Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul O PAPEL DO GÊNERO NA ALTERNÂNCIA ENTRE OBJETO NULO E PRONOME PLENO EM PORTUGUÊS BRASILEIRO Sergio MENUZZI (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -PUCRS) Susana CREUS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -PUCRS) ABSTRACT: This paper proposes to reduce the role of the features [±animate] and [±specific] in the choice between null objects and full pronouns in Brazilian Portuguese to a unique opposition: antecedents with semantic gender vs. antecedents with no semantic gender. Results from a judgment test provide evidence in favor of the correlations “with an antecedent with no semantic gender, choose a null object” and “with an antecedent with semantic gender, choose a full pronoun”. KEYWORDS: syntax of Brazilian Portuguese; null objects; animacy; specificity; semantic gender. 0. Introdução: Como é bem sabido da literatura sobre a sintaxe do português falado no Brasil [PB] (ver Galves 1984, 1987, Duarte 1989, 1993, Farrell 1990, Kato 1993, Cyrino 1994, Cyrino, Duarte e Kato 2000, entre outros), o sistema de anáfora desta língua permite duas opções quando se trata de retomada anafórica de 3a. pessoa na posição de objeto verbal: pode-se utilizar um “pronome pleno” [PP], isto é, uma das formas retas (ele, ela, etc.), como em (1a) abaixo; ou pode-se utilizar um “objeto nulo” [ON], isto é, simplesmente não preencher a posição de objeto, como em (1b): (1) a. Sabe a Maria? Eu encontrei ela ontem no cinema. b. Você já ouviu falar do último filme do Almodóvar? Eu fui ver __ ontem e achei __ meio chato. Como Duarte (1989) e Cyrino (1994) mostram, um dos fatores que parece condicionar fortemente a escolha entre ONs e PPs no PB é traço [±animado] do antecedente. Podemos ver este efeito nos exemplos em (1): em (1a), em que o antecedente do elemento anafórico é Maria – cujo referente é [+animado] –, a forma preferencial é o PP ela, e a opção nula de fato tornaria a frase pouco natural; em (1b), por outro lado, o antecedente é [–animado], e a opção nula é, nitidamente, a mais natural. Além do traço de animacidade, Cyrino (1994) sustenta que o traço de especificidade do antecedente também seria relevante. Como veremos, entretanto, o efeito do traço de especificidade é menos claro. Em função disso, neste trabalho procuramos verificar uma hipótese alternativa, na qual os efeitos claros do traço de animacidade pode ser previstos e, ao mesmo tempo, os aspectos relevantes dos efeitos do traço de especificidade. A hipótese que procuramos verificar é a de que o papel destes dois traços pode ser reduzido a uma oposição única: à oposição entre antecedentes que possuem ou não “gênero semântico” (isto é, que denotem ou não indivíduos com sexo natural específico). Especificamente, a correlação que esperamos é a seguinte: se o antecedente é não possui gênero semântico, o objeto nulo é usado; se o antecedente possui gênero semântico, o pronome pleno é usado. Para verificar a existência desta correlação, analisamos dados que obtivemos com a aplicação de um teste de julgamento a alunos do mestrado da PUCRS. Como veremos, nossos resultados indicam que, em todos os casos em que o antecedente possui gênero semântico identificável, as ocorrências dos pronomes plenos lideram com ampla vantagem. Isso fornece evidência a favor de nossa hipótese. 1. Gênero gramatical versus gênero semântico: Antes de discutirmos a distribuição de ONs e PPs em PB, gostaríamos de assentar brevemente as bases de nossa hipótese; em particular, gostaríamos de esclarecer o que entendemos por “gênero semântico”, por oposição a “gênero gramatical”. Conforme Mattoso Câmara Jr. (1977 [1999]), “gênero gramatical” é uma categoria mórfica de classificação do nomes (substantivos, adjetivos e outras palavras nominais). Nas línguas indo-européias, os nomes se distribuem em 2 ou 3 classes mórficas associadas ao que se pode chamar de “sexo natural” e, por isso, a classificação gramatical faz uso dos rótulos correspondentes à classificação de “sexo”: há sistemas indo-europeus com a distinção binária masculino/feminino, e há sistemas com uma distinção ternária) neutro/masculino/feminino. Mattoso