a oração apositiva: níveis de integração sintática

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ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB
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A ORAÇÃO APOSITIVA:
NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO SINTÁTICA
Renata Jorge Leitão*
INTRODUÇÃO
A oração apositiva está classificada, segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira
(NGB) e as gramáticas que a seguem, como subordinada substantiva. No entanto, as
construções que, nas gramáticas, exemplificam tal tipo de oração não se encontram, tal
como se observa com as outras orações ditas “substantivas” (objetiva direta, objetiva
indireta, completiva nominal, dentre outras), “encaixadas” na estrutura de outra, exercendo
nesta um papel argumental. Desse modo, a relação com a oração dita principal não é, em
geral, de integração sintática, mas de algum tipo de dependência, sobretudo, quando
marcada pela presença da conjunção integrante.
No presente artigo, faz-se uma análise da oração substantiva apositiva em discursos
oratórios que se encontram disponíveis em endereço na internet da Câmara Federal dos
Deputados. Conforme Paredes Silva (1997), os textos de oratória identificam-se com o tipo
de estrutura expositivo-argumentativa. Para a autora, um texto com esse tipo de estrutura
apresenta a proposição como unidade semântica, as construções sintáticas são mais
complexas (subordinação), os verbos são usados em formas não perfectivas e são
freqüentes as construções hipotéticas. Os discursos oratórios veiculados na Câmara são
previamente escritos para serem lidos, por isso podem ser vistos como próximos do
discurso literato, ou seja, são mais elaborados. Por outro lado, assemelham-se ao estilo oral,
pela existência de um maior envolvimento entre interlocutores, o que possibilita o seu
propósito principal, que é o de persuasão.
A partir desses discursos, constituiu-se um corpus com 200 ocorrências de orações
substantivas apositivas e investigou-se o nível de integração sintática com base nos
parâmetros de Lehmann (1988), que identifica um contínuo que se estende desde a relação
de não-dependência até a máxima integração entre as orações.
1. NÍVEL DE INTEGRAÇÃO SINTÁTICA ENTRE AS ORAÇÕES
A distinção entre coordenação e subordinação nem sempre é suficientemente
esclarecedora sobre o seu significado real e o seu estatuto na teoria da gramática.
A relação entre coordenação e subordinação não é tratada por todos os gramáticos
como uma dicotomia bem definida. A subordinação, caracterizada como um processo em
que se manifesta uma relação de dependência, se contrapõe ao paralelismo de funções
sintáticas freqüentemente usado como parâmetro para a caracterização da coordenação, em
que se manifesta uma relação de independência. A ausência de uma coerência entre os
gramáticos (Brandão, 1963; Câmara Jr, 1964; Carreter, 1968) mostra-se também na
*
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Ceará - UFC
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definição dos termos subordinação, hipotaxe, coordenação, parataxe e justaposição, a
partir de critérios formais.
Nas gramáticas tradicionais e, até mesmo, na literatura da lingüística moderna, os
termos coordenação e subordinação aparecem, freqüentemente, como sinônimos de
parataxe e hipotaxe, respectivamente. Para diferentes estudiosos (Lehmann; 1988, Hopper
e Traugott; 1993), que defendem a idéia de um contínuo de integração sintática, um dos
problemas que surge, a partir das definições desses termos, é o estabelecimento de uma
dicotomia entre a coordenação e a subordinação. Muitos gramáticos usam indiferentemente
os termos hipotaxe ou subordinação, um pelo outro, e parataxe ou coordenação. Algumas
vezes, a parataxe é identificada com a própria justaposição, ou se opõe à hipotaxe. Mesmo
quando se opõe hipotaxe à parataxe, identificando-se a parataxe com a própria justaposição,
não se chega a uma conclusão sobre a seguinte questão apresentada por Decat (1993): tratase de fenômenos distintos da gramática ou são meros procedimentos, estratégias para
ligação de orações? A autora também argumenta que a subordinação é vista também como
um conceito ligado à natureza da oração, contrapondo-se à coordenação, que é acidental.
O funcionalista Halliday (1985) propõe o sistema de interdependência (“tático”) e o
sistema lógico-semântico como dimensões para o tratamento da relação entre orações e
termos. Como relações de interdependência, o autor especifica a hipotaxe e a parataxe. A
relação de hipotaxe é uma relação assimétrica estabelecida entre um elemento dependente e
o seu dominante. As orações adverbiais e adjetivas explicativas são, tipicamente, casos de
hipotaxe.
