceptar suas presas (Gray 1978). As aranhas construtoras de teias orbiculares, em geral, constróem teias assimétricas, sendo na maior parte das vezes a região inferior maior que a superior (Sendoda et al. 2007). Uma hipótese para explicar essa assimetria é que o deslocamento das aranhas é mais rápido na descida da teia do que na subida, devido ao auxílio da gravidade. Desse modo, a aranha investiria mais na construção da parte inferior da teia, onde seu deslocamento é facilitado pela gravidade. Portanto, uma premissa dessa hipótese é que exista diferença entre as velocidades de descida e subida das aranhas em suas teias, sendo a velocidade de descida maior que a velocidade de subida. As aranhas da espécie Cyclosa fililineata (Araneidae) apresentam a parte inferior da teia maior que a superior, e constróem suas teias em um ângulo perpendicular ao chão e, portanto, são consideradas um bom modelo de estudo para se testar a hipótese da maior velocidade no deslocamento para baixo. O objetivo do presente trabalho foi testar se existe diferença entre as velocidades de subida e descida das aranhas C. fililineata ao realizarem capturas de presas. MATERIAIS E MÉTODOS Foram coletados em uma área de restinga baixa no Parque Estadual da Ilha do Cardoso (25°03’S; 47°53’W), 28 indivíduos (adultos e jovens) de C. fililineata. As aranhas foram coletadas e mantidas vivas durante três dias em cativeiro, onde foram colocadas individualmente em galhos secos que simulavam a vegetação. No primeiro dia não foram realizados testes com as aranhas para que estas se estabelecessem e construíssem suas teias. Após o período de estabelecimento e construção das teias, as aranhas foram estimuladas a realizarem ataques sobre pernilongos (Diptera: Culicidae) que eram introduzidos na teia com uma pinça. As presas eram colocadas, uma em cada teia, em pontos do eixo central que se estende do ponto mais alto ao mais baixo da teia, passando pelo centro. Depois que a presa era colocada na teia, eram medidos a distância percorrida e o tempo gasto pela aranha até sua chegada na presa. Cada aranha foi testada duas vezes, sendo aguardado um período de 24 h entre os experimentos para que as aranhas reconstruíssem suas teias, que haviam sofrido danos oriundos da introdução da presa. A orientação no eixo (acima ou abaixo do centro) em que a presa iria ser colocada era sorteada para cada aranha em cada um dos experimentos antes do experimento. Os casos em que não houve resposta por parte das aranhas foram descartados da análise. A velocidade média de cada aranha foi calculada através da fórmula Vm=Dd/Dt (Vm = velocidade média; Dd = deslocamento; Dt = tempo). Para se comparar a diferença entre as velocidades de subida e descida das aranhas foi realizado um teste-t e, posteriormente, uma análise de regressão entre as velocidades médias de subida e descida e as respectivas distâncias percorridas pelas aranhas. RESULTADOS Foram analisadas 28 aranhas, sendo obtido um total de 27 observações, 12 de subida e 15 de descida. A 1 diferença entre o número de aranhas e observações se deu porque diversas vezes as aranhas não se deslocaram até suas presas. As médias e desvios padrões das velocidades de subida e descida foram 1,99 ± 1,05 cm/s e 2,27 ± 1,09 cm/s, respectivamente (Fig. 1), não havendo diferença significativa entre essas velocidades (t=0,67; g.l.=25; p=0,92). Figura 1. Representação dos dados de velocidade média para subida e descida das aranhas C. fililineata (? média; ? - erro padrão; I - desvio padrão; ? - pontos extremos). Na análise dos dados de velocidade de subida das aranhas, o modelo que melhor se ajustou aos dados foi um polinomial quadrático (R2 = 0,89; Fig. 2A). Já os dados de velocidade de descida não apresentaram nenhuma relação significativa com a distância em nenhum dos modelos de regressão (Fig. 2B), tanto o linear (F=3,17; p=0,09) quanto o polinomial quadrático (F=1,75; p=0,21). Foi observado que, durante a execução do experimento, em alguns casos no qual a presa era introduzida na parte superior da teia, as aranhas sacudiam suas teias de modo que a presa se desprendia e caía para mais próximo de onde a aranha se encontrava. Nos casos em que as presas eram introduzidas na parte de baixo da teia as aranhas muitas vezes realizavam o deslocamento com