III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005 O RURAL E O URBANO NO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO-BA: RELAÇÕES ENTRE O SAGRADO E O PROFANO. Manoel Hayne Pereira – UNESP - Rio Claro [email protected] Prof. Dr. Roberto Braga – UNESP - Rio Claro [email protected] Introdução A cidade de Monte Santo está localizada numa das regiões mais pobres do Brasil, no nordeste do estado Bahia, onde o abismo sócio-econômico, comparado às regiões mais ricas do país, acabou subsidiando uma verdadeira diáspora nordestina pelo Brasil. No último quartel do século XVIII, as terras localizadas nos arredores do Piquaraçá, serra de formação quartzítica, receberam a visita do frei italiano Apolônio de Todi e dos beatos que o seguiam. Observando a paisagem do monte, o frei resolveu subir em procissão até seu cume, pois este lembrava o Monte das Oliveiras, símbolo cristão do calvário de Jesus Cristo. Durante a subida da serra, depararam-se com uma forte tempestade de ventos, porém, com as orações do grupo, a chuva cessou. Assim se registrou um milagre aos olhos dos fiéis, atraindo a atenção de muitas pessoas de regiões vizinhas. Com a ajuda dos beatos, Apolônio de Todi construiu a igreja da Santa Cruz, no ponto mais alto, o caminho de pedras que leva até ela, outra igreja no início da subida, e outras vinte três capelas que lembram a Paixão de Cristo. O povoado que ali passou a existir passou a ser chamado de Monte Santo. Na última década do século XIX, Antônio Conselheiro por lá passou, atraindo fiéis que, depois, iriam integrar-se ao beato à construção do povoado de Canudos, e, por forças do Governo Republicano, seria dizimada. No entanto, antes deste evento ocorrer, Conselheiro e seus seguidores restaurariam o caminho do Monte Santo. Atualmente, as preocupações a respeito da falta de identidade regional têm perpassado pelas discussões da Geografia Cultural, e fazem parte de nossas preocupações. Pretendemos colocar a relação de identidade regional que resiste entre o camponês, o vaqueiro e as festas religiosas, discutindo sobre a atual relação entre a sociedade de consumo e a gradual, mas não total, perda da identidade. É necessário levantarmos questões acerca da estreita ligação entre o sagrado, representado no patrimônio histórico e arquitetônico da via crucis do caminho do Monte Santo e de suas vinte e cinco capelas localizadas pelo percurso de 1.969 metros; e o profano, representado pelo forró, pelas bandas de pífanos, pela feira livre, e por outras manifestações culturais. Objetivos III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005 Em vista da importância de entendermos tais relações entre o sagrado e profano, citadas anteriormente, é preciso também discutir a relevância entre o rural e o urbano, dentro do crescente processo de urbanização do estado da Bahia e o impacto gerado nas localidades. Este artigo propõese a identificar as manifestações culturais presentes no município de Monte Santo/BA, de modo a compreender seus aspectos sócio-espaciais. Referencial teórico O significado da palavra cultura para Claval (2001, p. 64), “é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto de que fazem parte”, não sendo algo “fechado e imutável de técnicas e de comportamentos”. A partir disso, a identificação dos habitantes do meio rural às manifestações culturais traduzem-se nas formas de comportamento, valores e símbolos que são a expressão da formação sócio-espacial dos grupos de vaqueiros e agricultores daquele subespaço. Os processos econômicos mundiais e nacionais influenciam as regiões, algumas mais e outras menos. Santos (2002) coloca que “um lugar pode, a um dado momento, ou por uma mais ou menos longa extensão de tempo, ficar a salvo da influência, em quantidade e qualidade diversas, de variáveis correspondentes a uma nova fase histórica” (SANTOS, 2002, p. 259). No espaço total do estado da Bahia encontramos diferentes subespaços que mantém especificidades próprias. Rosendahl (1999) analisou a relação entre sagrado e profano na cidade de Santa Cruz dos Milagres/PI como elemento de coesão rural. Descrevendo as especificidades de tal manifestação religiosa, observamos comparações próximas entre esta e a de Monte Santo. Segundo ela (ROSENDAHL, 1999, p. 47), “existe uma inter-relação entre o espaço sagrado e espaço profano; entretanto, eles não se misturam. A separação essencial entre sagrado e profano se realiza materialmente no espaço”. Metodologia Discutiu-se uma bibliografia que abordasse numa visão cultural, o tema do sertão nordestino e suas transformações em função das influências da sociedade pós-moderna. Foram feitas duas visitas de campo em duas épocas distintas: a primeira por volta do mês de fevereiro de 2004, e outra no final do mês de outubro e