A relação de parataxe é mantida entre termos de igual estatuto, um iniciador e um
continuador; as orações coordenadas e as construções apositivas típicas caracterizam-se
pela relação paratática.
De acordo com a proposta de Halliday, no sistema lógico-semântico, as relações entre
termos e orações são agrupadas em dois tipos fundamentais: a expansão e a projeção.
A expansão pode ocorrer mediante uma elaboração, uma extensão ou um realce.
Trata-se de uma elaboração quando um elemento expande outro, reformulando-o,
especificando-o em mais detalhes, apresentando exemplos. Segundo Halliday (1985: 203),
é a relação semântica típica na aposição. É esse tipo de relação que se identifica em casos
de aposição em que há uma construção apositiva típica.
Considera-se uma extensão quando é acrescentado algum elemento novo, o que se
tem, tipicamente, na coordenação.
Trata-se de um realce ou encarecimento, quando é fornecido algum traço
circunstancial relativo a tempo, lugar, modo, causa ou condição, tal como nas chamadas
orações adverbiais.
Cumpre dizer que Halliday (1985: 243) distingue o sistema “tático” de encaixamento,
isto é, de integração. Segundo o lingüista, ao contrário das relações de parataxe e de
hipotaxe, a relação de encaixamento não ocorre entre orações. Trata-se de um mecanismo
por meio do qual uma oração ou sintagma passa a funcionar como um constituinte dentro
da estrutura de um grupo, que, por sua vez, é um constituinte dentro de uma oração. A
função característica de um segmento encaixado é a de pós-modificador de um sintagma
nominal em que o núcleo constitui uma nominalização do conteúdo da oração que se segue.
Nogueira (1999) analisa como caso de encaixamento o uso de construções apositivas
que os gramáticos Quirk et al. (1985) vêem como casos de aposição parcial e fraca, e o que,
para Matthews (1981) e Meyer (1989), constitui uma fronteira entre aposição e
complementação.
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Nesse tipo de construção apositiva, a oração encaixada é, do ponto de vista lógicosemântico, uma projeção. Segundo Halliday (1985:243), esse tipo de projeção não envolve
nem processo verbal, nem mental, e surge como se fosse uma fórmula de construção
projetada. Para Halliday, nesse caso, a oração encaixada também é analisada como pósmodificador do nome.
Uma relação de projeção ocorre quando uma oração projeta-se através de outra que a
apresenta como uma locução, uma idéia ou um fato.
Conforme Nogueira (1996: 62), esse tipo de construção é analisado por alguns
estudiosos como casos de fronteira entre aposição e o processo de complementação. Para
Quirk et al (1985), tem-se uma oração aposta a um sintagma nominal precedente.
Conforme Matthews (1981), se houvesse substantivos com os quais a oração fosse
essencialmente obrigatória, a hipótese de complementação estaria fortalecida. Entretanto, o
autor observa que, em geral, não é o que acontece. Com efeito, em frases como O fato de
que ele está partindo, o substantivo fato não tem cognato verbal transitivo. Para o autor, o
dilema permanece: se for considerado que há apenas uma expressão referencial numa
construção que estaria incompleta, caso a oração estivesse ausente, trata-se de uma relação
de complementação; todavia, se o sintagma O fato é analisado como uma expressão
referencial e a oração de que ele está partindo é vista apenas como um reforço subsidiário
para a identificação, trata-se de aposição. Nesta pesquisa, esse tipo de construção é
analisado como oração apositiva encaixada.
Um
outro
parâmetro
para
distinguir
coordenação/subordinação
e
subordinação/hipotaxe na oração apositiva é a conjunção, pois sua presença é considerada
como marca de subordinação, conforme Cardoso (1944). A oração substantiva apositiva
que apresenta relação de hipotaxe é aquela que traz a conjunção.
Como já se disse, no paradigma funcionalista refuta-se a dicotomia entre coordenação
e subordinação. Lehmann (1988) apresenta parâmetros para verificar o nível de integração
que há entre orações, considerando-a como fenômeno escalar.
