Família: Sociedade coloca conceito do fenômeno

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Família: Sociedade coloca conceito
do fenômeno em disputa
1º.jul.2014 - O chargista Que Mário? brinca com o beijo gay apresentado na novela "Em Família" (Globo)
Qual é a definição correta de família? Existe um conceito correto? As definições antigas dão conta da diversidade que a
sociedade contemporânea vivencia em suas relações?
Para muitos essa é uma questão polêmica. No Brasil, o tema ganhou destaque após o site da Câmara dos Deputados colocar
no ar uma enquete que questiona se você é a favor ou contra o conceito de família como núcleo formado “a partir da união
entre homem e mulher”, prevista no projeto de Lei 6583/13, do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), que cria o Estatuto da
Família.
O deputado argumenta que “a família vem sofrendo com as rápidas mudanças ocorridas em sociedade” e, no texto do projeto,
apresenta diretrizes de políticas públicas voltadas para a entidade familiar e obriga o poder público a garantir as condições
mínimas para a “sobrevivência” desse núcleo. A proposta dele define família como o núcleo formado a partir da união entre
homem e mulher, por meio de casamento, união estável ou comunidade formada pelos pais e seus descendentes.
A família é um fenômeno social presente em todas as sociedades e um dos primeiros ambientes de socialização do indivíduo,
atuando como mediadora principal dos padrões, modelos e influências culturais; se define em um conjunto de normas, práticas
e valores que têm seu lugar, seu tempo e uma história.
Muitos fatores contribuem para dar forma ao que reconhecemos como família: as normas e ações impostas pelo Estado
(quando ele beneficia determinado tipo de família em questões legais, previdenciárias, acaba legitimando este tipo e
desestimulando outros) , as relações trabalhistas (quando as oportunidades no mundo do trabalho moldam as escolhas feitas
pelos indivíduos na vida pessoal), o âmbito da sexualidade e afetos, as representações dos papéis sociais de mulheres e
homens, da infância e das relações entre adultos e crianças, a delimitação do que é pessoal e privado por práticas cotidianas,
e as leis. Tudo isso interfere na vida doméstica e molda os papéis de homens e mulheres dentro e fora de casa.
No Brasil, o conceito de família teve diferentes abordagens. Na Constituição Federal de 1967, anterior ao regime democrático,
o artigo 167 descrevia que “a família é constituída pelo casamento". Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o
conceito de família foi ampliado e passou a ser entendido como “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes”.
Pelo Novo Código Civil Brasileiro, instituído em 2003, a família deixou de ser aquela constituída unicamente através do
casamento formal, ou seja, composta de marido, mulher e filhos. No Código de 1916, em vigência anteriormente, o casamento
definia a família legitima e legitimava os filhos comuns.
O novo código reconhece que a família abrange as unidades familiares formadas pelo casamento civil ou religioso, união
estável ou comunidade formada por qualquer dos pais ou descendentes, ou mãe solteira. O conceito de família passou a ser
baseado mais no afeto do que apenas em relações de sangue, parentesco ou casamento.
Já o IBGE, para realizar o Censo em 2010, definiu como família o grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco que vivem
numa unidade doméstica. Essa unidade doméstica pode ser de três tipos: unipessoal (quando é composta por uma pessoa
apenas), de duas pessoas ou mais com parentesco ou de duas pessoas ou mais sem parentesco entre elas.
O levantamento fez um retrato da família brasileira: na maioria das unidades domésticas (87,2%) as famílias são formadas por
duas ou mais pessoas com laços de parentesco. As pessoas que vivem sozinhas representam 12,1% do total e as pessoas
sem parentesco são 0,7%. Na comparação entre 2000 e 2010, houve um crescimento na proporção pessoas morando
sozinhas (antes de 9,2%) e de famílias tendo a mulher como responsável (de 22,2% para 37,3%), fato que ocorre,
principalmente, pela emancipação e ingresso da mulher no mercado de trabalho.
Especialistas e intelectuais afirmam que não há um conceito único de família e que ele permanece aberto, em construção, e
deve acompanhar as mudanças de comportamento, religiosas, econômicas e socioculturais da sociedade. Alas mais
conservadoras da sociedade e de diferentes religiões não compartilham dessa visão e mantém o entendimento de que o fator
gerador da família é o casamento entre homem e mulher, os filhos gerados dessa união e seus demais parentes.