Câmara explica que a divisão tripartida (neutro, masculino, feminino) é a das antigas línguas clássicas, entre as quais o latim, e seria resultante de uma primeira divisão semântica entre “gênero animado” (seres ativos) e “gênero inanimado” (seres inertes). Ao último corresponde o atual gênero gramatical neutro. Quanto ao “gênero animado”, teria sido posteriormente subdividido em feminino e masculino, resultando na distinção gramatical correspondente. A divisão formal tripartida é ainda encontrada nas línguas eslavas e germânicas, enquanto que a divisão bipartida compreende as línguas românicas derivadas do latim, entre elas o português. No português, os nomes que correspondem a uma classe de seres animados que podem ser divididos nos dois sexos naturais costumam fazer flexão de modo correspondente (ex. gato, masculino; gata, feminino); mas há nomes nesta categoria semântica que só têm um gênero gramatical, independentemente do sexo natural do referente (ex. cônjuge, masculino; testemunha, feminino; águia, feminino); no caso de nomes que denotam uma classe de animais, é possível indicar o sexo pelos termos apostos macho ou fêmea (ex. uma águia macho ou uma águia fêmea) ( cf. Mattoso Camara Jr. 1977). Para fazer as distinções necessárias em português, Mattoso Câmara propõe a seguinte classificação do gênero nominal: a) nomes substantivos de gênero único: (a) flor; (o) amor; b) nomes de dois gêneros sem flexão: ex. (o, a) artista; (o, a) intérprete; c) nomes substantivos de dois gêneros com flexão: (o) mestre, (a) mestra. Como se vê, a classificação de Mattoso Câmara na verdade é uma descrição das relações entre gênero semântico e mórfico. Neste sentido, ele ainda sugere: O masculino é uma forma geral não-marcada, e o feminino indica uma especialização qualquer (jarra é uma espécie de “jarro”; barca um tipo especial de “barco”, como ursa é a fêmea do animal chamado urso, e menina uma mulher em crescimento na idade dos seres humanos denominados como a de “menino” (Mattoso Camara, 1983 [1970]). Com base no exposto e sem pretender entrar em uma descrição mais detalhada da vasta diversidade de formas de masculino e feminino, com suas respectivas desinências e sufixos lexicais que a língua portuguesa apresenta, bem como suas respectivas distinções de significado, introduzimos as seguintes definições operatórias: i) “Gênero gramatical” é a classificação morfossintática dos substantivos, identificando sua classe para fins de concordância gramatical; em português, o gênero gramatical classifica os substantivos em duas subclasses, o “gênero masculino” e o “gênero feminino”, que podem ser marcados pela desinência mórfica do vocábulo, ou somente se manifesta pelo sistema de concordância (ex.: o carro; a mesa; o problema; a mão); ii) “Gênero semântico” é a classificação semântica dos substantivos; aplica-se somente àqueles que denotam classes de seres animados em que se pode identificar o sexo natural do referente; a (ex.: mulher, homem; menino, menina). No entanto, há substantivos que denotam classes incluindo ambos os sexos, em cujo caso não possuem um “gênero semântico” específico (ex. pessoas, gente, habitantes). A partir desta classificação, aplicada à dos antecedentes em frases com retomadas anafóricas, é que fundamentamos nosso trabalho na hipótese de que no português do Brasil, as categorias de gênero [gramatical vs. semântico] do antecedente podem ser consideradas um fator decisivo na ocorrência do objeto nulo e do pronome lexical pleno. Mais detalhadamente, nossa hipótese é: se o antecedente não possui “gênero semântico”, o objeto nulo é usado; se o antecedente tem “gênero semântico identificável”, o pronome pleno é categoricamente usado. A título de ilustração, seguem alguns exemplos onde se combinam os traços de [animacidade, especificidade], com ou sem gênero semântico. Para nossa hipótese, o que importa é a classificação semântica dos substantivos: Inanimados: sem sexo natural, portanto, sem “gênero semântico” Animados sem distinção de “sexo natural”: - com “gênero semântico” porque referente específico: Aquela pessoa é bonita. - sem “gênero semântico” porque referente genérico: As pessoas vivem bem no