SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL DA CRISTA CRANIANA E DA MANDÍBULA DE UM PTEROSSAURO BRASILEIRO F. L. M. REIS1 , J. B. R. LOUREIRO1 , D. O. A. CRUZ1 E A. W. A. KELLNER2 1 Departamento de Engenharia Mecânica (DEM/PEM) 2 Departamento de Geologia e Paleontologia (MN) Universidade Federal do Rio de Janeiro Email para contato: [email protected] RESUMO – Este projeto foi desenvolvido em parceria com o Museu Nacional (UFRJ) e possui como objetivo avaliar a aerodinâmica do pterossauro brasileiro Thalassodromeus sethi, permitindo um melhor entendimento sobre o método de alimentação dessa criatura e sobre a função de sua grande crista. Os materiais fósseis foram digitalizados e simulados numericamente no Ansys CFX. As simulações com as mandíbulas imersas na água mostraram que tais componentes possuem coeficientes de arrasto bastante hidrodinâmicos. Já a crista, quando simulada em diversas inclinações, mostrou ser capaz de gerar torques e forças laterais de elevada magnitude, sugerindo que a estrutura assumisse uma função biomecânica de leme direcional. 1. INTRODUÇÃO O presente projeto visa compreender os hábitos alimentares do pterossauro Thalassodromeus sethi, um dos principais achados nacionais. O crânio bem preservado e quase completo possui um metro e meio de comprimento e está articulado com a mandíbula. Segundo Kellner (2006), é o maior crânio de pterossauro encontrado no Brasil e um dos maiores do mundo. A grande surpresa da descoberta foi a crista que se estendia pela região posterior, quase dobrando o comprimento da cabeça. O bico comprido, fino, afiado e sem dentes sugere que a criatura fosse um skimmer, ou seja, que se alimentasse ao inserir a ponta da mandíbula inferior em ambientes aquáticos para capturar pequenos peixes e crustáceos. A função da crista craniana neste pterossauro ainda é objeto de discussão. No entanto, é inegável sua influência aerodinâmica durante o voo do T. sethi. 2. MÉTODOS A metodologia deste trabalho consistiu na digitalização do material fóssil, nas correções dimensionais e na realização de simulações computacionais no software Ansys CFX, permitindo a análise das forças e pressões atuando nos corpos em diferentes velocidades e angulações. As simulações desenvolvidas podem ser divididas em dois grupos: a simulação da mandíbula e a simulação da crista do T. sethi. Em todos os casos, o escoamento externo foi considerado monofásico e em regime permanente. 1 Nas simulações da mandíbula o fluido utilizado foi a água e utilizou-se o bico com 20% de imersão nas angulações de 30º, 45º e 60º em um intervalo de velocidades de 1,8m/s a 6,8m/s, totalizando 18 simulações. Já para a simulação da crista do T. sethi, o fluido utilizado foi o ar com velocidade de entrada de 15m/s. A crista foi computada com duas inclinações de empinamento e seis ângulos de cabeceio: 0º, 5º, 10º, 20º, 30º, 45º, totalizando 12 simulações. As condições de contorno procuraram reproduzir as condições reais do voo rasante à água. Na entrada do domínio foi definido um perfil de velocidades uniforme para todos os casos. A condição de contorno na saída foi prescrição da pressão estática média na área como sendo nula. Nas paredes do domínio, utilizou-se a condição de deslizamento livre. Já na superfície dos modelos, utilizou-se a condição de não-deslizamento (u = 0). As malhas geradas foram não-estruturadas com elementos tetraédricos e prismáticos, inflados a partir da superfície. O resultado final de algumas malhas podem ser observados nas Figuras 1 e 2 a seguir: Figura 1 – Malha construída para a mandíbula inferior do pterossauro T. sethi com inclinação de 45º. Figura 2 – Malha construída para a crista do pterossauro T. sethi com empinamento nulo. De forma a capturar melhor os efeitos da camada limite e permitir a aplicação correta do modelo de turbulência SST em baixo-Reynolds, um refinamento de malha foi realizado próximo à superfície dos modelos. Esse refinamento permitiu atingir um y + máximo conforme descrito na Tabela 1, onde estão listados o número de elementos contidos em cada malha. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para o T. sethi, as forças de arrasto medidas no bico variam entre 0,2 a 3N quando o bico está numa inclinação de 30º, conforme mostrado na Figura 3. Ao dobrar a inclinação (60º), as forças medidas ficam entre 0,6 e 8N . Todos esses valores estão na mesma 2 Tabela 1 – Parâmetros de malha Caso Empinamento Número de Elementos y + máximo Mandíbula R. niger 30º 45º 60º 30º 45º 60º 30º 45º 60º 0º 55º 1.235.625 1.198.013 1.270.858 3.118.734 2.930.880 2.325.684 3.996.937 3.445.978 4.072.329 2.917.551 3.180.069 5,1 5,1 5,1 4,7 4,4 4,6 3,7 5,3 4,2 3,4 4,2 Mandíbula T. sethi Mandíbula B. oberlii Crista T. sethi faixa dos resultados encontrados por Humphries et al. (2007), validando parcialmente o método de simulação empregado. A partir da força de arrasto calculada também pôde-se chegar aos coeficientes de arrasto. Os coeficientes de arasto CD variam entre 0,12 a 0,24 dependendo da inclinação, valores estes bastante hidrodinâmicos. CD x Re Força de Arrasto x Velocidade 0,24 Coeficiente de Arrasto (CD) Força de Arrasto [N] 12 8 4 0,2 0,16 0,12 0,08 0 0 2 4 6 Velocidade [m/s] 0 8 8x105 4x105 Número de Reynolds (Re) 1x106 Figura 3 – Gráficos de Força de Arrasto e CD x Velocidade para a mandíbula do T. sethi. A Figura 4 apresenta os gráficos da força lateral e coeficiente de arrasto em função do ângulo de cabeceio da crista craniana do T.sethi. A força lateral experimentada pela crista do Thalassodromeus não é nada modesta. Com uma inclinação de apenas 5º, esta força já é estimada em 16N . Em inclinações mais severas, a força lateral pode atingir valores tão elevados quanto 45N , o que corresponde a aproximadamente 40% do peso total do pterossauro. Essas informações se refletem no coeficiente de arrasto da crista, cujos valores flutuam entre 0,3 e 2,0. Os valores para o T. sethi estimados através simulação são muito maiores do que aqueles encontrados experimentalmente para a crista do Pteranodon no artigo de Elgin et al. (2008). Enquanto no artigo mencionado o CD atinge magnitude máxima próxima a 1 unidade em um ângulo de 30º, nas simulações o CD atinge 2,0 com apenas 10º de inclinação. Essa diferença também é percebida no momento no eixo de cabeceio, não exibido neste trabalho. O artigo prevê um torque máximo de 8N m próximos a 45º, sendo que nessa mesma angulação as simulações indicaram 38N m. A influência aerodinâmica acentuada da crista do T. sethi dá fortes indícios que ela 3 Força Lateral x Ângulo de Cabeceio Coeficiente de Arrasto (C D) x Ângulo de Cabeceio 50 Coeficiente de Arrasto (C D) 2,4 Força Lateral [N] 40 30 20 10 0 2 1,6 1,2 0,8 0,4 0 0 10 20 30 40 Ângulo de Cabeceio [graus] 50 0 10 20 30 40 Ângulo de Cabeceio [graus] 50 Figura 4 – Força lateral e CD x ângulo de cabeceio para a crista craniana do T. sethi. deveria ter uma função na biomecânica nesta criatura. A magnitude das forças laterais e do momento no eixo de cabeceio, principalmente a variação dos valores com cada pequena mudança no ângulo de inclinação, indica que a crista poderia atuar como um leme, ou seja, como uma estrutura capaz de rotacionar o pterossauro e ajudá-lo a mudar sua direção durante o voo. 4. CONCLUSÃO As simulações da mandíbula tiveram como objetivo estimar as forças de arrasto atuando nos bicos durante a realização do voo rasante à água, condição na qual o T. sethi se alimentaria de peixes. Tais valores estavam de acordo com os resultados experimentais de outros trabalhos, validando as simulações. Já as simulações com a crista mostraram que seus efeitos aerodinâmicos não podem ser negligenciados e que, devido às elevadas forças e momentos observados com variações na angulação da cabeça, a estrutura poderia assumir uma função biomecânica de leme direcional. 5. REFERÊNCIAS Elgin, R. A.; Grau, C. A.; Palmer, C.; Hone, D. W. E.; Greenwell, D.; Benton, M. J. Aerodynamic characters of the cranial crest in pteranodon. Zitteliana, B 28, 167–174, 2008. Humphries, S.; Bonser, R. H. C.; Witton, M. P.; Martill, D. M. Did pterosaurs feed by skimming? physical modelling and anatomical evaluation of an unusual feeding method. Plos Biology, 5 (8), e204, 2007. Kellner, A. W. A. Pterossauros: Os Senhores Do Céu Do Brasil. Vieira & Lent, Rio de Janeiro, 1. edição, 2006. 4