Mas, com o passar do tempo, novas combinações e formas de interação entre os indivíduos passaram a constituir diferentes
tipos de famílias contemporâneas: a nuclear tradicional (um casal de homem e mulher com um ou dois filhos, sendo a relação
matrimonial ou não); matrimonial; informal (fruto da união estável); homoafetiva; adotiva; anaparental (sem a presença de um
ascendente); monoparental (quando apenas um dos pais se responsabiliza pela criação dos filhos); mosaico ou pluriparental (o
casal ou um dos dois têm filhos provenientes de um casamento ou relação anterior); extensa ou ampliada (tem parentes
próximos com os quais o casal e/ou filhos convivem e mantém vínculo forte); poliafetiva (na qual três ou mais pessoas
relacionam-se de maneira simultânea); paralela ou simultânea (concomitância de duas entidades familiares), eudomonista
(aquela que busca a felicidade individual), entre outras.
O principal desafio é reconhecer a legitimidade desses novos tipos de famílias, que precisam dessa oficialização para ter seus
direito jurídicos, previdenciários, entre outros, garantidos. Quando o Estado e a sociedade não reconhecem essas famílias
como legítimas (por diferentes motivos), devido ao conflito entre os valores antigos e o estabelecimento de novas relações,
acabam estimulando alguns modos de vida e desestimulando outros. No entanto, isso acaba oferecendo proteção e vantagens
para uns em detrimento de outros.
“A ideia de que a família corresponde ao casamento, heterossexualidade e procriação determinou por muito tempo a fronteira
da legitimidade das famílias”, comenta a autora Flávia Biroli no livro Família – Novos Conceitos, ao falar da noção moderna de
família.
Segundo ela, a ruptura, ainda que parcial dessa idealização do conceito de família é resultado da ação de movimentos sociais,
feministas e LGBT, e de juristas e políticos que entenderam que os direitos individuais incluem o direito de casar-se e o serem
beneficiados com as vantagens relacionadas ao casamento nas nossas sociedades.
Além da diversidade de tipos de família na nossa sociedade, ainda precisamos compreender a realidade de outros países e
culturas (principalmente as não ocidentais), onde muitas vezes um comportamento que é proibido em nosso território, é
permitido. Entre esses comportamentos estão a exogamia (união de membros de grupos diferentes, como japonês com alemã,
italiano com africana, etc), a endogamia (união entre parentes ou pessoas com a mesma ascendência), a bigamia, o incesto, a
poligamia, entre outros.
Se voltássemos a Idade Média, veríamos que não eram incomuns casos de reis e rainhas europeus que se casando com
primos e irmãos para manter unidos seus reinos e fortunas. No caso da poligamia, um casamento que engloba dois ou mais
parceiros, trata-se de uma prática que vem de culturas e religiões antigas, em muitos casos, iniciada pelo fato de existirem
mais mulheres do que homens.
Na África, por exemplo, a poligamia para os homens é permitida e reconhecida legalmente em muitos países, como Líbia,
Marrocos, Quênia, entre outros. Na África do Sul a poligamia é um direito que está na Constituição. Qualquer homem sulafricano pode ser casado com até quatro mulheres. Todas recebem o sobrenome do marido e têm os mesmos direitos perante
a lei.
No caso da poligamia para mulheres (chamada poliandria), por muitos séculos ela foi praticada no isolado Vale Lahaul, no
Himalaia, na Índia. Ali, era muito comum o casamento de irmãos com a mesma mulher, por exemplo. Essas famílias eram
pequenas, como o trabalho não era distante não havia muito contato com outras aldeias. Hoje, com o desenvolvimento do
local, o crescimento econômico e os avanços tecnológicos, o vale antes isolado ganhou estradas, telefones, e a população
pode se deslocar, trabalhar longe e almejar outra vida. As famílias poliândricas começam a desaparecer.
O mais importante nesta questão é que a diversidade da vida afetiva e familiar seja abordada de maneira que seu contexto e
papel sejam compreendidos antes de serem julgados e que garanta a igualdade dos indivíduos – no acesso a recursos e ao
reconhecimento social, e também na sua autonomia para tomar decisões sobre a própria vida.
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