231 INVESTIGAÇÃO DO PERFIL NUTRICIONAL E DIETÉTICO CORRELACIONADOS AOS ASPECTOS ONCOLÓGICOS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA Wendy Epifanio Sarmento Fernandes 1 Juliana Alves de Sá2 Francisco Regis da Silva 3 Weslley Epifanio Sarmento4 Wenya Sarmento Sobrinho5 Maria José Alves Anacleto6 Wyara Ferreira Melo7 Francisca Maria Melo Sobreira8 Geraldo Gonzalez Talabera9 Resumo: O câncer é definido como uma enfermidade multicausal crônica, caracterizada pelo crescimento descontrolado das células. Uma alimentação saudável influencia diretamente na prevenção de doenças cancerígenas. Neste contexto, este estudo teve como objetivo investigar na literatura se os alimentos influenciam no surgimento ou desenvolvimento do câncer. A coleta de dados foi realizada através de um formulário estruturado que continha as perguntas relacionadas aos estudos analisados, foram resgatadas 2354 publicações do Medline, 2943 do Scielo e 956 do Lilacs. Nos artigos analisados, foi possível compreender que a alimentação adequada exerce um papel além do que fornecer energia e nutrientes essenciais, enfatizando também a importância dos constituintes não nutrientes, que, em associação, são identificados pela promoção de efeitos fisiológicos benéficos, podendo prevenir ou retardar doenças, tais como o câncer. Diante dessa realidade, os estudos investigados sugerem que um consumo maior de frutas e verduras pode proteger contra o câncer de boca, estômago, cólon e reto, e que pesquisas nesta área devem ser estimuladas e disseminadas para as diversas regiões do país. Palavras-chave: Hábitos alimentares; Neoplasias; Saúde Pública. INVESTIGATION OF NUTRITION AND DIETARY PROFILE CORRELATED TO ONCOLOGICAL ASPECTS: AN INTEGRATING REVIEW Abstract: The cancer is defined as a disease that has multiple causes, characterized by the uncontrolled growth of the cells. A healthy diet directly influences in the prevention of cancers. In this context, the objective of this study was to investigate the literature if the food influences the emergence or development of cancer. The data collection was carried out through a structured form that contained the questions related to the studies analyzed, were rescued 2354 publications from Medline, 2943 of the Scielo and 956 of Lilacs. In the articles analyzed was not possible to understand that adequate nutrition plays a key role in addition 1 Farmacêutica. Faculdade São Francisco (FSF). Assistente Social. Especialista em Políticas de Proteção Social em Serviço Social, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (FAFIC). 3 Mestrando em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da UECE. Mestrando em Sistemas Agroindustriais, na Linha de Pesquisa Sistemas Agroalimentares, pelo Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar da UFCG. Especializando em Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE). Graduado em Nutrição pelo IFCE. Membro do Grupo de Pesquisa "Avaliação e Análise Estatística em Saúde Coletiva - PESQSAÚDE". 4 Mestrando em Sistemas Agroindustriais, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). 5 Graduanda em Serviço Social, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (FAFIC). 6 Enfermeira. Especialista em Urgência e Emergência pela Faculdade São Francisco da Paraíba (FASP). 7 Enfermeira. Mestranda em Sistemas Agroindustriais, UFCG. 8 Fisioterapeuta. Faculdade Santa Maria (FSM). 9 Médico, Instituto de Ciências Médicas de Havana; Especialista em Saúde da Família pela UFC. 2 Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 232 to providing energy and essential nutrients, emphasizing also the importance of the nonnutrients, which, in an association, are identified by the promotion of physiological beneficial effects, and may prevent or delay disease, such as cancer. Faced with this reality, the investigated studies suggest that a higher consumption of fruits and vegetables may protect against cancer of the mouth, stomach, colon and rectum and that research in this area should be encouraged and disseminated to the various regions of the country. Keywords: Food habits; Neoplasia; Public Health. 