Manifestações cutâneas da SIDA

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MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS DA SIDA
Desde que em 1981 surgiu a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH)
cedo se constatou que eram frequentes os problemas dermatológicos, sendo raríssimos
os doentes que nunca tinham qualquer afecção cutânea. Rapidamente se verificou que as
doenças cutâneas adquiriam características atípicas, pouco habituais e que em alguns
casos eram a primeira manifestação da doença.
Até 1997, data da introdução de terapêuticas altamente agressiva (associação de 3 ou 4
antiretrovirais e com a inclusão dos inibidores da protease) a exuberância e atipia das
doenças infecciosas e neoplásicas eram as características mais constantes, o que mais
impressionava. Com estes novos tratamentos e consequente recuperação da imunidade
verificou-se que grande parte destas situações perdeu a sua exuberância. Hoje em dia a
maioria das situações que se observam é de carácter inflamatório inespecífico.
De qualquer modo iremos abordar as manifestações cutâneas, dividindo-as em
exantema inicial, infecciosas, neoplásicas e por fim um grupo heterogéneo onde
também se incluirão as reacções adversas à terapêutica associada à doença.
Exantema agudo pelo VIH
A infecção primária, quando sintomática, surge 2 a 6 semanas após exposição ao VIH e
caracteriza-se por quadro semelhante a síndrome gripal, que em cerca de 70% dos casos
é acompanhado por exantema maculo-papular rosa ou vermelho, principalmente do
tronco, palmas e plantas, o qual é discreto e que muitas vezes passa despercebido. Pode
acompanhar-se por lesões da mucosa oral.
Doenças infecciosas
Infecções virais
O herpes simples é muito comum na infecção pelo VIH. Na fase inicial da doença tem
comportamento idêntico aos doentes não imunodeprimidos, com a característica
erupção vesicular e pode curar sem tratamento. Com o aparecimento da
imunossupressão estes aspectos clássicos perdem-se e observamos frequentemente
erosões ou úlceras orais ou ano-genitais (Figura 1) por vezes de grandes dimensões e
sendo muito dolorosas as da região ano-genital. Nos lábios pode-se observar crosta
hemorrágica. Por vezes surge erupção disseminada. Quem não estiver atento para esta
situação pode protelar o tratamento com grande desconforto para o doente. Há quem
sugira nos doentes VIH positivos fazer tratamento anti-herpético para dor anal
exuberante mesmo na ausência de lesão clínica. O tratamento com aciclovir ou
valaciclovir, normalmente é eficaz. Nos casos graves pode ser necessário fazer
tratamento endovenoso e as formas resistentes devem-se tratar com foscarnet.
Figura 1
O herpes zooster é facilmente identificável. Por vezes atinge mais de um dermátomo e
pode disseminar. Frequentemente as vesículas são hemorrágicas, necróticas e quando
cicatrizam deixam áreas atróficas e despigmentadas. Em alguns casos passa a ser
resistente à terapêutica e torna-se recorrente. As lesões podem acantonar-se e ficar
hiperqueratósicas, verruciformes (Figura 2).
Figura 2
Com a introdução da terapêutica altamente agressiva e com a consequente recuperação
da imunidade verificou-se em alguns doentes que concomitantemente com a melhoria
do quadro clínico geral surgiam lesões de herpes zooster. Isto acontece porque se pensa
que o herpes zooster tem um limiar de imunossupressão em que se manifesta e que
andará pelos 300-400/µL CD4. Daí o facto de ele poder ser uma das manifestações
iniciais da doença e de devermos estar alerta para que sempre que surja um herpes
zooster em doente com comportamento de risco se deve fazer o rastreio da infecção
VIH.
Ainda dentro das doenças do grupo herpes, surgiu com o aparecimento da SIDA uma
nova entidade, a tricoleucoplasia até aí desconhecida e que é provocada pelo vírus
Epstein-Barr.
Caracteriza-se por placas esbranquiçadas, vilosas, por vezes, localizadas mais
frequentemente nos bordos da língua, dispostas de forma linear, transversalmente em
relação ao seu maior eixo. Na maioria dos casos é assintomática. Pode-se confundir
facilmente com a candidíase oral. Ao contrário desta a tricoleucoplasia é aderente, não
se conseguindo remover. É considerada como marcador de agravamento da
imunossupressão. O tratamento anti-herpético específico dá bons resultados.
Entrando noutro grupo de vírus temos os moluscos contagiosos (Figura 3) (pertencem
aos poxvírus), os quais são muito frequentes nas crianças saudáveis. No entanto, no
adulto já são pouco habituais e muito menos na face o que é característico dos doentes
VIH positivos. Podem atingir número muito elevado e caracterizam-se por pápulas da
cor da pele, umbilicadas, confluindo por vezes, como que formando placas. Pode-se
fazer curetagem das lesões ou usar azoto líquido, no entanto recorrem com muita
facilidade. Com a introdução de novas terapêuticas altamente agressivas, felizmente os
moluscos contagiosos regridem espontaneamente. É um marcador de agravamento da
doença.
