ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2145 A ORAÇÃO APOSITIVA: NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO SINTÁTICA Renata Jorge Leitão* INTRODUÇÃO A oração apositiva está classificada, segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) e as gramáticas que a seguem, como subordinada substantiva. No entanto, as construções que, nas gramáticas, exemplificam tal tipo de oração não se encontram, tal como se observa com as outras orações ditas “substantivas” (objetiva direta, objetiva indireta, completiva nominal, dentre outras), “encaixadas” na estrutura de outra, exercendo nesta um papel argumental. Desse modo, a relação com a oração dita principal não é, em geral, de integração sintática, mas de algum tipo de dependência, sobretudo, quando marcada pela presença da conjunção integrante. No presente artigo, faz-se uma análise da oração substantiva apositiva em discursos oratórios que se encontram disponíveis em endereço na internet da Câmara Federal dos Deputados. Conforme Paredes Silva (1997), os textos de oratória identificam-se com o tipo de estrutura expositivo-argumentativa. Para a autora, um texto com esse tipo de estrutura apresenta a proposição como unidade semântica, as construções sintáticas são mais complexas (subordinação), os verbos são usados em formas não perfectivas e são freqüentes as construções hipotéticas. Os discursos oratórios veiculados na Câmara são previamente escritos para serem lidos, por isso podem ser vistos como próximos do discurso literato, ou seja, são mais elaborados. Por outro lado, assemelham-se ao estilo oral, pela existência de um maior envolvimento entre interlocutores, o que possibilita o seu propósito principal, que é o de persuasão. A partir desses discursos, constituiu-se um corpus com 200 ocorrências de orações substantivas apositivas e investigou-se o nível de integração sintática com base nos parâmetros de Lehmann (1988), que identifica um contínuo que se estende desde a relação de não-dependência até a máxima integração entre as orações. 1. NÍVEL DE INTEGRAÇÃO SINTÁTICA ENTRE AS ORAÇÕES A distinção entre coordenação e subordinação nem sempre é suficientemente esclarecedora sobre o seu significado real e o seu estatuto na teoria da gramática. A relação entre coordenação e subordinação não é tratada por todos os gramáticos como uma dicotomia bem definida. A subordinação, caracterizada como um processo em que se manifesta uma relação de dependência, se contrapõe ao paralelismo de funções sintáticas freqüentemente usado como parâmetro para a caracterização da coordenação, em que se manifesta uma relação de independência. A ausência de uma coerência entre os gramáticos (Brandão, 1963; Câmara Jr, 1964; Carreter, 1968) mostra-se também na * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Ceará - UFC ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2146 definição dos termos subordinação, hipotaxe, coordenação, parataxe e justaposição, a partir de critérios formais. Nas gramáticas tradicionais e, até mesmo, na literatura da lingüística moderna, os termos coordenação e subordinação aparecem, freqüentemente, como sinônimos de parataxe e hipotaxe, respectivamente. Para diferentes estudiosos (Lehmann; 1988, Hopper e Traugott; 1993), que defendem a idéia de um contínuo de integração sintática, um dos problemas que surge, a partir das definições desses termos, é o estabelecimento de uma dicotomia entre a coordenação e a subordinação. Muitos gramáticos usam indiferentemente os termos hipotaxe ou subordinação, um pelo outro, e parataxe ou coordenação. Algumas vezes, a parataxe é identificada com a própria justaposição, ou se opõe à hipotaxe. Mesmo quando se opõe hipotaxe à parataxe, identificando-se a parataxe com a própria justaposição, não se chega a uma conclusão sobre a seguinte questão apresentada por Decat (1993): tratase de fenômenos distintos da gramática ou são meros procedimentos, estratégias para ligação de orações? A autora também argumenta que a subordinação é vista também como um conceito ligado à natureza da oração, contrapondo-se à coordenação, que é acidental. O funcionalista Halliday (1985) propõe o sistema de interdependência (“tático”) e o sistema lógico-semântico como dimensões para o tratamento da relação entre orações e termos. Como relações de interdependência, o autor especifica a hipotaxe e a parataxe. A relação de hipotaxe é uma relação assimétrica estabelecida entre um elemento dependente e o seu dominante. As orações adverbiais e adjetivas explicativas são, tipicamente, casos de hipotaxe. A relação de parataxe é mantida entre termos de igual estatuto, um iniciador e um