1. INTRODUÇÃO Câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo. As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo, estando ambas inter-relacionadas. As causas externas relacionam-se ao meio ambiente e aos hábitos ou costumes próprios de um ambiente social e cultural. As causas internas são, na maioria das vezes, geneticamente pré-determinadas, estão ligadas à capacidade do organismo de se defender das agressões externas. Esses fatores causais podem interagir de várias formas, aumentando a probabilidade de transformações malignas nas células normais (INCA, 2017). Uma alimentação saudável influencia diretamente na prevenção desta doença, assim como a ingestão de alguns padrões dietéticos podem estar associados ao câncer. Estudos relatam que são vários os alimentos que consumidos durante longos períodos, acabam servindo para que uma célula cancerosa cresça e se multiplique (LAURENTI, 1990). Existem alimentos que agem desintoxicando o organismo de substâncias que podem provocar o câncer, como o alho, cebola, brócolis, repolho, couve-flor, azeite de oliva, entre outros. Alimentos constituídos por fibras, como o trigo, são também muito importantes na prevenção, além do pão preto (broa), milho, feijão, soja, grãode-bico, lentilha, aveia, farelo de trigo, frutas, verduras e legumes (WALDOW, 2008). A relação entre a alimentação e a ocorrência de câncer nos indivíduos tem ganhado notoriedade à medida que novas pesquisas apontam que os hábitos alimentares têm mais relevância na ocorrência da doença do que os fatores genéticos, por exemplo. Pode-se afirmar que, de maneira geral, uma dieta vegetariana – ou mesmo uma dieta rica em vegetais –, poderia prevenir diversos tipos de câncer; enquanto uma dieta rica em carnes teria efeito contrário (COSTA, 2010). Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 233 A busca do saber à luz da literatura tem um importante papel para o campo da saúde, de modo que a identificação de estudos científicos que apontam para a relação entre a alimentação e o câncer, destacando os riscos de uma dieta desregrada, coopera para a adoção de práticas alimentares mais saudáveis. Assim, despertam-se hábitos de vida voltados à saúde e longevidade, colaborando para o entendimento da necessidade de práticas voltadas para a prevenção de agravos e a consequente promoção da saúde. Esta temática faz-se extremamente importante pelo fato de o câncer, na atualidade, representar uma importante causa de mortalidade, gerar imenso ônus para os sistemas de saúde, e sua prevenção possuir uma forte relação com hábitos alimentares. Desta maneira, justifica-se a realização do presente estudo, que tem por objetivo realizar um levantamento bibliográfico sobre a correlação entre padrões dietéticos e os aspectos oncológicos. 2. METODOLOGIA Metodologicamente, o presente estudo consiste em uma revisão do conhecimento disponível na literatura, onde foi realizada uma busca bibliográfica nos bancos de dados informatizados. A pesquisa foi realizada nas bases de dados eletrônicas Medline, Scielo e Lilacs, durante o período de fevereiro a julho de 2014, de artigos que investigaram a relação entre neoplasias com o padrão alimentar dos sujeitos. Incluíram-se os artigos publicados no período de 2009 a 2014, escritos em português, inglês ou espanhol. Excluíram-se os artigos que não estavam com texto disponível na íntegra, visto que esse fato dificultava e/ou impossibilitava a extração de informações relevantes para a investigação dos fatores e desfecho estudados. Utilizaram-se como descritores de assunto as seguintes palavras-chave em português e seus correspondentes em inglês: “câncer”, “alimentação”, “padrão alimentar”, “fator de risco” e “fator de proteção”. Após utilizar tais descritores, foram resgatadas 2354 publicações do Medline, 2943 do Scielo e 956 do Lilacs. Procedeuse a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, bem como supressão das duplicatas (artigos idênticos em ambas bases de dados) e análise prévia das publicações que não atendiam aos objetivos da pesquisa, resgatando, dessa forma, um total de 12 artigos, sendo 8 do Medline, 3 do Scielo e 1 do Lilacs. Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 234 Os artigos foram apresentados em forma quadro. Os dados qualitativos foram analisados por categorias temáticas e apresentados em forma de texto. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Dos 12 artigos resgatados, a maioria foi estudo transversal (8), seguido de caso-controle (3) e ecológico (1). Não foi encontrado nenhum estudo de coorte. Todos os estudos analisados traziam como população e amostra pacientes com diagnósticos de câncer, com exceção do grupo controle nos estudos com delineamento de caso-controle. Entre os estudos transversais, 3 abordaram o consumo exagerado de lipídios pelos indivíduos, 3 abordaram o consumo geral de nutrientes e 2 o consumo de frutas e vegetais. A maioria das publicações ocorreu em português (8), seguida das publicações em inglês e espanhol, que pontuaram igualmente (2). Todas as pesquisas foram desenvolvidas no Brasil, sendo 7 na região Sudeste, 3 na região Sul e 2 na região Nordeste. O binômio dieta/saúde representa um novo paradigma no estudo dos alimentos e de diversas doenças. Nos artigos analisados, foi possível compreender que a alimentação adequada exerce um papel que vai além do fornecimento de energia e nutrientes essenciais, enfatizando também a importância dos constituintes não nutrientes, que em associação, são identificados pela promoção de efeitos fisiológicos benéficos, podendo prevenir ou retardar doenças tais como o câncer. O contrário também foi observado, onde os artigos comprovaram a relação do surgimento do câncer em indivíduos que possuem um padrão alimentar inadequado. Concernente ao método de coleta, 5 utilizaram o questionário e 7 a entrevista com os indivíduos. Abaixo, seguem as informações que caracterizam o perfil dos artigos resgatados (Quadro 1). Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 235 Quadro 1. Distribuição das publicações com relação a autoria, ano, local, fator nutricional investigado, amostra e principais resultados e método de coleta de dados. Fator nutricional investigado Consumo exagerado de lipídeos Tipo de Estudo Autores Ano Local Gervásio et al. 2012 Belo Horizonte/ MG Abdo et al. 2010 Maceió/AL Consumo de frutas e vegetais Transversal Oliveira et al. 2009 João Pessoa/ PB Consumo de nutrientes em geral Casocontrole Marchioni et al. 2013 São Paulo/SP Consumo exagerado de lipídeos Transversal Santoz et al. 2009 Curitiba/P R Consumo exagerado de lipídeos Transversal Toledo et al. 2011 Rio de Janeiro/ RJ Consumo de nutrientes em geral Transversal Carvalho et al. 2014 Pelotas/ RS Consumo de vegetais Transversal Hamada et al. 2009 São Bernardo dos Campos/S P Consumo de nutrientes em geral Casocontrole Markenzi et al. 2012 Vitória/ES Consumo de nutrientes em geral Godoy et. al. 2013 Juiz de Fora/MG Borges et. al. 2010 Monteiro et. al. 2009 Transversal Amostra Resultados 340 pacientes com câncer de fígado 153 pacientes com câncer 97 pacientes com câncer 435 pacientes com câncer de mama 234 pacientes com câncer 74% dos pacientes com câncer de fígado faziam o consumo exagerado de lipídeos 56% dos pacientes com câncer não ingeriam vegetais de forma habitual. 37% dos pacientes com câncer ingeriam fibras, enquanto 63% não o faziam 62,7% dos pacientes com câncer de mama faziam o consumo exagerado de lipídeos 48% dos pacientes com câncer faziam o consumo exagerado de lipídeos 200 pacientes com câncer de intestino e reto 180 pacientes com câncer de estômago 54 pacientes com câncer de próstata 25% dos pacientes com câncer de intestino e 18% com câncer de reto consumia fibras Transversal 30 pacientes com câncer de pâncreas 44% dos pacientes com câncer de pâncreas faziam o consumo exagerado de sódio Consumo de nutrientes em geral Ecológico Caxias do Sul/RS Consumo de nutrientes em geral Transversal Vigário Calixto/RJ Consumo exagerado de lipídeos Casocontrole 320 pacientes com câncer 100 pacientes com câncer de cólon 200 pacientes com câncer de mama 63% dos pacientes faziam o consumo exagerado de carnes e lipídios. 