O primeiro parâmetro é a degradação hierárquica da oração, ou seja, considera-se o
grau de autonomia e integração de uma oração em relação à outra. Nessa situação, a oração
apositiva em estudo nem sempre faz parte integrante do termo da oração dita “principal”,
tal como as outras orações substantivas (objetiva direta, objetiva indireta, completiva
nominal, predicativa). Em relação a seu nível de integração, as construções apositivas
analisadas foram classificadas como hipotáticas, paratáticas e encaixadas.
O segundo parâmetro diz respeito ao nível sintático da oração dita principal à qual a
oração subordinada pertence. Nesse caso, há um contínuo: orações independentes > oração
subordinada à margem da principal > oração subordinada dentro da oração principal >
oração subordinada dentro de um sintagma verbal > formação de um predicado complexo.
Para a análise desse parâmetro, considerou-se a função sintática do termo dito
fundamental. Esse termo foi classificado conforme as seguintes funções: complemento/
adjunto adnominal, adjunto adverbial, sujeito pré-verbal, sujeito pós-verbal, complemento
verbal, complemento de cópula e termo absoluto.
O terceiro parâmetro é a dessentencialização da oração subordinada, que diz respeito
à gradação que vai das orações desenvolvidas até a nominalização da oração. Surge,
portanto, o seguinte questionamento: a oração apositiva reduzida é mais integrada que a
desenvolvida? Para a análise dessa questão, esta pesquisa classificou a oração subordinada
apositiva em enunciado, oração desenvolvida ou finita e oração reduzida ou não-finita.
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A gramaticalização do verbo é o quarto parâmetro e diz respeito à transformação de
verbos principais lexicais em verbos modais, auxiliares e afixos gramaticais que modificam
semanticamente o significado do verbo da oração subordinada. Esse parâmetro não foi
aplicado à análise da construção que envolve a oração apositiva.
O quinto parâmetro relaciona-se ao entrelaçamento das duas orações; do ponto de
vista semântico, diz respeito ao compartilhamento de traços do significado das orações e
conseqüente não-explicitação de elementos sintáticos comuns. Para consideração desse
parâmetro, foi verificado se, entre as orações presentes na construção, havia ou não sujeito
correferencial, como também se havia ou não equivalência modo-temporal entre os verbos.
O sexto parâmetro refere-se ao grau de explicitude da oração, que se relaciona à
presença ou ausência de um conectivo entre as orações. Nesse caso, a presença da
conjunção torna a oração mais subordinada. A oração apositiva freqüentemente é
exemplificada sem a conjunção. Esse parâmetro foi considerado como um dos critérios para
a classificação das construções apositivas com relações hipotáticas e paratáticas verificadas
na variável correspondente ao nível de degradação hierárquica entre as orações.
Para se verificar o nível de integração entre as orações, de acordo com os parâmetros
apresentados, deve-se perceber que, quanto menos parâmetros estiverem presentes, mais
próximo do pólo paratático a relação entre as orações estará.
Outra escala das relações entre as orações foi proposta por Hopper e Traugott (1993).
Essa escala de gramaticalização das relações ocorre na perspectiva de graus crescentes de
integração, que vai desde a parataxe, em que não há dependência nem encaixamento, até a
subordinação em que a oração é dependente e encaixada.
Parataxe < coordenação < hipotaxe < subordinação.
Este trabalho discutirá, a partir da análise de ocorrências reais, o estatuto sintático da
oração substantiva apositiva considerando esses parâmetros apresentados.
2. RESULTADOS
2.1. DEGRADAÇÃO HIERÁRQUICA DA ORAÇÃO SUBSTANTIVA APOSITIVA
Conforme Lehmann (1988), a degradação hierárquica da oração refere-se ao grau de
autonomia e de integração de uma oração em relação à outra. Neste trabalho, foi verificado
o grau de dependência e não-dependência entre as orações que constituem a construção
apositiva.
As construções apositivas foram enquadradas em relações de encaixamento, hipotaxe
e parataxe. Considerou-se encaixamento a relação que ocorre entre orações que se integram
à estrutura de outra, tal como se observa nesta construção apositiva:
(1) Causa-me muita surpresa o fato de que, no mesmo período em que a imprensa
divulgava os incidentes ocorridos com o assessor parlamentar da Casa Civil, o Ministério
da Cultura perdia mais da metade da sua diretoria. (134.9.448)
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Na relação hipotática, há uma pausa entre a primeira unidade apositiva e a oração,
além da presença de um conectivo subordinativo, a conjunção integrante que.