Brasil. Animados, específicos ou não, com distinção de “sexo natural”: com “gênero semântico” - específicos: Maria, A menina, aquele teu irmão, etc. - não-específicos: uma menina, todo rapaz, etc. Animados não-específicos podem ou não ter “gênero semântico”! Abreviaturas: [+a]: [+animado] [–a]: [–animado] [+e]: [+específico] [–e]: [–específico] [gS]: [gênero semântico] Exemplos: (a) Maria, este senhor, esta mulher (b) um menino, todo garoto [+a, +e] [+a, –e] com [gS] com [gS] (c) muita gente, toda pessoa (d) essa pedra, este carro (e) qualquer árvore, uma sala [+a, –e] [–a, +e] [–a, –e] sem [gS] sem [gS] sem [gS] Podemos observar em (b) a conjunção dos dois tipos de gênero: o gramatical e o semântico, pois tanto na palavra menino como no termo garoto a terminação “o” indica o gênero gramatical masculino, ao mesmo tempo que ambos denotam classes de indivíduos com sexo natural característico (neste caso masculino). Em (c) os substantivos gente e pessoa denotam classes que incluem indivíduos de ambos os “sexos naturais ” (i.e abrangem homens e mulheres), portanto não possuem “gênero semântico” específico. 2. Pronome lexical pleno ou objeto nulo? As análises de Duarte e Cyrino: Duarte (1989), seguindo o modelo de Labov (1972), pesquisou os contextos lingüísticos e extralingüísticos que condicionam a substituição do clítico acusativo de 3a. pessoa pelo pronome lexical (i.e, pronome pleno) ou por um objeto nulo (categoria vazia). Para tal fim selecionou um corpus constituído da fala espontânea de 50 paulistanos nativos, bem como de fala veiculada pela televisão (novelas e entrevistas). A partir da análise deste corpus, isolou as seguintes variantes como as que são normalmente empregadas no PB para a retomada anafórica na posição de objeto: Clítico acusativo1 ; pronome lexical; SNs anafóricos: a) SNs lexicais plenos; b) Com determinante modificado; c) Com demonstrativo isso; Categoria vazia objeto [-]. Identificadas as variantes, a autora investigou seus percentuais de ocorrência, determinando que a categoria vazia atingiu o maior percentual (62,6 %), comparativamente com o clítico (4,9%), o pronome lexical (15,4%) e os SNs anafóricos (17,1%). Tabela 1 - Distribuição dos dados computados segundo a variante usada Variante Clítico Pronome lexical [ −] SNs anafóricos Ocorrências Total % 97 304 1235 338 4,9 15,4 62,6 17,1 1974 100,0 No que concerne ao condicionamento semântico, Duarte identificou o traço [± animado] do objeto como determinante na utilização do clítico ou do pronome pleno: a categoria vazia é fortemente favorecida nos casos de antecedente [-animado], independentemente da estrutura sintática da frase; já o pronome pleno é favorecido por antecedentes [+animados], principalmente em “estruturas complexas” (em que o objeto é seguido por predicativo ou oração). Tabela 2 – Distribuição das variantes usadas segundo o traço semântico do objeto Traço Variantes clítico quant. % [+ animado] [- animado] 76 21 78,4 21,6 281 21 92,4 7,6 99 239 29,3 70,7 Total 97 100,0 304 100,0 338 100,0 1 pronome lexical quant. % SN quant. % [SNe] quant. % 293 942 23,7 76,3 1235 100,0 Cyrino (1993) aponta para a perda concomitante do clítico de 3ª pessoa, relacionando esse fato ao aumento da ocorrência de objetos nulos no PB. (cf. Nunes, 1993 sobre o processo de perda dos clíticos acusativos de terceira pessoa no PB) A tabela mostra como os percentuais registrados de [SNe] nos casos de objeto com traço [animado] com relação aos clíticos nos casos de objeto [+animado], é praticamente o mesmo. Este fato nos leva a pensar que quando o antecedente é [+animado] o pronome lexical lidera, mas a segunda opção de escolha do falante é o clítico; quando o antecedente é [-animado] constata-se a mesma diferença percentual entre a realização da categoria vazia e o clítico. Corrobora-se a evidência do traço animado como fator decisivo na realização das variáveis nos casos das estruturas complexas. Cyrino (1994) em um de seus estudos diacrônicos sobre a queda no uso dos clíticos acusativos no PB, analisou o caráter [± animado] dos antecedentes nas estruturas das frases, complementando o estudo deste traço com o do traço [± específico]; e também