33% dos pacientes com câncer de cólon faziam o consumo exagerado de carboidratos. 56% dos pacientes com câncer de mama faziam o consumo exagerado de lipídeos 36% dos pacientes com câncer de estômago faziam o consumo de vegetais 28% dos pacientes com câncer de próstata faziam o consumo exagerado de lipídeos Fonte: Dados extraídos da Biblioteca Virtual da Saúde, Disponível em: www.bireme.br Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 236 Com base nos achados desses estudos, serão apresentados, a seguir, os principais componentes relacionados à alimentação – relevantes como fatores de prevenção ou risco para o desenvolvimento do câncer. 3.1. Uma Visão Geral a Respeito do Câncer O desenvolvimento de várias das formas mais comuns de câncer resulta de uma interação entre fatores endógenos e ambientais, sendo o mais notável desses fatores a dieta. Acredita-se que cerca de 35% dos diversos tipos de câncer ocorrem em razão de dietas inadequadas. É possível identificar, por meio de estudos epidemiológicos, associações relevantes entre alguns padrões alimentares observados em diferentes regiões do globo e a prevalência de câncer (PARKIN, 2005). De acordo com Parkin et al., (2005), no âmbito mundial, aproximadamente 10 milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer e mais de 6 milhões morrem desta doença todos os anos. Estimou-se que, em 2012, surgiram 30,9 milhões de casos novos e havia 34,6 milhões de pessoas vivendo com câncer. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a distribuição de mortes por cânceres pelo mundo não é homogênea. A mortalidade total acarretada por cânceres foi de 12,6% em 2010; 21,6% e 9,8% nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, respectivamente. Para os anos entre 1960 e 2010, os dados mostram um aumento de 15% para 25% de mortalidade nos países desenvolvidos. Já nos países em desenvolvimento, observaram-se taxas menores e crescentes, que alcançaram 6% em 2005 e 9% em 2012, com uma expectativa de aumentar, de 5,4 milhões em 2000, para 9,3 milhões em 2020, de acordo com projeções populacionais (BRASIL, 2010). Pode-se constatar que não existe um padrão global para a ocorrência de câncer, tendo importância na determinação desse quadro, a exposição a fatores ambientais relacionados à urbanização, como dieta e estilo de vida (WALDOW, 2008). 3.2. Ocorrência de Câncer em Outros Países Outro dado que corrobora tal suposição é a mudança no padrão de incidência de câncer em migrantes. Com o passar do tempo, os migrantes passam a Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 237 apresentar taxas de incidência e de mortalidade de câncer semelhantes às observadas no novo país. Parkin et al., (2005), verificaram que as taxas de incidência de câncer de estômago, colorretal e de próstata em homens chineses, diferiam de forma relevante, dependendo de qual novo local adotaram para viver. As taxas de câncer de estômago nos chineses que moravam em Xangai eram maiores, quando comparadas àquelas manifestadas pelas populações chinesas residentes em Cingapura, Hong Kong e EUA. Ainda mais marcantes foram as diferenças constatadas para a incidência do câncer de próstata, que chegavam a ser 10 a 15 vezes maiores entre chineses que residiam nos EUA, em comparação com os chineses habitantes de Xangai (DEVESSA et al., 2009). O câncer de pulmão é a neoplasia mais frequentemente diagnosticada mundialmente desde a década de 1980, apesar de existirem diferenças locais. Em 2002 foram relatados 1,35 milhão de casos novos no mundo todo ou 12,4% de todos os casos de câncer, com 1,18 milhões de mortes ou 17,6% de mortes por câncer em todo o mundo, sendo o câncer de pulmão a primeira causa de morte por câncer para homens e para mulheres. Mais mulheres morrem por câncer pulmão a cada ano do que por câncer de mama, colo de útero e endométrio combinados; mais homens morrem por câncer de pulmão anualmente do que por câncer de próstata e colorretal combinados. Alguns dados apontam para uma maior incidência no sexo masculino (dois casos em homens para cada caso em mulheres), mas reporta-se uma crescente incidência do câncer de pulmão nas mulheres nas últimas décadas (JÚLIO, 2006). 