breves pausas, retardando o movimento de descida. DISCUSSÃO É comum encontrar assimetria nas teias orbiculares, de forma que geralmente a parte inferior é maior que a superior (Herberstein & Heiling 1999). A aranha Cyclosa fililinata não foge a este padrão (Sendoda et al. 2007). Porém, a hipótese de que a velocidade que as aranhas atingem na descida seria maior do que na subida foi rejeitada neste trabalho. Como foi observado, não há diferença significativa entre as Figura 2. Relação entre os dados de velocidade média (Vm=Dd/Dt) de subida (A) e descida (B) das aranhas Cyclosa fililineata, em função da distância percorrida até sua presa. velocidades médias de subida e descida das aranhas em suas teias. Adicionalmente, existem diferentes padrões de comportamento de subida e descida em C. fililineata. O padrão observado de subida das aranhas em suas teias provavelmente decorre do fato dos estímulos mais distantes indicarem a necessidade de um rápido deslocamento. Nesse caso, como a velocidade depende apenas da força empregada pela aranha (e não da gravidade), os estímulos oriundos de presas na periferia da teia devem estimular que a aranha se desloque com maior velocidade. A ausência de padrão para os valores observados de velocidade de descida pode ser explicada pelo fato dos indivíduos agirem de forma a retardar o movimento, parando brevemente durante o movimento descendente. Como no movimento de descida são somadas a força aplicada pela aranha e a força gravitacional, faz-se necessário que os indivíduos retardem seu movimento para não perder o controle do movimento, e acabar ultrapassando suas presas. O comportamento de retardar a descida também pode estar associado à economia de energia, tendo em vista que o movimento para subjugar as presas demanda um alto gasto de energia, que não pode ser dispensada com erros de ataque. De maneira análoga, o comportamento de sacudir a teia para que as presas captura2 das na parte de cima da teia caiam mais próximas da aranha provavelmente está associado à economia de energia durante a predação. Sabendo que existe interferência da força gravitacional sobre o deslocamento de C. fililineata, sugiro a realização de trabalhos futuros para elucidar a mecânica de tração de subida e descida dessas aranhas em suas teias. Tais trabalhos ajudariam a compreensão das diferentes respostas (subida e descida na teia) da C. fililineata e sua relação com a força gravitacional. Esses estudos são muito importantes para fundamentar hipóteses explicativas sobre a construção de teias assimétricas por aranhas. M.O.; Santos, A.J. & Japyassú, H.F., eds.). Editora Interciência, Rio de Janeiro. Wise, D.H. 1993. Spiders in ecological webs (Wise, D.H., ed.). Cambridge University Press, Melbourne. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os coordenadores do Curso de Campo por terem possibilitado minha presença no curso e, conseqüentemente, a realização deste trabalho. Também agradeço a todos os alunos do curso que proporcionaram um excelente ambiente de trabalho, em especial a Liliam, Tiago e Victor que me ajudaram na coleta das presas utilizadas, e também a Denise pelo auxílio na coleta das aranhas. BIBLIOGRAFIA Foelix, R.F. 1982. Lomomotion and Prey Capture, pp148-171. In: Biology of spiders (Foelix, R.F. ed.). Harvard University Press, Cambridge. Gray, M.R. 1978. Spider webs, pp. 109-148. In: Biology of spiders (Foelix, R.F. ed.). Harvard University Press, Cambridge. Herberstein, M.E. & Heiling, A.M. 1999. Asymmetry in spider orb webs: a result of physical constraints? Animal Behaviour 58: 1241-1246. Ricklefs, R.E. 2003. A economia da natureza. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. Riechert, S.E. & Luczak, J. 1982. Spider foraging: behavioral responses to prey, pp. 353-385. In: Spider communication: mechanisms and ecological significance (Witt, P.N. & Rovner, J.S., eds.). Princeton University Press, Princeton. Sendoda, A., Pinotti, B., Mazão, G. & Pinto, L. Existe uma relação entre inclinação e simetria de teias em aranhas orbitelas? Livro curso de campo “Ecologia da Mata Atlântica”. Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas. Viera, C., Japyassú, H.F., Santos, A.J. & Gonzaga, M.O. 2007. Teias e forrageamento, pp. 45-65. In: Ecologia e comportamento de aranhas (Gonzaga, 3