continuador; as orações coordenadas e as construções apositivas típicas caracterizam-se pela relação paratática. De acordo com a proposta de Halliday, no sistema lógico-semântico, as relações entre termos e orações são agrupadas em dois tipos fundamentais: a expansão e a projeção. A expansão pode ocorrer mediante uma elaboração, uma extensão ou um realce. Trata-se de uma elaboração quando um elemento expande outro, reformulando-o, especificando-o em mais detalhes, apresentando exemplos. Segundo Halliday (1985: 203), é a relação semântica típica na aposição. É esse tipo de relação que se identifica em casos de aposição em que há uma construção apositiva típica. Considera-se uma extensão quando é acrescentado algum elemento novo, o que se tem, tipicamente, na coordenação. Trata-se de um realce ou encarecimento, quando é fornecido algum traço circunstancial relativo a tempo, lugar, modo, causa ou condição, tal como nas chamadas orações adverbiais. Cumpre dizer que Halliday (1985: 243) distingue o sistema “tático” de encaixamento, isto é, de integração. Segundo o lingüista, ao contrário das relações de parataxe e de hipotaxe, a relação de encaixamento não ocorre entre orações. Trata-se de um mecanismo por meio do qual uma oração ou sintagma passa a funcionar como um constituinte dentro da estrutura de um grupo, que, por sua vez, é um constituinte dentro de uma oração. A função característica de um segmento encaixado é a de pós-modificador de um sintagma nominal em que o núcleo constitui uma nominalização do conteúdo da oração que se segue. Nogueira (1999) analisa como caso de encaixamento o uso de construções apositivas que os gramáticos Quirk et al. (1985) vêem como casos de aposição parcial e fraca, e o que, para Matthews (1981) e Meyer (1989), constitui uma fronteira entre aposição e complementação. ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2147 Nesse tipo de construção apositiva, a oração encaixada é, do ponto de vista lógicosemântico, uma projeção. Segundo Halliday (1985:243), esse tipo de projeção não envolve nem processo verbal, nem mental, e surge como se fosse uma fórmula de construção projetada. Para Halliday, nesse caso, a oração encaixada também é analisada como pósmodificador do nome. Uma relação de projeção ocorre quando uma oração projeta-se através de outra que a apresenta como uma locução, uma idéia ou um fato. Conforme Nogueira (1996: 62), esse tipo de construção é analisado por alguns estudiosos como casos de fronteira entre aposição e o processo de complementação. Para Quirk et al (1985), tem-se uma oração aposta a um sintagma nominal precedente. Conforme Matthews (1981), se houvesse substantivos com os quais a oração fosse essencialmente obrigatória, a hipótese de complementação estaria fortalecida. Entretanto, o autor observa que, em geral, não é o que acontece. Com efeito, em frases como O fato de que ele está partindo, o substantivo fato não tem cognato verbal transitivo. Para o autor, o dilema permanece: se for considerado que há apenas uma expressão referencial numa construção que estaria incompleta, caso a oração estivesse ausente, trata-se de uma relação de complementação; todavia, se o sintagma O fato é analisado como uma expressão referencial e a oração de que ele está partindo é vista apenas como um reforço subsidiário para a identificação, trata-se de aposição. Nesta pesquisa, esse tipo de construção é analisado como oração apositiva encaixada. Um outro parâmetro para distinguir coordenação/subordinação e subordinação/hipotaxe na oração apositiva é a conjunção, pois sua presença é considerada como marca de subordinação, conforme Cardoso (1944). A oração substantiva apositiva que apresenta relação de hipotaxe é aquela que traz a conjunção. Como já se disse, no paradigma funcionalista refuta-se a dicotomia entre coordenação e subordinação. Lehmann (1988) apresenta parâmetros para verificar o nível de integração que há entre orações, considerando-a como fenômeno escalar. O primeiro parâmetro é a degradação hierárquica da oração, ou seja, considera-se o grau de autonomia e integração de uma oração em relação à outra. Nessa situação, a oração apositiva em estudo nem sempre faz parte integrante do termo da oração dita “principal”, tal como as outras orações substantivas (objetiva direta, objetiva indireta, completiva nominal, predicativa). Em relação a seu nível de integração, as construções apositivas analisadas foram classificadas como hipotáticas, paratáticas e encaixadas. O segundo parâmetro diz respeito ao nível sintático da oração dita principal à qual a oração subordinada pertence. Nesse caso, há um contínuo: orações independentes > oração subordinada à margem da principal > oração subordinada dentro da oração principal > oração subordinada dentro de um sintagma verbal > formação de um predicado complexo. Para a análise desse parâmetro, considerou-se a função sintática do termo dito fundamental. Esse termo foi classificado conforme as seguintes funções: complemento/ adjunto adnominal, adjunto adverbial, sujeito pré-verbal, sujeito pós-verbal, complemento verbal, complemento de cópula e termo absoluto. O terceiro parâmetro é a dessentencialização da oração subordinada, que diz respeito à gradação que vai das orações desenvolvidas até a nominalização da oração. Surge, portanto, o seguinte questionamento: a oração apositiva reduzida é mais integrada que a desenvolvida? Para a análise dessa questão, esta pesquisa classificou a oração subordinada apositiva em enunciado, oração desenvolvida ou finita e oração reduzida ou não-finita. ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2148 A gramaticalização do verbo é o quarto parâmetro e diz respeito à transformação de verbos principais lexicais em verbos modais, auxiliares e afixos gramaticais que modificam semanticamente o significado do verbo da oração subordinada. Esse parâmetro não foi aplicado à análise da construção que envolve a oração apositiva. O quinto parâmetro relaciona-se ao entrelaçamento das duas orações; do ponto de vista semântico, diz respeito ao compartilhamento de traços do significado das orações e conseqüente não-explicitação de elementos sintáticos comuns. Para consideração desse parâmetro, foi verificado se, entre as orações presentes na construção, havia ou não sujeito correferencial, como também se havia ou não equivalência modo-temporal entre os verbos. O sexto parâmetro refere-se ao grau de explicitude da oração, que se relaciona à presença ou ausência de um conectivo entre as orações. Nesse caso, a presença da conjunção torna a oração mais subordinada. A oração apositiva freqüentemente é exemplificada sem a conjunção. Esse parâmetro foi considerado como um dos critérios para a classificação das construções apositivas com relações hipotáticas e paratáticas verificadas na variável correspondente ao nível de degradação hierárquica entre as orações. Para se verificar o nível de integração entre as orações, de acordo com os parâmetros apresentados, deve-se perceber que, quanto menos parâmetros estiverem presentes, mais próximo do pólo paratático a relação entre as orações estará. Outra escala das relações entre as orações foi proposta por Hopper e Traugott (1993). Essa escala de gramaticalização das relações ocorre na perspectiva de graus crescentes de integração, que vai desde a parataxe, em que não há dependência nem encaixamento, até a subordinação em que a oração é dependente e encaixada. Parataxe < coordenação < hipotaxe < subordinação. Este trabalho discutirá, a partir da análise de ocorrências reais, o estatuto sintático da oração substantiva apositiva considerando esses parâmetros apresentados. 2. RESULTADOS 2.1. DEGRADAÇÃO HIERÁRQUICA DA ORAÇÃO SUBSTANTIVA APOSITIVA Conforme Lehmann (1988), a degradação hierárquica da oração refere-se ao grau de autonomia e de integração de uma oração em relação à outra. Neste trabalho, foi verificado o grau de dependência e não-dependência entre as orações que constituem a construção apositiva. As construções apositivas foram enquadradas em relações de encaixamento, hipotaxe e parataxe. Considerou-se encaixamento a relação que ocorre entre orações que se integram à estrutura de outra, tal como se observa nesta construção apositiva: (1) Causa-me muita surpresa o fato de que, no mesmo período em que a imprensa divulgava os incidentes ocorridos com o assessor parlamentar da Casa Civil, o Ministério da Cultura perdia mais da metade da sua diretoria. (134.9.448) ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2149 Na relação hipotática, há uma pausa entre a primeira unidade apositiva e a oração, além da presença de um conectivo subordinativo, a conjunção integrante que. (2) Utilizavam-se dos mesmos argumentos: que a economia precisava ficar estável, que tínhamos de ter responsabilidade com os acordos firmados, que precisávamos pagar à risca tudo o que nos comprometêramos a pagar. (2364.134.713a) Na relação de parataxe, há pausa, mas não há nenhum fator de dependência estrutural ou de encaixamento entre as orações, embora não seja possível a reversibilidade entre as unidades apositivas, nem, na maioria dos casos, a supressão da primeira unidade. (3) Portanto, temos uma grande dúvida: há ou não envolvimento do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso nessa história que