3.3. Alimentos O alimento é a condição única e essencial para a manutenção da vida. Sem uma alimentação em quantidade e variedade adequadas o organismo não se desenvolve corretamente e nem dispõe de resistências (reservas nutricionais) para lutar ativamente contra doenças. Além disso, uma alimentação pobre em nutrientes pode contribuir para a morte e o envelhecimento precoce, sendo também a causa de um viver muito deficiente, sem saúde (GARAFALLO, 2004). É importante destacar que não é o valor energético da alimentação que é importante. Há certas populações que, embora disponham de determinados alimentos em abundância, não gozam de mais saúde que as que têm pouco para Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 238 comer. Se a alimentação não for variada, não fornecerá equilibradamente todos os nutrientes necessários à vida. A esta característica atribui-se o nome de monotonia alimentar (CARLOS, 2002). Segundo Tirapegui (1999), a má nutrição é consequência de diversos fatores, como a ingestão de nutrientes além do necessário – que pode ser relativa tanto à quantidade como à qualidade dos alimentos ingeridos –, a deficiência de absorção do organismo ou a má utilização do alimento pelo indivíduo. Todos os motivos citados podem levar à manifestação clínica de doenças ou criar condições para que ocorram. Há várias evidências de que a alimentação tem um papel importante nos estágios de iniciação, promoção e propagação do câncer, destacando-se entre outros fatores de risco. Entre as mortes por câncer atribuídas a fatores ambientais, a dieta contribui com cerca de 35%, seguida pelo tabaco (30%) e outros, como condições e tipo de trabalho, álcool, poluição e aditivos alimentares, os quais contribuem com menos do que 5%. Acredita-se que uma dieta adequada poderia prevenir de três a quatro milhões de casos novos de cânceres a cada ano (GARAFALLO, 2004). Nos estudos que envolvem câncer e dieta em diversas populações, um dos temas mais discutidos é a existência de uma diferença na incidência das várias formas de câncer, que pode estar relacionada às variações na ingestão de determinados componentes da dieta. A base para responder a esta e outras questões referentes ao câncer tem sido a epidemiologia. No entanto, o instrumento dessa área fica sujeito a limitações, quando visa identificar o real papel da alimentação no câncer (TULLI, 2009). Através do inquérito alimentar, um instrumento que permite o conhecimento do padrão alimentar e da sua variação temporal para diferentes populações mundiais, é possível identificar as modificações temporais no hábito alimentar e estimar o seu impacto sobre a ocorrência do câncer, tanto em grupos populacionais isolados, como em comparações entre populações de diversas regiões e países. Desta forma, pode-se observar a influência negativa da incorporação da dieta ocidental moderna (elevada em gordura e alimentos industrializados e pobre em fibras), no desenvolvimento das diversas formas de câncer desenvolvidos e em desenvolvimento (LEDERER, 2011). Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. nos países 239 São vários os casos de óbitos ocorridos nos Estados Unidos que estão diretamente ligados à alimentação. Estima-se uma incidência de 40% de câncer nos homens e 60% nas mulheres e para que se tenha um maior tempo de vida e uma qualidade adequada da mesma, um dos princípios fundamentais é uma boa alimentação (ARNOT 2008). Segundo Lederer (2011), os alimentos que encontramos de forma artificializada, ou seja, a maioria dos alimentos industrializados que contém uma enorme concentração de corantes químicos, conservantes, aromatizantes e gorduras tem uma parcela significativa de contribuição em várias doenças, entre elas o câncer. A maior parte dos alimentos consumidos a dezenas de anos não tinha em sua composição substancias artificiais, o que se explica uma qualidade de vida com refeições mais adequadas. O que percebemos é que vários são os alimentos que usam conservantes entre outras substâncias para manter suas características por um grande período de tempo. Como consequência disso, há uma perda considerável em suas propriedades (GARAFALLO, 2004). 3.4. Principais Substâncias Cancerígenas As N-nitrosaminas, compostos orgânicos conhecidos desde longa data, tornaram-se objeto de intensivos estudos toxicológicos a partir de 1956, quando Magee & Barnes 28 relataram pela primeira vez a indução de tumores no fígado de ratos alimentados com ração contaminada com N-nitrosodimetilamina (NDMA). Desde então, muitas pesquisas têm sido realizadas com animais de experimentação, objetivando avaliar os efeitos toxicológicos causados por Nnitrosaminas. A maioria destes compostos mostraram-se carcinogênicos em todas as espécies testadas, além de apresentarem ação teratogênica e mutagênica. Cabe ressaltar que dentre as nitrosaminas, as voláteis são as que apresentam maior potencial carcinogênico (MAGEE; BARNES, 1956). A exposição humana às nitrosaminas pode ocorrer como consequências de alguns hábitos, tais como fumar e mascar tabaco. Outras fontes podem ser água, artigos de borracha, cosméticos, agrotóxicos e outros. Contudo, a maior exposição acontece através da alimentação, assim, as nitrosaminas podem estar presentes em alimentos conservados por adição de nitrato e/ou nitrito (carnes curadas e queijos) Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 240 ou defumados (peixes e produtos cárneos), sendo que o processamento e preparo dos alimentos influenciam na quantidade de nitrosaminas formadas. As nitrosaminas são absorvidas principalmente pelo trato gastrintestinal, podendo ser absorvidas através da pele, ainda que com menor rapidez e porcentagem (ROSSINI, 2006). Os alimentos defumados, quando consumidos em excesso, podem provocar inflamação crônica do intestino; tais hábitos são mais frequentes na região sul e sudeste do Brasil. Devido a estes acontecimentos, vários cientistas procuram estudar as características destes alimentos. Alguns resultados mostram que usuários que consomem defumados com uma grande frequência, apresentam morte prematura por câncer em relação a pessoas que não fazem ingestão frequente destes alimentos (LEDERER, 2001). Os corantes são substâncias químicas que dão cores específicas e são produzidas naturalmente pelos seres vivos, tanto vegetais quanto animais, e até mesmo por fungos e bactérias. Os corantes artificiais são aditivos alimentares, usados para dar cor ou realçar alimentos processados e industrializados (ROSSINI, 2006). As frutas e as hortaliças têm assumido posição de destaque nos estudos que envolvem a prevenção do câncer. Van Duyn & Pivonka (2008), destacaram as evidências epidemiológicas de que o consumo de frutas e hortaliças tem um efeito protetor contra diversas formas de câncer. O referido estudo foi baseado em uma extensa análise de pesquisas epidemiológicas mundiais, realizadas de forma independente por comitês de especialistas do World Cancer Research Fund and the American Institute for Cancer Research do Chief Medical Officer's Committee on Medical Aspects of Food and Nutrition Policy. Os registros dos comitês apresentaram divergências, contudo, podem-se verificar evidências do efeito protetor do consumo de hortaliças e frutas sobre diversos tipos de câncer. Fazendo uma projeção na estimativa de prevenção, pode-se supor que o aumento no consumo de frutas e hortaliças promove uma redução na incidência global de câncer, que varia de 7% (estimativa conservadora) a 31% (estimativa