Figura 3
No grupo dos vírus do papiloma humano as verrugas vulgares múltiplas na face são
frequentes. São de fácil remoção mas recidivam frequentemente sendo difícil a sua
erradicação total.
Os condilomas acuminados (figura 4) genitais (pénis e peri-anais) são muito
frequentes. Se bem que também se observem em doentes não imunodeprimidos, são
sinal de alerta em doentes com comportamento de risco, obrigando ao despiste da
infecção pelo VIH.
Por vezes atingem grandes dimensões, sendo o tratamento difícil e tendo-se que recorrer
à cirurgia.
O risco de transformação maligna parece ser maior nos doentes imunodeprimidos e
acentua-se com a degradação da imunidade.
Figura 4
Infecções bacterianas
O Staphilococcus aureus é o agente mais frequentemente isolado. Clinicamente,
foliculites, furúnculos, impétigo e éctima são as situações mais frequentes mas também
podem observar-se erisipelas e celulites. São difíceis de tratar porquanto tendem a
tornar-se recorrentes, pelo que também se devem procurar tratar os factores
predisponentes (eczema, escoriações, intertrigo e locais de injecção em
toxicodependentes).
Com o aparecimento da infecção pelo VIH surgiu também uma nova entidade, a
angiomatose bacilar, neoformação vascular que se manifesta por pápulas e nódulos
violáceos ou eritematosos, que podem surgir em qualquer local da pele e que se poderão
confundir com Sarcoma de Kaposi ou granuloma piogénico. É provocada pela
Bartonella henselae ou pela Bartonella quintana que é sensível à eritromicina. Pode
surgir disseminação sistémica que leve à morte, pelo que devemos estar atentos para
esta entidade.
Ainda neste grupo de doenças referência especial à sífilis (figura 5). Doentes com
ulcerações genitais têm maior risco de adquirir infecção pelo VIH. Por outro lado a
sífilis está a aumentar no nosso país, pelo que o despiste de infecção pelo VIH e de
sífilis em todos os doentes com comportamento de risco é fundamental. Nos doentes
VIH positivos a seroconversão da sífilis pode estar retardada e podem surgir formas
graves, muito rapidamente. No início deve ser feito exame do líquor e controlo
laboratorial apertado, post-tratamento.
Figura 5
Infecções por fungos
A candidíase oral pode ser um dos primeiros sinais da doença pelo VIH. É considerada
um marcador de progressão da doença. Pode-se complicar com atingimento esofágico.
Manifesta-se habitualmente na forma pseudo-membranosa, com as falsas membranas
esbranquiçadas, mas também podem surgir formas atróficas ou eritematosas que podem
passar despercebidas e a forma hiperplásica mais frequente nos doentes mais
imunodepremidos.
O tratamento deve ser feito com anti fúngicos tópicos ou orais. No entanto a recidiva é
frequente pelo que é necessário, por vezes, efectuar tratamentos prolongados.
As dermatofitias são relativamente frequentes. A grande maioria mantém as
características habituais dos doentes imunocompetentes. No entanto, observam-se por
vezes onicomicoses exuberantes, esbranquiçadas com atingimento de todas as unhas.
Mais característico em relação à infecção VIH é o aparecimento de onicomicose
subungueal proximal que é altamente sugestiva desta patologia.
Em relação às micoses profundas referência para a criptococose que pode ser causa de
meningite. O envolvimento cutâneo é menos frequente e manifesta-se por pápulas e
nódulos que se podem confundir com moluscos contagiosos principalmente quando
ocorrem na face. Podem preceder a disseminação da doença pelo que as lesões
sugestivas deverão ser biopsadas.
Infecções por artrópodes
Uma referencia para a escabiose que é frequente observar-se na infecção VIH. Nos
casos mais avançados de degradação da imunidade a doença adquire características de
sarna crostosa (Figura 6), sendo extremamente difícil o seu tratamento.
Figura 6
Neoplasias
Clinicamente o Sarcoma de Kaposi (Figura 7) atinge todo o tegumento cutâneo e as
mucosas. Surge muitas vezes envolvimento sistémico. As lesões caracterizam-se por
manchas, pápulas, placas ou nódulos eritematosos ou eritemato-violáceos por vezes
com aspecto equimótico. Têm frequentemente formas linear ou ovalar e tendem a
distribuir-se ao longo das linhas de tensão da pele. Podem infiltrar os tecidos
subcutâneos provocando situações de linfedema. O palato duro é a mucosa mais
atingida.