descobriu em seus dados que o fator [+animado] favorece fortemente a ocorrência do pronome lexical pleno, sendo o emprego do objeto nulo favorecido nos casos de antecedente [+animado]. O traço [+específico] do antecedente igualmente favoreceu a realização do objeto nulo. Com relação à especificidade, que para Cyrino (1994) é, junto com a animacidade, um outro condicionante da ocorrência de objeto nulo e pronome pleno no português do Brasil, este fator representa o tipo de referência feita pelo sintagma nominal. Quando o SN indica um indivíduo ou entidade particular (ou indivíduos ou entidades) é classificado como [+específico]; caso contrário é [-específico]. Reunindo as tabelas de Cyrino (1994) relativas a objetos nulos vs. preenchidos, com antecedentes classificados pelos traços [± animado] [± específico], observam-se os seguintes percentuais: Tabela 3 – Ocorrência de objetos nulos. Resumo das tabelas 3 e 4 de Cyrino 1994 [+anim,+esp] [+anim,esp] [anim,+esp] [anim, esp] XVI 1% 2,5% 4,9% 7,7% XVII 6,5% 4,25% 2,9% 22,7% XVIII 4,85% 0% 8,1% 6,3% XIX 2,25% 0% 49,3% 8,3% XX 0% 57,1% 86,5% 93% Tabela 4 – Pronomes plenos e objetos nulos classificados conforme os traços ± animado, ± específico século XX) Traço (a) [+ anim, + esp] (b) [+ anim, esp] (c) [- anim, + esp] (d) [- anim, esp] Pronome pleno 100% 57% 13% 7% Objeto nulo -.43% 87% 93% ( Padrão idealizado 100% 50% 0% 0% Pode perceber-se que o fator animacidade é o mais relevante na determinação do uso do pronome lexical pleno e o objeto nulo, conforme está indicado em (a) e (b) em relação a (c) e (d), embora o [± específico] tenha alguma incidência nesta determinação, especialmente no caso dos antecedentes [+animado]: o pronome lexical pleno é usado categoricamente nos casos de antecedente [+animado, +específico], mas também ocorrem em cerca de metade dos casos quando o antecedente é [+ animado, - específico]; já os antecedentes [-animados], pode-se assumir, são quase que categoricamente retomados por nulos. Cyrino parte inicialmente de uma classificação de tipos de antecedente relacionando o traço [±específico], - que qualifica indistintamente como [±referencial] -, com o traço definido vs. indefinido; mas logo, na quantificação dos dados, abandona estas categorias para falar apenas do fator especificidade do antecedente e inclusive resulta pouco claro em quais critérios se baseia para definir como [-específico] o antecedente de alguns exemplos, como ser: Ninguém vende a liberdade. Se pensamos em termos de traço definido vs. indefinido, podemos dizer, que um SN é definido quando denota um(ns) indivíduo(s) ou entidade(s) determinadas (ex. Maria, essa menina, o livro ); é indefinido quando não indica um indivíduo particular, mas apenas a classe à que um ser deve pertencer (ex. todo rapaz, algum menino, uma garota). Agora bem, se pensarmos em termos de traço [±específico], é preciso que se observe a relação entre o caráter [± indefinido] e a especificidade y se revise a noção de referência. 3. Incidência do gênero semântico na realização das variáveis: Com base nos conceitos teóricos de Duarte (1989) e diante da proposta de Cyrino (1994) relativa ao papel dos fatores [± animado, ± específico], pretende- se investigar a hipótese de que as categorias de gênero [semântico x gramatical] do antecedente cumprem um papel de destaque na realização das variáveis (pronome pleno ou objeto nulo). Nosso raciocínio, esquematicamente, é o seguinte: (a) a questão fundamental é explicar o uso de pronomes plenos x nulos para a retomada anafórica na posição de objeto; (b) se não fosse pelos antecedentes [+animado, específico], o contraste seria explicado pelo traço [± animado]: como vemos na tabela 3 acima (item 2.1, p.9), antecedentes [+animado, +específico] exigem, quase categoricamente, o uso de pronomes plenos, e antecedentes [-animado], sejam eles [+específico] ou [específico], quase que categoricamente, requerem o uso de nulos; (c) a questão essencial então é: por que antecedentes [+animados, específicos] permitem pronomes plenos em cerca de 50% dos casos, e nulos nos outros cerca de 50% ? (cf. Tabela 3, Cyrino, 1994); (d) hipótese formulada: o fator decisivo para o uso de