otimista). Tendo por base os resultados das pesquisas avaliadas, os comitês foram unânimes em recomendar o aumento na ingestão de frutas e hortaliças, visando a prevenção do desenvolvimento do câncer (WORLD CANCER RESEARCH FUND, 2007). Estudos sobre câncer de esôfago e pulmão têm corroborado com o papel preventivo da ingestão de frutas e hortaliças contra essas doenças. Recentemente, Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 241 foi demonstrado que mesmo o aumento moderado na ingestão de frutas e hortaliças já resulta em proteção significante contra o câncer de cólon e reto, particularmente naqueles indivíduos que possuem um consumo inferior a duas porções destes alimentos por dia, demonstrando que a ingesta, mesmo que moderada, de frutas e hortaliças repercute na saúde das pessoas. Porém, ainda não está claro qual é o determinante anticarcinogênico das frutas e hortaliças, uma vez que são fontes de vitaminas, minerais, fibras, fitoquímicos e de outros componentes (LEDERER, 2011). Há algumas décadas, tem sido enfatizado o efeito protetor da fibra alimentar contra o câncer de cólon e reto. Este conceito foi sugerido por Burkitt em 2003, que relacionou a elevada ingestão de fibras com a baixa incidência desse tipo de câncer entre a população do leste da África. Entretanto, em dois estudos longitudinais envolvendo populações de vários países, obtiveram-se resultados controversos. Um deles demonstrou que as fibras alimentares reduziram em 33% o risco de mortalidade por este tipo de câncer, enquanto que em outra pesquisa não foi observada a mesma associação. A dificuldade em avaliar a relação entre fibra da dieta e câncer pode estar relacionada aos diversos tipos de fibras encontrados na composição dos alimentos. Embora plausível que haja um efeito protetor contra o câncer em alguns tipos de fibras, ainda é necessário maior número de investigações que visem identificar as fontes reais do efeito anticarcinogênico, presentes nas frutas, hortaliças e grãos (CAMARGO et al., 2010). Os resultados das pesquisas que envolvem os fitoquímicos representam um grande avanço na elucidação do papel preventivo do alimento, no combate ao câncer. Inúmeros fitoquímicos, como isoflavonas (genisteína, daidzeína), lignanas (matairesinol, secoisolariciresinol), terpenos e carotenoides, entre outros, presentes em diversos alimentos, são identificados como tendo papel preventivo contra várias formas de câncer (CASTRO et al., 2012). Os fitoquímicos podem interferir direta ou indiretamente na prevenção do câncer, uma vez que participam em diversas etapas do metabolismo; por exemplo, atuando como antioxidantes ou na redução da proliferação de células cancerígenas. A soja, bem como seus derivados, é apontada nos artigos analisados como tendo um efeito protetor em relação às várias formas de câncer, tanto naqueles hormôniorelacionados, quanto em outros tipos de neoplasias (GOMES, 2007). Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 242 O seu papel preventivo contra o câncer de mama feminina, observado nas populações que fazem uso habitual da soja, tem como possível explicação o seu elevado teor de isoflavona. Essa substância revela comportamento semelhante ao do medicamento "tamoxifen", utilizado no tratamento desta neoplasia. No entanto, chama-se a atenção para a existência de diferentes grãos de soja, em que a quantidade e os tipos de isoflavonas são distintos. Isto pode justificar as divergências encontradas nos diversos estudos. Por outro lado, uma segunda geração de alimentos contendo soja, como hambúrguer, salsicha, iogurte e queijo, apresenta teores diferentes de isoflavonas, menores, quando comparados aos encontrados naturalmente na alimentação asiática (VAN DUYN; PIVONKA, 2008). Portanto, há a necessidade de mais investigações envolvendo os biomarcadores para elucidar o papel dos fitoquímicos na prevenção do câncer, antes de recomendá-los especificamente como anticancerígenos que devem fazer parte da alimentação habitual. O lipídeo foi