(2) Utilizavam-se dos mesmos argumentos: que a economia precisava ficar estável,
que tínhamos de ter responsabilidade com os acordos firmados, que precisávamos pagar à
risca tudo o que nos comprometêramos a pagar. (2364.134.713a)
Na relação de parataxe, há pausa, mas não há nenhum fator de dependência estrutural
ou de encaixamento entre as orações, embora não seja possível a reversibilidade entre as
unidades apositivas, nem, na maioria dos casos, a supressão da primeira unidade.
(3) Portanto, temos uma grande dúvida: há ou não envolvimento do Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso nessa história que envergonha qualquer homem ou
mulher de bem deste País? (2741.66.462)
Os resultados explicitados no gráfico (1) a seguir revelam a freqüência das relações
hipotáticas, paratáticas e encaixadas das construções apositivas analisadas.
Gráfico 1
Degradação Hierárquica da Oração Substantiva Apositiva
2,5% 5,5%
Encaixamento
Hipotaxe
Parataxe
92,0%
Tais resultados mostram que as relações paratáticas são bem mais freqüentes (92%)
nas construções apositivas. As relações de hipotaxe (5,5%) e de encaixamento (2,5%)
foram menos freqüentes. Dessa forma, observou-se que a maioria das construções
apositivas analisadas não apresenta conectivo subordinativo, como no exemplo (34).
Embora não se reconheça, nessas construções, uma condição de simetria, pela
impossibilidade de permuta dos termos apositivos – o fundamental e a oração substantiva
apositiva - ou de supressão de qualquer um deles, nota-se que o processo sintático é de uma
justaposição em que a pausa do sinal de dois pontos é o que direciona o ouvinte para o que
vai ser dito na oração seguinte. Assim, ainda que haja um direcionamento irreversível da
esquerda para a direita, isto é, da segunda para a primeira unidade informacional da
construção apositiva como um modo particular de apresentação de uma informação nova, a
relação entre os elementos apositivos da construção, caracteriza-se, em maior proporção,
como uma relação mais solta.
Nas construções que apresentaram uma relação hipotática, percebeu-se a presença da
conjunção subordinativa que caracteriza uma maior dependência entre as orações.
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2.2 FUNÇÃO SINTÁTICA DA PRIMEIRA UNIDADE APOSITIVA
Conforme Nogueira (1999: 146), estudos como os de Meyer (1992) mostram que a
primeira unidade da construção apositiva exerce, predominantemente, funções sintáticas de
sujeito, objeto direto, dentre outras funções exercidas por sintagmas nominais.
Nas construções apositivas analisadas, diferentes funções sintáticas são exercidas pelo
termo da primeira unidade apositiva, como por exemplo: complemento verbal (objeto
direto), sujeito pós-verbal, termo absoluto, complemento nominal e adjunto adverbial. Os
dados do gráfico a seguir revelam os valores percentuais das funções sintáticas exercidas
pela primeira unidade apositiva.
Gráfico 2
Nível sintático da primeira unidade apositiva
Termo absoluto
Complemento de cópula
1,5%
7,0%
68,0%
Complemento verbal
Sujeito pós-verbal
Sujeito pré-verbal
Adjunto adverbial
Complemento/ adjunto adnominal
0%
3,5%
11,5%
2,0%
6,5%
10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Segundo os dados mostrados, observa-se uma maior freqüência de termo fundamental
com a função de complemento verbal (objeto direto e indireto). De acordo com Quirk et al.,
(1985), o princípio “end-weight” (peso no final) condiciona a colocação das unidades
lingüísticas mais complexas, preferencialmente, no final da elocução, como, por exemplo,
os complementos verbais.
Além disso, de acordo com a hipótese da Estrutura Argumental Preferida (EAP),
proposta por Du Bois (1987) e comprovada em muitas línguas, a posição de complemento
verbal direto é, preferencialmente, a que codifica informação nova. Parece ser exatamente
esta a função mais importante da construção que envolve a oração apositiva: a de criar uma
expectativa em relação a um conteúdo novo.