pronomes plenos não é [+animacidade], mas o fato de o antecedente ter gênero semântico identificável. Isto explica imediatamente por que [-animados] exigem o uso de nulos; e, no caso dos antecedentes [+animados], o que é decisivo é o comportamento dos antecedentes indefinidos sem gênero semântico identificável, como por exemplo pessoa ou estudante; no caso dos definidos, em geral a informação de gênero semântico estará disponível (cf. o estudante, aquele estudante). Isto é: sistema pronominal do PB semelhante ao do inglês: PRPLs (ele/ela) ~ him/her = antecedentes com gênero semântico; ONs (Ø) ~ it = antecedentes sem gênero semântico. Conseqüência: explica por que [–animados], independentemente do traço [±específico], exigem o uso de ONs; também por que antecedentes [+animados, +específicos] exigem PRPLs. Predição decisiva: antecedentes [+animados, –específicos], mas com gênero semântico definido (p.ex., um menino) ocorrerão com PRPLs; mas antecedentes [+animados, –específicos] sem gênero semântico definido (p.ex., uma pessoa) ocorrerão com ONs. 4. Método: Para o estudo da hipótese que mencionamos, procedeu-se à análise dos dados em duas etapas. Em primeiro lugar foram analisados dados obtidos dos registros do VARSUL, do NURC/RS, bem como de fragmentos de diálogos de crônicas escritas por Luis F. Verissimo, de tal modo que permitissem ilustrar e descrever as formas usadas para a retomada anafórica em posição de objeto direto. Os dados de análise são compostos por ocorrências de duas variantes: (a) objetos nulos, como em: A: Já ouviste falar do “O senhor dos Anéis”? B: Fui verø , mas não gostei; (b) pronomes plenos, como em: A: Soubeste que a Maria está doente? B: Eu fui ver ela; ela está realmente ruim! Em segunda instância, procedeu-se à elaboração de um teste de julgamento, mediante modelos de frases-teste distribuídas em categorias de animacidade, especificidade e tipo de gênero, conforme o antecedente. Este instrumento de pesquisa foi aplicado em alunos da PUCRS, a fim de constatar as ocorrências de pronome lexical pleno e categoria vazia. Esta segunda fase serviu para complementar os dados para a pesquisa, já que os registros acima mencionados (do VARSUL e NURC/RS) ofereceram poucos exemplos que servissem para verificar as suposições teóricas que postulamos, especialmente, no que se refere à ocorrência de retomadas anafóricas com antecedentes [+animados, -específicos]. Os dados submetidos à análise foram obtidos de registros da fala espontânea de um informante do VARSUL, de sexo feminino, com menos de 50 anos de idade, e 2° Grau completo. Os dados analisados dos registros do NURC/RS correspondem a dois informantes do sexo feminino; uma delas com 27 anos de idade, de profissão psicóloga, e a outra informante, na faixa etária entre 36 e 55 anos, professora. Estes corpora foram complementados com fragmentos de diálogos extraídos das crônicas de Luis Fernando Verissimo.2 A escolha de Verissimo não foi aleatória; levou-se em consideração o fato de tratar-se de um escritor cuja obra procura refletir a fala espontânea do português do Brasil, mais especificamente do Rio Grande do Sul. Foram transcritas destes corpora escolhidos todas as situações em que aparecem as formas utilizadas para a retomada anafórica em posição de objeto direto. Foram excluídos os casos de topicalização em que o nulo pode não ser pronominal, bem como os de elipse verbal (cf. Raposo, 1986). Complementou-se esta primeira etapa de análise com um teste de julgamento contendo frases teste distribuídas em categorias de animacidade, especificidade e tipo de gênero, conforme o antecedente. Este instrumento de pesquisa foi aplicado em treze alunos do Curso de Pós-graduação em Letras da PUCRS (Lingüística Aplicada). 2 Atitude Suspeita; Dezesseis chopes; Incidente na casa do ferreiro, todas elas do livro O Gigolô das Palavras, Porto Alegre: L&PM Editores, 1982; a charge As aventuras da família Brasil; A famosa Samanta, Revista ZH, 8 de abril 2001; Excursionistas, da série “Poesia numa hora destas?”, Revista ZH, 1º de abril 2001. 