Texto 3 Adaptações dos organismos de sangue frio ao ambiente marinho antártico Vicente Gomes, Phan Van Ngan, Maria José de A. C. R. Passos, Arthur José da Silva Rocha & Thaís da Cruz Alvez dos Santos Laboratório de Ecofisiologia Departamento de Oceanografia Biológica Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo A luz indispensável para os organismos do fitoplâncton A alternância nos ciclos de luz, os quais variam entre longos períodos escuros de inverno e os longos períodos iluminados de verão, trazem alguns problemas. O fitoplâncton, formado por diminutos organismos fotossintetizantes que flutuam nas águas mais superficiais, são, como em qualquer mar, a base da cadeia alimentar. Portanto eles precisam de luz para produzir o seu alimento que, por sua vez, alimentará o ecossistema. Normalmente, a luz varia muito de acordo com as estações e estas variações sofrem também a influência da presença do gelo marinho. Quando o gelo cobre o mar, a luz, que já é pouca, tem ainda maior dificuldade para penetrar na coluna de água. Esses fatores são os principais responsáveis pela diferença marcante da produção primária do fitoplâncton marinho entre o verão e o inverno. Durante o inverno há pouca luz disponível para a fotossíntese, pois o dia é curto, o sol é baixo no horizonte e a cobertura de gelo impede a penetração de luz na coluna de água ou reflete a luz para o espaço. A produção primária realizada pelo fitoplâncton na coluna de água é mínima. Com o início da primavera, quando os dias ficam mais longos, a quantidade de energia solar aumenta, a temperatura do ar se eleva e a extensão do gelo é reduzida a cerca de 10%. O derretimento do gelo estabiliza a coluna de água promovendo o crescimento do fitoplâncton, enriquecendo todo o sistema para dar suporte a cadeia alimentar. Portanto, há épocas com abundância de alimento e outras onde o alimento pode ser escasso. Nesse sentido, o ecossistema antártico e os organismos têm vários mecanismos que suprem as deficiências de cada momento. Os blocos de gelo e as microalgas A produção primária marinha no inverno austral, entretanto, tem sido bastante estudada nos últimos anos. A camada de blocos de gelo que cobre a superfície do Oceano fornece um substrato poroso para o crescimento de microalgas, que vivem no frio e estão adaptadas ao sombreamento. Estas algas realmente crescem no gelo e são as chamadas Algas do Gelo. Figura 1: Krill raspando algas no gelo Dentro dos canais de gelo, além das algas, vive também uma comunidade diferente com representantes de diversas espécies de invertebrados pequenos que estão lá para aproveitar a produção primária. As Algas do Gelo atraem diversos animais do zooplâncton (animais microscópicos que vivem nas massas de água), inclusive o Krill (pequeno crustáceo que vive nas águas e que serve de alimento para diversos animais maiores, incluindo baleias), que raspa o gelo e come as algas durante o inverno. Existem cerca de sete espécies de Krill, mas a mais abundante delas é a Euphausia superba (FAO, 1985), que pode ser vista na figura abaixo. Figura 2: Cardume de krill Euphausia superba. Os cardumes de krill podem ser muito grandes e densos, com até 7km de extensão. Com o derretimento do gelo na primavera, as algas são liberadas do gelo e o fitoplâncton começa a se desenvolver na coluna de água. Este é constituído principalmente por diatomáceas (microalgas com carapaças de silício, algumas com belas ornamentações). Os principais consumidores do fitoplâncton incluem o krill, como dito, e outros animais do zooplâncton como: copépodos, anfípodes, larvas de peixes e também alguns gelatinosos como: as medusas, ctenóforos e, principalmente, as salpas (Figura 3 abaixo). Figura 3: Salpas da Antártica. São organismos gelatinosos muito abundantes e, muitas vezes, competem com o krill pela produção primária marinha. Estes constituem, por sua vez, alimento de lulas, peixes, aves marinhas, focas e baleias. Os organismos do bentos, ou seja, aqueles que vivem no substrato, são muito importantes na Antártica, principalmente nas regiões costeiras. Incluem crustáceos, sobretudo anfípodes, ouriços e estrelas-do-mar, moluscos diversos, esponjas, ascídias, anêmonas, macroalgas, etc. (veja texto da Dra. Thais Corbisier). No inverno, esses animais parecem sobreviver com o alimento acumulado no verão. Nesse sentido, muitos animais antárticos têm hábitos alimentares oportunista, i.e., comem de acordo com o que está disponível.