começo de novembro do mesmo ano. Procurou-se viajar pelo entorno dos municípios de Monte Santo, Canudos e Euclides da Cunha, visitando pequenas propriedades, vilas e lugarejos e entrevistando pessoas. O objetivo era levantar o espaço vivido de cada um dos entrevistados, com o intuito de melhor compreender as teorias formuladas para o sertão nordestino. Além das entrevistas gravadas, foi feita uma documentação fotográfica com camponeses agricultores e vaqueiros, que trabalhavam como meeiros, diaristas e pequenos proprietários, com funcionários públicos e aposentados. III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005 Figura 1 Figura 2 (Fonte: IPEA, PNUD, FJP, 2003). (Fonte: IPEA, PNUD, FJP, 2003). III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005 Figuras 3 e 4. Figura 5. (Fotos: MANOEL HAYNE PEREIRA, 2004). Resultados Com 54552 habitantes (IPEA, PNUD, FJP, 2003), o município de Monte Santo, situado na região Nordeste do estado da Bahia (Figura 1), dentro da zona do domínio das depressões interplanálticas intercaladas por inselbergs, incrustada no clima semi-árido e coberta pela vegetação da caatinga, possui 86,75% da população vivendo na zona rural (Figura 2). Estas vivem numa relação social familiar, onde o trabalho de sol-a-sol os priva de uma maior sociabilidade, tanto entre as casas no campo, quanto nos centros urbanos. Durante as feiras-livres semanais, os pequenos agricultores se encontram para trocar o pouco excedente da produção de subsistência. Além da tradicional feira-livre, nas festas religiosas tal atividade sócio-econômica ocorre junto a manifestações culturais tradicionais como procissões (Figura 5), apresentação de repentistas, pífanos e forró (Figura 3). Essas relações entre o sagrado – das procissões – e o profano – da musicalidade – estão ligadas também a relações entre o rural e o urbano. No primeiro trabalho de campo, um forte período de chuva provocara o vazamento dos açudes, ocasionado pelo excesso de água (alcunhado de sangria) produzindo uma paisagem fitogeográfica mais verde que nos meses secos. Para tal verificação foi necessário um segundo trabalho de campo feito no final do mês de outubro e começo de novembro do mesmo ano, período em que a cidade de Monte Santo atrai milhares de fiéis para as procissões do “Dia de Finados”, e quando a seca traz os III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005 problemas habituais tais como o de ideologia do discurso político que aloca recursos aos cofres públicos dos municípios e estados do Nordeste, quanto da fome e pobreza que encontramos nas cidades e campos da zona semi-árida, e pouco se espera que sejam solucionados. O que se verificou foi que a identidade cultural tradicional ainda resistente entre o sagrado e o profano na cidade de Monte Santo faz parte, de maneira geral, do mundo rural. As procissões são realizadas em grandes blocos de pessoas que tocam pífano, soltam fogos de artifício e rezam a cada parada em uma das capelas acendendo uma vela. Estas pessoas vêm de ônibus, caminhões e outros tipos de transportes, advindos de povoados rurais do entorno da área urbana do município. É nesses camponeses (Figura 4) que se encontra uma maior coesão entre o sagrado e o profano. Conclusão A relação entre sagrado e profano ganha coesão no espaço, ou seja, enquanto existir o espaço sagrado, pessoas vão se identificar com ele buscando através da religiosidade purificar-se de suas experiências profanas em vida. Experiências profanas carregadas nas festas, feiras-livres, ritmos e danças. Isto quer dizer que mesmo que haja uma gradativa perda de identidade de pessoas quanto às manifestações do sagrado, o profano ainda as atrairá, reforçando a ligação estreita entre os dois tipos de atitudes que interagem no mesmo espaço. E o crescimento do número de pessoas que se identificam com qualquer um desses dois subespaços acaba alimentando o outro, como em um movimento dialético. Referências bibliográficas: CLAVAL, P. A geografia cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. OLIVEIRA, F. de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflitos de classes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. PNUD, IPEA, FJP. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasil: ESM Consultoria, 2003. ROSENDAHL, Z. Hierópolis: o sagrado e o urbano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. SANTOS, M. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Editora da USP, 2002. SILVA, B-C. N. Dinâmica do crescimento demográfico urbano e rural no Estado da Bahia: 1940-1980. Geografia, Rio Claro, v. 14, n. 27, p. 67-76, abr. 1989. SILVA, S. B. de M. e; SILVA, B-C. N. Urbanização e política de desenvolvimento regional no Estado da Bahia. 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