4.1 Instrumento utilizado na segunda etapa da análise dos dados: O modelo aplicado a alunos da PUCRS, que foi o instrumento de pesquisa usado para complementar a análise dos dados obtidos dos registros do VARSUL e do NURC/RS, consistiu em um teste de julgamento, com frases-teste com antecedentes caracterizados segundo os traços de animacidade, especificidade e gênero semântico. Sujeitos: 13 alunos do mestrado da PUCRS. Objetivo: constatar ocorrências de PRPLs ou ONs de acordo com o tipo de antecendente. Instrumento Marque a opção que você considera a mais natural, espontânea e usual na conversação coloquial. Se as duas possibilidades forem igualmente boas, marque ambas. Exemplo: a) Quando eu vejo alguma pessoa cega querendo atravessar a rua, eu ajudo ela. b) Quando eu vejo alguma pessoa cega querendo atravessar a rua, eu ajudo. ? ? Frases-teste a) b) c) d) e) f) g) Quando eu vejo alguma pessoa cega querendo atravessar a rua, eu ajudo {__/ela}. Sabe que ontem Maria encontrou um menino chorando e consolou {__/ele}. Toda vez que o Márcio percebe que sua filha teima, ele repreende {__/ela}. Olha aqui: se eu me deparasse com uma menina bem bonita, eu beijava {__/ela}. Quando aquele rapaz loiro passou por aqui, a minha prima cumprimentou {__/ele}. Se eu encontrar um profissional capaz de fazer isso, eu contrato {__/ele}na hora. Quando viu alguns turistas que estavam jogando lixo nas ruas, o policial xingou {__/eles}. Realizou-se o experimento com 13 (treze) alunos jovens do Curso de Pós-graduação em Letras (Lingüística Aplicada) da PUCRS. O instrumento de aplicação estava constituído de 7 (sete) exemplos, de 2 (duas) formas de frase-teste cada um, selecionadas de tal modo a apresentar as condições propícias para detectar a tendência do aluno na escolha da forma de pronome pleno ou categoria vazia em substituição do antecedente, como objeto direto. Aplicou-se o instrumento de avaliação seguindo indicações previamente estabelecidas: as respostas tinham que ser individuais, devia-se centrar a atenção do aluno no uso do português coloquial e na forma oral, indicando que cada um repetisse para si mesmo oralmente os três tipos de enunciados de cada exemplo e logo marcasse com um (x) aquele que considerava ser o mais usual na conversação do dia-a-dia, insistindo no aspecto espontâneo da comunicação. A idéia era que os alunos dispusessem de apenas uns minutos para realizar o teste, e evitar assim ao máximo qualquer preocupação com a gramática normativa. Achou-se oportuno explicar a proposta real do teste, assinalando que o que contava para este tipo de pesquisa era precisamente a evolução das formas faladas do português do Brasil, nas situações dialogais entre os jovens. Para fins de classificação das respostas, as frases -teste usadas foram agrupadas respeitando as categorias que constam no seguinte quadro: Quadro 1 – Distribuição das frases-teste por categorias de antecedente categorias [+a, –e, sem gS] [+a, –e, com gS] [+a, +e, com gS] [+a, –e, sem gS] 5. Resultados antecedentes alguma pessoa cega, um profissional um menino, uma menina sua filha, aquele rapaz alguns turistas frases-teste a) e f) b) e d) c) e e) g) Tabela 5 – Ocorrências de PRPLs e ONs segundo o tipo do antecedente frases-teste objeto nulo pronome pleno total ocorrências a) e f): [+a, –e, sem gS] 24 (64.9%) 13 (35.1%) 37 b) e d): [+a, –e, com gS] 9 (29.0%) 22 (71.0%) 31 c) e e): [+a, +e, com gS] 8 (25.8%) 23 (74.2%) 31 g): [+a, –e, sem gS] 9 (56.3%) .7%) 16 5.1 Discussão: (i) nas frases -teste a) e f), com antecedentes [+animados] mas sem gênero semântico, as ocorrências de ONs (64.9%) são quase o dobro das de PRPLs (35.1%); confirma parcialmente a hipótese! (ii) em b) e d), com antecedentes [+animados, –específicos] mas com gênero semântico, o uso de PRPLs (74.2%) é quase o triplo de ONs (25.8%); confirma parcialmente a hipótese! (iii) em c) e e), com antecedentes [+animados, +específicos] e, é claro, com gênero semântico, a distribuição é semelhante a de b) e d): PRPLs com 71% de ocorrência, contra ONs com 29%; idem! Importante: praticamente não há diferença entre antecedentes [+animados, +específicos] e [+animados, –específicos] com gS: ambos favorecem fortemente o uso de PRPLs; ao contrário, antecedentes [+animados, –específicos] sem gS apresentam o padrão inverso, favorecendo o uso de ONs!! O que foi caso inesperado: (i) Distribuição não apresenta a “polarização extrema” que esperávamos! Talvez, problema com experimento; talvez, outros fatores também entrem em jogo; a verificar: estudo de corpus! (ii) resultados da frase g), em que as ocorrências do ONs (56.3%) e PRPLs (43.7 %) quase não apresentam diferença; nossa expectativa é que ONs fossem favorecidos. Uma possível explicação: embora o substantivo turista, no plural, não possua “gênero semântico”, no singular ele possui (cf. o turista vs. a turista), interferindo nos resultados. 