A segunda maior freqüência (11%) é de construções em que a primeira unidade
apositiva tem a função sintática de sujeito pré-verbal, função tipicamente desempenhada
por sintagmas nominais. A construção a seguir ilustra essa função:
(4) Uma coisa é certa: temos de começar, pelo menos, a pensar no saneamento básico,
no esgoto sanitário das cidades, na captação e no tratamento. Ou será que teremos de nos
acostumar com o jeito feio dos nossos dias? (334.11.459)
Nesse tipo de construção apresentada, o sujeito pré-verbal uma coisa é topicalizado
(foco), e cria uma tensão no leitor em direção a segunda unidade apositiva. Percebe-se,
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então, que o termo fundamental vem no início (foco), mas a oração substantiva apositiva
vem no final, depois do predicado.
Conforme Dik (1989: 316), os tópicos novos aparecem, freqüentemente, em uma
posição final na oração; eles combinam propriedades das dimensões topicalidade e
focalidade. Para Nogueira (1999: 150), uma expressão lingüística é mais longa e pesada
porque, geralmente, está associada a mais informações que são necessárias à identificação e
à introdução de um referente no universo discursivo. Meyer (1992: 92) afirma que a
segunda unidade de uma construção apositiva sempre fornece, completamente ou
parcialmente, uma informação nova relacionada com a primeira unidade.
2.3. DESSENTENCIALIZAÇÃO DA ORAÇÃO SUBSTANTIVA APOSITIVA
Conforme Lehmann (1988), a dessentencialização refere-se a uma gradação que vai
das orações desenvolvidas (sentenciais) até a nominalização da oração.
Neste trabalho, as orações substantivas apositivas foram classificadas em enunciado,
reduzida ou não-finita e desenvolvida ou finita. O gráfico a seguir mostra os resultados
relativos ao parâmetro da dessentencialização.
Gráfico 3
Dessentencialização da Oração substantiva apositiva
8%
14%
Enunciado
Desenvolvida
Reduzida
78%
Foram identificadas como enunciados as orações de natureza mais frouxa no vínculo
sintático. Essas orações não apresentam conectivo de subordinação, nem apresentam
preposição, tal como se observa no exemplo a seguir:
(5) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, lanço uma indagação: será que o atual
sistema eleitoral brasileiro favorece o valor da representatividade? (1464.122.437)
As orações classificadas como reduzidas ou não-finitas apresentam verbo no
infinitivo. Esse tipo de oração é mais próxima do comportamento de um mero substantivo,
tal como se vê na seguinte construção apositiva:
(6) O PSDB, por intermédio desta Liderança, está entrando com Representação
perante o Procurador-Geral da República para não fazer aquilo que o Governo fez: omitirse diante de ato lesivo aos contribuintes e ao Poder Público. (1024.25.635)
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Contrariamente ao que se poderia esperar, como não se trata da formação de um
predicado complexo, mas do funcionamento típico de um sintagma nominal simples
(substantivo) cujo conteúdo é antecipado, a condição de simetria entre os termos parece
maior do que com o enunciado, pois há casos em que a oração reduzida de infinitivo pode
substituir o termo fundamental.
As orações desenvolvidas ou finitas apresentam o conectivo subordinativo, o que
aumenta o grau de dependência em relação à primeira unidade apositiva, como se pode ver
neste exemplo:
(7) Não queremos aceitar as desculpas de sempre: que o problema é o consumo do
verão, quando há mais de vinte anos questiona-se a falta de investimento nesse setor.
(1521.2.409)
Trata-se, portanto, de uma construção assimétrica em que é possível apenas a
supressão da segunda unidade, a da oração apositiva.
2.4. ENTRELAÇAMENTO ENTRE AS ORAÇÕES
Segundo Lehmann (1988), do ponto de vista semântico, o entrelaçamento diz
respeito ao compartilhamento de traços de significado das orações e conseqüente nãoexplicitação de elementos sintáticos comuns.
Nesta pesquisa, para a análise de tal parâmetro, verificou-se se há sujeito
correferencial entre as orações. O gráfico (4) revela que há uma maior freqüência (73,5%)
de construções apositivas em que o sujeito da oração em que se encontra a primeira unidade
apositiva (nuclear), ou termo fundamental, não é correferencial ao sujeito da oração
apositiva.