envergonha qualquer homem ou mulher de bem deste País? (2741.66.462) Os resultados explicitados no gráfico (1) a seguir revelam a freqüência das relações hipotáticas, paratáticas e encaixadas das construções apositivas analisadas. Gráfico 1 Degradação Hierárquica da Oração Substantiva Apositiva 2,5% 5,5% Encaixamento Hipotaxe Parataxe 92,0% Tais resultados mostram que as relações paratáticas são bem mais freqüentes (92%) nas construções apositivas. As relações de hipotaxe (5,5%) e de encaixamento (2,5%) foram menos freqüentes. Dessa forma, observou-se que a maioria das construções apositivas analisadas não apresenta conectivo subordinativo, como no exemplo (34). Embora não se reconheça, nessas construções, uma condição de simetria, pela impossibilidade de permuta dos termos apositivos – o fundamental e a oração substantiva apositiva - ou de supressão de qualquer um deles, nota-se que o processo sintático é de uma justaposição em que a pausa do sinal de dois pontos é o que direciona o ouvinte para o que vai ser dito na oração seguinte. Assim, ainda que haja um direcionamento irreversível da esquerda para a direita, isto é, da segunda para a primeira unidade informacional da construção apositiva como um modo particular de apresentação de uma informação nova, a relação entre os elementos apositivos da construção, caracteriza-se, em maior proporção, como uma relação mais solta. Nas construções que apresentaram uma relação hipotática, percebeu-se a presença da conjunção subordinativa que caracteriza uma maior dependência entre as orações. ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2150 2.2 FUNÇÃO SINTÁTICA DA PRIMEIRA UNIDADE APOSITIVA Conforme Nogueira (1999: 146), estudos como os de Meyer (1992) mostram que a primeira unidade da construção apositiva exerce, predominantemente, funções sintáticas de sujeito, objeto direto, dentre outras funções exercidas por sintagmas nominais. Nas construções apositivas analisadas, diferentes funções sintáticas são exercidas pelo termo da primeira unidade apositiva, como por exemplo: complemento verbal (objeto direto), sujeito pós-verbal, termo absoluto, complemento nominal e adjunto adverbial. Os dados do gráfico a seguir revelam os valores percentuais das funções sintáticas exercidas pela primeira unidade apositiva. Gráfico 2 Nível sintático da primeira unidade apositiva Termo absoluto Complemento de cópula 1,5% 7,0% 68,0% Complemento verbal Sujeito pós-verbal Sujeito pré-verbal Adjunto adverbial Complemento/ adjunto adnominal 0% 3,5% 11,5% 2,0% 6,5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Segundo os dados mostrados, observa-se uma maior freqüência de termo fundamental com a função de complemento verbal (objeto direto e indireto). De acordo com Quirk et al., (1985), o princípio “end-weight” (peso no final) condiciona a colocação das unidades lingüísticas mais complexas, preferencialmente, no final da elocução, como, por exemplo, os complementos verbais. Além disso, de acordo com a hipótese da Estrutura Argumental Preferida (EAP), proposta por Du Bois (1987) e comprovada em muitas línguas, a posição de complemento verbal direto é, preferencialmente, a que codifica informação nova. Parece ser exatamente esta a função mais importante da construção que envolve a oração apositiva: a de criar uma expectativa em relação a um conteúdo novo. A segunda maior freqüência (11%) é de construções em que a primeira unidade apositiva tem a função sintática de sujeito pré-verbal, função tipicamente desempenhada por sintagmas nominais. A construção a seguir ilustra essa função: (4) Uma coisa é certa: temos de começar, pelo menos, a pensar no saneamento básico, no esgoto sanitário das cidades, na captação e no tratamento. Ou será que teremos de nos acostumar com o jeito feio dos nossos dias? (334.11.459) Nesse tipo de construção apresentada, o sujeito pré-verbal uma coisa é topicalizado (foco), e cria uma tensão no leitor em direção a segunda unidade apositiva. Percebe-se, ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2151 então, que o termo fundamental vem no início (foco), mas a oração substantiva apositiva vem no final, depois do predicado. Conforme Dik (1989: 316), os tópicos novos aparecem, freqüentemente, em uma posição final na oração; eles combinam propriedades das dimensões topicalidade e focalidade. Para Nogueira (1999: 150), uma expressão lingüística é mais longa e pesada porque, geralmente, está associada a mais informações que são necessárias à identificação e à introdução de um referente no universo discursivo. Meyer (1992: 92) afirma que a segunda unidade de uma construção apositiva sempre fornece, completamente ou parcialmente, uma informação nova relacionada com a primeira unidade. 