6. A Modo de Conclusão: Os resultados obtidos no teste aplicado aos 13 estudantes de pós-graduação da PUCRS permitiu constatar que as ocorrências do PRPL lideram com vantagem em todo os exemplos em que aparece o gênero semântico identificável. Em particular, os resultados mostram que, de fato: a) antecedentes [+animados, –específicos] se comportam com [+inanimados] quando não possuem gênero semântico (favorecem fortemente ONs); e b) se comportam como [+animados, +específicos] quando possuem gênero semântico (favorecem fortemente PRPLs). Estes resultados indicam que nossa hipótese tem fundamento. Concluímos que os efeitos das distinções [±animado] e [±específico] não são os fundamentais, mas derivados dos efeitos acionados pela presença ou não de gênero semântico. Esperamos que outros resultados venham a corroborar esta conclusão; em particular, estudos de corpus devem mostrar uma “polarização” mais forte do que a que obtivemos com nosso experimento. Se nossa conclusão estiver correta, acreditamos que será necessário rever várias das sugestões correntemente aceitas sobre a natureza dos ONs em PB (p.ex., quanto à análise semântica, ver Raposo 1986, Bianchi & Figueiredo Silva 1994, Cyrino 1994, entre outros; quanto à evolução dos ONs em PB, ver Nunes 1993, Cyrino 1993, 1994, entre outros). RESUMO: A proposta do trabalho é a de reduzir o papel dos traços [±animado] e [±específico] na alternância entre objetos nulos e pronomes em PB a uma única oposição entre antecedentes com ou sem gênero semântico. Resultados com experimento de julgamento fornecem evidência a favor das correlações “para antecedente sem gênero semântico, objeto nulo” e “para antecedente com gênero semântico, pronome pleno”. PALAVRAS-CHAVE: sintaxe do português brasileiro; objetos nulos; animacidade; especificidade; gênero semântico. ANEXO I Modelo de Teste Marque a opção que você considera a mais natural, espontânea e usual na conversação coloquial. Se as duas possibilidades forem igualmente boas, marque ambas. Exemplo a) A) Quando eu vejo alguma pessoa cega querendo atravessar a rua, eu ajudo ela. B) Quando eu vejo alguma pessoa cega querendo atravessar a rua, eu ajudo. Exemplo b ) A) Sabe que ontem Maria encontrou um menino chorando e consolou. B) Sabe que ontem Maria encontrou um menino chorando e consolou ele. Exemplo c) A) Toda vez que o Márcio percebe que sua filha teima, ele repreende ela. B)Toda vez que o Márcio percebe que sua filha teima, ele repreende. Exemplo d ) A) Olha aqui: se eu me deparasse com uma menina bem bonita, eu beijava ela!! B) Olha aqui, se eu me deparasse com uma menina bem bonita, eu beijava!! Exemplo e) A) Quando aquele rapaz loiro passou por aqui, a minha prima cumprimentou. B) Quando aquele rapaz loiro passou por aqui, a minha prima cumprimentou ele Exemplo f) A) Se eu encontrar um profissional capaz de fazer isso, eu contrato ele na hora. B) Se eu encontrar um profissional capaz de fazer isso, eu contrato. Exemplo g) A) Quando viu que alguns turistas que estavam jogando lixo nas ruas, o policial xingou eles. B) Quando viu que alguns turistas que estavam jogando lixo nas ruas, o policial xingou.. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cyrino, Duarte e Kato 2000 BIANCHI, V. & FIGUEIREDO SILVA , M.C. On Some Properties of Agreement-Object in Italian and in Brazilian Portuguese. In M. Mazzola, ed., Issues and theory in Romance languages XXIII. Washington DC, Georgetown University Press, 1994. CYRINO, S.M. O objeto nulo no português do Brasil: um estudo sintático-diacrônico. 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