apontado nos artigos como sendo o principal alimento responsável na carcinogênese. Seu papel pode variar de acordo com a origem e composição. Entre os cânceres associados ao excesso de ingestão de gordura, destacam-se o de cólon e reto. Acredita-se que a elevada ingestão de gordura promove aumento na produção de ácidos biliares, que são mutagênicos e citotóxicos. Assim, foi sugerido que o padrão metabólico de diferentes ácidos graxos seja investigado como possível determinante do câncer de mama feminina. Outros aspectos a serem considerados na prevenção do câncer, são os métodos de preparo e conservação dos alimentos, visto que ambos, quando adotados, podem colaborar de forma direta ou indireta no desenvolvimento de certos tipos de neoplasias (TANJI et al., 2005). Está bem documentado que os compostos N-nitrosos e o nitrato induzem à formação tumoral por meio da sua transformação em nitrito, um óxido desestabilizado, levando ao aumento na produção de radicais livres e lesão celular. O nitrito, que pode ser formado endogenamente, também provém das carnes curadas (conservadas com nitrito de sódio), embutidos e alguns vegetais (espinafre, batata, beterraba, alface, tomate, cenoura, nabo, couve-flor, repolho, rabanete, etc.) que contêm nitrato, o qual é transformado em nitrito pela ação da saliva. Os mecanismos postulados para o aumento do risco do câncer de estômago com o consumo de compostos nitrosos estão associados ao aumento de radicais livres, Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 243 que promovem lesão celular com redução na produção de muco, um fator de proteção à mucosa gástrica (ROSSINI et al., 2006). Métodos de preservação e preparo de carnes, que acarretam a formação de aminas heterocíclicas, além dos nitritos, também foram associados ao maior risco de cânceres do trato gastrintestinal (WORLD CANCER RESEARCH FUND, 2007). 4. CONCLUSÃO A relação dos fatores dietéticos com o câncer e seus possíveis papéis como causadores e facilitadores das neoplasias são amplamente reconhecidos pela literatura, embora não se encontrem totalmente esclarecidos. A quimioprevenção através dos alimentos funcionais emerge como um importante instrumento na prevenção e controle anticarcinogênicos, das neoplasias, antioxidantes, sugerindo mecanismos antiinflamatórios, de ação anti-hormonais, antiangiogênicos, dentre outros, que atendem as características preventivas dos diversos tipos de cânceres. O fator dietético mais investigado foi o consumo geral de nutrientes, havendo possibilidade de vieses pelo participante da pesquisa, por responder de forma inadequada os questionamentos ou por não se recordar das características da sua alimentação, como quantidade, modo de preparo, condimentação, entre outros. Identificou-se a concentração de estudos em grandes centros urbanos, o que aponta a necessidade da importância de uma maior exploração dessa relação no Brasil devido as suas dimensões continentais e suas especificidades regionais, fundamentalmente na região norte, onde nesta pesquisa não foi resgatada nenhuma referência. Por fim, vê-se por demais valorosa a colaboração dos estudos científicos para a construção de saberes e a adoção de práticas que visem a redução da incidência de certas enfermidades, a adoção de hábitos de vida saudáveis e para a promoção da saúde como estratégia de enfretamento do câncer em todas as esferas de atenção da saúde. Revista UNIABEU, V.10, Número 24, janeiro-abril de 2017. 244 REFERÊNCIAS ARNOT, W. T. The Breast cancer Prevention Diet.Objetiva. São Paulo. 1998. BRASIL, Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Ações de Enfermagem para o controle do câncer: uma proposta de integração ensino-serviço. 2 ed. – Rio de Janeiro: INCA, 2002. _______. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: INCA, 2010. 118p. CAMARGO, Beatriz de; LOPES, Luiz Fernando. Pediatria Oncológica: noções e fundamentos para o pediatra. São Paulo: Lemar, 2010. 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