Figura 7
É a neoplasia mais frequente nos doentes VIH positivos. No início da epidemia atingia
cerca de 40% dos doentes sendo a grande maioria homossexuais. Hoje em dia surge em
muito menor número, parcialmente devido a alteração de comportamento dos doentes
homossexuais e ao aparecimento das terapêuticas altamente agressivas. Em função das
características epidemiológicas da doença desde cedo se suspeitou de etiologia
infecciosa, ou que pelo menos tivesse papel importante. Sabemos hoje que o vírus
HHV8 está associado ao Sarcoma de Kaposi, embora não esteja inteiramente
esclarecido o seu papel na etiopatogenia da doença.
Desde o fim do século XIX que o Sarcoma de Kaposi é conhecido. Na sua forma
clássica é frequente na região mediterrânea, em pessoas de idade avançada, os membros
inferiores são os locais mais atingidos e tem um curso indolente.
Nos anos 50 verificou-se existir Sarcoma de Kaposi na África Central com
características endémicas, podendo atingir as crianças e com comportamento por vezes
muito agressivo.
Nos anos 60 com o aparecimento dos imunossupressores e com os transplantes
verificou-se que nos doentes submetidos a esta terapêutica surgia por vezes Sarcoma de
Kaposi, o qual podia regredir com a suspensão da imunossupressão.
Por fim surgiu a forma epidémica ligada à SIDA.
Com a introdução da terapêutica altamente agressiva verificou-se regressão espontânea
de lesões de Sarcoma de Kaposi, provavelmente devido à melhoria da imunidade, pelo
que hoje se aconselha aguardar pela resposta à terapêutica e só mais tarde nos casos em
que não há regressão das lesões iniciar o tratamento específico para o Sarcoma de
Kaposi.
Nos casos em que o Sarcoma de Kaposi surge como doença inicial de infecção pelo
VIH, constata-se que tem um comportamento menos agressivo em relação aos casos em
que surge no decurso da evolução da doença.
Outras doenças
A dermite seborreica é extremamente frequente nos doentes VIH positivos. Também é
habitual nas pessoas saudáveis. No entanto uma dermite seborreica de difícil controlo
poderá ser um sinal de alerta. Por vezes é muito exuberante com atingimento de toda a
face e tronco.
A psoríase (Figura 8) não é mais frequente, no entanto, o seu aparecimento súbito ou
agravamento pode ser sinal de alerta para a existência de infecção pelo VIH. O acentuar
da imunossupressão pode levar ao agravamento de psoríase preexistente, a qual pode
perder as características habituais e tornar-se resistente ao tratamento.
A psoríase que surge no decurso da infecção VIH, responde melhor à melhoria da
imunossupressão.
Figura 8
A xerose cutânea é muito comum nestes doentes. Lembremo-nos que em grande parte
são pessoas jovens. Pode estar associada a doença conhecida ou malnutrição. Em casos
mais avançados de imunosupressão pode adquirir aspectos de ictiose (Figura 9), com
descamação em grandes retalhos, principalmente nos membros inferiores. O prurido é
frequente.
Figura 9
A foliculite eosinofílica (Figura 10) é uma erupção papulosa, folicular, localizada na
face, pescoço, tronco e membros superiores muito pruriginosa, com características
histológicas próprias – infiltrado eosinofílico na zona peri-folicular e dentro do folículo.
Tem eosinofilia no sangue periférico e aumento da IgE. A cultura de pús é estéril. Tem
um curso clínico com períodos de agravamento.
Figura 10
Têm sido propostos vários tratamentos mas não há consenso quanto ao esquema mais
eficaz.
A foliculite eosinofílica é altamente sugestiva de infecção pelo VIH e é também um
sinal de degradação de imunidade. Tem-se verificado a sua melhoria após o tratamento
com terapêutica anti-retroviral altamente agressiva.
Reacções medicamentosas
As reacções medicamentosas são comuns nos doentes com SIDA, sendo as sulfamidas
o fármaco mais frequentemente envolvido. Observa-se exantema morbiliforme que pode
evoluir para eritrodermia, mas também se tem verificado o desaparecimento do
exantema mantendo a terapêutica, com ou sem uso de corticosteróides.
A zidovudina pode provocar caracteristicamente hiperpigmentação ungueal
longitudinal.
Com a introdução dos inibidores da protease verificou-se o aparecimento de um
quadro clínico definido como lipodistrofia que se caracteriza por um rearranjo da
distribuição da gordura corporal e que consiste num aumento da gordura da zona
cervico-dorsal e da zona abdominal e na redução ou desaparecimento da gordura da face
e dos membros inferiores.
Concomitantemente pode verificar-se hipertrigliceridémia, diabetes mellitus insulinoresistente e hipercolesterolémia.
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