2.3. DESSENTENCIALIZAÇÃO DA ORAÇÃO SUBSTANTIVA APOSITIVA Conforme Lehmann (1988), a dessentencialização refere-se a uma gradação que vai das orações desenvolvidas (sentenciais) até a nominalização da oração. Neste trabalho, as orações substantivas apositivas foram classificadas em enunciado, reduzida ou não-finita e desenvolvida ou finita. O gráfico a seguir mostra os resultados relativos ao parâmetro da dessentencialização. Gráfico 3 Dessentencialização da Oração substantiva apositiva 8% 14% Enunciado Desenvolvida Reduzida 78% Foram identificadas como enunciados as orações de natureza mais frouxa no vínculo sintático. Essas orações não apresentam conectivo de subordinação, nem apresentam preposição, tal como se observa no exemplo a seguir: (5) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, lanço uma indagação: será que o atual sistema eleitoral brasileiro favorece o valor da representatividade? (1464.122.437) As orações classificadas como reduzidas ou não-finitas apresentam verbo no infinitivo. Esse tipo de oração é mais próxima do comportamento de um mero substantivo, tal como se vê na seguinte construção apositiva: (6) O PSDB, por intermédio desta Liderança, está entrando com Representação perante o Procurador-Geral da República para não fazer aquilo que o Governo fez: omitirse diante de ato lesivo aos contribuintes e ao Poder Público. (1024.25.635) ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2152 Contrariamente ao que se poderia esperar, como não se trata da formação de um predicado complexo, mas do funcionamento típico de um sintagma nominal simples (substantivo) cujo conteúdo é antecipado, a condição de simetria entre os termos parece maior do que com o enunciado, pois há casos em que a oração reduzida de infinitivo pode substituir o termo fundamental. As orações desenvolvidas ou finitas apresentam o conectivo subordinativo, o que aumenta o grau de dependência em relação à primeira unidade apositiva, como se pode ver neste exemplo: (7) Não queremos aceitar as desculpas de sempre: que o problema é o consumo do verão, quando há mais de vinte anos questiona-se a falta de investimento nesse setor. (1521.2.409) Trata-se, portanto, de uma construção assimétrica em que é possível apenas a supressão da segunda unidade, a da oração apositiva. 2.4. ENTRELAÇAMENTO ENTRE AS ORAÇÕES Segundo Lehmann (1988), do ponto de vista semântico, o entrelaçamento diz respeito ao compartilhamento de traços de significado das orações e conseqüente nãoexplicitação de elementos sintáticos comuns. Nesta pesquisa, para a análise de tal parâmetro, verificou-se se há sujeito correferencial entre as orações. O gráfico (4) revela que há uma maior freqüência (73,5%) de construções apositivas em que o sujeito da oração em que se encontra a primeira unidade apositiva (nuclear), ou termo fundamental, não é correferencial ao sujeito da oração apositiva. Gráfico 4 Oração Substantiva apositiva: correferencialidade do sujeito 73,5% 100 80 26,5% 60 40 20 0 Sim Não Esse resultado revela-nos que o vínculo da oração substantiva apositiva é relativamente pequeno, o que contribui para uma menor dependência entre as orações, tal como se observa no exemplo a seguir: ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2153 (8) A conclusão é simples: as perspectivas de crescimento, antevistas em dados preliminares, deve ajudar a estimular as exportações de todo o Brasil, em particular de Pernambuco. (2164.130.452a) Em apenas 26,5% das ocorrências o sujeito das duas orações são correferentes, tal como se vê no exemplo apresentado a seguir: (9) Do total geral de casos registrados desde 1980, os homens têm a maior prevalência: são 220.783 com a doença (71,1% do total) contra 89.527 mulheres (28,8% do total). (2464.136.527) Também foi verificado se há uma equivalência modo-temporal entre a oração substantiva apositiva e a oração em que se encontra o termo fundamental. O gráfico a seguir expõe os resultados relativos a esse parâmetro: Gráfico 5 Oração Substantiva apositiva: equivalência modotemporal 71,5% 100% 80% 27,5% 60% 40% 20% 0% sim não O gráfico (5) revela que, em 71,5% das ocorrências analisadas, não há uma correspondência dos tempos e modos dos verbos presentes na oração a que pertence a primeira unidade apositiva e a oração substantiva apositiva propriamente dita. O exemplo a seguir ilustra ocorrência em que não há essa equivalência: (10) Vejam o desespero da Oposição: comemoram uma queda de 1%. (1024.25.710) No exemplo (10), na primeira oração nuclear, aparece o verbo ver no tempo imperativo. Na oração apositiva, o verbo comemorar está no tempo presente do modo indicativo. Portanto, não há, nesse caso, uma equivalência modo-temporal. Em apenas 27,5% das ocorrências houve uma equivalência entre o tempo e modo verbal das duas orações apositivas, tal como no exemplo a seguir: (11) Entretanto, surge a questão da vaidade: “O Fraga é da Oposição. Seus projetos não podem ser aprovados”. (2564.137.405a) Concluindo, em relação ao nível sintático-semântico, o vínculo da oração substantiva apositiva com a oração nuclear é bastante frouxo, como já havia sido percebido na análise da correferencialidade entre os sujeitos das orações. ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2154 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em relação aos aspectos sintático-semânticos, foi investigado o nível de integração sintática da oração substantiva apositiva. Para essa investigação, analisou-se a degradação hierárquica da oração e foi verificado o predomínio das relações de parataxe ou justaposição (92%), em que não há a presença de conectivo subordinativo, o que caracteriza uma relação mais solta. Quanto ao nível sintático em que se encontra a unidade à qual se vincula a oração apositiva, observou-se que a função sintática mais freqüente dessa unidade foi a de complemento verbal (objeto direto ou objeto indireto). Associa-se esse resultado ao princípio end-weight (peso no final) apresentado por Quirk et al (1985), pois a oração substantiva apositiva vem ao final da construção e, preferencialmente, codifica uma informação nova. Pode-se afirmar que a primeira unidade cria uma expectativa em relação ao conteúdo proposicional novo, que é apresentado pela própria oração substantiva apositiva. Quanto à análise da dessentencialização da oração substantiva apositiva, observouse que os enunciados foram predominantes. A partir desse resultado, pode-se reafirmar que a oração apositiva mantém uma relação mais solta na chamada oração complexa. Esse fato também foi confirmado na análise do nível de entrelaçamento entre a oração apositiva e a oração em que se encontra a expressão referencial encapsuladora (nuclear). Entre elas, verificou-se que é significativamente predominante a ausência de correferencialidade entre os sujeitos e de equivalência modo-temporal. Desse modo, constata-se que as construções que envolvem a oração substantiva apositiva apresentam traços associados aos processos sintáticos de coordenação e de subordinação, vistos ao longo de um contínuo, porém, como foi mostrado, houve o predomínio de um vínculo pequeno, o que estabelece uma menor dependência entre a expressão referencial encapsuladora e a oração substantiva apositiva. REFERÊNCIAS BRANDÃO, C. Sintaxe Clássica Portuguesa. Belo Horizonte, Imprensa da Universidade de Minas Gerais, 1963. CÂMARA, JR., J. M. Dicionário de lingüística e gramática. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. CARDOSO, B. Tratado da língua vernácula (gramática). Rio de Janeiro. Zelio Vlaverde, 311, 1944. CARRETER, F.L. Diccionário de términos filológicos. 3. ed. corrigida, Madrid., Editorial Gredos, 433, 1968. DECAT, M. B. N. Leite com manga, morre!: da hipotaxe adverbial no português em uso. São Paulo: PUC - SP, 287 P. (Tese, Doutorado: Lael), 1993. ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2155 DIK, C. S. The Theory of Functional Grammar. Dorderecht-Holland/Providence RI – EUA: Foris Publications, 1989. DU BOIS, J. W. The Discourse Basis of Ergativity. Language, 6.4: 805-855, 1987. HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985. HOPPER, P. e TRAUGOTT, E. Grammaticalization Cambridge: Cambridge University Press, 1993. LEHMANN, C. Towards a typology of clause linkage. In: Haiman, J. & Thompson, S. Clause Combining in Grammar and Discourse. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, p. 181-225, 1988. MATTHEWS, P. H. Juxtaposition. In: MATTHEWS, P. H. Syntax. New York: Cambridge University Press, p. 220-241, 1981. MEYER, C. F. Restrictive apposition: an indeterminate category. Nettherlands: English-Studies, 70, 2, 147-166, 1989. NOGUEIRA, Márcia T. A aposição em língua portuguesa. Fortaleza, 100p. Dissetação (mestrado em Lingüística e Língua Portuguesa) – Universidade Federal do Ceará, 1996. ______. A aposição não-restritiva em textos do português contemporâneo escritos no Brasil. Araraquara, 240p. Tese de Doutorado. UNESP-Araraquara-SP, 1999. PAREDES - SILVA, V.L. Forma e Função nos gêneros do discurso. In: ALFA – Revista de Lingüística. v. 41, nº esp., p. 79-98, 1997. QUIRK, R. et alli. A compreensive grammar of the english language. London/New York, Longman, 1985. ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 2156