Gráfico 4
Oração Substantiva apositiva: correferencialidade do
sujeito
73,5%
100
80
26,5%
60
40
20
0
Sim
Não
Esse resultado revela-nos que o vínculo da oração substantiva apositiva é
relativamente pequeno, o que contribui para uma menor dependência entre as orações, tal
como se observa no exemplo a seguir:
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(8) A conclusão é simples: as perspectivas de crescimento, antevistas em dados
preliminares, deve ajudar a estimular as exportações de todo o Brasil, em particular de
Pernambuco. (2164.130.452a)
Em apenas 26,5% das ocorrências o sujeito das duas orações são correferentes, tal
como se vê no exemplo apresentado a seguir:
(9) Do total geral de casos registrados desde 1980, os homens têm a maior
prevalência: são 220.783 com a doença (71,1% do total) contra 89.527 mulheres (28,8% do
total). (2464.136.527)
Também foi verificado se há uma equivalência modo-temporal entre a oração
substantiva apositiva e a oração em que se encontra o termo fundamental. O gráfico a
seguir expõe os resultados relativos a esse parâmetro:
Gráfico 5
Oração Substantiva apositiva: equivalência modotemporal
71,5%
100%
80%
27,5%
60%
40%
20%
0%
sim
não
O gráfico (5) revela que, em 71,5% das ocorrências analisadas, não há uma
correspondência dos tempos e modos dos verbos presentes na oração a que pertence a
primeira unidade apositiva e a oração substantiva apositiva propriamente dita. O exemplo a
seguir ilustra ocorrência em que não há essa equivalência:
(10) Vejam o desespero da Oposição: comemoram uma queda de 1%. (1024.25.710)
No exemplo (10), na primeira oração nuclear, aparece o verbo ver no tempo
imperativo. Na oração apositiva, o verbo comemorar está no tempo presente do modo
indicativo. Portanto, não há, nesse caso, uma equivalência modo-temporal.
Em apenas 27,5% das ocorrências houve uma equivalência entre o tempo e modo
verbal das duas orações apositivas, tal como no exemplo a seguir:
(11) Entretanto, surge a questão da vaidade: “O Fraga é da Oposição. Seus projetos
não podem ser aprovados”. (2564.137.405a)
Concluindo, em relação ao nível sintático-semântico, o vínculo da oração substantiva
apositiva com a oração nuclear é bastante frouxo, como já havia sido percebido na análise
da correferencialidade entre os sujeitos das orações.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação aos aspectos sintático-semânticos, foi investigado o nível de integração
sintática da oração substantiva apositiva. Para essa investigação, analisou-se a degradação
hierárquica da oração e foi verificado o predomínio das relações de parataxe ou
justaposição (92%), em que não há a presença de conectivo subordinativo, o que caracteriza
uma relação mais solta.
Quanto ao nível sintático em que se encontra a unidade à qual se vincula a oração
apositiva, observou-se que a função sintática mais freqüente dessa unidade foi a de
complemento verbal (objeto direto ou objeto indireto). Associa-se esse resultado ao
princípio end-weight (peso no final) apresentado por Quirk et al (1985), pois a oração
substantiva apositiva vem ao final da construção e, preferencialmente, codifica uma
informação nova. Pode-se afirmar que a primeira unidade cria uma expectativa em relação
ao conteúdo proposicional novo, que é apresentado pela própria oração substantiva
apositiva.
Quanto à análise da dessentencialização da oração substantiva apositiva, observouse que os enunciados foram predominantes. A partir desse resultado, pode-se reafirmar que
a oração apositiva mantém uma relação mais solta na chamada oração complexa. Esse fato
também foi confirmado na análise do nível de entrelaçamento entre a oração apositiva e a
oração em que se encontra a expressão referencial encapsuladora (nuclear). Entre elas,
verificou-se que é significativamente predominante a ausência de correferencialidade entre
os sujeitos e de equivalência modo-temporal.
Desse modo, constata-se que as construções que envolvem a oração substantiva
apositiva apresentam traços associados aos processos sintáticos de coordenação e de
subordinação, vistos ao longo de um contínuo, porém, como foi mostrado, houve o
predomínio de um vínculo pequeno, o que estabelece uma menor dependência entre a
expressão referencial encapsuladora e a oração substantiva apositiva.
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